quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo (ii)




Torre de Belém


«Não só pela administração, mas pelas ideias e realizações políticas, estamos reintegrados na Europa, de cuja civilização e progresso fomos em outras épocas importante fautor e seguro guia; e uma vez reintegrados também no nosso tempo pelos melhoramentos materiais, pela obra de educação e de valorização nacional empreendida, podemos ser no mundo, como já alguns nos consideram, verdadeiros criadores do futuro.

Nem sei em que o trabalho de reaportuguesamento das nossas instituições sociais e políticas, e o culto das boas, sãs, fecundas tradições nacionais, tam próprias para nos darem originalidade e carácter, hão-de levantar dificuldades de monta e não ser preferidos à cópia servil de quanto de pensa e faz em país estrangeiro, inspirador máximo da nossa actividade desde há muito tempo. Além do mais, este esforço é homenagem ao espírito criador da raça lusitana e ao seu poder de iniciativa, que será fecundo se o trabalho persistente da descoberta "interior" não ceder o passo à preguiçosa imitação de estranhas criações».

Oliveira Salazar (pref. de 17 de Fevereiro de 1935, in «Discursos», Vol. I, 1928-1934).


«As Pátrias só morrem quando querem morrer ou quando o seu escol, por erro, por negligência ou por cobardia, não está à altura das suas responsabilidades».

Henrique Veiga de Macedo (in «A Grande Divisão... o Intransponível Abismo», discurso em Vila da Feira, no acto de posse das comissões políticas da União Nacional, realizado nos Paços do Concelho, em 17 de Outubro de 1969).


«As nações da Europa devem ser conduzidas na direcção de um super-Estado sem que as pessoas percebam o que se está a passar. Isto pode ser conseguido através de sucessivos passos que, sob a capa de um propósito económico irreversível, deverão originar uma federação».

Jean Monnet ("Pai Fundador" da União Europeia, numa carta para um amigo - 30 de Abril de 1952).


«... Ora, Portugal foi vítima de um ludíbrio gigantesco, os portugueses foram enredados num logro colossal. As forças que atacavam Portugal, e os seus agentes, criaram na consciência colectiva, quanto à visão do País, uma fractura entre o consenso nacional histórico e o consenso nacional contemporâneo. Não foi por acaso que se procurou, e ainda procura, apagar e fazer esquecer a história de Portugal, e deste facto é a tentativa de destruir a figura de Camões, o símbolo mais expressivo: àquelas forças importa que Portugal se transforme numa terra sem história. Essa fractura levou a uma visão a curto prazo, e a permitir que se sacrificassem os interesses futuros para satisfação de interesses imediatos. Julgou-se que ambos coincidiam - e não coincidiam. Parece que hoje alguns, se não muitos, estão arrependidos: mas é irreversível o que se fez e o arrependimento não modificará a realidade das coisas. Por outro lado, um outro facto não era perdido de vista: os interesses gerais de um Ocidente em que Portugal estava inserido. Que a descolonização portuguesa, no momento em que foi efectuada e pela forma por que o foi, afectou gravemente os interesses ocidentais, parece não carecer de demonstração. E é seguro que muitos no Ocidente estão igualmente arrependidos. E também se afigura não carecer de prova o facto dessa descolonização não haver garantido a paz nos territórios, o seu progresso, a sua independência efectiva, o respeito pelos direitos humanos dos seus habitantes.







Estamos hoje perante factos consumados. Angola e Moçambique, e os demais territórios, foram proclamados independentes em condições deploráveis, e antes que fosse completado um processo sociológico evolutivo que daria base sólida a essa independência. Deverá lamentar-se o facto: porque não foram defendidos interesses legítimos portugueses, que em nada ofendiam a soberania ou afectavam a independência das antigas províncias: e porque as populações destas têm sido vítimas, nos planos político, económico e humano, de sofrimento sem conta. Em face das realidades, todavia, caberá agora afirmar e desenvolver uma cooperação entre todos - se os Portugueses quiserem, se os Angolanos e Moçambicanos quiserem - pondo nessa cooperação absoluta lealdade, boa-fé, espírito de fraternidade e entreajuda, para benefício de todos. Se se partir de uma base realista; se se encararem os problemas numa perspectiva de longo alcance; se não se misturarem preconceitos ideológicos nas questões em aberto: se, precisamente no respeito pela independência de todos, não se procurar interferir nos negócios internos de cada um; se a cooperação entre Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé puder ser expandida sem que se olhe ao regime interno vigente em cada momento; se for criado um clima de confiança recíproca, na certeza de que nenhum tem o que quer que seja a recear dos outros - uma grande e larga política poderá ser feita para vantagem de todos».

Franco Nogueira («Diálogos Interditos. A Política Externa Portuguesa e a Guerra de África», Vol. I).


«A 17 de Agosto de 2012, num comício feito semanas antes das eleições, José Eduardo dos Santos admitia percalços na condução do país e fazia promessas. “Sei que a espera por esta Angola que vai crescer mais e distribuir melhor foi longa, mas de uma coisa podem estar certos: agora que vencemos a etapa mais difícil de reconstrução do nosso país, os novos avanços serão muito mais rápidos”.

As boas intenções do presidente de Angola são, contudo, questionadas pelos críticos. Um deles, porventura, o mais notório, tem sido o angolano Rafael Marques, jornalista, activista, director do site Maka Angola e autor do livro Diamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola (Tinta da China, Lisboa, 2012), que sem rodeios acusa o MPLA de saquear Angola para investir em Portugal. Numa entrevista publicada na edição de 16 de Setembro de 2011 do Jornal de Negócios, traçou um retrato demolidor do poder angolano. “O que se investe em Portugal não tem retorno em Angola. É um processo mais limpo para o Estado português, que facilita estas operações, embora grande parte delas sejam ilegais. As empresas portuguesas têm sociedades com dirigentes angolanos para investirem em sectores controlados por esses mesmos dirigentes, contra as leis angolanas e portuguesas e não há um caso único de abordagem legal sobre esta promiscuidade. Não há. E fazem-se grandes artigos, na imprensa portuguesa, sobre os luxos de Angola, sem pensar nos milhares de cidadãos que morrem à fome, porque não têm assistência básica ou educação, porque os recursos são desviados”.



José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos, George Soros e Rafael Marques (ver aqui).









Um analista político angolano, sob anonimato, acrescenta outros elementos. “O poder em Angola é unipessoal. Está concentrado em José Eduardo dos Santos, nos aspectos políticos, militares, económicos, sociais e até culturais. A Constituição aprovada em Fevereiro de 2010 veio apenas ratificar em lei o que já acontecia na prática. Trata-se de uma lei feita à medida, só e exclusivamente para José Eduardo dos Santos legitimar o seu incomensurável poder e serve-se do partido que domina sem qualquer oposição visível. Tudo passa por ele: desde os generais que ganharam a guerra contra a UNITA e Savimbi, devidamente recompensados; aos juízes, deputados e governantes. Para controlar tudo isto, constituiu um grupo de colaboradores, conhecidos vulgarmente por 'futunguistas' [antes do Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente angolano era na zona do Futungo de Belas], que exercem poderes paralelos, pois são temidos por parecerem ser os olhos e ouvidos do chefe”. 

(...) No primeiro semestre de 2012, de acordo com dados do Banco de Portugal, os angolanos aplicaram em território nacional 130,7 milhões de euros, enquanto os investimentos em Angola se ficaram pelos 118,5 milhões de euros.

(...) A concretização deste poder resulta, em boa parte, da conjugação da fragilidade financeira de Portugal, por contraponto à opulência revelada por Angola. E é assim que se instalam sintomas de uma inversão de papéis: o colonizado transforma-se em colonizador e passa a ser um alvo constante de escrutínio em Portugal. Hoje, os ricos e poderosos angolanos são pessoas sem rosto, que cultivam a discrição e às quais são atribuídas compras astronómicas em Portugal, nas lojas de luxo na Avenida da Liberdade, ou de casas nas quintas da Marinha e do Lago. Uma investigação feita pelo site Maka Angola (maka quer dizer conflito, discussão, problema, no dialecto angolano kimbundu) baptizou o condomínio de luxo Estoril Sol Residence, onde os apartamentos custam entre um e cinco milhões de euros, como o “prédio dos angolanos”. A António Domingos Pitra Neto (que foi ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social), é atribuída a propriedade de cinco apartamentos. Fátima Giacomety, mulher do general Kopelika, é dona de dois e o antigo ministro das Finanças, José Pedro Morais, é proprietário de quatro. Entre muitos outros compradores angolanos, destaca-se também Álvaro Sobrinho, presidente não executivo do BESA e irmão de Sílvio e Emanuel Madaleno, sendo o primeiro presidente da Newshold, a empresa que é dona do semanário Sol, tem 15% do capital da Cofina (Correio da Manhã, Sábado, Record, Jornal de Negócios), 2% da Impresa (Expresso, SIC), um contrato de gestão do i e já anunciou o seu interesse em participar na privatização da RTP, entretanto adiada. Sobrinho tem seis apartamentos no Estoril Sol Residence, e os seus irmãos três.

