terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Contra este filósofo não há general que resista!

Entrevista a Orlando Vitorino




Orlando Vitorino



«O nosso General


(...) O Gen. Altino de Magalhães anunciou, há dias, a sua candidatura a Presidente da República, e já hoje recebo o convite para um encontro que temos em sua casa.

Altino de Magalhães trouxe, dos numerosos cargos e missões militares que desempenhou, um valioso conhecimento de situações actuais e de homens com notoriedade política, conhecimento que muito lhe servirá para o desenvolvimento da sua candidatura. Possui uma firmeza de carácter e uma determinação de procedimento que a natural delicadeza de expressões não esconderá por muito tempo. Tem um convívio muito agradável e uma afável conversação. Virá à nossa "sede", onde cheguei a pôr à sua disposição um gabinete, e imediatamente conquistará a simpatia dos jovens.

O que ele me disse, neste nosso primeiro encontro, foi mais ou menos o seguinte:

Amtes de anunciar a sua candidatura, teve prévias conversações e, até, negociações, não por sua iniciativa, com representantes de uma das mais importantes forças políticas. Obteve a promessa de certo financiamento (que, mais tarde, me confidenciará não ter sido prometido a troco de nada). Reuniu à sua volta um staff de gente socialmente credenciada, sobretudo professores universitários. Mas só levará por diante a sua candidatura se houver a garantia de um resultado nas eleições que, embora lhe não dê a vitória, não seja indigno da "instituição militar" a que pertence. Se não houver essa garantia, desistirá. Acrescentou que considerava a minha candidatura como a mais séria.

O que eu lhe disse foi, mais ou menos, o seguinte:

A instituição militar esteve sempre ligada à Presidência da República. Criou-se até a imagem, entre as camadas populares, de que o Presidente da República tem de ser um militar, imagem em que as Forças Armadas substituíram a sucessão dinástica da monarquia. Acontece que, actualmente, os militares estão passando por uma vaga de desprestígio. Se deixarem de conservar a Presidência da República, esse desprestígio acentuar-se-á. É, portanto, compreensível que tudo façam para candidatarem, com possibilidades de êxito, um dos seus membros.

Nos encontros posteriores, desenvolvemos estes e outros temas. Mas de tudo o que lhe ouvi, guardei, com especial interesse, este episódio:

O Gen. Altino foi aluno, no primeiro ano do Liceu, de Leonardo Coimbra, e, dos muitos professores que depois teve, a imagem de Leonardo foi a que lhe ficou como a imagem do verdadeiro mestre. Havia no Liceu, frequentando os anos mais adiantados, um aluno que tinha a paixão das esperiências científicas, montara em casa um pequeno laboratório e, uma noite, altas horas, acorda Leonardo Coimbra pelo telefone para lhe dizer, louco de entusiasmo, que conseguira criar uma célula viva. Leonardo que viesse ver. Era um momento único na história da humanidade. Leonardo ouviu-o estremunhado e respondeu-lhe: "Quando tiveres conseguido criar um bacalhau, diz-me, e eu vou aí ajudar-te a comê-lo".


(...) Necrofilia socialista


(...) Hoje, é isto de este Governo socialista transferir, em grande cerimonial cívico, o sepulcro de Fernando Pessoa para os Jerónimos, ao lado de Camões e do Gama. É a maior homenagem material que os homens do poder político, sempre tão pobres em espírito, podem prestar a um poeta.

Acontece, porém, que um poeta é homem de poemas e de ideias pois não há poesia sem verdade como se diz, citando alemães, na epígrafe das "Obras Completas" do homenageado. E acontece também que, entre as ideias, ou verdades, de Fernando Pessoa a mais constante e de muitos modos expressa é a do repúdio do socialismo, doutrina que o poeta cientificamente refuta e visceralmente abomina.

Como se pode, então, homenagear Fernando Pessoa e continuar a ser socialista? Ou estes nossos socialistas são, além de suicidas, tolos e tontos ou vão anunciar-nos, já amanhã, que deixaram de ser socialistas. Não há outra hipótese possível.


(...) A CEE contra o ócio


(...) A aprendizagem do ócio, que é subtil, faz-se na juventude, idade do corpo. Dada a catástrofe crónica do ensino, para essa aprendizagem se reservaram as chamadas "férias grandes", três ou quatro longos e belos meses de sol e dias intermináveis que permitem, pelo menos, três graus de iniciação na ociosidade. Primeiro, com a libertação da escola, é o sabor, embebido em pele, de como o tempo é sem horas, o mundo sem limites, a vida sem deveres. Depois, vem o período de devaneio na praia, no campo, nas ruas da cidade, insinuando desejos indefiníveis que perpassam e esvaiem os corpos. Por fim, o período mais belo, o de não haver nada senão isto, que não se sabe bem o que é, de deixar o tempo correr, sentir o enfado e o tédio instalarem-se e só ter coisa nenhuma para os vencer, olhando longas horas que não são horas o voo dos pássaros, a queda das folhas, até se esboçarem, dentro dessa coisa nenhuma que é tudo o que há, imaginações irreais mas empolgantes, abrindo o caminho que vai da idade do corpo para a idade do espírito, dos desejos indefiníveis para a contemplação de beleza, e oferecendo a promessa de todas as felicidades.







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(...) As grandes famílias


(...) Os simples, os sinceros, os ingénuos, os que são socialistas "de base" por julgarem que o socialismo é o sistema que instala a igual distribuição, da riqueza se possível, da pobreza decerto, os que, para isso e por isso, exultaram e exultam ainda com a implantação do socialismo em Portugal, todos esses devem passar, de vez em quando, por amargos momentos de dúvida e perplexidade.

Abri ontem um semanário de "grande informação", que não comprei, deparo com uma reportagem de Manuela Gonzaga sobre as férias de verão dos chefes políticos que nos governam, e imagino aqueles simples, ingénuos, básicos socialistas a passarem, em cristianíssima pobreza, por um desses amargos momentos. Manuela Gonzaga oferece-lhes, em fotos e descrições, as imagens dos seus chefes, muito sorridentes e felizes, instalados em suas férias milionárias, todos com casa na praia e piscina no jardim, todos comovedoramente abraçados ao petit sourire da mulher e da filha casadoura, aos caracóis dos netos enternecidos, entre estantes sumptuosas de livros e discos ou entre canteiros de flores privadas, ou encostados a pinacotecas de luxo, todos a dizerem que lêem muitos livros, que passam todo o dia na praia, dão imensos passeios a pé ou a cavalo, jogam o bridge com os amigos, entretêm-se com os netos, amam naturalmente as mulheres do petit sourire e, ainda, lêem muitos livros. Manuela Gonzaga aperta-os e, apertados, confessam que lêem (eles dizem que relêem) o aristocrático Eça. Para quê o aristocrático Eça, meninos? Os meninos não dizem, mas nós sabemos que é para se rirem, primeiro, das suas próprias caricaturas em que fingem reconhecer o chefe político adversário, e, depois, para se rirem do pobre do Eça que não percebeu, com o todo o seu talento, que as caricaturas que fazia eram o gozo deles a rirem-se, como se riem, dos simples, do ingénuos, dos básicos parvos.

Observo também como a Manuela Gonzaga, que é uma mulher cheia de talento e feminina perspicácia, tem o cuidado, imposto pelas regras profissionais, de abafar toda a opinião própria que ia formando dos gabirus que entrevistava, de esconder o desdém que eles decerto lhe estariam causando, para escrever um texto inócuo, branco, igual ao de todos os jornalistas que precisam de conservar o emprego. E os gabirus a verem isto mesmo e a rirem-se do servilismo a que reduziram a famosa liberdade de comunicação.

