terça-feira, 12 de março de 2019

Da acção dos Espíritos sobre a matéria

Escrito por Allan Kardec











«O SUBCONSCIENTE

Dentre os fenómenos chamados espíritas há uma classe de fenómenos estranhos, onde o poder do Eu normal é excedido.

Conhecimentos fora do tesouro da mentalidade consciente são por vezes conquistados pelo eu mediúnico. Admitidos os imensos factos comprovativos, citados por autores de segura honestidade, como explicá-los? Eis um problema interessante e sobre o qual as experiências imaginativas são fortemente solicitadas. Duas hipóteses surgem: uma materialista, outra espiritualista. Dizem os materialistas, apresentando-se com pretensões científicas, que o solo orgânico da consciência possui filões ocultos, que certas condições orgânicas (sugestões, histerismo, etc.) colocam a descoberto.

Aqui aparece a invalidar a hipótese o vício radical do materialismo: a confusão entre as condições materiais do pensamento e o pensamento. Erro que obriga o epifenomenismo da consciência. Se um poder superior ao da consciência normal existe na hereditariedade, como e porque essa modéstia, essa inacção? E como um acidente (por vezes infeliz para o indivíduo) é causa de exaltação mental? A imagem do filão é pura metáfora, mas nada. Se a matéria é inerte, como a simples ausência de um estorvo a põe em movimento? Porque esse estorvo era tendência oposta a tendência: assim temos tendência activa do pensamento estorvada por tendência oposta: o lógico e o ilógico.

A hipótese espiritualista explica os referidos fenómenos por uma metempsicose ascendente. O espírito aprende e lembra-se, e em dadas condições revela os seus conhecimentos siderais.

Mas como esse elipse normal do conhecimento? Como conhecimentos dum mesmo espírito são duma eficácia arbitrária e, por vezes, estupidamente desigual?

Só substituindo à sua existência a existência de um Ser exterior, que se dê, por doses, consoante o mérito do primeiro.

É isto a revelação e é também o fundamento da reza.

Eis o absurdo do espiritualismo clássico: inversamente do materialismo é agora o mundo, a árvore, a criança, o riso, o regato, as estrelas… puro epifenomenismo. Os dois pólos do quietismo encontram-se na comum fatalidade da vida, no seio de Deus ou no turbilhonamento da matéria.

O princípio comum às duas metafísicas é o que em comum as torna incapazes de explicação dos fenómenos da subconsciência. Esse princípio é a ausência de liberdade.

É, pois, na liberdade que vou procurar a explicação desejada.

Eis o que emito:

A consciência não tem limites.

A consciência é uma força utilizando uma dada matéria para criar. A potência interior da consciência utiliza o tesouro do seu organismo.

Uma consciência que esgotasse as infinitas possibilidades da sua matéria, isto é, a consciência que determinasse o infinito, seria Deus.

A potência interior é a vontade. A subconsciência pensante é o infinito da consciência orgânica actuando mais largamente por uma vontade mais  pesquisadora, por uma vida mais ampla e generosa.»

Leonardo Coimbra («DISPERSOS, III - FILOSOFIA E METAFÍSICA»).







«De acordo com uma doutrina antiga, cujos traços aparecem em muitos ensinamentos de vários períodos, uma pessoa que tenha atingido o potencial de desenvolvimento humano mais elevado é formada de quatro corpos, compostos de substâncias que gradualmente se tornam mais subtis, interpenetradas e formando quatro organismos separados, posicionando-se uns em relação aos outros num relacionamento definido mas capaz de acções independentes. A razão pela qual quatro corpos podem [co]existir é a de que o organismo humano (ou seja, o corpo físico) tem uma organização tão complexa que, sob as condições certas, um organismo novo e independente pode crescer dentro dele, fornecendo à consciência um instrumento muito mais conveniente e obediente do que o corpo físico. A consciência neste novo corpo é capaz de exercer um completo controlo sobre o corpo físico. Dentro deste segundo corpo, sob certas condições, um terceiro corpo pode crescer, tendo igualmente as suas características próprias. A consciência neste terceiro corpo tem pleno poder e controlo sobre os primeiros dois corpos, e também é capaz de adquirir conhecimento que está inacessível a qualquer um deles. Dentro do terceiro corpo, sob certas condições, um quarto pode crescer, com uma consciência que tem completo controlo sobre os primeiros três corpos e sobre si próprio.

