terça-feira, 9 de julho de 2013

A existência do PCP é uma ameaça à liberdade dos Portugueses (i)

Entrevista a Orlando Vitorino





«Não é por eu propor a extinção da Universidade há dois séculos estatizada, denunciar o estado a que o ensino chegou e preconizar a sua substituição por escolas privadas de ensino superior... Não é por eu representar, nos limites da minha autoridade intelectual, a "cultura portuguesa" que a "cultura oficial", com seu bastião universitário, tudo faz para silenciar e destruir... Será, antes, por uma divergência de mentalidades: a deles formada no conformismo intelectual, recebida por atavismo social e familiar e tendo sua presença num magistério imobilizado nos quadros mentais que descem do iluminismo ao positivismo e deste ao marxismo... Será por esta divergência que, nas sessões que vou fazendo em escolas universitárias, se estabelece um ambiente de tensão como logo aconteceu na primeira, realizada na Faculdade de Direito de Lisboa.

O simples facto de eu ter começado por falar em conceitos jurídicos, logo se afigurou aos estudantes uma intrusão no domínio inviolável dos seus mestres e, por reflexo, uma ofensa a eles próprios. Mais tenso se tornou o ambiente quando lhes apresentei os conceitos, uma versão diferente da que haviam recebido nas aulas. E mais ainda quando deduzi, do conceito de Direito, uma crítica ao ensino da Faculdade. Com uma indignação que conseguiram conter, não entenderam como é condição de todo o autêntico ensino do Direito o ensino da Filosofia do Direito e, completamentarmente, o do Direito Romano, modelo inultrapassável de classificação, articulação e sistematização das formas jurídicas.

Esta sessão na Faculdade de Direito deu-me uma agradável surpresa; a de ter reconhecido, entre os assistentes, o romancista de temas africanos, Rego Cabral, que não via há muito tempo. E saldou-se por um êxito "político": os estudantes que me haviam convidado, dirigentes da Juventude Socialista, pediram-me "licença" para assinar a proponência da minha candidatura. Não votariam em mim - observaram - mas gostariam de me dar a sua assinatura. É a gestos destes que se costuma chamar a generosidade da juventude».

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»). 




A existência do PCP é uma ameaça à liberdade dos Portugueses


«A eleição do Presidente da República é o acto mais importante no funcionamento do regime democrático», afirmou o dr. Orlando Vitorino, candidato presidencial em declarações a «O Comércio do Porto».

Escritor e homem do Teatro, Orlando Vitorino, acentuou que a eleição «não pode ser tratada com leviandade» e que «candidatar-se alguém com o desígnio de dar que falar», de «desistir e negociar a desistência», é uma leviandade, uma atitude antidemocrática e, sobretudo, antipatriótica.

C.P. – Mas com a escassez de apoios que tem, V. acha que pode ir por diante, ir até ao fim?

O.V. – O apoio político que importa não é o dos Partidos, mas o do Povo Português. E, esse, têm-nos as propostas que apresento, todas elas seriamente fundamentadas e susceptíveis de imediata aplicação: a substituição do socialismo, estafado, esgotado e falido, pelo liberalismo a que todos os povos prósperos devem a sua prosperidade; a extinção e substituição da Universidade do Estado com a concorrente organização de todo o ensino; a ilegalização do PC enquanto obstáculo à prosperidade e liberdade dos Portugueses; a abolição das «centrais sindicais» instrumentadas pelos Partidos e hostis aos trabalhadores. Dirão que se trata de uma alteração radical, mas é de uma alteração radical que os Portugueses precisam.





Bem sei que, ao falar de «apoios políticos», V. se situa no pequeno mundo da «classe política» e se refere aos Partidos. Eu observo-lhe que a eleição do Presidente da República tem de ser, no espírito da lei e por exigência da democracia, independente de apoios partidários. E necessário é que assim seja pois é evidente que um Partido que consiga eleger o seu candidato presidencial, consiga igualmente eleger a sua Assembleia da República e designar o seu Governo colocar-nos-ia perante uma ditadura a que poderão chamar orgânica, como Salazar chamava democracia orgânica ao seu regime, mas sempre seria uma ditadura.

C.P. – E quanto a apoios financeiros? V. já declarou que não dispunha deles.