Li ontem a reportagem da Manuela Gonzaga e logo hoje me calha passar pela Arrábida onde - diz a reportagem - o Gen. Eanes passa férias na quinta do Conde da Póvoa. O Conde da Póvoa é o Duque de Palmela ou o irmão do Duque de Palmela. A família Palmela, rica como Cresus, enriqueceu à sombra do liberalismo do século passado, liberalismo anti-clerical, mata-frades, etc. O Gen. Eanes é, hoje, o chefe visível do socialismo, é também anti-clerical, maçónico, confiscador (ou nacionalizador) de bens, mata-frades (quando se proporcionar a ocasião), etc. Todavia, o socialismo é o operariado e o liberalismo é a burguesia. O Gen. Eanes é a grande figura simbólica do operariado no poder; o Duque de Palmela é a grande figura simbólica da burguesia expulsa do poder. O primeiro passa férias no palácio do segundo. Admirável é a mútua capacidade de adaptação, admirável a mútua maleabilidade perante as várias condições da sociedade, admirável a mútua atracção da baixa-sociedade proletária e da alta-sociedade burguesa.

Em breve, todos eles regressarão de férias: nas festas de casamento entre meninos e meninas de antiquíssimos títulos nobiliárquicos, o Conde da Póvoa e Duque de Palmela voltará a ser a ilustração viva da reacção acomodada e civilizada; e nas solenidades oficiais do regime, entre os gritos e punhos fechados das multidões proletárias, o Gen. Eanes voltará a ser a ilustração viva e indignada dos oprimidos e explorados. Outras revoluções virão mais tarde. Outros socialismos e liberalismos virão depois. E outras festas de casamento entre, então, meninos e meninas de apelido Eanes, Soares, Pintasilgos ou Amaral, com meninas ou meninos de apelidos argentários: Palmelas, Mellos, Bulhosas. "A felicidade - dizia o filósofo - está na interminável repetição".


(...) A filosofia portuguesa ao poder


(...) Recebo do Instituto Amaro da Costa, orgão cultural do CDS, uma colectânea de textos sobre Leonardo Coimbra, encomendada  a Pinharanda Gomes. Ontem o PS e o PSD, Partidos do Governo, hoje o CDS, rojam-se aos pés da "filosofia portuguesa", de que Leonardo Coimbra é o mestre de génio. (Receberei amanhã algum volume equivalente do Partido moscovita?). E nesta colectânea lá encontro os mesmos pensadores que ontem encontrei na antologia sobre a liberdade. Entre eles, naturalmente, um texto meu, de figura modesta ao lado dos de Pinharanda Gomes, António Telmo e António Quadros.

Aqui há uns três anos, um estrangeiro que escreve em muitos jornais (entre nós, há sempre um estrangeiro a escrever em muitos jornais) e é hoje um dos directores espirituais do Teatro D. Maria (há também sempre um estrangeiro nessas funções: ele foi o Emilio Dux, ele foi o Meyenburg, ele foi o Savioti, ele é agora o Listopad), esse estrangeiro, dizia eu, querendo lisonjear o "nosso" Braz Teixeira (então Ministro da Cultura que foi quem o trouxe agora para aquele Teatro), dava por título a um artigo: "A Filosofia Portuguesa ao Poder". A coisa era só lisonja, mas a lisonja fez-se verdade. A filosofia portuguesa está, efectivamente, no poder, a dar fé à antologia publicada pelo Governo PS-PSD e à colectânea editada pelo CDS. O que há, em tudo isto, de paradoxal é que os políticos não fazem a mínima ideia do que seja a "filosofia portuguesa".






(...) Sua Alteza, o Duque de Bragança


(...) Sua Alteza o Duque de Bragança, descendente dos Reis de Portugal e herdeiro natural do seu oculto trono, recebeu-me numa sala do "Turf" e conversou comigo, candidato à Presidência da República, durante uma hora. Nunca, antes, eu estivera a sós com ele.

Movia-me a curiosidade de saber o que havia de verdade na informação que me haviam dado de que Sua Alteza, num golpe de teatro, projectava candidatar-se à Presidência da República e chegara a procurar apoios internacionais. Afigurava-se-me tal projecto um absurdo, pelo menos teórico: o Rei é Rei da Nação, o Presidente é Presidente da República. Mas na acção política tudo se confunde e vale tudo. Até vale, como acontece na maioria das monarquias, a monarquia ser socialista.

Quando nos separámos, trouxe comigo a indefinível sensação de que encontrara, enfim, entre as figuras da vida política, um homem que eleva os assuntos de que fala a plano em que o patriotismo predomina. Não o fará, decerto, deliberadamente, mas sim movido pela força da história que, por definição, ninguém, como ele, pode trazer no sangue. Não estará aí a superioridade da monarquia?


(...) Um homem tranquilo


(...) A porta abriu-se e uma súbita alegria me invadiu ao ver ali presente aquele homem. A alegria revelou-me como, não o vendo há tantos anos, permaneci seu amigo. Creio que Veiga de Macedo não ficou menos contente por me ver. Fez-me entrar para uma sala, depois para a biblioteca. Em ambas, retratos de Salazar. Eu vinha para um encontro breve, pouco antes da hora do almoço. Fiquei três horas. Bem sabia como ele é um homem autenticamente religioso mas só hoje vi como essa autenticidade o leva a dar prioridade absoluta à vida do espírito em todas as suas formas ou manifestações. Tendo sido, durante a maior parte da vida, um homem de acção política - Secretário de Estado da Educação, Ministro das Corporações, etc. - o seu absorvente interesse é, agora, a poesia, uma vocação que se lhe revelou no exílio brasileiro. Aí foi professor de filosofia do direito, de economia e de literatura. Disso conversámos. Oferece-me um livro de poemas e lê-me alguns. Fico surpreendido. Num estilo digamos tradicional, obediente às regras clássicas da versificação e dos géneros poéticos, são belos poemas, meditados e sinceros.

Diz-me: "Quando V. me telefonou e combinámos este encontro, comecei por pensar: o Orlando Vitorimo está candidato presidencial e vem fazer-me alguma proposta de colaboração. Mas logo reflecti: não, ele não é pessoa para isso. É o amigo que ele quer ver". Verificava que assim acontecia e ficava contente. Acrescentou: "Estou alheio à política. Tenho a convicção de que posso ser mais útil à minha Pátria escrevendo os meus poemas".

Creio que fiquei comovido.


(...) Monárquicos


(...) Para ontem à noite, tinha eu o compromisso de duas conferências em lugares diferentes. Uma no Centro de Estudos Portugueses, dirigido pelo António Quadros, sobre o sebastianismo na interpretação que Sampaio Bruno lhe dá em "O Encoberto". Outra na Liga Popular Monárquica sobre a monarquia vista por um candidato à Presidência da República. Fiz as duas adiantando a hora de uma e atrasando a da outra. O que eu disse aos monárquicos, que me consideram um dos seus, foi, mais ou menos, o seguinte:

Portugal é, simultaneamente, um Estado, uma República, uma Nação e uma Pátria. São quatro realidades muito diferentes, embora complementares: o Estado é uma articulação de instituições ou um conjunto de poderes que se destinam a efectivar o Direito; a República é o domínio dos interesses patrimoniais e bens públicos e das condições gerais dos interesses, negócios e bens privados; a Nação - a que Leonardo Coimbra chamava Mátria - é uma entidade natural que reúne os que nascem Portugueses; a Pátria é uma entidade espiritual.