Neste contexto de criação de uma elite financeira e empresarial angolana, as palavras e os actos de José Eduardo dos Santos funcionam como faróis, iluminando o caminho de quem o rodeia, validando ou interrompendo estratégias. “Ele é o árbitro e o jogador. O dono da bola”, afirma quem conhece os meandros de Angola. Apesar do “desgaste do tempo”, o poder continua a gravitar à sua volta e todos os grandes investimentos angolanos em Portugal, o da Sonangol no BCP e na Galp, ou o de Isabel dos Santos na Zon, são debatidos no Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente da República, num círculo restrito que integra o actual vice-presidente da República, Manuel Vicente, o chefe da Casa militar, Kopelika, e o marido de Isabel, o congolês Sindika Dokolo, entre outros, referem em uníssono empresários portugueses e angolanos».

Celso Filipe («O Poder Angolano em Portugal. Presença e influência do capital de um país emergente», Planeta, 2013).







Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo


Hoje considera positiva a passagem pelo poder? Conseguiu realizar o que pretendia?

Respondendo à pergunta que me é feita sobre se acho positiva a minha passagem pelo Governo, direi que foi para mim um privilégio trabalhar de perto com Salazar e ter-se podido, nesse longo período, realizar obra útil, materializada em reformas de base e estrutura e em outras numerosas providências, que visaram a ascenção cultural e social da nossa gente, em especial da mais humilde e desfavorecida. Julgo, pelo menos, ter sido «insaciável... na devoção à missão» e «ter contribuído para a paz social», para me servir das amáveis palavras com que o Dr. Franco Nogueira, no seu livro Salazar, vol. IV, se refere ao meu labor governativo. Move-me, sobretudo, ao fazer esta afirmação, o propósito de vincar que, e logo desde que, por volta de 1950, lhe foi apresentado o plano geral da Campanha contra o Analfabetismo, por mim elaborado, Salazar sempre me estimulou, sem nunca me ter contrariado na acção, ou coarctado a iniciativa e a liberdade de movimentos. Tinha, na verdade, profundo respeito pelo múnus governativo, e deixava os que o exerciam num grande à-vontade, por vezes, no meu entender, excessivo.

Valerá a pena ilustrar esta maneira de ser de Salazar com um exemplo. Em Outubro de 1959, salvo erro, decidi actualizar, com a a concordância da Federação dos Serviços Médico-Sociais, as remunerações dos médicos da previdência, organização, na altura, com pluralismo institucional, em regra de implantação regional, não integrada no Estado, e em cuja gestão também participavam, paritariamente, como se sabe, representantes dos trabalhadores e das entidades patronais. O Ministro da Saúde, impossibilitado, então, por razões orçamentais, de proceder de igual em relação aos médicos da função pública, submeteu o assunto à apreciação do Presidente do Conselho. E este, naquele jeito que lhe ficara do seu tempo de Ministro das Finanças, deu razão ao Ministro da Saúde, no decurso de uma reunião conjunta em que tomei parte. Preocupado com o facto, tanto mais que havia já assumido compromisso com a Ordem dos Médicos quanto aos termos do despacho, pedi a Salazar, poucas horas depois, em nova audiência, que mudasse de opinião. Não o fez, mesmo perante a minha insistência, mas acabou por me dizer que o Ministro era eu e que só a mim cabia a decisão final («o senhor é que sabe... e é o Ministro»). Assim, nesse mesmo dia, o despacho era publicado nos jornais vespertinos e seguia para o boletim do INTP, orgão oficial do Ministério.

Em reunião do Conselho de Ministros, ouvi-lhe um dia, estas palavras: «Há quem diga que sou ditador, mas não é verdade. Cumprir escrupulosamente a lei e integrar-me no seu espírito é minha preocupação permanente... Nem sequer me permiti, alguma vez, alterar ou revogar qualquer despacho de um Ministro, por mais que dele discordasse. Não tenho para tanto poderes legais, nem os quero, e duvido que, nos outros países, os Chefes do Governo se privem dessa faculdade. Quando não concordo com a orientação geral de um Ministro só me resta propor a sua exoneração ao Chefe do Estado».

Recorde-se que, ao tempo, nenhum decreto-lei poderia ser enviado para promulgação do Presidente da República e publicado no «Diário do Governo», sem que todos os Ministros o subscrevessem - prática que foi posta de parte logo que Salazar deixou de ser o Presidente do Conselho.

Anoto ainda que, como deputado, e mesmo quando simultaneamente presidia à Comissão Executiva da União Nacional, sempre na Assembleia Nacional, votei de acordo com os meus pontos de vista, e não raro tomei posições contrárias às do Governo, no plenário, e nas Comissões Parlamentares, sem que me fossem feitos quaisquer reparos.

Esta prerrogativa essencial, possível num regime apartidário, não o é num regime de partido único (não confundir, como é frequente, estes dois tipos diferenciados de regimes), nem tão-pouco num regime de partidos, o que se me afigura inadmissível quando penso na liberdade que os deputados devem ter para votarem sempre, e só, de acordo com o seu parecer e a sua consciência.




Hábil, realista, pragmático por conta e medida, sem nunca pôr em causa os valores essenciais da Constituição, Salazar sempre se empenhou na busca de soluções de equilíbrio e estabilidade. Daí a configuração pluralista dos seus governos, que integravam, por sistema, personalidades de formações e tendências ideológicas diversas ou mesmo alheias da política ou a esta avessas. E, quase sempre, eram minoria os ministros que se identificavam com o seu pensamento político, e mais raros ainda os filiados na União Nacional. Salazar sabia que a política era não só a arte do possível, mas também a de interessar e responsabilizar os homens e os grupos sociais no projecto político, em ordem a dar-lhe mais alargado consenso e maiores probabilidades de êxito.

Qual o aspecto humano do Doutor Salazar que mais o impressionou?

Não vejo como possa eleger uma, de entre as múltiplas, altíssimas e equilibradas qualidades de Salazar.

Salazar era, na sua mais viva expressão, a inteligência personificada: inteligência que sempre me sinto inclinado a definir como o conjunto harmonioso e perfeito dos méritos, atributos e capacidades.

Lúcido e calmo, íntegro, impoluto, incorruptível como pessoa, intelectual e governante; justo e objectivo nos juízos acerca dos homens e das situações; dotado do raro dom de conciliar o raciocínio com a sensibilidade, a coragem com a prudência, a energia com a afabilidade; distinto no porte e nas atitudes; desprendido das honrarias e dos bens materiais, no viver simples, modesto, espartano (não disse ele, um dia, dever à Providência a graça de ser pobre?); fiel aos princípios da sua crença e às exigências da Magistratura que, durante decénios, exerceu com inigualável noção das responsabilidades; incapaz, para obter aplausos fáceis ou dividendos de qualquer espécie, de lisonjear o povo, ou de o enganar com promessas aliciantes ou demagógicas; chefe, por vocação, imperativo de consciência, e por amor à terra onde nasceu e que serviu «sem ambições, sem ódios, sem parcialidades, na pura serenidade do espírito que busca a verdade e o caminho da justiça»; pensador profundo e profundo conhecedor da natureza humana, da História, das ideologias e dos sistemas) políticos («pouco valem as qualidades dos homens contra a força implacável dos erros que se vêem obrigados a servir»), e tendo do futuro uma visão penetrante, profética, que os acontecimentos confirmaram por toda a parte; patriota clarividente e fervoroso, devotado, em plenitude, à defesa intransigente dos supremos valores e interesses de Portugal, cuja identidade, e unidade, jamais comprometeu ou atraiçoou e cuja independência de facto conquistou e assegurou perante as potências do Ocidente e do Leste, e na palavra, pelo exemplo, pelo sentido dos seus ensinamentos e pela repercussão da sua obra imensa...






Salazar é para mim, e para tantos como eu, o estadista mais sábio e mais completo dos tempos modernos e um dos maiores da nossa multissecular existência colectiva da Nação. Desta Nação descobridora e civilizadora, «irmandade de povos», que, depois dele, alguns haviam de truncar na sua missão histórica e reduzir à primitiva e minguada dimensão na Europa, onde não poderia e não pôde caber, e que, conscientes do que destruíram, se empenham, por isso, agora, em apoucá-lo e denegri-lo da sua estatura e na luminosa grandeza da sua política e do seu magistério.

Há, todavia, um aspecto que particularmente me custa ser esquecido ou silenciado: o dever-se a Salazar não ter Portugal entrado na Segunda Grande Guerra, não obstante as terríveis dificuldades e as pressões que, nesse crucial e cruciante período, sobre ele se exerceram. Foi então que o seu génio de estadista mais se agigantou: o seu génio de estadista... e a força da sua autoridade moral. Ocorrem-me, a propósito, as palavras que, em 10 de Junho de 1946, o Embaixador Britânico em Portugal, Sir Owen O'Malley, proferiu durante o banquete, no Palácio das Necessidades, em honra dos Estados Unidos e da Inglaterra, precisamente sobre a relevância e significado dos princípios morais nas relações entre os povos. Depois de se referir «a uma identidade ou, pelo menos, a uma grande semelhança de pontos de vista em Portugal, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América quanto ao que são esses princípios morais que devem orientar as relações externas dos Estados uns com os outros», e de declarar ser esse «o clima em que medram a Aliança Anglo-Portuguesa e a amizade luso-americana», e de acentuar deverem esses mesmos princípios ser «a nossa inspiração e a nossa força», dirigiu a Salazar esta concludente palavra final: «Nenhum homem deste mundo, creio eu, o sabe melhor do que o nosso anfitrião e amigo, o Senhor Presidente do Conselho».

