terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os Senhores da Sombra (i)

Escrito por Daniel Estulin




Biombo Namban retratando as actividades comerciais e religiosas entre Portugueses e Japoneses.



«Fascinante e misterioso, o Oriente, ou melhor, o Extremo Oriente sempre exerceu sobre o espírito ocidental uma atracção inegável.

(...) É verdade que a corrente de trocas entre o Oriente e o Ocidente existiu desde a mais remota antiguidade. Lorde Evans, ao escavar em Cnossos, encontrou um objecto de proveniência chinesa; os Romanos conheceram a rota da seda. Do Oriente mandavam vir tecidos e também estatuetas, como a que foi encontrada nas ruínas de Pompeia. Rota terrestre, pela Ásia Central, a rota da seda foi usada durante toda a Idade Média. A situação altera-se com o fim do século XV, com os descobrimentos dos Portugueses, que estabelecem a rota marítima do Extremo Oriente e trazem, além das sedas tradicionais, as especiarias e os produtos exóticos, os objectos bizarros feitos de substâncias desconhecidas: jade, cornalina, coral, porcelana. Para os homens da Renascença, não representam rigorosamente nada: estátuas caricatas de deuses considerados ridículos e desprezados sob o nome de macacos, Budas pacíficos e sorridentes, que só com uma grande dose de boa vontade podem comparar-se às imagens de Cristo, tecidos voluptuosos com dragões bordados a ouro, que valem mais do que o seu peso em ouro nos mercados de Lisboa ou de Amesterdão.

As relações continuavam a ser particularmente difíceis. No século XVI, os primeiros navios portugueses tinham tocado os portos chineses e japoneses. Em Cantão, em Amoy, em Macau, os Europeus tinham obtido autorização, não sem grande dificuldade, para abrir entrepostos comerciais. Ao mesmo tempo, apareciam na corte de Pequim os primeiros missionários, os jesuítas. Na pegada do padre Ricci, iam levar à China, antes mesmo de uma nova fé, um conjunto de técnicas desconhecidas.

(...) A partir do fim do século XVII, a China fecha-se pouco a pouco; os missionários são progressivamente expulsos - se-lo-ão definitivamente em 1814 - os navios europeus são vigiados, as relações comerciais limitadas.

(...) É quase paradoxal dizer-se que a arte chinesa vai reencontrar o caminho do Ocidente, após um longo eclipse, graças às expedições de tipo semicolonial que obrigarão a China a abrir-se à Europa.


Grande Muralha da China


É através de uma embaixada do tipo clássico que a Inglaterra pensa entrar em relações oficiais com o Império do Meio. Em 1793, Lord Mac Cartney é simultaneamente o enviado do governo britânico e o da Companhia das Índias. Em nome deste última, reconhece-se tributário da China em matéria comercial; em nome do governo de Londres, oferece ao Imperador uma sumptuosa carruagem de madeira dourada e esculpida, guarnecida de sedas europeias e veludos de Génova, iluminada por lanternas de prata cinzelada... e uma bateria de obuses. Em 1816, uma segunda embaixada obtém resultados decepcionantes.

As coisas modificam-se completamente com a guerra do ópio, que estala quando, em 1839, o governador de Cantão, Lin Tseu-siu, manda destruir as cargas de ópio importadas nos navios da Companhia das Índias. No ano seguinte, uma esquadra inglesa bombardeia as costas chinesas. Em 1842, é assinado o primeiro dos "tratados desiguais" entre a China e as potências europeias. Hong-Kong é cedida à Grã-Bretanha, novos portos são abertos ao comércio internacional: os "portos de tratado". Sucessivamente, assiste-se ao nascimento do porto de Xangai, à aparição de França e dos Estados Unidos nas águas chinesas, e por fim à reaparição dos missionários».

Paul Ulrich («Os Grandes Enigmas das Civilizações Desaparecidas»).