O actual regime político caiu no erro de chamar Presidente da República ao Chefe do Estado. A República não tem, em rigor, Presidência, mas sim Governo. A Pátria não tem, e não pode ter, por sua natureza espiritual, nem Chefe, nem Presidente, nem Rei, nem qualquer outro representante reconhecido a não ser, em momentos excepcionais e transitórios, alguma figura de herói, de santo, ou de génio.

Ora  Rei é o supremo representante da Nação, uma vez que a Monarquia Portuguesa é dinástica, quer dizer: os Reis sucedem-se, por uma relação familiar ou natural.

"A minha condição de candidato à Presidência da República - disse eu aos meus amigos da Liga Monárquica - não briga, pois, com a vossa condição de monárquicos". E se uma hierarquia existe nas quatro realidades que Portugal é, ela situa, primeiro, a Pátria, depois a Nação, a seguir a República e, por fim, o Estado.


(...) 1.ª Viagem na Beira


(...) Contacto aprazado, numa vila pequena, com um professor de filosofia do liceu (deixem-me dizer liceu - nobre palavra aristotélica, de raiz apolínea e luminosa - e não ensino secundário, designação numérica). Ele lê o resumo das minhas propostas presidenciais e noto que os olhos se lhe iluminam. Ouço-o murmurar: "Isto é uma cruzada". Assim encontrámos a palavra: o que vamos fazer é, não uma "campanha política", mas uma "cruzada eleitorial".


(...) Teologia e política


(...) Acordo muito mais cedo do que a hora combinada, deito mão ao livro e o que li deixa-me meditativo para toda a jornada.


Porta principal da antiga Sé de Silves



Ver 12, 3, 4, 5 e 6






Localização de Silves










O livro é "A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre". Podemos deveras considerar que se trata da mais notável obra apologética do nosso tempo. Consiste a apologética na argumentação em favor da teologia contra os que atacam ou negam as suas verdades ou apenas as criticam. Para cada época, a Igreja elabora uma apologética oportuna pois a crítica ou o combate à teologia católica varia consoante as épocas. Há, assim, uma apologética contra as heresias medievais (e, aí, uma das obras mais notáveis é o COLÍRIO de Álvaro Pais, filósofo português), como há uma apologética contra os infiéis, outra contra os protestantes, outra contra os iluministas. A apologética de Leonardo Coimbra é contra o humanismo dominante no nosso tempo, e sua consequente "realização" no comunismo.

O texto que li e tanto me fez meditar, é aquela página em que Leonardo mostra como a sociologia, falsa ciência, conduz ao ateísmo. Leonardo escreveu isto em 1934, assim prevendo e prevenindo, com uns trinta anos de antecedência, o chamado "catolicismo progressista", movimento que constitui a tentativa de elaborar uma apologética mediante a absurda substituição da teologia pela sociologia. São conhecidos os desenvolvimentos ou os resultados dessa tentativa: conduzir os católicos progressistas para o ateísmo e na forma mais vazia que o ateísmo tem, o comunismo (cuja cientificidade é a sociologia).

Infelizmente, a apologética de Leonardo Coimbra ainda não foi, em Portugal, adoptada pelo magistério católico apesar dos esforços, mais temerosos, de homens como o Pe. Dias de Magalhães ou, mais audazes, de homens como Pinharanda Gomes.


(...) Gente que passa por Borba


(...) Quem vem comigo é o Luís Baptista. Desviámo-nos do itinerário traçado para que eu trate, em Borba, com os autarcas locais, de assunto que nada tem a ver com tarefas da candidatura. Tínhamos almoçado em Elvas e contamos que este desvio nos não demore mais de uma hora. Afinal, sairemos de Borba muito depois da meia noite.

Primeiro, deparamos com o João Falcato que, exuberante até ao escândalo, se nos atravessa na rua de braços abertos, gritando que eu é que sou o Presidente dele. Agarra-nos, dando um braço a cada um de nós, e faz-nos entrar em quantos "cafés" e tabernas há, apresenta-nos como candidato presidencial a todos os que encontra, com todos nos obrigando a beber um copo. Feito este percurso inesperado de propaganda eleitoral, leva-nos para casa dele. É um casarão com três ou quatro séculos, de uma imensidão repleta de toda a espécie de decorações: barros, estátuas de mármore, velhos azulejos, quadros "naifs", outros de igrejas, móveis de muitos estilos, e tudo distribuído com um critério indeterminável. Este casarão comprou-o ele aos herdeiros de Bustorf Silva, um advogado famoso nos tempos do salazarismo, tempos em que foi figura de proa na política e na plutocracia. Como muita gente desses tempos e dessa espécie, comprou de tudo ao acaso ou ao sabor do capricho. Quando administrava a Fundação da Casa de Bragança, que tem a sede em Vila Viçosa, a 4 quilómetros de Borba, comprou este casarão que não chegou a restaurar mas ainda lhe construiu, em estilo romântico, uma piscina no quintal. João Falcato era, nesses tempos, escritor de domingo, jornalista e, sobretudo o homem da propaganda, ou relações públicas, do famoso, talvez famigerado, Veiga Simão, o Ministro da Educação que mais contribuiu para a solidificação do marxismo no ensino. Veio o "25 de Abril", e Veiga Simão refugiou-se nos EUA, facto que a sua propaganda - não sei se ainda comandada pelo Falcato - aproveitou para fazer constar que os americanos haviam reconhecido nele os altos méritos de um "cérebro" e o haviam "caçado" para lhe entregarem a investigação de mistérios da física nuclear. O Espírito Santo conta a história de outra maneira, sabe-se lá se mais verídica, mas decerto tão curiosa que vale a pena registar ut si omnia documenta. Quando do "25 de Abril", negociava o Espírito Santo em antiguidades, arrebanhando quadros que vendia aos plutocratas, em especial a um banqueiro de nome Jorge de Brito. Uma vez vencedores, os socialistas logo lançaram no seu "Index" o luxo das antiguidades, e o Espírito Santo apressou-se a encaixotar umas boas dezenas de quadros que possuía e a fugir com eles para a América. Desembarcado, com mais engenho do que recursos, adquiriu uma "roulote", carregou numa metade dela os seus quadros e armou, na outra metade, um "bar" para cozinhar e vender "cachorros" Assim se pôs a correr as estradas, de cidade em cidade onde houvesse "colónia" de Portugueses. Distâncias longas, ia parando no caminho, abria o "bar" da sua "roulote" e vendia "cachorros" a quem passava. Chegado à cidade seguinte, dirigia-se à Associação local de emigrantes Portugueses, aí expunha os seus quadros, todos de alto preço, que vendia a quem lhos comprava. Esgotado o mercado local, desmontava a tenda das artes e seguia caminho, montando, aqui e além, a tenda dos "cachorros". Ora numa daquelas cidades encontrou-se com Veiga Simão, que fazia uma conferência no mesmo dia e na mesma sala em que ele expunha as pinturas. A coincidência resultou frutuosa para os dois refugiados: um teve mais gente para lhe ouvir a conferência, o outro mais compradores para os seus quadros. Não sei se resolveram associar-se, repetindo na cidade seguinte o que o acaso lhes oferecera naquela, e assim tenham vivido uns meses até passarem os furores revolucionários em Portugal e poderem regressar. Veiga Simão regressou para ser outra vez Ministro, agora socialista, e, dada a experiência que era suposto ter obtido na América, não da Educação mas da Indústria. Espírito Santo para ser professor universitário, função para que o credenciou talvez o convívio com o seu versátil companheiro de exílio. Voltas que o mundo dá.