Cada ensinamento tem a sua própria forma de definição dos quatro corpos. Na terminologia cristã, o primeiro corpo é chamado o corpo "carnal"; o segundo, o corpo "natural"; o terceiro, o corpo "espiritual"; e o quarto (na terminologia do cristianismo esotérico), o corpo "divino". Na terminologia teosófica, o primeiro é o corpo "físico", o segundo o "astral", o terceiro o "mental", e o quarto o "causal". Na terminologia de certos ensinamentos orientais, o primeiro corpo é a "carruagem" (corpo), o segundo é o "cavalo" (sentimentos, desejos), o terceiro o "condutor" (mente) e o quarto o "senhor", que é também o proprietário da carruagem ("eu", consciência, vontade).

(…) Apenas uma pessoa que possua quatro corpos plenamente desenvolvidos pode ser chamada "homem", no pleno sentido da palavra. Esta pessoa possui muitas propriedades que o homem comum não possui, incluindo a imortalidade ou, mais correctamente, existência após a morte. Todas as religiões e ensinamentos antigos partilham a ideia de que o homem atinge a imortalidade pela aquisição do quarto corpo, e todas providenciam indicações para o alcançar.»

G. I. Gurdjieff («Em Busca do Ser»).


«O homem que descobriu (…) o papel do médium nas sessões de evocação dos espíritos, e estabeleceu o primeiro protocolo pormenorizado de experiências mediúnicas, foi John Dee, matemático e geógrafo inglês, o protótipo do mago isabelino, cuja vida espantosa inspirou um romance a Gustavo Meyrink: mas nenhuma ficção poderia igualar o seu diário íntimo, The private Diary of Dr. John Dee, revelado, em 1842, pela Camden Society de Londres, com o catálogo da sua biblioteca de manuscritos.»

Alexandrian («História da Filosofia Oculta»).





Da acção dos Espíritos sobre a matéria


Posta de lado a opinião materialista, porque condenada pela razão e pelos factos, tudo se resume a saber se a alma, depois da morte, pode manifestar-se aos vivos. Reduzida assim à sua expressão mais singela, a questão fica extraordinariamente clarificada. Caberia, antes de tudo, perguntar por que não poderiam seres inteligentes, que de certo modo vivem no nosso meio, se bem que invisíveis por natureza, atestar-nos de qualquer forma a sua presença. A simples razão diz que nisto nada há de absolutamente impossível, o que já é alguma coisa. Além disso, esta crença tem a seu favor o assentimento de todos os povos, visto que com ela nos deparamos em toda a parte e em todas as épocas. Ora, nenhuma intuição pode mostrar-se tão generalizada, nem sobreviver ao tempo, se não tiver algum fundamento. Acresce que se encontra sancionada pelo testemunho dos livros sagrados e pelo dos Pais da Igreja, tendo sido preciso o cepticismo e o materialismo do nosso século para que fosse lançada para o rol das ideias supersticiosas. Se estamos em erro, aquelas autoridades estão igualmente.










Mas isto não passa de considerações de ordem moral. Uma causa, especialmente, contribuiu para fortalecer a dúvida, numa época tão positiva como a nossa, em que se quer saber o porquê e o como de todas as coisas. Essa causa é a ignorância da natureza dos Espíritos e dos meios pelos quais se podem manifestar. Adquirindo o conhecimento daquela natureza e destes meios, as manifestações nada mais apresentam de espantoso e entram no cômputo dos factos naturais.

(...) A ideia que geralmente se faz dos Espíritos torna à primeira vista incompreensível o fenómeno das manifestações. Como estas não podem dar-se senão exercendo o Espírito acção sobre a matéria, os que julgam que a ideia de Espírito implica a de ausência completa de tudo o que seja matéria perguntam, com certa aparência de razão, como pode ele agir materialmente. Ora, aí está o erro, uma vez que o Espírito não é uma abstracção, é um ser definido, limitado e circunscrito. O Espírito encarnado no corpo constitui a alma. Quando o deixa, por ocasião da morte, não sai dele despido de todo o envoltório. Todos nos dizem que conservam a forma humana e, com efeito, quando nos aparecem, trazem as que lhes conhecíamos.

Observemo-los atentamente no instante em que acabem de deixar a vida; acham-se em estado de perturbação; tudo se lhes apresenta confuso à sua volta; vêem perfeito ou mutilado, conforme o género da morte, o corpo que tiveram; por outro lado, reconhecem-se e sentem-se vivos; alguma coisa lhes diz que aquele corpo lhes pertence e não compreendem como podem estar separados dele. Continuam a ver-se sob a forma que tinham antes de morrer e esta visão, nalguns, produz, durante um certo tempo, uma singular ilusão: a de se crerem ainda vivos. Falta-lhes a experiência do novo estado em que se encontram para se convencerem da realidade. Passado esse primeiro momento de perturbação, o corpo torna-se-lhes uma veste imprestável de que se despiram e de que não têm saudades. Sentem-se mais leves e como que aliviados de um fardo. Já não experimentam as dores físicas e consideram-se felizes por poderem elevar-se, transpor o espaço, como tantas vezes fizeram em sonho quando vivos (1). Entretanto, apesar da falta do corpo, comprovam as suas personalidades; têm uma forma, mas esta não os importuna nem os embaraça; têm, finalmente, a consciência do seu eu e da sua individualidade. Que devemos concluir disto? Que a alma não deixa tudo no túmulo, que leva consigo alguma coisa.