«O ópio é cultivado em várias regiões diferentes do mundo: América do Sul; o Triângulo Dourado do Laos, Birmânia e Tailândia; no Afeganistão, Pasquitão e Ásia Central, numa região chamada o Crescente Dourado. A maioria das papoilas do ópio cresce numa estreita faixa de 7 250 km de montanhas que se estende pelo sul da Ásia, desde a Turquia ao Laos, passando pelo Paquistão. A papoila do ópio prefere um clima quente e seco a altitudes acima dos 1 220 metros, e é cultivada por tribos serranas de tailandeses e birmaneses. Quando está prestes a atingir a maturidade, a planta produz uma flor. Cerca de uma semana mais tarde, as pétalas caem, deixando uma vagem de onde é colhida a goma do ópio em bruto, cortando-a com uma lâmina ou faca afiada. A resina do ópio em bruto pinga pelo corte e é enrolada em bolas, postas a secar durante vários dias e, a seguir, enroladas numa casca de banana ou em plástico. "Os homens das tribos são pagos em barras de ouro de 1 quilo, conhecidas como 4/10, que são cunhadas pelo Credit Suisse. Essas pequenas barras são usadas apenas para pagar à população tribal, as barras de ouro de peso normal são comercializadas no mercado de Hong-Kong pelos grandes compradores de ópio em bruto ou de heroína parcialmente processada. Os mesmos métodos são usados para pagar a população tribal das montanhas da Índia, os Baluchis, que estão neste negócio desde o tempo dos Mongóis. A 'Época da Droga', como é conhecida, assiste a uma inundação de ouro a ser comercializado no mercado de Hong-Kong" (John Coleman, Conspirators' Hierarchy: The Story of the Committee of 300, America, West Publishers, 1992).

O ópio em bruto é muitas vezes transportado pela Turquia e do Levante até à Córsega, para continuar o seu processamento na Europa, embora as zonas do Médio Oriente alberguem cada vez mais lucrativas refinarias de heroína. O litoral mediterrânico, de Marselha a Monte Carlo, tem-nas em abundância, e há quem especule que a família Grimaldi, que governa o Mónaco, está envolvida.

Grace Kelly
































O Mónaco, onde o magnata do comércio do ouro, Edmond Safra, encontrou a sua estranha morte, é o mais importante centro mundial de processamento de ópio. Há quem acredite que tal não podia ser conseguido sem o apoio activo e protecção da família Grimaldi. Surgiu mesmo a teoria de que a Princesa Grace foi assassinada devido ao Príncipe Rainier exigir demasiado. Recusara-se a acatar diversos avisos, acreditando que era intocável. Ele, ou melhor, ela foi rapidamente despachada pela Nova Ordem Mundial. Até hoje, o Rover que a Princesa Grace conduzia na noite do acidente permanece sob custódia da polícia francesa.

(...) As fortes campanhas lançadas pelos governos centrais da Europa e da América do Norte a prometerem ao público "dar luta aos fornecedores de droga" são puro disparate. Se os governos quisessem verdadeiramente erradicar o tráfico de droga, elaborariam leis que obrigassem os fabricantes de anidrico acético, o produto químico fundamental para o fabrico de heroína, a manterem registos meticulosos que revelassem quem compra o produto, qual a sua finalidade e para onde vai. Mas essa acção unilateral por parte de qualquer governo desgarrado desagradaria enormemente às famílias oligárquicas da Europa e dos EUA porque (...) essa gente movimenta anualmente centenas de milhares de milhões de dólares de tráfico de drogas.

Escusado será dizer que o líder a ousar verdadeiramente "dar luta aos fornecedores de droga" a sério, se tornaria alvo de assassínio imediato. Porque é que os nomes dos "verdadeiros culpados", as famílias nobres da Grã-Bretanha e as pessoas mais importantes da América, permaneceram tanto tempo ocultos? Porque os bancos têm lucrado com o comércio ilegal através de uma miríade de intermediários e empresas fantasma, mantendo a sua participação criminosa bem escondida do escrutínio público».

Daniel Estulin («Os Senhores da Sombra»).


«A existência de fronteiras nacionais abertas, menos restrições comerciais, sistemas financeiros e de telecomunicações verdadeiramente globais oferecem grandes oportunidades às organizações criminais de expandirem as operações para além das fronteiras nacionais».

OFFICE OF INTERNATIONAL CRIMINAL JUSTICE, Bulletin, Inverno de 1996.




Droga, S.A.






Os barões da droga nos estados fora-da-lei beneficiam com o nefasto negócio dos narcóticos? As maiores e mais poderosas empresas do mundo e alguns dos nossos proeminentes cidadãos há muito que beneficiam do negócio muito antes de aparecer os Pablos Escobar e os Manuéis Noriega. O que têm em comum o terrorismo internacional, os mercados financeiros mundiais, a construção de impérios e o capitalismo? A total dependência dos lucros da droga para a sua própria existência.

A guerra à droga é um fingimento. Sempre o foi e, enquanto a droga der dinheiro, continuará a sê-lo, ao mesmo tempo que as nossas classes políticas fingem preocupar-se com os perigos do vício, usando lemas fáceis de decorar como «basta dizer não». Há razões históricas para tal.