João Falcato, entretanto, era "saneado" do Ministério da Educação e do "Diário de Notícias", mas colocado como director do Panteon, guarda-mor dos túmulos dos Reis de Portugal. Tarefa fácil, praticamente reduzida a mandar limpar o pó que se acumula sobre as pedras tumulares, dava-lhe todo o tempo para se dedicar à exploração agrícola das terras que possui em Borba, nas quais plantara vinhas. As cepas deram uvas, o vinho subiu a preços nunca vistos, e uma tarde, sempre exuberante, Falcato dizia-me: "Tenho tanto dinheiro que não sei o que lhe hei-de fazer". Um dos usos que lhe deu foi comprar, para nada, ou só para ter, o tal casarão do tal Bustorf Silva onde agora cá estamos, feito o inesperado percurso eleitoral pelos"cafés" de Borba, o Luís Baptista e eu, sentados em volta de um cesto de ameixas secas e uma garrafa de vinho.

Pela porta que Falcato deixa sempre aberta, entram visitas. São o José Hermano Saraiva e a mulher. O José Hermano Saraiva também foi Ministro da Educação, quando era homem de confiança de Marcello Caetano, e ainda se não popularizara como historiador na RTP. Logo se me dirige na minha qualidade de candidato presidencial, assumindo ele a de um especialista "blasé" na política e na história da política, de mãos habituadas a fazer e desfazer revoluções, ministros, reis e presidentes da República, coisas que lhe são tão familiares e sem surpresa que deixa adivinhar enfadarem-no. Com a boca traçada em arco como a das personagens trágicas, numa voz metálica que a televisão popularizou, logo me atira, de dedo apontado e a cabeça reclinada para trás, tentando olhar-me de cima: "V. propõe a extinção da Universidade. Como se a Universidade não estivesse há muito extinta... É só fechar-lhe a porta e dar a volta à chave. Lá dentro, não há nada!"









Quando este Ministro da Educação se foi embora, nós, ainda tentámos sair com ele. Mas o anfitrião não permitiu, e lá nos sentámos outra vez em volta das ameixas e do vinho. O Luís ia devorando as ameixas, de olhos estupefactos para tudo, Falcato não parava de falar aos gritos e aos gestos, e eu, resignado, ia bebendo golo a golo o copo sempre cheio. Mais gente entra. Ouvimos seus passos, femininos, percorrendo as enormes salas que conduzem a esta onde estamos. Surgem duas jovens estrangeiras. Falcato levanta-se e fixa-as com olhos interrogativos. Elas tinham pegado nas mãos uma peça de faiança e perguntam, em inglês, o preço. Falcato explica que não é para vender, que isto é uma casa particular. As raparigas envergonham-se, não entendem, pousam o prato, pedem desculpa, vão sair. Falcato corre a elas. Que não! Que fiquem! E arrasta-as para a nossa roda, oferece vinho, oferece ameixas. As raparigas não sabem que fazer, decerto se lhes afiguram costumes estranhíssimos os nossos, recusam como quem recusa a tentação do demónio e acabam por fugir com o Falcato atrás, pedindo-lhes que fiquem e gritando, para as aliciar, que eu sou o Presidente da República.

Ficamos, de novo, os três sós, mais o vinho e as ameixas. Por breves minutos, pois novos visitantes entram, agora espanhóis, que também confundem a casa com uma loja de antiguidades, aceitam sentar-se, beber do nosso vinho. São comunistas de Badajoz iguais aos de cá, com as mesmas barbas, as mesmas palavras, as mesmas inflexões, o que logo lhes ganha o aborrecimento do anfitrião.

Por fim chegam os homens da terra, pelos quais eu desviara nosso itinerário, e têm já encomendado, num restaurante, um jantar típico e tão farto que chega para todos; para quem estava para ser e para o Luís, também para o Falcato. Lá fomos todos. Os homens são os autarcas da vila; os mais deles comunistas, os outros socialistas, diferença aqui abissal. Durante todo o jantar - com o Falcato emudecido, decerto por ter gritado toda a tarde - os homens só querem falar da minha candidatura. Eu, que só podia esperar dentes cerrados de socialistas e comunistas, deparo com a mais aberta simpatia. Falámos, comemos e bebemos. À sobremesa, um deles concorda com os outros em mostrar seus talentos de versejar e recita esta quadra que, depois, passa a papel e me oferece:


"Ao Orlando Vitorino
Digo agora de repente
Que seja este o destino
Ser do país Presidente".


Quantos eleitores vou ter em Borba? O Falcato garante: "Tu, aqui, ganhas"!


(...) Freitas, alfa e ómega


(...) Deparo com a entrevista de um dos candidatos do sistema, o que é professor universitário, o de quem outro, M. Soares, virá a dizer que "já nasceu professor, professor chato, escrevinhador de sebentas bem feitinhas". Leio a entrevista e vejo-o declarar que os pensadores que mais influenciaram a sua formação doutoral foram Aristóteles, que viveu há mais de dois mil anos, e Karl Popper, dos nossos dias. Como quem declara: o alfa e o ómega. Como quem dá a entender: toda a sabedoria está comigo. E isto, a darmos fé a M. Soares, desde a nascença. Karl Popper, ainda vá. Mas Aristóteles, não se nota.


(...) Para ser como N.ª Senhora


(...) De Braga, onde permaneço dois dias, os rapazes partem para as aldeias vizinhas a recolher certificados de eleitores nas Juntas de Freguesia. À noite, reunimo-nos na cidade dos arcebispos. Contam-me. "Numa freguesia perto de Vila Verde, tivemos de esperar que a Junta abrisse. Uma velha chega-se a nós e lança-se num longo pranto: a hora da perdição está a chegar. O mundo está cheio de pecados. Os piores pecados são os dos padres, que não têm perdão. Que andam Vocês a fazer aqui? Andam na política? São dos Partidos? É mau. Que julgam que sou? Também fui nova e tive muitos rapazes como Vocês que me quiseram namorar. Mas eu não quis. Para guardar a minha virgindade, para ser como Nossa Senhora..."

Procuro associar este episódio às aparições que estão agora dando numa aldeia da Jugoslávia? Talvez porque a Virgem tem recomendado aos videntes: "Não obedeçam aos Bispos!"


A sabedoria popular está connosco


(...) Um dos temas da nossa candidatura é o logro que constitui, entre nós, como em toda a parte, a chamada Segurança Social, tão acarinhada pelos socialistas. Preconizamos que seja abolida a obrigatoriedade de os trabalhadores se inscreverem nela e pagarem para ela.



Localização do Alto Minho




Ao percorrermos o Alto Minho, entramos numa taberna à beira da estrada para bebermos um copo de vinho verde ao balcão. Na nossa frente, afixada na parede branca, deparamos com esta confirmação que a sabedoria popular nos traz:


O pobre e o rico são duas pessoas
O soldado defende os dois
O contribuinte paga os três
O trabalhador trabalha para os quatro
O vadio come dos cinco
O usurário vigariza os seis
O advogado advoga os sete
O bêbado ri-se dos oito
O padre absolve os nove
O médico mata os dez
O cangalheiro enterra os onze
... E a Segurança Social fica com o dinheiro dos doze



Política e literatura


(...) Dia dedicado a uma pausa de repouso e restauro. Releio, pela manhã, o prefácio de Álvaro Ribeiro ao livro de Soloviev, "A Verdade do Amor", que, em nova edição, o Francisco da Cunha Leão me ofereceu há semanas. A concisão e densidade deste prefácio torna mais manifesta a grandeza do segregado pensador português perante a justa celebridade do pensador eslavo, cuja leitura Leonardo Coimbra recomendava.