Ora, quantos dos que malsinam, por ignorânica ou má-fé, a memória de Salazar não pertenceriam hoje ao número dos vivos se a sua política não houvesse poupado o País aos horrores da guerra?».

O monumento de gratidão que, em Janeiro de 1948, as Mulheres Portuguesas, por lhe «deverem a vida e a paz dos seus lares», lhe ergueram junto do Palácio de São Bento, mãos ignaras, em hora desorientada, o derrubaram, sem que tenham podido calar a verdade e o sentimento que o mármore simbolizava.

Em contrapartida, quantos milhares, centenas de milhar de homens, mulheres e crianças perderam a vida, e suportaram sofrimentos inauditos na carne e no espírito - e quantos ainda suportam! - vítimas de lutas fratricidas, de genocídios, e da opressão de regimes e movimentos impiedosos, só porque não se quis manter e dar continuidade, na sua essência e patriótica finalidade, à política de Salazar?

Perante tamanho holocausto, traídos que foram sagrados compromissos e destruídas certezas e esperanças de séculos, como omitir esta pergunta?

Poderá supor-se que a minha admiração de sempre por Salazar, reforçada por um grato e longo convívio de anos, impede que me pronuncie com objectividade sobre a sua personalidade e a sua obra, agora que sou chamado a fazê-lo. Mas não é assim.



António José Saraiva



Salazar impõe-se naturalmente, e impor-se-á cada vez mais com o rodar dos tempos, à medida que assente a poeira das paixões, serenem os espíritos e avultem ainda mais as lições dos acontecimentos por ele tão percucientemente antevistos. São, aliás, numerosíssimos e impressivos os depoimentos de prestigiosas figuras nacionais e estrangeiras em que lhe é prestada justiça. Afiguram-se-me, por exemplo, flagrantes de oportunidade as apreciações que, sobre Salazar, o Prof. António José Saraiva faz no jornal Expresso, de 22 de Abril de 1989.

Num primoroso artigo, o autor da História da Cultura em Portugal aí fala dos Discursos e Notas de Salazar, «pela limpidez e concisão do estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em Língua Portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso» e, assim, «por esse lado, merecedora de um lugar de relevo na nossa História da Literatura (e só considerações de ordem política a têm arredado do lugar que lhe compete)»; aí acentua que «Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis de Portugal, possuindo uma qualidade que os homens notáveis nem sempre têm - a recta intenção», «além de qualidades de administrador miraculosamente raras junto a uma igualmente rara integridade»; e aí se lembra que, graças a Salazar, «se conseguiram coisas hoje inconcebíveis, como a neutralidade na II Guerra Mundial» e se «conseguiu também, e pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue na Primeira Grande Guerra».

E a concluir, o Prof. António José Saraiva assinala: «E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa História a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de Nação Independente. Agora em plena democracia e sendo o povo soberano, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE».

Ao ler estas palavras pungentemente verdadeiras de alguém cuja probidade e independência de espírito estão fora de toda a discussão, acodem-me à memória estas outras palavras de Salazar, de 1946, terrivelmente proféticas:


«Tempos houve em que os Portugueses se dividiam acerca da forma de servir a Pátria. Talvez se aproximem tempos em que a grande divisão, o inultrapassável abismo há-de ser entre os que a servem e os que a negam».


Já em 11 de Fevereiro de 1982, o mesmo intelectual, em entrevista concedida ao jornal O País, depois de falar de Salazar, da «sua dignidade muito própria de camponês» e da sua obra nos domínios da Economia, das Finanças e das Obras Públicas, interpelado pelo entrevistador que lhe observou poder pensar-se, ouvindo-o, que António José Saraiva se convertera ao Salazarismo, logo respondeu: «Não, não. Tenho de resistir a essa tentação. Apenas reconheço que, quando se fizer uma História de Portugal e nela forem destacados cinco ou seis homens representativos de uma vontade portuguesa de ser, um deles será Salazar. E será também um dos exemplos de dignidade... Mas era isso! Esses valores enraizados, camponeses - que esta gente... "este pessoal de agora"... não tem. Não tem! Não tem estrutura».



Serra do Caramulo



É, é isso. Valor intrínseco, profundo, autêntico, o possuía, em verdade -, e de que maneira! - António de Oliveira Salazar, esse modesto camponês, esse «filho do campo criado ao murmúrio das águas de rega e à sombra dos arvoredos», que viria a ser o maior Português de todos nós. É isso. Tinha estrutura... tinha raiz e altura. Foi vontade e foi acção. E é pensamento... e Mensagem.

Quer fazer um juízo sobre o Estado Novo à luz da História?

O Estado Novo (e só quero referir-me à época em que Oliveira Salazar foi governante) teve momentos altos, realizações do maior alcance nacional, em todos os domínios, e engrandeceu-se ainda mais com a política externa e com a defesa intransigente da soberania e da independência de Portugal, em toda a dimensão do seu corpo e da sua histórica missão civilizadora. Teve, também, é certo, limitações e contradições, e atravessou vicissitudes diversas, que não raro foram objecto de apreciações críticas de personalidades a ele ligadas e, até, de Salazar.

Pela minha parte, tive ensejo em várias ocasiões de publicamente apontar alguns aspectos do regime que se me não afiguravam positivos. A título exemplificativo, enunciarei, de modo esquemático, os seguintes:

- A legislação do condicionamento industrial que, pelos seus princípios informadores e também pela sua aplicação, teve, enquanto vigorou, influência negativa no natural desenvolvimento da actividade económica do País;

- A manutenção dos organismos de coordenação económica (que, aliás, de corporativos, institucionais ou representativos, nada tinham), para além do período em que circunstâncias especiais, decorrentes da II Grande Guerra, terão imposto a sua criação;

- A ausência de uma política global de emprego, e de um seguro autónomo ou integrado no sistema de Previdência Social para a cobertura do risco de desemprego. Na verdade, o Comissariado de Desemprego, injustificadamente integrado num ministério sem específica vocação social e sem estruturas adequadas, via os seus fundos, provenientes de descontos sobre ordenados e salários, aplicados, quase exclusivamente, em obras públicas, tudo se passando como se fossem produto da arrecadação de impostos gerais do Estado;

- O excessivo congelamento dos salários e a contenção no desenvolvimento da política do trabalho e previdência nos anos do após-guerra, até que, a partir de 1955, se tornou possível mudar de rumo;

- As grandes obras de irrigação no Alentejo, na medida em que não foram acompanhadas de providências de índole social, sobretudo das conducentes a um alargado e justo acesso à posse plena da terra de rendeiros e de trabalhadores preparados para as explorações agrícolas, e isto, tanto mais quanto não poucos latifundiários eram absentistas e esquecidos da função social que à propriedade privada também cabe.

A este respeito, Salazar, ele mesmo, chamou a atenção para a injustiça relativa de fundos públicos serem predominantemente investidos em obras de irrigação no Sul, sem se atentar nas manifestas insuficiências da propriedade no Norte e Centro do país. Ocorre-me que, numa reunião do Conselho de Ministros, chegou a dizer que, sendo embora compreensível que o Ministério das Obras Públicas quisesse fazer obras, não poderiam ignorar-se importantes aspectos sociais a tomar em conta, como o da necessidade de SI: promover o acesso à propriedade da terra do maior número possível de famílias e, também, de se impedir que, sem a devida ponderação de todos os interesses em causa, de graça ou quase, grandes e ricos proprietários ficassem mais ricos em consequência de obras realizadas pelo Estado com dinheiros públicos.

Ouvi-o ainda falar da vantagem em se rever, para essas zonas, o próprio instituto jurídico da propriedade, preocupado, por certo, além do mais, com a excessiva e nem sempre justificada concentração da posse da tela na mão de alguns, que chegava a atingir, como em Alcácer do Sal, proporções extremas.

Ao exprimir estes reparos, julgo útil referir de novo que, regra geral, Salazar deixava aos seus ministros a maior liberdade de acção, além de que os seus governos, de base pluralista, eram integrados por personalidades com ideias, mentalidades e estilos de acção diferentes dos seus. Este último facto que ainda há pouco foi lembrado na imprensa por essa alta figura da inteligência portuguesa que é o Professor Jorge Borges de Macedo -, se se traduzia em algumas efectivas e reais vantagens, haveria, necessariamente, de, em contrapartida, tornar mais difícil a coordenação das actividades dos vários ministérios e de afectar, por vezes, de algum modo a própria unidade do labor governativo.