No seu livro, baseado num grande trabalho de pesquisa, intitulado Opium, Empire and the Global Political Economy, o professor Carl Trocki argumenta que é possível ligar historicamente um comércio de droga organizado ao desenvolvimento do capitalismo. Na opinião do autor, uma das principais derivações do comércio de droga foi a criação de uma forma rudimentar de monopólio. «A existência de monopólio resultou na concentração de grandes quantidades de riqueza nas mãos de um grupo relativamente pequeno de pessoas. A riqueza levou à acumulação de poder. A acumulação de riqueza e poder produzida por uma sucessão histórica de comércios de droga tem estado entre as primeiras fundações do capitalismo global e dos próprios estados-nação modernos» (1).

Em resultado deste processo, Trocki afirma que ocorreram um certo número de transformações fundamentais na vida humana, contribuindo para a alteração espectacular do campo tanto social como económico. «Dois efeitos importantes são a criação de mercados de massas e a geração de um fluxo de capitais sem precedentes. Ao longo do tempo, as drogas tornaram-se um elemento essencial nas finanças de todas as estruturas criminosas, desde os impérios europeus do século XVI até ao presente. Todas dependeram e dependem dos enormes lucros provenientes do monopólio do negócio mais lucrativo do mundo» (2).

Com efeito, toda a ascensão do Ocidente, entre 1500 e 1900, dependeu de uma série de comércios de drogas. No processo, os europeus tornaram-se os mais proeminentes produtores e fornecedores. O ópio foi a primeira droga viciante imposta pela força a uma população. Era vendido para gerar lucro. Em primeiro lugar, esse lucro ia para as instituições que promoviam e protegiam o negócio. «Em destaque encontravam-se as Companhias Britânica e Holandesa das Índias Orientais, o seu sucessor, o governo colonial britânico da Índia, e a comunidade de mercadores holandeses e, mais tarde, os britânicos que assentaram os alicerces económicos da economia imperial. O comércio do ópio não foi uma simples aberração do Império Britânico. Foi a  sua principal componente. O Império Britânico, o comércio do ópio e a ascensão do capitalismo ocorreram todos em conjunto» (3). Quando o comércio do ópio terminou, no princípio do século XX, o Império Britânico começou a desfazer-se.






O ópio foi crucial para a expansão do Império Britânico durante o final do século XVIII e início do século XIX, e sem ele possivelmente nem sequer teria havido império. «Os lucros das drogas pagavam as contas e proporcionavam uma fonte de rendimentos regular de elevada qualidade, o que tornou possível a permanência na Índia. Além de ser uma importante fonte de rendimento, também foi o maior produto de exportação nos primeiros setenta anos do século XIX» (4). O negócio da droga criou igualmente uma concentração de capitalistas e uma estrutura capitalista global, sem a qual nada do que se seguiu teria sido possível. Estes desenvolvimentos ocorreram primeiro em Londres e, posteriormente, em Boston e Nova Iorque.

As grandes casas comerciais, os bancos e as seguradoras que tiveram as suas raízes no comércio da Ásia começaram todos pelo ópio. O comércio do ópio gerou rios de dinheiro, assim como um mercado de massas e alimentou as instituições que se acumulavam na banca, nos seguros e nos transportes.

No fundo, o capitalismo sempre esteve interligado com as economias da droga por precisar de dinheiro disponível, sem entrar nos livros de contabilidade, para financiar a exploração e «defesa», tudo sob a bandeira do «comércio livre». A união da banca, da marinha mercante e dos seguros em torno do comércio do ópio foi uma das características mais notáveis da época. Para além de servir para o tráfico de ópio, contribuiu para a criação das bases de uma infra-estrutura comercial que acabou por apoiar uma vasta gama de comércio» (5).

Ao longo do tempo, as drogas tornaram-se uma mercadoria que criou a necessidade de outras mercadorias. Do século XV ao XX inclusive, a terra, mão-de-obra, as relações fiscais e até o próprio estado foram assegurados pelo comércio do ópio. Este foi transformado em mercadoria, quando durante milénios fora quase exclusivamente medicinal, que os britânicos sabiam ser um veneno e criar dependência. Talvez hoje, quando nos referimos a «narco-estados» como a Colômbia e o Afeganistão, nos devessemos recordar de que o primeiro verdadeiro «narco-estado» foi gerido e funcionava a partir de Londres.

Como é que tudo isto se enquadra no quadro mais vasto?»

Digamos que o dinheiro da droga é uma parte inerente da economia americana e mundial. Ao seguir os fluxos de capital a nível global, é chocante descobrir que a quantidade de lucro gerada anualmente pelo tráfico de drogas ronda os 700 mil milhões de dólares. Este valor inclui heroína, ópio, morfina, cocaína, crack e alucinogéneos. Conforme observámos, o dinheiro da droga é agora «parte essencial do sistema bancário e financeiro mundial por proporcionar a liquidez necessária para efectuar os "pagamentos mensais mínimos" exigidos pelas enormes bolhas de acções, derivados e investimentos nos EUA e Grã-Bretanha» (6).