No texto de Álvaro, os assuntos que por aí andam ensebados e sujos nas mãos, na boca e nas leis dos políticos, são repostos na altura própria, em expressões breves mas fulgurantes, que os limpam e nos limpam. É a alta política em contraste com a baixa política.

Um exemplo, adaptável à condenação da propriedade instituída pelo actual sistema socialista:

"A sociologia da agricultura, baseada na propriedade territorial e no tempo heterogéneo, foi substituída pela sociologia da incultura, baseada no tempo homogéneo e na propriedade financeira. Já não há, a bem dizer, leis que defendam a liberdade da família".

Outro exemplo, adaptável à discutida legislação do aborto:

"Correm licenciosamente falsidades, erros e absurdos acerca do preceito monogâmico e da constituição da família porque aos adolescentes são ensinados os motivos fisiológicos e sociológicos de um movimento cujo motor só é explicável pela teologia".

Pela tarde deste dia de pausa, entrego-me a uma aprazível tarefa que há meses iniciei: a tradução das "Geórgicas", de Virgílio. E logo deparo com este trecho de que tenho de afastar conotações políticas para o saborear em paz:


Há terras que engeitam o que outras acolhem:
Dão-se numas os trigos, noutras as vinhas,
Florescem aqui as árvores de fruto, além dispensam cultivo verdejantes pastagens.
Não sentes como é do Monte Tibolo que te chegam os perfumes de Açafrão? Não sabes que é da Índia que nos vem o marfim? E da voluptuosa Arábia o incenso?
O ferro, das Chalybes desérticas? Do reino do Ponto, os castores peçonhentos? e do Épiro,
As éguas de acaia que triunfam nas corridas?
Tais diversas são as leis que aos diversos lugares
A natureza impôs
Para que no mundo houvesse uma harmonia eterna.


O dia fecha com a leitura fácil, mas psicologicamente perturbante, do romance de Stendhal, "A Cartuxa de Parma"; e como se fosse para me afastar da política, perpassa-me pelos olhos já ensonados esta observação do narrador: "Tenho agora de falar das intrigas dos políticos. Falar de política numa obra de arte é como fazer estoirar um tiro durante um concerto musical".


(...) Alentejo amedrontado


(...) Outra vila do Alentejo. O homem abre-nos a porta. Conduz-nos por corredores silenciosos até uma sala enorme, ao fundo da casa deserta. Quando chega o momento de falarmos do que há a fazer pela minha candidatura, o homem baixa a voz, embora ninguém nos pudesse ouvir, e encolhe os gestos num reflexo instintivo de defesa e medo. Diz-nos. "Só os comunistas é que são activos. Nada os faz recuar. Nem mesmo matar um homem". E conta-nos, em voz cada vez mais baixa, histórias de crimes. Não há dúvida: o Alentejo está amedrontado... e amordaçado, como dizia outrora Mário Soares.

(...) Mais histórias do medo que amordaça o Alentejo. Dizem-me que numa aldeia vive o famoso, já esquecido, sempre desgraçado, assassino de um lavrador que, vinda a revolução comuno-socialista, foi celebrado como um herói, louvado em prosa e verso, e fez cercar o Tribunal de Tomar, onde ia ser julgado, por uma multidão de punho erguido que exigia um "julgamento popular" como o que, há dois mil anos, condenou Jesus Cristo. O homem acabou por ser transferido para Lisboa e aí condenado. Mas depressa o transportaram para Moçambique - já independente e marxista - e de lá voltou ao fim de três anos, todos os tempos somados. Voltou para a aldeia. Mas os vizinhos afastam-se dele. Os próprios comunistas, que tanto o celebraram, procuram ignorá-lo. Ali fica, numa aldeia do Alentejo, fixado em sua imagem trágica, exemplo da impunidade, pedra do amedrontamento.

Arriar da Bandeira Portuguesa na cerimónia de "Independência de Moçambique", a 25 de Junho de 1975, no Estádio da Machava, em Lourenço Marques.



Os "campos de reeducação" em Moçambique.
















(...) A censura sem rosto


(...) Conversa ocasional com um dos homens mais bem colocados na rede da comunicação social. Perfeita concordância quanto ao regime.

No regime salazarista, havia Censura e Censores. Constituíam uma instituição, tinham lei própria, vinham seus nomes e nomeações no "Diário do Governo", toda a gente sabia da sua existência e os podia procurar onde funcionavam, nas traseiras do Palácio Foz com a porta para a Calçada da Glória.

No actual regime socialista, continua a haver Censura e Censores. São mais férreos e vigilantes do que os do salazarismo, mais eficazes do que os do Santo Ofício e Santa Inquisição. O que não têm é nome e nomeação no "Diário da República", nem lei própria, nem lugar onde possam ser procurados e ninguém pode dizer que sabe da sua existência. Funcionam dentro dos orgãos de comunicação que estão encarregados de censurar ou, palavra ainda mais abominável, de controlar. São directores e presidentes da RTP, do "Diário de Notícias" e quantos mais. São a Censura Sem Rosto!


(...) Medo e vergonha nos jornais


(...) Os jornalistas andam às apalpadelas. Estão nas Redacções dos jornais, da rádio, da RTP onde lhes pagam o magro ou gordo salário que não podem dispensar. Têm naturalmente formada uma opinião sobre os candidatos que, em geral, conhecem pessoalmente, e bem. Mas como escrever? Que escrever? Está sem dúvida legalizada a liberdade de imprensa, há o sindicato, não há censura. Mas a liberdade de facto, se de facto a houver, só para os patrões. A eles apenas lhes cabe escrever o que os patrões mandarem. Se o não fizerem, o que escrevem não é publicado e, pior do que isso, acabar-se-lhes-à o contrato na primeira ocasião e não terão "boas informações de docilidade" para novo contrato. Não lhes resta senão escreverem o que os patrões quiserem. Mas que querem, que mandam os patrões? Esses também andam às apalpadelas. A maior parte nem sequer são patrões. São directores da imprensa e da rádio estatizadas, são portanto empregados do Estado e têm de obedecer ao Estado. O Estado não é, como muita gente julga, uma entidade abstracta. É uma organização muito poderosa comandada por certos senhores muito reais, os que compõem aquela "classe política" a que o Sr. Freitas do Amaral chama já "dirigente" e propõe, nos objectivos da sua candidatura, institucionalizar como uma "nomenklatura" moscovita.

Os patrões da imprensa privada não estão melhor do que os outros. Geralmente são condóminos do jornal que dirigem e sabem que precisam do Estado para receber os indispensáveis subsídios, papel, etc. Têm por isso de jogar certo porque se fizerem o jogo de um candidato que não tenha o apoio do "sistema", vão com certeza para a falência. Tudo e todos dependem, pois, dos chefes políticos. Dependem da distribuição que eles façam dos "orgão de informação" pelos candidatos do sistema. É uma distribuição decerto fácil, apenas uma formalidade, mas tem um calendário táctico. Enquanto não for feita, os jornalistas andam às apalpadelas.

(...) Parece enfim completada a distribuição dos "orgãos de informação" pelos candidatos do sistema: a Presidência da RTP e a Direcção dos respectivos serviços de informação, ficaram no PS, que é o mesmo que dizer no Soares; a Direcção do "Diário de Notícias" está com Zenha; com Zenha está o "Jornal", o "Tal e Qual" e o "Diário"; o "Diabo" passou-se para Freitas e de Freitas é "O Primeiro de Janeiro", tal como o "Semanário", este, aliás, "suplemento" ou "complemento" político moderado de "O Diabo"; e assim sucessivamente.