Isto explicará, ao menos em boa medida, que o regime cuja Constituição fora plebiscitada em 1933, e que herdara uma tremenda herança de instabilidade política, de agitação social, de descalabro económico e financeiro, de atraso cultural e de descrédito externo, nem sempre houvesse podido integrar-se, na prática, nos seus princípios fundamentais e tivesse incorrido em falhas e desvios. Mas nunca ao ponto de, ao fazer-se com serena objectividade um balanço global do que foi a Segunda República, se poder, sequer, pôr em dúvida a enorme e polivalente obra de ressurgimento pátrio que levou a termo sob a lúcida inspiração de quem não «tendo aspirado ao poder como direito, o aceitou e o exerceu como dever».

Não há, por certo, regimes perfeitos. Mas há «os que servem e os que desservem as Nações». Que o Estado Novo serviu bem Portugal, ninguém, com razão, o poderá negar» (ibidem, pp. 50-58).


domingo, 27 de outubro de 2013

Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo (i)




Henrique Veiga de Macedo (o 2.º a contar da direita).



Henrique Veiga de Macedo nasceu em Santa Maria de Lamas, a 27 de Abril de 1914. Foi Subsecretário de Estado da Educação Nacional entre 23 de Junho de 1949 e 8 de Julho de 1955, bem como Ministro das Corporações e Previdência Nacional de 8 de Julho de 1955 a 4 de Maio de 1961. Em Outubro de 1974, na sequência da revolução comunista que destruiu de vez o Ultramar Português, Veiga de Macedo emigrou para o Brasil onde permaneceria cerca de 10 anos como assessor e auditor nas várias empresas em que trabalhou. Foi também professor na Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Garulhos, São Paulo, a cujo quadro directivo pertenceu e onde regeu cursos e fez conferências e palestras sobre Filosofia do Direito, Doutrinas Políticas e Económicas, Segurança e Previdência Social, Literatura e História. Veiga de Macedo foi ainda distinguido, condecorado e louvado na qualidade de Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública e da Ordem de Cristo, e Grã-Cruz desta última Ordem, além de ter possuído a Medalha Naval do Centenário da Morte do Infante D. Henrique.

Muito mais se poderia dizer do lídimo Português que foi Henrique Veiga de Macedo e do seu inestimável contributo para o engrandecimento histórico e espiritual de Portugal. E a par da sua evocação, acusemos ainda a recente perda do último General Português cujo patriotismo e coragem física foram inquestionáveis no seguimento do 25 de Abril de 1974: Silvino Silvério Marques. De resto, não seria por acaso que, no 11 de Março de 1975, o PCP já tivesse funcionários, quadros e militantes infiltrados em Angola na sequência de uma situação francamente favorável às forças portuguesas no período anterior à revolução comunista de 74. Por outras palavras, a entrega do Ultramar Português foi um crime de lesa-Pátria perpetrado por forças revolucionárias que compeliram à deserção dos militares nas três frentes de combate: Guiné, Angola e Moçambique.

Relativamente a esta deserção aprontada por Melo Antunes, Rosa Coutinho, Mário Soares, Almeida Santos e todos os responsáveis afins que concorreram para as dezenas de milhar de mortos no Ultramar Português, existem alguns elementos relevantes no livro da jornalista Alexandra Marques, intitulado Segredos da Descolonização de Angola (Publicações D. Quixote, 2013). Aqui, pois, ressaltam mais particularmente os incidentes terroristas no norte e leste de Angola cometidos contra a vida e os bens dos portugueses, tais como: tiros, catanadas, espancamentos, assaltos a fazendas, vandalização e destruição das fontes de riqueza, dispersão e depredação de instalações, saques, emboscadas, assassinatos, barragens nas estradas e entradas furtivas em residências habitadas, roubos de viaturas, sanzalas saqueadas e destruídas, apedrejamentos, mulheres brancas violadas, pessoas alvejadas, rebentamentos fortuitos de granadas e explosões de morteiro, banditismo e toda a espécie inimaginável de actos de barbárie baseados no terror e na intimidação – transportes maltratados, acessos aos centros urbanos cortados, rezes esquartejadas, circuitos de comercialização destruídos, assaltos a operários nas fábricas, disparos sobre condutas de águas, ataques a hospitais, fuga de técnicos e saneamento de elementos válidos da administração pública com vista à destruição total da economia de Angola.

Silvino Silvério Marques


Neste contexto, Rosa Coutinho chegou mesmo a declarar que dera dez milhões de escudos mensais aos movimentos armados de Angola. «Em 1997, o Almirante justificou a mensalidade concedida nos seguintes termos: “Atribuí a cada um dos três movimentos um subsídio mensal de dez mil contos, equivalente a 200 000 contos actuais. Quem mais beneficiou com isso foi o MPLA, pois não tinha nada”» (cf. Alexandra Marques, op. cit., p. 160). Entretanto, Agostinho Neto recebia apoio financeiro da União Soviética, da Argélia, das nações árabes, da Escandinávia e contava com «alguns apoios prestados pela Europa do leste e da OUA [Organização de Unidade Africana]» (ibidem, pp. 146).

Mais: «O MPLA beneficiava do “apoio de vários países comunistas: União Soviética, Jugoslávia e Checoslováquia através da Zâmbia, Tanzânia e do Congo”, concedido em armamento e em frequentes cursos de especialização: “A necessidade de aumentar a curto prazo a sua capacidade militar, a fim de fazer face à posição de força da FNLA, parece ter determinado uma nova aproximação do MPLA à URSS”, o que era comprovado pelo “recebimento de vários carregamentos de material de guerra provenientes não só da União Soviética como de outros países comunistas”, como a Jugoslávia e a Checoslováquia. A ligação excessiva a Moscovo poderia, no entanto, acorrentá-lo a “um enfeudamento demasiado pesado” e restringir a sua “independência política”, além de poder inibir o auxílio “de outros países que embora progressistas não querem ser aliados da URSS neste tipo de apoio”, referia a CCPA [Comissão Coordenadora do Programa (do MFA) para Angola]. Brazzaville (que pouco apoio lhe dera durante a guerra) “procurou a partir do 25 de Abril que [o MPLA] transferisse os seus efectivos para o interior de Cabinda”. O Congo continuava “a permitir o desembarque de material de guerra no porto de Ponta Negra” e que tivesse um “importante centro de treino em Dolisie”. A Tanzânia facilitava a passagem “de armamento e equipamento destinado ao Leste de Angola” e a Argélia era “uma espécie de mentor revolucionário do MPLA, proporcionando-lhe apoio político e diplomático”» (ibidem, pp. 292-293).

Por outro lado, a entrega de Moçambique dera-se com base numa proposta redigida «pelos dirigentes da Frelimo (Joaquim Chissano e Óscar Monteiro) e por Almeida Costa, na última noite, no seu quarto de hotel com uma garrafa de conhaque». Aliás, Melo Antunes foi quem, efectivamente, delegou em Almeida Costa a tarefa de pôr por escrito a transferência de poderes para a Frelimo prevista e realizada de 7 de Setembro de 1974 a 25 de Junho de 1975 (ibidem, pp. 51-52). Demais, nos últimos meses de 1974, Portugal chegara a investir no Ultramar seis milhões de contos «em ajudas não reembolsáveis» (ibidem, p. 149).




Por outro lado, o ímpeto destrutivo e satânico que acompanhou todo este processo é também passível de ser encontrado em Richard Wurmbrand: 

«Segundo sabemos, Marx é o único autor de renome que qualificou os seus próprios escritos como "merda" ou como "livros imundos". Ele, consciente e deliberadamente, oferece lixo aos seus leitores. Daí que não seja de admirar que os seus discípulos comunistas na Roménia e em Moçambique tenham forçado os prisioneiros a comer os seus próprios excrementos e a beber a sua própria urina.

(...) Em Moçambique, o cristão Salu Daka Ndebele foi interrogado pela polícia secreta de Maputo. O agente disse-lhe: "Nós queremos matar o teu Deus". Ele sacou da sua pistola em direcção à cabeça do prisioneiro e disse-lhe: "Isto é o meu Deus. Com isto eu tenho o poder sobre a vida e a morte. Se o teu Deus aqui vier, sou eu próprio que o mato".

Em Chiasso, Angola, os comunistas trucidaram animais numa igreja e puseram as suas cabeças no púlpito e sobre um altar. Um cartaz dizia: "Estes são os deuses que vós adorais". O pastor Aurélio Chicanha Saunge e cento e cinquenta paroquianos foram assassinados» (in «Marx and Satan»).

Não é, pois, de admirar que a onda avassaladora de crimes contra a humanidade ditados pelo processo revolucionário se reflectisse nos milhares de mortos do 27 de Maio de 1977, decorrentes da «depuração» feita no seio do Movimento para a Libertação de Angola (MPLA). Por outras palavras, foram arbitrariamente mortos, por fuzilamento ou execuções sumárias, membros do Comité Central, ministros, comissários ou governadores das províncias, pessoal do Departamento de Informação e Segurança de Angola (DISA), bem como das Forças Armadas de Libertação de Angola (FAPLA). Enfim, um sem-número inacreditável de mortos num cenário apocalíptico caracterizado por decapitações, pessoas famintas que desenterravam os mortos para comer, pessoas sepultadas vivas em valas comuns, e outras que, depois de fuziladas, eram lançadas de avião ou de helicóptero para o mar ou para a mata. Demais, uma tal purga atingiu igualmente amigos, simpatizantes e familiares das dezenas de milhar de mortos presos, interrogados, torturados e, por fim, executados sem julgamento (cf. Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, Purga em Angola, Edições Asa, 2007).