O.V. – É essa outra das condições para a independência necessária a uma candidatura presidencial. Mas, essa, mais claramente do que a anterior, está consignada na lei eleitoral ao determinar que nenhum candidato pode dispor, na sua campanha, de mais de 2 500 contos. Informo-o de que estou disposto a requerer ao Tribunal Constitucional que essas determinação seja cumprida, rigorosamente cumprida e sem malabarismos contabilísticos e dever-se-á incluir no dispêndio de cada candidato a avaliação do espaço e tempo obtidos por ele, seja em manifestações de propaganda aparentemente promovidas por organizações juridicamente alheias à sua campanha, seja em órgãos de comunicação social controlados pelo Governo (caso, por exemplo, do recente apelo ao primeiro-ministro para que se candidate a P.R., apelo feito na RTP por uma «central sindical» no melhor estilo cesarista, o qual, além de punido severamente, terá de ser contabilizado, segundo os preços da publicidade, logo que o P.M. efectivamente se candidate).


A ASNEIRA É LIVRE


 C.P. – A sua conotação, já aparecida na comunicação social, com a extrema-direita, não rotula a candidatura de ultrapassada e alvo fácil de campanhas destrutivas?

O.V. – É evidente que essa conotação foi feita com intuitos destrutivos, o que é uma maneira de reconhecer a força da minha candidatura. Apareceu ela num órgão da Imprensa onde «a asneira é livre», como se verifica no título dessa publicação que, sendo um semanário, se designa por «O Jornal». Ao melhor vinho se pode colar o pior rótulo, que isso não engana aquele que o beber.

C.P. – Se fosse eleito Presidente, actuaria sobre o PC e a extrema-esquerda de que maneira?

O.V. – Como sabe, eu admito, nas propostas que acompanham a minha candidatura, a ilegalização do Partido Comunista. E fundamento-o em razões concretas e actuais. Em primeiro lugar, no facto – tantas vezes apresentado pelos primeiros-ministros – de que o PC exerce uma acção que só se destina a levantar obstáculos à nossa prosperidade económica. Em segundo lugar, no facto de o PC, sabendo já hoje que o comunismo é um erro antes de ser um mal, se constituir como uma organização, não de doutrina e propositura de um sistema político, mas de imediata acção e prática. Ora os Partidos existem para propor uma doutrina ao eleitorado, não para a pôr em prática sem a aprovação dos eleitores. A existência do PC é, deste modo, uma ameaça à liberdade dos Portugueses. E a sua ilegalização será uma medida que os governantes têm de considerar necessária – pois reconhecem e declaram que tal Partido é um obstáculo ao bom governo do nosso povo –, mas nenhum deles se atreve a propô-la por algum inconfessável motivo: velhas ligações, velhos compromissos, velhos temores e medos. Aliás, a «esmagadora» (como dizem os políticos esmagadores) maioria dos Portugueses, tendo conhecido e sofrido o erro e o mal do PC, deseja a sua abolição, e só o não manifesta expressamente porque os políticos não lhe dão oportunidade de o fazer e antes lhe transmitem as inibições que a eles os prendem. A minha candidatura oferece aos Portugueses a oportunidade e a possibilidade de votarem aquilo que desejam.

C.P. – É favorável ou não a uma revisão constitucional, não apenas no que concerne aos poderes presidenciais, como ao sector económico e leis laborais?

O.V. – A Constituição actual não é, em rigor, uma Constituição. É um código minucioso cheio de contradições e, até, de determinações anticonstitucionais como a de atribuir doutrinas económicas ao Estado. Toda a gente que tenha um mínimo de interesse público, tem de ser favorável a uma revisão radical da Constituição que é, aliás, um texto elaborado, ou imposto, em condições parlamentares inadmissíveis.




C.P. – Quando a CEE aceitar Portugal como seu membro efectivo e de pleno direito, haverá muitas falências em Portugal. Mesmo assim é favorável à adesão?

O.V. – A CEE constituiu-se com um carácter liberalista para restaurar a economia europeia destruída pela guerra. Esse carácter liberalista exprime-se no que é essencial à CEE: a abolição das fronteiras económicas, ou seja, o livre-cambismo que, já no século passado, deu origem à prosperidade da Inglaterra, dos EUA e do Ocidente em geral. Antes da CEE houve outras tentativas, como o Plano Marshall, que falharam por terem um carácter socialista, isto é, por assentarem na intervenção do Estado na economia. A sua inspiração liberal explica o triunfo relativo pois também foi muito condicionado o seu liberalismo. Acontece que uma parte dos países da CEE tem governos socialistas que fazem, portanto, uma política contrária ao liberalismo da organização. A adesão de Portugal só seria conveniente se, juntando-se ao actual Governo inglês, o nosso Governo contribuísse para travar a socialização que ameaça a CEE. Mas isso só seria possível com um Governo liberal e, entre nós, os Governos saem dos Partidos e os Partidos, por doutrina ou por actuação, são todos socialistas e parece não saberem ser outra coisa. De qualquer modo, se a CEE fosse plenamente liberalista, a falência de umas tantas empresas seria uma sangria saudável e teria imediatas ou até prévias compensações.