Distribuídos os orgãos de informação, cada candidato controla os que lhe cabem. O controlo vai desde a assegurada obediência dos directores até à colocação de um "controleiro" na Redacção. Com tudo isto, os jornalistas nunca viram a sua independência tão desprezada. Todavia, nunca o direito de cada um só escrever o que entende foi tão expressamente consagrado na Constituição, representado em Instituições, regulado nas Leis e propalado aos quatro ventos. Ai, porém, do jornalista que não insinue louvores ao candidato do jornal, que não respeite o "controleiro". E sobre tudo isto, ainda se vê humilhado do modo mais vil. Imagine-se como se sentirá o redactor do "Semanário", de "O Diabo" ou do "Primeiro de Janeiro", que todos os dias é obrigado a utilizar a caneta em louvores ao candidato Freitas, imagine-se como sele se sentirá ao abrir o livro de candidatura deste candidato e aí se ver denunciado como elemento de uma desprezível classe de ignorantes e ameaçado de ser mandado para a escola.

O medo e a vergonha instalaram-se nas Redacções. Os jornalistas já nem têm o recurso de salvarem a cara com a existência da abominável Censura, que toda a gente julga que não há. Ao seu último orgulho só resta o refúgio numa atitude cínica e céptica que depressa os reconduzirá àquele aviltamento reles e canalha que Eça de Queiroz descreveu no romance "A Capital".

(...) O director de um orgão da imprensa regional veio contar-nos isto:

"Quando foi de uma das últimas eleições, entraram-me pela velha tipografia, quase secular, do meu jornal, dois homens de mão de um dos candidatos. Vinham convidar-me a alinhar o jornal pelo candidato deles. Eu recusei. No dia seguinte telefonaram: que não se tinham explicado bem, que as notícias e "sueltos" que eu publicasse era para serem pagos. Recusei outra vez. E eles deitaram tudo cá para fora: a minha tipografia era velha e ofereciam-me um parque tipográfico todo novinho, moderno e completo. Enfim, uns bons milhares de contos".


(...) A "Direita" está-lhes no papo


(...) Veio de longe e traz-nos novas de amigos distantes. A meio da conversa, cita uma frase de Lenine. Mais ou menos isto: “Sempre que se faz uma revolução, devemos ser nós a organizar a direita antes que a direita se organize a si própria”.

Logo me lembro de, há anos, Henrique Ruas me haver contado de como o convocaram para ir à “Cova da Moura”, nos primeiros tempos da revolução comuno-socialista, quando Spínola era o dócil Presidente da República. Henrique Ruas compareceu, foi conduzido a uma sala onde já se encontravam umas tantas pessoas que, como ele, não sabiam para que ali tinham sido convocadas. Esperaram. Entrou um oficial do MFA, um coronel, Vasco Gonçalves, que se tornaria em breve famoso como Chefe do Governo comunista de 1974/75. Sobraçava um grosso “dossier”, sentou-se a uma mesa e informou os presentes de que, estando instaurado o regime democrático, não havendo democracia sem Partidos Políticos e apenas se encontrando organizados os Partidos Socialista e Comunista, eles haviam sido escolhidos como as personalidades mais capazes para organizar os Partidos que ainda não existiam. Ao ouvir isto, o Sr. Freitas do Amaral levantou-se: “Nesse caso, não estou aqui a fazer nada”. Logo, Vasco Gonçalves o obrigou a ficar: “O Sr. Professor é a pessoa escolhida para organizar o Partido da Direita”. Assim nasceu o CDS. E assim a “direita” chegou ao estado em que hoje se encontra. Lenine bem sabia...









Nota: Depois de publicado este texto no “Diário do Minho”, o semanário “Expresso” elaborou, com elementos fornecidos pelo biografado, uma biografia de Freitas do Amaral. Aí se descreve o que nós descrevemos mas trocando o comunista Vasco Gonçalves pelo comunista Vitor Crespo e colocando-o, decerto para atribuir mais solenidade à carreira do biografado, no centro de um grupo de membros do Conselho da Revolução, organismo que esteve ao serviço do comunismo. A correcção é, deste modo, apenas formal. Nada de essencial altera.


(...) Um almoço de generais


(...) Como estavam todos à paisana, não posso assegurar que fossem todos generais. Mas creio que o único civil seria eu.

Não consegui entender por quê e para quê me convidaram. Foram amáveis, o ambiente o mais simpático e o almoço o mais agradável.

À sobremesa, um deles, sentado à minha frente, tirou um dossier da pasta que conservara sempre junto de si. Pousou-o sobre a mesa, abriu-o e leu-o numa voz vibrante. Tratava-se de um minucioso relatório, apoiado em minuciosa contabilidade, da ruína económica e financeira a que o Estado socialista havia reduzido o país. Alguns números eram impressionantes. Por exemplo: cada um dos duzentos e tantos deputados à Assembleia da República custa aos contribuintes seis mil contos por ano.

Finda a leitura, fechado o dossier, todos ficaram a olhar para mim. Senti-me embaraçado. Suspendia-se sobre nós um denso silêncio. Até que perguntei qualquer coisa, e o leitor do dossier, sempre de olhos fixos em mim, ensurdecendo a voz para a tornar mais impressiva, respondeu: "Isto (e assentava a mão fechada sobre o dossier) é para dar um murro na mesa e deitar abaixo o que para aí manda!" Então observei: "não é com um murro nesta mesa que isso se consegue..." E como falava para generais, acrescentei: "...a não ser que os tanques, já estejam na rua".

Um deles, homem tranquilo mas forte, de voz pousada mas segura, explicou: "Não há condições, na tropa, para trazer os tanques para a rua. Se o fizéssemos, sabe o Sr. Dr. o que acontecia? Os tanques viriam até ao Terreiro do Paço, mas daí a algumas horas, não estava lá nenhum soldado. As famílias teriam vindo buscá-los e não temos disciplina que os segure". Depois acrescentou: "Os militares só podem assumir uma posição de força quando estiverem criadas as condições para que a população os aprove. Ora essas condições ainda não existem. O descontentamento já é decerto visível, mas ainda não é decisivo".


Sarcasmo e perversão da juventude


(...) Para a proponência da minha candidatura, o rapaz vem trazer-me assinaturas que teve a iniciativa de recolher entre os amigos. Preparo-me para conversar, mas ele tem pressa. Desculpa-se, dizendo-me, com uma expressão entre envergonhada e cândida: "Tenho de ir ao comício do Freitas". Eu não escondo a surpresa, e ele explica, mostrando-me um cartão colorido: "É que eles pagam. Mostramos o cartão, entramos e pagam. É como se fosse dinheiro para o jantar..."

(...) Um candidato presidencial foi ao Porto proferir uma conferência naturalmente presidencial. Enquanto esperava a hora num pequeno gabinete do vasto edifício, um grupo de jovens, na rua, gritava-lhe "vivas". Ouve-os e tem este sarcasmo: "Quanto dinheiro esperam eles que eu lhes dê?"


(...) Portugal amordaçado


(...) A Lei só permite que se faça propaganda eleitoral durante a campanha eleitoral, isto é, durante o período que vai desde 20 dias antes da data marcada para a votação até à ante-véspera dessa data, período que, nas presentes eleições, começa hoje, dia 28 de Dezembro de 1985.