Na imprensa portuguesa da época, o Terror em Angola passara praticamente despercebido, salvo para a poetisa Natália Correia que o designara por Gullag Angolano (in «Jornal Novo»). Passados mais de 30 anos após os crimes e atrocidades cometidas em Angola no 27 de Maio de 1977, os Portugueses pouco ou quase nada sabem desses acontecimentos tenebrosos. De resto, os co-autores de Purga em Angola têm um percurso revolucionário de marcada feição socialista, a começar por Álvaro Mateus que, aquando do terrorismo em Angola em 1961, promoveu e coordenou «um jornal clandestino consagrado à denúncia do colonialismo e da guerra», assim como apoiou as alegadas lutas de libertação nacional nas Províncias Ultramarinas Portuguesas. Aliás, os co-autores, já depois de reduzido a cinzas o Ultramar português, leccionaram «na Escola Central do Partido da FRELIMO, colaborando na formação de professores». E mais confessam, pela pena de Dalila Cabrita Mateus: «Continuamos a manter-nos fiéis aos princípios e sonhos de liberdade, igualdade e fraternidade, que sempre acalentámos». Em suma, continuam fiéis ao socialismo que tudo destruiu e hoje prega a felicidade e a prosperidade numa suposta sociedade livre e democrática, nomeadamente em Angola. De resto, é assim que o comunismo vai sendo minorado, relativizado e até mitificado à conta de mais de 100 milhões de mortos no século XX, e a que não são estranhos intelectuais e revisionistas apostados em ocultar um movimento internacional que programou, com a conivência de grandes potências ocidentais, o anticolonialismo empenhado na destruição das estruturas civilizacionais em África, na Ásia e na Oceania. Demais, o movimento comunista, não obstante o seu aparente colapso em 1991, saiu ainda mais reforçado do que nunca no plano da América Latina, da Europa Oriental e até no da União Socialista Europeia de Angela Merkel.

Miguel Bruno Duarte


«Limpeza militar: Esta é uma das páginas mais sangrentas da história de Angola: refiro-me às acções de "limpeza" militar coordenadas a partir do Ministério da Defesa no seguimento do golpe de 27 de Maio que eliminaram muitos angolanos na força da vida, negros sobretudo, já que os mestiços foram frequentemente poupados. Os militares entravam pelas traseiras do Ministério e ficavam amontoados no antigo Liceu Paulo Dias de Novais. Despojados das suas fardas, aí permaneciam conhecendo a fome - por dia, tinham apenas direito a uma lata de carne do tipo corn beef - e a humilhação. Como me informaram Moisés, Mingas e Dédé, viam-se obrigados a urinar e a obrar para latas e a deitar pela janela, depois, o seu conteúdo. Numa das janelas estava uma metralhadora apontada para dentro. Não havia espaço para todos se sentarem, revezavam-se na ocupação do chão para repouso. Quando, à noite, os oficiais entravam nas salas seleccionavam imediatamente aqueles que levantavam a cabeça: "É este já! Levantou a cabeça, chegou hoje!"

À medida que o edifício do Ministério ia ficando livre novos grupos eram para lá deslocados, em fila indiana, mãos atrás das costas e sob vigilância. Aqui, tiveram oportunidade para experimentar uma tortura conhecida no Leste de Angola mas adoptada pelos cubanos: uma corda atava atrás das costas as mãos e os pés passando pelo pescoço, fazia dos seus corpos verdadeiros arcos. A esta forma de tortura chamavam chincualho. Levantavam o preso até cerca de um metro e deixavam-no cair em seguida, isto até obterem uma confissão. Este meio de tortura levou muitos à loucura e à morte por deficiente irrigação do cérebro. Não são poucos os casos daqueles que foram queimados com pontas de cigarros. E muitos outros chegaram a ser agredidos, à coronhada, com cinturões e pontapés, num mesmo momento, por cinco torturadores. Eu próprio vi, em São Paulo, os corpos mutilados de muitos destes militares. Enquanto isto, outros eram ali inquiridos para que os gritos de uns aterrorizassem os outros. Frequentemente se acusaram uns aos outros de tal maneira que quase toda a 9.ª Brigada de Luanda acabou por ser condenada, ou porque haviam participado no golpe, ou porque eram amigos destes ou, ainda, porque alguém importante desejava as suas mulheres [Em S. Paulo esteve também encerrado, mais de três anos, um tenente de nome Preto - era ele que me dava água quando fiquei incomunicável - que depois de libertado foi imediatamente aconselhado a não regressar à sua terra, no Kunene, pois a sua mulher já tinha um filho de um alto dignitário do MPLA]. Das salas de torturas, os presos iam, na maioria dos casos, para o fuzilamento, sem assinar qualquer auto. O principal campo de extermínio (...) situava-se bem perto de Luanda.




Agostinho Neto ao centro, rodeado de cubanos e soviéticos









Renegando a tradição penal portuguesa que havia séculos tinha abolido a pena de morte, o MPLA institucionalizou-a com a lei 1/78. No preâmbulo fala-se da necessidade e das vantagens dessa medida:

A República Popular de Angola tem não só o direito, como o dever de defender a revolução firme e decididamente dos seus inimigos, tanto internos como externos, salvaguardando as conquistas já implantadas em benefício do Povo e as que futuramente venham a ser alcançadas. Assim, os elementos que participam em actividades contra-revolucionárias e criminosas que atentem contra os interesses fundamentais da revolução devem ser exemplarmente punidos com a maior severidade, sempre que os factos que cometeram e as circunstâncias das mesmas lesem gravemente a segurança e a tranquilidade do Povo angolano e o normal desenvolvimento da actividade das instituições do Partido e do Estado. A introdução no sistema penal comum da pena de morte por fuzilamento não deixa de vir na sequência e de representar afinal um aperfeiçoamento jurídico de um instrumento que o povo angolano, o MPLA-PT e o seu braço armado das FAPLA, já algumas vezes tiveram de aplicar à luz da legalidade revolucionária, na luta de libertação nacional e, posteriormente, na implantação e consolidação da RPA.


Afirmam os artigos desta lei: "Artigo 1.º - o n.º 1 do artigo 55.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção: as penas maiores são a pena de prisão maior de 20 a 24 anos, ou a pena de morte por fuzilamento: artigo 7.º - a pena de morte será executada por um pelotão de fuzilamento nas vinte e quatro horas após a notificação ao réu da não comutação da pena".


Não chega recordar a brutalidade da pena de morte executada por fuzilamento. É necessário recordar que esses condenados não beneficiaram sequer de um julgamento que possa ser digno desse nome. A leitura da letra fria destes regulamentos não pode deixar de me emocionar quando penso em tantos que foram condenados à morte sem que alguma vez os mecanismos de defesa fossem postos em andamento.


(...) Tibério - uma das testemunhas privilegiadas do sucedido no Ministério da Defesa - falava-nos, frequentemente, das tragédias que, no pós-27 de Maio, se viveram naquele edifício. A pressa era o único método - julgamentos e condenações à velocidade de um minuto cada: uns desciam, de seguida, para as caves do Ministério, outros eram deslocados para o antigo Liceu Paulo Novais - era ali mesmo ao lado.






















«Seminário sobre a vida e obra de Agostinho Neto» (Brasília, 2012).





Universidade Agostinho Neto (Luanda).







O trânsito para o fuzilamento também não tardava. Num carro, os condenados, noutro o pelotão de fuzilamento, num ritmo de roleta russa que aviltava até a dignidade dos laços familiares. Na memória de Tibério - como na de tantos luandenses - permanecia a visão daquele teatro de horror, no qual pais e irmãos se encontravam inesperadamente em lados opostos: de um lado os que matam, de outro os que são mortos.

A precipitação dos acontecimentos não conseguia garantir que, nos pelotões de execução, não fossem incluídos familiares dos condenados. Em tais circunstâncias era frequente que, já no próprio terreno de fuzilamento, se levantassem vozes de desespero, de um lado e do outro, diante do insuportável que é matar um irmão, um pai ou ser fuzilado por um qualquer familiar próximo.

Esta engrenagem de violência era alimentada pela praga da denúncia. Num discurso de Maio de 1977, o próprio Agostinho Neto fez a apologia da denúncia e da perseguição de todos os fraccionistas. Quando o medo toma o lugar da dignidade humana, até os laços mais enraizados podem estiolar - sucedia que muitos  chegavam a denunciar os seus próprios irmãos na miragem de obter, com isso, algum benefício.

Este é um período da história angolana em que as execuções se amontoaram à pressa, ao abrigo do decreto de Agostinho Neto, gravado em letras gordas naquele cabeçalho do Jornal de Angola: "Não vamos utilizar o processo habitual, que não seria justo. Nós vamos ditar uma sentença!"».

Américo Cardoso Botelho («HOLOCAUSTO em ANGOLA. Memórias de entre o cárcere e o cemitério»).






Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo


Em que circunstâncias foi convidado para ocupar funções? Qual foi a sua reacção? Por que a abandonou funções? Como teve conhecimento do facto? 

Em meados de Junho de 1949, era eu então Delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, no Porto, fui chamado por Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, que, no Forte de Santo António, no Estoril, me disse do seu empenho em ver-me ocupar o cargo de Subsecretário de Estado da Educação Nacional. Tudo fiz para me subtrair ao convite, alegando, além do mais, que, embora fosse professor nas horas disponíveis, não me sentia preparado para essa função governativa. Mas logo Salazar me observou que os homens não valem tanto pelo seu saber como pelas faculdades de se adaptarem a novas situações e novos desafios. E sublinhou que, entre nós, ia vingando por de mais a velha tendência, que reputava menos correcta, de se exigir que o Ministro da Educação fosse professor, e professor universitário: o das Obras Públicas, engenheiro; o da Saúde, médico; o do Exército, militar... Pedi-lhe uns dias para reflectir, mas perante a urgência que me manifestou, acabei por aceitar o convite, que deveras me surpreendeu, e veio mudar o rumo da minha vida, numa altura em que já decidira abandonar a função pública para me dedicar à advocacia e à gestão da empresa industrial de meu pai.

Marechal Carmona e Oliveira Salazar


Durante largos anos, não me foi dado saber das razões que conduziram Salazar a querer-me como seu colaborador. Só há pouco tempo, ao ler o notável livro do Dr. Franco Nogueira sobre Salazar (vol. IV, p. 152), tomei conhecimento dos termos honrosos da carta em que este me propunha ao Presidente Carmona para o cargo. Também só muito depois, em 1961, quando saí do governo, o Dr. Joaquim Trigo de Negreiros haveria de revelar-me ter sido ele quem indicara o meu nome a Salazar. Tenho ainda razões para crer que o Doutor Fernando Andrade Pires de Lima, então titular da pasta de Educação, com quem tanto me aprouve trabalhar, e o Doutor Mário de Figueiredo, ambos meus inesquecíveis professores na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, contribuíram igualmente para a escolha.

Em 2 de Julho de 1955, ao regressar de uma visita à Madeira, integrada na execução do Plano de Educação Popular e da Campanha Nacional de Educação de Adultos, foi-me entregue uma mensagem de Salazar, solicitando que me responsabilizasse pela pasta dos assuntos do Trabalho, da Previdência e dos Organismos Sindicais (Ministério das Corporações e Previdência Social). Aí, dizia contar comigo para «reacender o antigo fogo e continuar a cruzada social e corporativa» - a qual, acho oportuno referi-lo, nunca teve raiz, feição ou sentido fascista, como tantos erroneamente se comprazem em propalar. Poderia, acaso, ser fascista quem, pela sua formação doutrinal e vivência cristã, sempre se mostrou contra os excessivos poderes estatais - «a elefantíase do Estado», para usar expressão sua - e que defendia a existência de corpos sociais institucionalizados com participação efectiva na vida política, como processo natural eficaz de limitar tais poderes? Era, aliás, pelo mesmo tipo de razões mas acrescidas, que Salazar repudiava também o nacional-socialismo, e o comunismo, a grande «heresia» da nossa idade, em seu dizer.

Não me é agora possível reproduzir aquela mensagem que, como tantas outras cartas e documentos do meu volumoso arquivo pessoal, em 2 de Maio de 1974, por ordem do Sr. Coronel Vasco Gonçalves, do MFA, me foram levados (sem qualquer explicação e sem que até hoje eu tenha conseguido a sua devolução ou sabido sequer do seu paradeiro), por um subtenente da Armada, dois agentes da Polícia Judiciária e um recruta, de cravo vermelho enfiado no cano de uma G3. Pelo mesmo motivo, não posso reconstituir o teor da carta em que, no começo de Maio de 1961, Salazar me agradecia os serviços prestados ao País e dava por finda a minha cooperação no plano ministerial. Dispunha-me, recebida esta carta, a regressar ao Norte, quando o Doutor Mário de Figueiredo, líder do Governo na Assembleia Nacional, me procurou por incumbência de Salazar, para me dissuadir dessa intenção, pois continuava a julgar-se necessária a minha permanência em Lisboa. E de facto, um mês depois, Salazar pedia-me («pedido pessoal... e com vivo empenho...») que passasse a presidir à Comissão Executiva da União Nacional, função que, apesar de não ser filiado, aceitei e desempenhei até Fevereiro de 1965, escusando-me, porém, a receber a remuneração que, equivalente à de Ministro, me fixara.






É corrente ouvir-se que Salazar era menos atencioso no relacionamento com os ministros e, em particular, quando estes iam deixar de o ser. No que me respeita, não posso esquecer as expressivas referências que, ao convidar-me para a União Nacional, fez à  minha acção no Governo e «ao momento alto» em que esta cessara. Confesso que ainda hoje me interrogo sobre se Salazar não terá querido assim dar-me a entender que a minha substituição, aliás por mim há muito desejada, não se prendia com a viva e crescente reacção de fortes grupos de interesses económicos, hostis à política social que eu vinha executando. Reacção que recrudescera na altura em que se tornou conhecido o meu propósito de integrar a cobertura de riscos de acidentes de trabalho e doenças profissionais na Previdência Social, bem como a proposta de Lei, por mim subscrita e enviada por Salazar à Assembleia Nacional, sobre o regime do contrato de trabalho, onde se previa, além de outras providências, a participação dos trabalhadores nos lucros das grandes empresas privadas e nas empresas públicas, ideia esta que, infelizmente, acabou por não vingar (in «Salazar visto pelos seus próximos», 1946-68, Bertrand Editora, 2007, pp. 47-50).

Continua


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

800 anos de Independência

Escrito por Oliveira Salazar








Não foi por acaso que Franco Nogueira atribuíra a Oliveira Salazar uma espécie de instinto divinatório a par de uma capacidade profética relativa a certos e determinados acontecimentos na cena internacional. Assim, o instinto divinatório de Salazar tornou-se particularmente visível no decorrer do acordo concedido à Inglaterra com vista à concessão de facilidades nos Açores (18 de Agosto de 1943). Ou seja: perante as pressões do Estado-Maior e sobretudo de Churchill para tal efeito, Salazar conduziu duramente as negociações para poder salvaguardar os interesses portugueses até ao momento em que, intuindo um ataque anglo-britânico aos Açores, fez finalmente uma concessão para a entrada em vigor do acordo luso-britânico.

O telegrama de Churchill para Campbell, desconhecido por Salazar, fala por si: «Tenho de lhe dizer que esgotei aqui todos os argumentos em favor de um arranjo com os portugueses através de negociações. Se Salazar não aceitar a nossa última oferta, eu receio nada mais poder fazer. Então os acontecimentos seguirão o seu próprio curso. Lamentá-lo-ei profundamente, mas Salazar ter-se-á mostrado incapaz de estar à altura das circunstâncias». Aliás, este telegrama também permite entrever como Churchill estava sob a influência de Roosevelt no que toca à consagração de uma nova ordem internacional no pós-conflito mundial. E se há quem duvide de um tal plano na esfera global, é porque ignora os encontros secretos entre Churchill e Roosevelt em navios de guerra ingleses e americanos ao largo da Nova Escócia. De resto, foi então que Churchill compreendeu que o Império Britânico iria ser substituído por uma nova ordem internacional ditada pelo sistema financeiro de Nova Iorque.

No mais, diz-nos ainda Franco Nogueira: «Dirige-se Salazar aos Congressistas, e acentua que as suas palavras são "tanto para nosso uso como entendimento alheio". Muitas realidades estão sendo reveladas pela guerra, no plano económico e social, e algumas serão confirmadas pela paz. Mas "considero exagero pensar que tudo na vida nacional depende ou há-de depender da ordem internacional futura". No conjunto dos povos, nem todos os problemas são idênticos, nem todas as soluções são uniformes; e nem seria desejável que o fossem. Por isso, e quanto a Portugal, importa o "estudo dos princípios e meios de acção pelos quais nos propomos manter dentro de nós a ordem política e jurídica, a ordem social e económica, a ordem religiosa e moral", e isso porque precisamente todos estes aspectos estão dentro daquela "zona que nos parece irredutível, porque essencial à soberania e inacessível à actuação internacional". Mas outros conceitos são possíveis, e têm sido enunciados: "o da internacionalização dos interesses nacionais ou o da constituição de superestados, dirigentes, guardas e defensores do mundo". Três grandes afinidades - os eslavos, os anglo-latinos, os americanos - poderão emergir desta guerra; mas no fundo o conceito de "nação continuará a aparecer como núcleo primário, vivaz, irredutível e inassimilável"; e ao Estado caberá a sua representação, "sem que possam contra ele valer ou invocar-se os laços de empreendimentos ou organizações, mesmo que supranacionais". Neste particular, na hipótese de a guerra terminar "por inequívoca derrota alemã", estão criadas as condições para três grandes hegemonias, correspondentes ao Império Britânico e Europa, aos Estados Unidos, e à Rússia. E o risco consiste em aqueles países se colocarem "entre a tentação de continuar a guerra na paz e a de buscar a paz como única finalidade para que seria desculpável ter feito a guerra" (...) Parece dever -se considerar luminosa esta síntese de Salazar, e profética. "Continuar a guerra na paz" quer dizer ser a sociedade internacional do após-guerra condicionada e determinada pela continuação da luta entre hegemonias ou impérios que, sem usarem meios militares convencionais, nem por isso deixam de se combater, e de definir por esse combate os seus amigos ou inimigos. Será a guerra fria. E "buscar a paz como única finalidade para que será desculpável ter feito a guerra" quer dizer erigir a paz em valor supremo, acima do direito e da justiça, donde resulta que tem razão quem tiver força para impor a sua paz e a sua justiça, e será agressor o que procurar resistir em legítima defesa» (in Salazar, III, As grandes crises, 1936-1945, Livraria Civilização Editora, 1983, pp. 528-529).