MÁXIMO EMPREGO, NÃO PLENO EMPREGO


C.P. – Que solução para os milhares de trabalhadores com salários em atraso?

O.V. – São duas, as vias de solução. Uma imediata, que é a de responsabilizar as empresas, na maioria públicas ou estatizadas, e não afastar dessa responsabilidade nem os homens de Estado, que é o capitalista dessas empresas, nem os respectivos gestores, sem hesitar em confiscar-lhes imediatamente os bens pessoais. A outra via é a de abandonar a economia socialista cujo «canto de sereia» é o «mito» do pleno emprego mas que só cria empregos fictícios geralmente destinados a escolhidos por filiação partidária. Aos empregos fictícios correspondem salários sem retribuição em trabalho produtivo, as empresas deixam de ter receitas suficientes e as vítimas são todos os trabalhadores, em primeiro lugar os que não têm cobertura política. Este fenómeno está estudado e descrito pelos doutrinadores neoliberais que, em complemento, demonstram como só a economia orientada pelas leis do mercado livre pode criar um «máximo de emprego» composto de empregos reais, não fictícios.

C.P. – Quanto ao monopólio da TV, aceita-o? Acha que a Igreja Católica deve ter um canal próprio de TV?

O.V. – Todo o monopólio estabelecido pelo Estado (e sempre os monopólios resultam da intervenção do Estado) é um mal, seja em que domínio for. Onde é o maior dos males é no domínio da comunicação social, do ensino e da cultura. O monopólio da TV só existe por aplicação das doutrinas socialistas. Num sistema liberal como o que eu proponho na minha candidatura – não há lugar para existirem monopólios. Nesse sistema, o Estado – ou o grupo de pessoas que detêm os poderes do Estado – nada tem a ver com a criação de Emissores de televisão, nada tem que os conceder, proibir, autorizar ou negar. Nada tem que fazer o favor de conceder ou não um «canal» à Igreja. A Igreja, como qualquer outra instituição, qualquer empresa ou indivíduo, têm o direito de dispor, não de um «canal» na TV do Estado (que deixará de existir), mas de montar a sua própria estação emissora.


CANDIDATO PARA GANHAR






C.P. – A dinâmica eleitoral, sobretudo a indefinição do CDS e a falta de estratégia do PSD, aponta já para uma mais do que provável vitória de Mário Soares. Juízo precipitado?

O.V. – Salvo casos excepcionais – a candidatura de um herói, por exemplo – não há democracia onde, antes das eleições, se possa dar como «mais do que provável» a vitória de um certo candidato. O facto de V. a dar como «mais do que provável» significa que a eleição do Presidente da República não é feita pelos eleitores mas por uma gente instalada no poder, que dá pelo nome de «classe política» distribuída em bom entendimento por quatro partidos, e que se entretêm em estratégias e intrigas, ou monta suas máquinas de manipulação eleitoral. Essa gente tem os seus jornais, a sua RTP, os seus dinheiros, as suas centrais sindicais e os seus chefes a quem servilmente serve: o que eles decidirem é o que a classe política transmite e o eleitorado votará. Como é possível admitir tal situação e chamar-lhe democracia? Como é possível deixarmos que, tranquilamente instalada nos poderes do Estado, sem atender a um protesto, essa «classe política» desdenhe todos os que estão fora dela, minoria de oportunistas, e são, afinal, os Portugueses? Como é possível que o fundista de um semanário fale dos três candidatos existentes (os que a classe política prepara) e ignore a existência de quatro candidatos independentes? E que o chefe de um partido vá mais longe ainda e diga existir apenas um único candidato?

C.P. – V. admite ganhar a eleição?

O.V. – Se não o admitisse, não me candidatava.

C.P.- Tem razões para isso?