Acontece, como temos descrito e toda a gente sabe, que os quatro candidatos do sistema vêm fazendo a sua propaganda eleitoral desde Abril, ou seja, desde nove meses antes do que a Lei permite. Essa propaganda vem sendo feita utilizando todos os meios que a Lei expressamente enumera e proíbe, desde a publicidade paga até à manipulação exclusiva dos orgãos de informação estatais. Longe de serem punidos, os quatro candidatos do sistema ainda obtêm a cumplicidade, nuns casos tácita e passiva, noutros expressa e actuante, das instituições especialmente criadas para fazerem cumprir as regras eleitorais. A cumplicidade mais activa é a dos orgãos de informação, em especial a RTP. Naturalmente é recusada aos candidatos independentes, até hoje com a alegação de que ainda não estávamos em período de campanha eleitoral, de hoje em diante sem alegação nenhuma.






Para justificarem, perante os eleitores que tratam como um rebanho de parvos, as suas ilegalidades, impunidades, cumplicidades, prepotências e pesporrâncias, os candidatos do sistema inventaram uma espécie de "figura jurídica" que não existe em nenhum texto legal: a pré-campanha eleitoral. Para lhe darem verosimilhança e porque já não precisam dela, hoje, dia legal de abertura da campanha, retiram a publicidade paga e põem em andamento os pesados cilindros das suas máquinas eleitorais, que tudo vão esmagar. Fazem-no alegremente, festivamente. O Sr. Freitas do Amaral, que parece o mais endinheirado e é o mais preopinante de todos os quatro do sistema, abre a campanha com um sumptuoso fogo de artifício no centro de Lisboa e uma grande festarola no Parque Eduardo VII. Segue-se, para entontecer e hipnotizar a inteligência já adormecida de cinco milhões de Portugueses, uma série de debates na televisão, debates naturalmente limitados aos quatro candidatos do sistema.

Começa, pois, a grande farra. Durante algumas semanas, os Portugueses vão ser reduzidos a um rebanho de patetas. Os candidatos independentes amordaçados. Portugal amordaçado.


As perguntas imprevisíveis


(...) Com uma regularidade habitual, Romeu de Melo desafia-me para almoçarmos juntos. Durante o almoço conta-me que tem um amigo nos "quadros" da RTP o qual, participando numa "reunião de trabalho", sugeriu o seu nome para entrevistador ou "moderador" dos debates políticos que se vão travar na televisão. Desfiou as suas qualidades: Romeu de Melo é um escritor notável, possui uma rara informação cultural, tem uma profunda capacidade de reflexão, é um intelectual prestigioso e homem de palavra fluente e correcta. A sugestão foi aceite e o nome de Romeu de Melo apresentado à aprovação dos políticos que mandam e são entrevistados ou debatidos na RTP. Com a ignorância que os caracteriza, escutaram os atributos que justificariam a escolha do novo "moderador", levaram certo tempo a mastigar argumentos até que um deles teve a franqueza de dizer o que todos pensavam: "Esse nunca! É um intelectual! Não dá garantias de que nos não faça perguntas imprevisíveis!"

Romeu de Melo conta o episódio e ri às gargalhadas: "Eles não querem perguntas imprevisíveis..." E repetia: "... perguntas imprevisíveis!" Depois acrescenta: "Combinam entre si as entrevistas e os debates, estudam com os moderadores as perguntas e as respostas, os moderadores decoram as perguntas, eles decoram as respostas e vai tudo direitinho, para o pagode. Perguntas imprevisíveis..."


O roteiro das perguntas


(...) Um dos rapazes da candidatura, um que está a terminar o Curso de Ciências Económicas, chegou à "Sede" e, conversando, disse-nos ter sido convidado a ir a uma assembleia de estudantes, realizada nos imensos salões da F.I.L. pela candidatura de Freitas do Amaral, para aí fazer uma pergunta a um Ministro apoiante daquele candidato. (É evidente que, entre nós, nenhuma disciplina política põe limites a ninguém). Como ele estranhasse o convite, explicaram-lhe que o faziam por lhes ser difícil encontrar um outro estudante que soubesse o que estava a perguntar. Ele ficou divertido, e logo imaginando a pergunta que iria fazer, aceitou o convite. "Então - disseram-lhe - tens aqui o ROTEIRO DAS PERGUNTAS. Escolhe a que queres fazer".

Espantoso, não é? Promove-se um encontro de jovens estudantes para que eles dialoguem com gente graúda, assim os seduzindo e comprometendo. Mas a gente graúda, precavendo-se, encena o diálogo, elabora uma lista de perguntas que, "sabendo o que estão a perguntar" para dar mais verosimilhança, os estudantes, previamente escolhidos, hão-de fazer. E esta porcaria até já tem um nome técnico. Chama-se ROTEIRO DAS PERGUNTAS. Espantoso e quase inacreditável!

Nem de propósito. Mal havíamos despertado do espanto que nos causara o episódio que descrevemos, entra na "Sede" F., sempre ávido de trazer e levar informações, e dispara-nos esta: "O Zenha e a Pintasilgo, já concordaram quanto às questões a discutir no debate na RTP. O 'moderador' já recebeu o ROTEIRO".

Não é possível comentar. Ficamos a imaginar quatro ou cinco milhões de eleitores em frente da TV, a assistirem ao combate de frangos para escolherem aquele em quem hão-de apostar. Na verdade, as técnicas da informação fazem do eleitorado aquilo que querem. E o que querem fazer dele é uma multidão de parvos.


(...) A última de mim próprio


(...) Poderei eu dizer que apresentei esta minha candidatura à Presidência da República como quem apresenta uma peça de teatro? Poderei dizer que o sistema político, ou plano do Governo, que pretendi oferecer à escolha dos Portugueses equivale a uma obra dramática que se oferece aos espectadores? Terei eu a fortuna de ser verdadeira a observação escarninha que um jornalista disse de mim: "o que ele tem andado a fazer é teatro?" Poderei ter a veleidade de haver dado à política tão nobilitante identificação com a dramaturgia? Em suma: Poderei fazer minha a resposta que, em "As Leis", depois de haver exposto o plano de Governo da cidade, Platão afirmou que daria ao dramaturgo que, vindo de fora com seus actores, lhe perguntasse: "Permites que nos demoremos no teu país e representemos nossas peças na vossa cidade?" Diz Platão que responderia assim:

"Ó bom e divino estrangeiro! Como tu, também sou autor da mais bela obra dramática que me foi possível elaborar. O meu plano de Governo não é mais do que uma imitação daquilo que a vida tem de bom e de belo, e estou convicto de que esta minha imitação é a mais verdadeira das peças teatrais. Tu és poeta. Também eu sou, e do mesmo género poético. Sou teu rival e concorrente com o mais belo dos dramas, aquele que só as verdadeiras leis são capazes de produzir"».

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»).






Contra este filósofo não há general que resista! 


«GUERRA ÀS IDEIAS, PAZ AOS HOMENS», é a proposta que o neoliberalista Orlando Vitorino faz aos eleitores nas próximas eleições presidenciais.

A implantação do neo-liberalismo, fora de tudo quanto é classe política; a limitação dos poderes do Estado e redução de impostos: deixar de remunerar a classe política; acabar com o monopólio da Informação; declarar «catástrofe nacional» o Ensino; «extinguir a Universidade e perdurar Portugal», são, ao fim e ao cabo, as premissas apontadas pelo filósofo Orlando Vitorino, que, no seu entender, não devem ser confundidas com um programa de Governo.