11/9/2001: embate de dois aviões nas Torres Gémeas em Nova Iorque.


Mas é caso para perguntar que tipo de internacionalismo se nos depara nos dias que correm. Ora, a nosso ver, trata-se de um internacionalismo que prescinde de hegemonias ou imperialismos nacionais para dar lugar a poderes e organizações empenhadas na destruição de toda e qualquer soberania nacional. E os Estados Unidos, considerados a única superpotência hegemónica com o desaparecimento da União Soviética, estão também em vias de verem completamente destruída a sua independência enquanto país livre e soberano.

Basta, para o efeito, tomar em consideração as mensagens de algumas personalidades americanas sobre o iminente colapso dos Estados Unidos, tais como Edward Griffin, Edwin Vieira, Jr., Aaron Russo, Alex JonesDavid Ray Griffin ou Ron Paul (ver também o britânico David Icke e, a propósito dele, o filme de Chris White). Atente-se igualmente nos avisos e prevenções oriundos da John Birch Society na pessoa de Arthur R. Thompson, no que sobretudo respeita ao governo mundial sob a égide das Nações Unidas. Estamos, portanto, perante uma elite globalista conduzida por dinastias metacapitalistas que controlam as principais indústrias da comunicação social, como o Washington Post, o New York Times, o Wall Street Journal, o Daily News, a National Review, além de grandes redes televisivas dos Estados Unidos como a NBC, a CBS e a ABC, só para dar alguns exemplos no outro lado do Atlântico.

Além disso, existem diversas organizações que procuram absorver e destruir todo e qualquer resquício de soberania nacional, designadamente o Clube Bilderberg, a Comissão Trilateral e o Conselho das Relações Exteriores sediado em Nova Iorque e financiado pelas fundações Ford, Carnegie e Rockefeller, assim como por trusts de relevo internacional: IBM, ITT, Standard Oil of New Jersey (Exxon), etc. E com vista ao processo de subversão interna de povos, culturas e nações, ressalta ainda uma série de objectivos que passam pela repressão da prosperidade (Crescimento Zero), pela criação artificial de crises sucessivas para sujeitar as pessoas a dificuldades contínuas, pelo controlo centralizado da educação segundo directrizes da UNESCO, pelo governo mundial da ONU que se prepara para cobrar um imposto directo aos "cidadãos do mundo", bem como por um único sistema jurídico à escala planetária (o Tribunal Internacional de Justiça) e um Estado de Providência socialista mediante o controlo centralizado das políticas externas e internas de todos os Estados, etc.






Depois, no que mais particularmente respeita à ONU, existem objectivos de longa data para o desmantelamento de todas as forças armadas nacionais a fim de promover o aparelho militar das Nações Unidas em nome da paz, da liberdade e da segurança internacionais. Mais: um tal objectivo está plenamente de acordo com a concretização de um programa de desarmamento global sujeito a controlos internacionais draconianos. E, no final, ninguém poderá mais adquirir ou possuir armas de fogo ou até armas brancas para uso e defesa pessoal, excepto a polícia e os militares.

Há quem acredite que a estrutura política, económica e dos serviços de subversão e de informação da Rússia desapareceu da noite para o dia. Porém, há também quem afirme que um tal sistema jamais deixou de existir a par dos seus respectivos beneficiários: «O antigo coronel do KGB, Viktor Kichikhin, que serviu na primeira Directoria Principal, responsável por coacção ideológica, testemunhou o processo em primeira mão: "Em 1989-1990, a maior parte das empresas conjuntas soviético-ocidentais foi criada pela nossa directoria, à excepção das que foram constituídas directamente pelo Comité Central do PCUS".

O processo estava tão integrado que o antigo general do KGB, Timofeyev, fez o seguinte comentário: "O mercado está ocupado pelo aparelho dirigente e pelo KGB, porque têm a oportunidade de controlar o processo de privatização e a criação de novos empreendimentos. Têm as licenças e a influência. Isto não é tanto para o bem do partido mas antes para a autopreservação", e acrescentou, "há indubitavelmente aqui um elemento de uma retirada organizada... em que as forças em retirada procuram manter um elemento ou ordem e a possibilidade de preservar um núcleo, e depois talvez, a seu tempo, regressarem ao passado» (in Daniel Estulin, Os Senhores da Sombra, Publicações Europa-América, 2010, p. 71).

E mais nos diz Daniel Estulin: «A máfia russa, conhecida como Vorovskoi Mir, ou "Mundo dos Ladrões", uma federação informal de mafiosos soviéticos, percebeu de imediato que a "retirada" do comunismo anunciava um glorioso mundo novo de ordem criminosa que a favorecia» (ibidem, p. 71).

Posto isto, convém relembrar que o internacionalismo foi uma constante ao longo de todo o século XX, de que um dos mais atentos observadores foi, sem dúvida, Oliveira Salazar, a avaliar pelas suas palavras relativas ao conflito internacional travado na Guerra Civil de Espanha (1936-1939):

«Temos reivindicado como atributo indispensável da independência política a nossa independência mental e moral, o nosso poder de revisão e de crítica das ideias feitas, das noções assentes, dos compromissos tomados, dos conluios de interesses, das sombras, dos vaticínios, das tétricas profecias. E contrariamente aos que puderam confundir independência e isolamento ou hostilidade, verificou-se, ao pormos claramente sobre a mesa das conferências os dados da nossa experiência - as nossas razões - que mantínhamos mais firmes as amizades antigas e granjeávamos novas simpatias e o respeito de todos.

Marechal Carmona e Oliveira Salazar


Temos procurado que os princípios políticos e morais que seguimos e a que estamos ligados se distingam por uma vez corajosamente das fórmulas vazias, hipócritas, a ameaçarem converter a vida internacional em fariseísmo intolerável, em sábio processualismo inútil, já sem poder sequer salvar as aparências. A esses altos princípios da vida social, entre os indivíduos e entre os povos, entendemos que tudo o que lhes é inferior se deve sacrificar; mas o que por vezes se sacrifica são realidades tangíveis a concepções abstractas sem alicerces na razão nem vida no espírito dos homens.

Temos em terceiro lugar e semelhantemente ao que praticamos na ordem interna, defendido que a ordem internacional seja de direito e de facto resultante da conciliação de interesses nacionais, fora da abusiva intervenção de grupos ou partidos de uma outra nação, convencidos de que por outro modo só se conseguiriam multiplicar as dificuldades existentes e de que piores que nacionalismos, mesmos agressivos, são alguns internacionalismos da hora presente. Minando-se a segurança interna dos Estados, debilitando-se a coesão nacional, permitindo-se a criação de partidos políticos com acção e influência exterior, não se caminhou para uma Humanidade mais amiga, mais fraterna ou pacífica, mas para a hegemonia de um partido que, parodiando a raça eleita do Senhor, promete sacrilegamente a todos os povos a redenção pelo crime...» («A Guerra de Espanha e a Suspensão de Relações Diplomáticas», in Discursos e Notas Políticas, II, 1935-1937, Coimbra Editora, pp. 223-224).

Oliveira Salazar foi, de facto, na cena interna e internacional, o maior Estadista do século XX ao salvaguardar a existência histórica e espiritual de Portugal sem procurar agredir, minar ou destruir as demais soberanias nacionais no concerto da civilização ocidental. E fê-lo sem vacilar num mundo que mergulhava a pique numa guerra total - política, económica, psicológica, militar - consagrada ao caos, à anarquia e à subversão revolucionária no seio dos Estados e da população mediante o controlo dos meios de comunicação social, do aparelho administrativo e governamental, do sistema educativo, bem como através do incitamento à desordem civil, à chantagem, à difamação, ao assassínio político, à desinformação e ao uso e manipulação de elementos internos de uma nação para servir os interesses de um internacionalismo inimigo dos povos. Aliás, este último aspecto encontra-se perfeitamente descrito por Oliveira Salazar no âmbito das eleições de deputados para a Assembleia Nacional em 1961, numa altura em que já tinha deflagrado, por instigação externa, o terrorismo em Angola:

«... Ao que todos podemos assistir a presente campanha foi na verdade triste e altamente preocupante: os problemas básicos de política internacional e ultramarina foram versados de modo a não servir, antes a prejudicar os interesses da Nação. A argumentação repetida foi a dos inimigos de Portugal; e não pode constituir honra para ninguém que as oposições sejam saudadas pelos que combatem contra Portugal aqui, na ONU ou no Ultramar. Conhecimento mais completo dos motivos da campanha movida contra o País nos meios internacionais e que conduziram e alimentam a guerra contra territórios portugueses, aconselharia as oposições a maior discrição e a não serem cá dentro o joguete de grandes interesses em causa. As oposições tiveram a maior dificuldade em sacar do imbróglio das suas concepções o reconhecimento da integridade da Nação como imperativo dos Portugueses, e do dever de a defender; mas os que não são cegos compreendem que, pelos caminhos entrevistos e mal definidos, não se chegaria a garanti-la efectivamente, como todos disseram desejar.