(...) Numerosas observações e factos irrecusáveis, de que mais tarde falaremos, levaram à consequência de que há no Homem três componentes: 1.º) a alma, ou Espírito, princípio inteligente, onde tem sede o senso moral; 2.º) o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais; 3.º) o perispírito, envoltório fluídico, semi-material, que serve de ligação entre a alma e o corpo.

A morte é a destruição, ou antes, a desagregação do envoltório grosseiro, do invólucro que a alma abandona. O outro desliga-se deste e acompanha a alma, que, assim, fica sempre com um envoltório. Este último, ainda que fluídico, etéreo, vaporoso, invisível, para nós, no seu estado normal, não deixa de ser matéria, embora até ao presente não tenhamos podido assenhorear-nos dela e submetê-la à análise. Esse segundo invólucro da alma, ou perispírito, existe, pois, durante a vida corpórea; é o intermediário de todas as sensações que o Espírito percebe e pelo qual transmite a sua vontade ao exterior e actua sobre os órgãos do corpo. Para nos servirmos de uma comparação material, diremos que é o fio eléctrico condutor, que serve para a recepção e a transmissão do pensamento; é, em suma, esse agente misterioso, imperceptível, conhecido pelo nome de fluido nervoso, que desempenha um tão grande papel na economia orgânica e que ainda não se leva muito em conta nos fenómenos fisiológicos e patológicos. Levando em consideração apenas o elemento material ponderável, a medicina, na apreciação dos factos, priva-se de uma causa incessante de acção. Não cabe, aqui, porém, o exame desta questão. Somente faremos notar que no conhecimento do perispírito está a chave de inúmeros problemas até hoje insolúveis. O perispírito não constitui uma dessas hipóteses de que a ciência costuma valer-se para a explicação de um facto. A sua existência não foi apenas revelada pelos Espíritos, resulta de observações, como teremos ocasião de demonstrar. Por ora, e para não nos anteciparmos no tocante aos factos que havemos de relatar, limitar-nos-emos a dizer que, quer durante a sua união com o corpo, quer depois de separar-se deste, a alma nunca está desligada do seu perispírito.

(…) Já se disse que o Espírito é uma chama, uma centelha. Isto deve entender-se com relação ao Espírito propriamente dito, como princípio intelectual e moral, a que se não poderia atribuir uma forma determinada. Mas, qualquer que seja o grau em que se encontre, o espírito está sempre revestido de um envoltório, ou perispírito, cuja natureza se eteriza à medida que ele se depura e eleva na hierarquia espiritual. Assim, para nós, a ideia de forma é inseparável da de Espírito e não concebemos uma sem a outra. O perispírito faz, portanto, parte integrante do Espírito, como o corpo faz parte do homem. Porém, o perispírito, por si só, não é o Espírito, do mesmo modo que só o corpo não constitui o Homem, já que o perispírito não pensa. Ele é para Espírito o que o corpo é para o Homem, o agente ou instrumento da sua acção.





















Ele tem a forma humana e, quando nos aparece, é geralmente com a que revestia o Espírito na condição de encarnado. Daí se poderia supor que o perispírito, separado de todas as partes do corpo, se modela, de certa forma, por este e lhe conserva o tipo; entretanto, não parece que seja assim. Com pequenas diferenças quanto às particularidades, e exceptuando as modificações orgânicas exigidas pelo meio no qual o ser tem de viver, a forma humana depare-se-nos entre os habitantes de todos os globos. Pelo menos, é o que dizem os Espíritos. Essa é igualmente a forma de todos os Espíritos não encarnados, que só têm o perispírito; aquela com que, em todos os tempos, se representaram os anjos, ou Espíritos puros. Devemos concluir de tudo isto que a forma humana é a forma-tipo de todos os seres humanos, seja qual for o grau de evolução em que se encontrem. Mas a matéria subtil do perispírito não possui a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é, se assim nos podemos exprimir, flexível e expansível, de onde resulta que a forma que toma, embora decalcada na do corpo, não é absoluta, altera-se consoante a vontade do Espírito, que lhe pode dar a aparência que entenda, ao passo que o invólucro sólido lhe oferece uma invencível resistência. Livre desse obstáculo que o comprimia, o perispírito dilata-se ou contrai-se, transforma-se: presta-se, numa palavra, a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ela actua. Por efeito dessa propriedade do seu envoltório fluídico é que o Espírito que quer dar-se a conhecer pode, se for necessário, tomar a aparência exacta que tinha quando vivo, até mesmo com os acidentes corporais que possam constituir sinais para o reconhecerem. Os Espíritos, portanto, são, como se vê, seres semelhantes a nós, constituindo, ao nosso redor, toda uma população, invisível no estado normal. Dizemos «no estado normal» porque, conforme veremos, essa invisibilidade nada tem de absoluta.