«São antes finalidades que os portugueses, caso elejam o candidato que as propõe, adoptarão como suas. E dentro do mais rigoroso respeito da Constituição, o candidato fica assim mandatado a utilizar os poderes atribuídos ao Presidente da República para conseguir, dos outros órgãos de soberania, que as suas propostas se tornem objectivos. Caso os obstáculos que lhe possam ser levantados se revelem intransponíveis, o candidato obriga-se a resignar da dignidade para que o terão eleito, na certeza de que os portugueses saberão tirar todas as consequências dessa resignação». Estas são algumas das cláusulas mencionadas na proposta do candidato Orlando Vitorino às próximas presidenciais.

Por Vinícius Vieira 




Orlando Vitorino, o candidato esperado? 


- A sua candidatura tem, entre as finalidades que apresenta, alguma primacial? 

- Sem dúvida. É primacial dizer aos portugueses que, com os seus oito séculos de História e de cultura, possuem eles as doutrinas próprias para se governar e, sobretudo, para se afirmarem como povo singular dispondo de um destino próprio.

É, depois, primacial dizer aos portugueses algumas verdades muito elementares mas esquecidas ou deliberadamente ocultadas. Por exemplo:

- Que a democracia – tal como qualquer outro regime político – é um instrumento e vale o que valer a utilização que se lhe der. E democracia, entre nós, está a ser utilizada, há dez anos, para fazer socialismo. Ora todos sabem já ao que nos conduziu o socialismo, e eu venho dizer aos portugueses que há outra utilização a dar à democracia.

- Quer dizer que não faz sentido viver-se em democracia sem se avaliar o que se tem feito com a democracia? 

- Exactamente.

- E que pode fazer-se com a democracia, além de socialismo?

- Pode fazer-se liberalismo, que é o contrário do socialismo. Além disso, se considerarmos que a democracia é o regime da liberdade, então ela só pode ver-se ameaçada pelo socialismo que é um sistema de servidão dos homens e das sociedades.

- Não poderia explicar…? 

- Sem dúvida. O socialismo é um sistema que se desenvolve em várias fases ou períodos. O 1.º Período é o de empobrecimento da sociedade onde se instalou; é o período em que ele se encontra entre nós: o Governo governa com empréstimos e moeda falsa, a pobreza alarga-se dia a dia, há já manifestações de miséria e fome. O 2.º período é o da servidão generalizada que pode ter várias versões. A que se está a preparar entre nós é a da sujeição dos trabalhadores aos poderes financeiros ou plutocráticos, nacionais ou estrangeiros. E que o socialismo é o sistema ideal para instaurar aquela sujeição. Com as suas «centrais sindicais», os seus contratos colectivos, etc., cria nos trabalhadores a ilusão de que lhes dá meios para eles fazerem valer as suas reivindicações, as quais chegam, de facto, a ser reconhecidas. Os trabalhadores ficam, assim, satisfeitos, mas a última palavra quem a tem é a plutocracia que pode anular tudo o que, pelo socialismo, os trabalhadores tiveram a ilusão de obter. Essa última palavra pode ser, por exemplo, a determinação do valor do dinheiro.

- Falava de outros períodos de socialismo… 

- Vimos dois desses períodos. O terceiro é o controlo de toda a existência social pelos planeamentos centrais do Governo. Entre nós, esse controlo já, de vários modos, está preparado. Por exemplo: quando a Constituição declara que a finalidade do ensino é a utilidade social. A partir desse preceito constitucional, os indivíduos podem ficar impedidos de exercer a actividade para que são vocacionados.

- Há algum período depois a que chama de servidão? 

- É o da escravidão, como acontece nos países comunistas. Os trabalhadores passam a ter – em todo o rigor literal das palavras – o estatuto que tinham os escravos na antiguidade.

- Propõe, na sua candidatura, o contrário do socialismo, o liberalismo. Utiliza com frequência a expressão neo-liberalismo… 

- Sim. Para lhe dar a designação mais adequada e para afastar velhos fantasmas que o liberalismo do século passado deixou entre nós: o anticlericalismo, por exemplo.

- O neoliberalismo é, então, uma actualização renovada do liberalismo? 

- É um prolongamento e um aperfeiçoamento. Aliás, o liberalismo do século passado foi, entre nós como em França e outros países, um falso liberalismo. Constituiu, antes, uma preparação do socialismo. Observe como a maçonaria, que tanto se empenhou no velho liberalismo, agora se empenha no socialismo. Pelo contrário, o mais famoso teorizador actual do neo-liberalismo é consultor do Papa.



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- Não há, pois, lugar para fantasmas… 

- Não há.

- Mas o neo-liberalismo recomenda-se pela sua eficácia, pelos resultados que obteve… 

- Estão patentes os «milagres» alemão e japonês, a recuperação dos EUA e da Inglaterra, que são obra do neo-liberalismo ainda que aplicado timoratamente. Trata-se, portanto, do sistema da prosperidade, o qual permite alcançá-la sem a mínima limitação da liberdade social e individual.


 CULTURA 


- Criar as condições para a extinção das actuais universidades do Estado e a sua substituição por um ensino superior cuja organização está planeada.

- Abolir o monopólio estatal da televisão e a estatização de quaisquer órgãos da Imprensa e da Rádio. 

- Abolir toda a espécie de financiamento do Estado à literatura, teatro, cinema, investigação científica e artes plásticas ou musicais.


 POLÍTICA 


 - Abolir o monopólio da representação popular pelos partidos e reconhecer as candidaturas independentes para a Assembleia da República, Regiões autónomas e Municípios, a fim de destruir a oligarquia da «classe política».

- Controlar os dinheiros das organizações políticas, para evitar o financiamento de fontes estrangeiras que possam pôr em risco a independência política portuguesa.

- Ilegalizar o Partido Comunista, reconhecendo que não é possível a coexistência de partidos totalitários e não totalitários.

- Definir os domínios específicos da competência do Estado: Polícia, Tribunais, Obras Públicas e Defesa da soberania.

- Exames periódicos a todos os meios de Informação estatizados, e em especial os televisivos, para impedir a utilização em propaganda política de instrumentos de paralisante eficácia.

- Revisão geral dos recenseamentos eleitorais e substituição do cartão de eleitor pelo Bilhete de Identidade.

- Proceder ao levantamento dos «postos de trabalho» criados – nas Autarquias, Regiões Autónomas, Administração do Estado e Empresas Públicas – pelas organizações políticas para destruir o «caciquismo» que falseia a expressão da chamada vontade popular.

- Reduzir o número de deputados à Assembleia da República.

- Abolir as remunerações pelo Estado, dos deputados, à Assembleia da República, bem como dos ministros e secretários de Estado, incluindo o próprio Presidente da República.


ECONOMIA 


 - Abolir as actuais estruturas económicas que no domínio do fisco dão cobertura à criação de toda a espécie de impostos e despesas públicas.

- Declarar a inviolabilidade da propriedade, do mercado e do dinheiro, mediante códigos do direito de propriedade, da liberdade de mercado e da garantia do dinheiro.

- Condenar os impostos progressivos para salvaguardar o princípio da justiça, ficando o Estado com a possibilidade única de aplicar impostos indirectos.

- Abolir o carácter obrigatório da participação em instituições de segurança ou previdência dado que a maior parte dos trabalhadores nunca receberão benefícios equivalentes às contribuições.

- Pôr termo à demagogia da falsa gratuidade dos serviços do Estado.

- Ilegalizar as centrais sindicais, para assegurar a autonomia dos sindicatos.

- Substituir a economia socialista pela economia liberal, à qual se devem os «milagres» da Alemanha, Japão, América e Inglaterra (in O Globo, Quinzenário de 24 de Março a 7 de Abril de 1985, Ano III, n.º 547).






Minato Mirai 21, Japão, no centro de Yokohama.


Shinkasen (Bullet Train).









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