O.V. – Sem dúvida. Digo-lhe apenas estas: num sistema estrangulado pelos Partidos e respectivas clientelas, e já abominado pela população, eu estou fora de tudo o que é «classe política»; num sistema saturado de socialismo – com 80% da economia estatizados e a crise cada vez maior, a vida cada vez mais difícil; com 30% do salário dos trabalhadores extorquidos pelos impostos; com o ensino degradado até ao estado de catástrofe nacional; com a existência, social e individual, controlada; e tudo sem uma réstea de esperança, de justiça e de liberdade (a não ser a de, num domingo de 4 em 4 anos, irmos votar nos deputados que eles escolheram) – neste sistema assim saturado, eu sou o único candidato que propõe, em termos muito concretos, a substituição do socialismo pelo liberalismo; num ambiente político em que predominam os oportunistas e carreiristas, e muitos deles já se preparam para fugir do barco e se acolherem ao liberalismo, eu apresento-me com uma comprovada autoridade que não vejo a quem possa cedê-la.


NUNCA O ESTADO ALARGOU TANTO OS SEUS TENTÁCULOS


C.P. – Como não há dinheiro, a cultura tem sido ignorada. Planos seus para o sector?

O.V. – Afirma V. que o Estado não tem dinheiro. Permita-me que lhe diga que não é bem assim. Nunca o Estado dispôs, entre nós, de tanto dinheiro: o do ouro e reservas esbanjados, o dos impostos de que não há memória terem subido a taxas tão altas, os dos sucessivos empréstimos do estrangeiro, o dos juros exigidos pela banca nacionalizada que quadruplicam o que sempre foi considerado agiotagem, etc. O que acontece é que também nunca o Estado alargou a tão longe os tentáculos da sua intervenção e não há dinheiro suficiente para cobrir os erros que faz. Afirma ainda V. que o Estado «ignora» a cultura. Permita-me que, também aqui, lhe diga que não é bem assim. O Estado nunca interveio tanto na cultura. Nunca, com tanto afinco, perseguiu o estabelecimento de uma «cultura oficial», uma cultura inteiramente institucionalizada, subordinada à orientação, à ideologia e aos interesses dos políticos e abafando todas as manifestações que possam aparecer fora dela, muito especialmente as de natureza individual. Nunca, por isso, se deram tantos prémios literários e científicos, se concederam tantos e tão elevados subsídios ao cinema, ao teatro, aos museus, à edição de livros, à investigação científica, ao jornalismo. O proteccionismo, o subsídio, o prémio prende quem o recebe e quem espera recebê-lo. Prende e cala. O servilismo atrai as mediocridades e instala-se.

Ora a obra de arte, de ciência, de pensamento, sempre que original ou criadora, é uma obra puramente individual; e a intervenção do Estado, formando uma «cultura oficial» absorvente e monopolizadora, impede, se não destrói, toda a manifestação original do talento individual e faz da vida intelectual de um povo uma desolação de repetições e psitacismos. É o que está acontecendo entre nós, é o que acontece em toda a parte onde o socialismo se instala. Isso explica que, observando esta desolação, muita gente se iluda, como V. se iludiu, julgando que o Estado «ignora» a cultura. Isso explica também que um grande artista francês, ao observar iguais resultados, no seu país, da intervenção do Estado na cultura, tenha concluído que «il faut décourager les arts».







Veja V. – para só considerarmos um caso – o que está acontecendo com o cinema. Nunca o Estado distribuiu tanto dinheiro aos produtores cinematográficos e nunca o nosso cinema desceu a um nível tão baixo. Os filmes que chegam a realizar-se (muitos dos subsidiados com muitos milhares de contos não chegam, com total impunidade, a ser produzidos) são, sem excepção, obras de puro infantilismo mental e esquematizadas, ainda por cima, como obra de propaganda política, em especial a do primário marxismo (ao dar notícia dos realizadores seleccionadas pelo IPC – uns dez entre setenta – para receberem os chorudos subsídios do ano passado, o jornal «Correio da Manhã» observava que, entre esses, uns não tinham até então produzido qualquer obra que os credenciasse, outros tinham produzido filmes que raiam a idiotia, mas eram, todos eles, conotados com o Partido Comunista; esta informação do «Correio da Manhã» não foi desmentida). Ora o que assim acontece com o cinema, acontece, ainda mais acentuadamente, no teatro; e acontece em todos os ramos da cultura, desde a edição de livros até ao jornalismo.

Questiona-me V. sobre planos da minha candidatura neste domínio. O quadro que lhe descrevi é indesmentível e eloquente. Dele resulta que só pode haver um plano: que o Estado deixe em paz a cultura, que a deixe entregue a quem ela pertence, aos que a fazem, aos que a vivem, aos que a actualizam. E acabar com todos os proteccionismos e financiamentos do Estado o qual, ao intervir na cultura, é como um elefante a passear sobre canteiros de flores (in Comércio do Porto, Suplemento, 19 de Maio de 1985, p. 12).

Continua


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