(…) Voltemos à natureza do perispírito, pois isto é essencial para a explicação que temos de dar. Dissemos que, embora fluídico, o perispírito não deixa de ser uma espécie de matéria, o que decorre do facto das aparições tangíveis, a que voltaremos. Sob a influência de certos médiuns, tem-se visto aparecerem mãos com todas as propriedades de mãos vivas, que, como estas, denotam calor, podem ser apalpadas, oferecem a resistência de um corpo sólido, agarram os circunstantes e, de súbito, se dissipam, como as sombras. A acção inteligente dessas mãos, que evidentemente obedecem a uma vontade, executando certos movimentos, tocando até melodias num instrumento, prova que elas são parte visível de um ser inteligente invisível. A tangibilidade que revelam, a temperatura, a impressão, em suma, que causam aos sentidos, uma vez que já se verificou que deixam marcas na pele, que dão pancadas dolorosas, que acariciam delicadamente, provam que são de uma matéria qualquer. Os seus desaparecimentos repentinos provam, além disso, que essa matéria é eminentemente subtil e se comporta como certas substâncias que podem alternativamente passar do estado sólido ao estado fluídico e vice-versa.

(…) A natureza íntima do Espírito propriamente dito, isto é, do ser pensante, desconhecemo-la por completo. Apenas pelos seus actos ele se nos revela e os seus actos não nos podem impressionar os sentidos, a não ser por um intermediário material. O Espírito precisa, pois, de matéria para actuar sobre a matéria. Tem por instrumento directo da sua acção o perispírito, como o Homem tem o corpo. Ora, o perispírito é matéria, como acabámos de ver. Depois, serve-lhe também de agente intermediário o fluido universal, espécie de veículo sobre que ele actua, como nós actuamos sobre o ar, para obter determinados efeitos, por meio da dilatação, da compressão, da propulsão ou das vibrações.

Considerada deste modo, facilmente se concebe a acção do Espírito sobre a matéria. Compreende-se, desde logo, que todos os efeitos que daí resultam cabem na ordem dos factos naturais e nada têm de maravilhosos. Só pareceram sobrenaturais porque não se lhes conhecia a causa. Conhecida esta, desaparece o maravilhoso e essa causa inclui-se por completo nas propriedades semimateriais do perispírito. É uma ordem nova de factos que uma nova lei vem explicar e com os quais, dentro de algum tempo, já ninguém se admirará como ninguém se admira hoje por se corresponder com outra pessoa, a grande distância, em alguns minutos, por meio da electricidade.

(…) Perguntar-se-á, talvez, como pode o Espírito, com o auxílio de uma matéria tão subtil, actuar sobre corpos pesados e compactos, suspender mesas, etc. Certamente que semelhante objecção não seria formulada por um homem de ciência, visto que, sem falar das propriedades desconhecidas que esse novo agente pode possuir, não temos exemplos análogos sob as vistas? Não é nos gases mais rarefeitos, nos fluidos imponderáveis que a indústria encontra os seus mais possantes motores? Quando vemos o ar abater edifícios, o vapor a deslocar enormes massas, a pólvora gaseificada levantar rochedos, a electricidade lascar árvores e fender paredes, que dificuldade encontraremos em admitir que o Espírito, com o auxílio do seu perispírito, possa levantar uma mesa, sobretudo sabendo que esse perispírito por tornar-se visível, tangível e comportar-se como um corpo sólido? (in O Livro dos Médiuns. Guia dos Médiuns e dos Evocadores, Nascente, 2015, pp. 67-72).










(1) Quem se quiser reportar a tudo o que dissemos n'O Livro dos Espíritos sobre os sonhos e o estado de Espírito durante o sono (número 400 a 418) conceberá que esses sonhos que quase toda a gente tem, em que nos vemos transportados através do espaço e como que voando, são uma mera recordação do que o nosso Espírito experimentou quando, durante o sono, deixara momentaneamente o corpo material, levando consigo apenas o corpo fluídico, o que ele conservará depois da morte. Esses sonhos, pois, podem dar-nos uma ideia do estado do Espírito quando se tiver desembaraçado dos entraves que o retêm preso ao solo.













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