Entretanto a nossa gente bate-se e morre em Angola, como já se bateu e morreu noutras partes do território ultramarino. Bate-se e morre pelo Governo actual? Que ideia! Vai bater-se amanhã pela democracia? Que engano! Bate-se e bater-se-á com este ou outro Governo pela Nação que é uma realidade tangível, e que o povo sente bem na pureza do seu instinto patriótico e à margem da torcida filosofia dos doutores.

Diante de coisas tão sérias como sermos ou não sermos, cumprirmos ou não cumprirmos a nossa missão no Mundo, eu sou o primeiro a não estranhar que o Chefe de Estado não tenha entregue o Governo aos oradores da oposição.

Temos pois de concluir que foi cometido grave erro por alguns condutores do povo, e que tem de ser o mesmo povo, cerne da Nação, a corrigir agora tal erro no acto eleitoral. Ele tem de corroborar por votações maciças uma política de salvação nacional; ele tem de destruir a ideia que pudesse ficar deste debate de um país dividido que não conheceria o seu norte. O que se passou há-de entender-se apenas como a infelicidade de alguns pastores se haverem perdido nos caminhos da serra, sem terem conseguido extraviar o rebanho.

O povo português compreende a minha linguagem. Sabe que nada me interessa senão servir o melhor possível o interesse comum. E se eu lhe digo que a retaguarda é para ser defendida tal como a frente em África ou na Índia, é porque sei que isso é condição da vitória e esta tem de ser ganha por todos» (in «Apelo ao Povo», palavras proferidas por Sua Excelência o Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, ao Microfone da Emissora Nacional, em 9 de Novembro de 1961, SNI).

Não há dúvida: Oliveira Salazar agiganta-se cada vez mais perante a horda de pigmeus da política criminosa que nos últimos quarenta anos entregaram Portugal aos poderes e organizações do globalismo invasor. Foi, além do mais, o último grande Estadista português que ficará na memória de futuras gerações - caso as haja! -, e que assim procurem estudá-lo e compreendê-lo à revelia de uma engenharia universitária que tudo distorce, corrompe e falsifica. Quanto aos pretensos e nominais democratas de ontem e de hoje, ninguém se lembrará deles senão pelas piores razões, ou tão-só pelo que se poderá sintetizar da seguinte forma: TRAIDORES de LESA-PÁTRIA.

Miguel Bruno Duarte




800 anos de Independência



Castelo de Guimarães








Sala de Armas - Paço dos Duques de Bragança (Guimarães).










Serei muito breve, pois toda a palavra a sinto inferior ao momento e todo o discurso se me afigura profanar o recolhimento das almas e a comunhão espiritual desta hora. Por todo o Portugal do continente, das ilhas, do ultramar, e em terras hospitaleiras de todas as partes do mundo, milhões de portugueses se recolhem, de alma ajoelhada diante deste castelo, e comungam connosco nos mesmos sentimentos de devoção, de exaltação, de fé.

Nem eu sei o que havia de dizer. Em vão procuro, no tropel de ideias e de emoções, focar pensamento ou imagem, facto ou anseio, nome ou sentimento que aos outros sobreleve e me prenda. Passam pelo espírito séculos em revoada - oito séculos da vida de Portugal - com seus reis e seus cavaleiros, seus descobridores e seus legistas, seus capitães e seus nautas, seus heróis e seus santos, sofrimentos e glórias, esperanças e desilusões. Passam séculos, e o português a expulsar o mouro, a firmar a fronteira, a cultivar a terra, a alargar os domínios, a descobrir a Índia, a apostolizar o Oriente, a colonizar a África, a fazer o Brasil - glória da sua energia e do seu génio político. Para tanto discutiu nas Cúrias e nos Concílios, ensinou em escolas e Universidades de fama, fez uma língua e uma cultura, pintou obras primas antes dos maiores mestres, prodigalizou-se em maravilhas de pedra, cantou em versos imortais a sua própria epopeia - ainda hoje tão simples e tão modesto que é pobre em face dos opulentos e fraco junto dos poderosos. Abisma-se a inteligência a perscrutar o mistério, confunde-se com a desproporção dos meios e dos resultados, extasia-se ante a permanência do milagre, e não se sabe que homem, ideia, rasgo ou sacrifício há-de pôr acima dos mais - a não ser exactamente o facto fundamental e primeiro de haver a raça portuguesa estabelecido o seu lar independente e cristão nesta faixa atlântica da Península. Quis o povo ser independente, livre no seu próprio território, e quiseram os reis que ele fosse, conquistando-lhe e mantendo-lhe a independência; e porque mandava em seus destinos, a Nação definiu um pensamento de vida colectiva, um ideal de expansão e de civilização a que tem sido secularmente fiel.

Torre de Belém



Mosteiro dos Jerónimos (Belém).


Nas nações, como nas famílias e nos indivíduos, viver, verdadeiramente viver é sobretudo possuir um pensamento superior que domine ou guie a actividade espiritual e as relações com os outros homens e povos. E é da vitalidade desse pensamento, da potência desse ideal, do seu alcance restrito ou universal e humano que provém a grandeza da nação, o valor da sua projecção na terra. Ser escasso em território, reduzido em população ou em força ou em meios materiais não limita de per si a capacidade civilizadora: um povo pode gerar em seu seio princípios norteadores de acção universal, irradiar fachos de luz que iluminem o mundo.

Para isso nos serviu a liberdade; de nós se não pode afirmar que não soubemos que fazer da nossa independência: trabalhando e recebendo em nossa carne duros golpes, descobrimos, civilizámos, colonizámos. Através de séculos e gerações mantivemos sempre vivo o mesmo espírito e, coexistindo com a identidade territorial e a unidade nacional mais perfeita da Europa, uma das maiores vocações de universalismo cristão.

Eis porque esta solenidade é ao mesmo tempo acto de devoção patriótica, acto de exaltação, acto de fé.

Primeiro: acto de devoção. Cobrimos de flores, trazidas dos quatro cantos do mundo, as pedras mortificadas sobre que se ergue este castelo, como se piedosamente se beijassem as feridas de um herói ou se alindasse o berço de um santo. Vimos de longe, alguns de muito longe visitar a velha casa de seus velhos pais, a cidade augusta onde primeiro bateu, com o coração do primeiro rei, o coração de Portugal. Sabemos dever-lhe o que fomos, e o que somos dele vem ainda - vivermos livres na nossa terra e honrados na terra alheia.


Mosteiro da Batalha


Acto de exaltação. A Pátria Portuguesa não foi o fruto de ajustes políticos, criação artificial mantida no tempo pela acção de interesses rivais. Foi feita na dureza das batalhas, na febre esgotante das descobertas e conquistas, com a força do braço e do génio. Com trabalho intenso e ingrato, esforços sobre-humanos na terra e no mar, ausências dilatadas, a dor e o luto, a miséria e a fome, almas de heróis amalgamaram, fizeram e refizeram a História de Portugal. Não puderam erguê-la com egoísmos e comodidades, medo da morte e da vida, mas lutando, rezando e sofrendo. Cada um deu, na modéstia ou grandeza dos seus préstimos, tudo quanto pôde, e por esse tudo lhe somos gratos. Do fundo porém dos nossos corações não podem deixar de erguer-se, ao comemorarem-se oito séculos de História, hinos de louvor aos homens mais que todos ilustres que os encheram com os seus feitos. Acto de exaltação.

Mas nós realizamos hoje também acto magnífico de fé: fé na nossa vitalidade e na capacidade realizadora dos portugueses, fé no futuro de Portugal e na continuidade da sua História. Não somos só porque fomos, nem vivemos só por termos vivido; vivemos para bem desempenhar a nossa missão e perante o mundo afirmamos o direito de cumpri-la. Com a solidez das raízes seculares ligados à História Universal, que sem nós seria ao menos diferente, sentimos com a glória desta herança as responsabilidades e o dever de aumentá-la. Estamos aqui precisamente por confiarmos nos valores eternos da Pátria; e quando dentro de pouco - e nenhum de nós pode mais reviver este momento - subir no alto do castelo a bandeira sob a qual se fundou a nacionalidade, veremos, como penhor que conforma a nossa fé, a cruz a abraçar, como no primeiro dia, a terra portuguesa (in Discursos e Notas Políticas, III, 1938-1943, do Castelo de Guimarães, no dia 4 de Junho de 1940, começo das festas centenárias, na cerimónia comemorativa da fundação da nacionalidade, Coimbra Editora, pp. 255-259).