Como podem 700 mil milhões de dólares de lucros ilegais cruzarem fronteiras internacionais, passar pelo sistema bancário internacional e não serem detectados pelas autoridades que nos obrigam a cumprir as leis? A resposta remete-nos para o lado de lá das salas de reuniões de conselhos de administração e das bolsas de metais preciosos, até ao santo dos santos de algumas das pessoas mais ricas do mundo: oito a dez gerações de homens que construíram os seus impérios em torno do comércio do ópio. Pode parecer mais ficção do que realidade. Porém, é mesmo real. Um facto histórico gravado na pedra para a posteridade, registado nos documentos disponíveis na Biblioteca Nacional de Singapura, Arquivos Nacionais da Índia, Universidade de Londres, Biblioteca Britânica, Arquivos Jardine Matheson da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Arquivos da Companhia Britânica das Índias Orientais, assim como nos registos governamentais de Hong-Kong e Macau.

Começou no século XVII e envolveu toda uma sucessão de construtores de império. Entre eles, Robert Clive e Warren Hastings no século XVIII, Alexander Matheson, David Sasoon, os Perkins e os Codman, os Russell e os Appleton, os Boyleston e os Cunningham, entre muitos outros, no século XIX. O ópio representava dinheiro, fantásticos rios de dinheiro, dinheiro para além dos sonhos mais loucos seja de quem for. Não foi preciso relembrar os construtores do império que o dinheiro fazia girar o mundo. Eram construtores de império nos corredores do poder, e traficantes de droga nojentos nos anais da História.

O que pode constituir surpresa é como os traficantes de droga operavam desavergonhada e publicamente. «Para os britânicos, o comércio do ópio não era um sórdido negócio de viela, mas antes um honrado instrumento de política estatal, o principal suporte do Tesouro, e objecto de louvor dos principais apoiantes britânicos do "comércio livre", Adam Smith, Thomas Malthus, James e John Stuart Mill. O envenenamento do mundo não levava à prisão mas sim ao enobrecimento e nomeações governamentais para cargos importantes» (7). O mesmo continua a suceder hoje em dia.

Estamos a falar da máquina política mais bem organizada de cima a baixo em todo o mundo, que conta com o apoio logístico de um cartel internacional no valor de 700 mil milhões de dólares por ano, e com a protecção de todas as entidades políticas que a Grã-Bretanha e os EUA têm criado a partir de tão vastos ganhos invisíveis. Esta protecção não se aplica apenas ao cultivo e distribuição, como também à oferta de apoio político, ideológico e de informações. Tal como o terrorismo internacional, onde quer que esteja a recuar, não pode ser mesmo eliminado: indicando que alguns dos maiores nomes em círculos reais e na oligarquia/plutocracia internacional são os manipuladores das marionetas, mesmo que agindo através de correias de transmissão e intermediários a esconderem as identidades de quem puxa os cordelinhos.






Também não devemos esquecer as gigantescas condições de apoio dos mercados oficiais de crédito a nível mundial, do comércio mundial de ouro e diamantes, e a gestão «com a mão na massa» da distribuição a retalho, ou o crime organizado da operação. São tudo derivados das drogas, S.A. Um objectivo do tráfico de drogas é criar capital líquido invisível e torná-lo disponível a quem quiser obter uma vantagem injusta no mercado. Este dinheiro tem de passar por canais nominalmente legítimos, em volumes tão astronómicos que os canais nominalmente legítimos, bancos e outras instituições financeiras, não podem de modo nenhum desconhecer a sua origem. O facto de a maior parte deste fluxo monetário ser sazonal, concluído ao fim dos dois meses que se seguem à colheita das papoilas, em Março, só pode aumentar o nosso assombro. Bancos a alegarem ignorância - «Não sabíamos» - não é simplesmente opção.

Se 700 milhões de dólares por ano em dinheiro ilegal de droga são movimentados e branqueados através da economia americana e mundial, esse dinheiro, uma vez mais, beneficia os mercados financeiros e, em especial, Wall Street. É esta a razão para se manter o comércio ilegal de drogas.  (in Os Senhores da Sombra, Publicações Europa-América, 2010, pp. 141-145).


Notas:

(1) Carl Trocki, Opium, Empire and the Global Political Economy, Routledge, 1999.

(2) Ibid.

(3) Ibid.

(4) Ibid.

(5) Ibid.

(6) Michael Ruppert, Crossing the Rubicon, New Society Publishers, 2004.

(7) Equipa de investigação do Partido Trabalhista para os EUA, Dope, Inc., Britain's Opium War against the US, New Benjamin Franklin House, 1978.



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