quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Modernismo, Aggiornamento e Ostpolitik (v)

Escrito por Roberto de Mattei








«(...) "Do meu ponto de vista [Mons. Vagnozzi], é necessário que, antes de mais e de uma só vez, se enunciem e estabeleçam os seguintes princípios:

1. Em primeiro lugar, a Sagrada Liturgia baseia-se, como seu fundamento, na obra de Redenção realizada por Cristo.


2. Em segundo lugar, a Sagrada Liturgia constitui o culto público manifestado pelo Corpo de Cristo.


3. Em terceiro lugar, a Sagrada Liturgia opera a santificação do homem, que é obtida através da obra e do exercício do Sacerdócio de Cristo".


Em defesa da liturgia latina intervieram igualmente, a 24 de Outubro, o Cardeal Antonio Bacci, que era considerado o mais eminente latinista da Igreja, Mons Pietro Parente, consultor da Congregação para os Ritos, e Mons. Dino Staffa, secretário da Congregação para os Seminários e as Universidades. O latim, salientaram os três, tinha de continuar a ser a única língua litúrgica, e as línguas vulgares não deviam ser utilizadas senão para a instrução e em algumas orações.


O Cardeal McIntyre, americano, recordou, apoiado pelo Cardeal Spellman, que alterar a liturgia pressupõe alterar os dogmas:

"O ataque à lingua latina na Sagrada Liturgia é um ataque, indirecto mas real, à estabilidade dos dogmas sagrados, porque necessariamente a Sagrada Liturgia leva consigo os dogmas. [...] Todos nós que nos encontramos neste Sagrado Concílio recordamos alterações fundamentais do significado das palavras em língua vulgar de uso comum e quotidiano. Segue-se que, se a Sagrada Liturgia fosse em língua vulgar, a imutabilidade da doutrina ficaria em perigo. Se se introduzirem as línguas vulgares, prevemos inúmeras interpretações dos dogmas sagrados. A fim de que seja expressa a verdade eterna da doutrina, que os sagrados dogmas mantenham de forma imutável o significado e a forma primitiva! A introdução da língua vulgar deve ficar separada da acção da Santa Missa. A Santa Missa deve permanecer como está. Alterações profundas na liturgia provocam profundas alterações nos dogmas".

(...) Quando entrou em vigor, o novo rito foi objecto de críticas cerradas por parte de alguns membros eminentes da hierarquia, bem como de vários teólogos e leigos. Em Outubro de 1969, os Cardeais Ottaviani e Bacci apresentaram a Paulo VI uma Breve análise crítica do Novus Ordo Missae, redigida por um grupo escolhido de teólogos de várias nacionalidades. Na carta que dirigiram ao Pontífice, os autores do documento afirmavam que "o Novo Ordo Missae [...] representa, no seu conjunto e nos seus elementos constitutivos, um impressionante distanciamento da teologia católica da Santa Missa que foi formulada na XXII sessão do Concílio de Trento, o qual, fixando definitivamente os 'cânones' do rito, erigiu uma barreira intransponível contra qualquer heresia que viesse lesar a integridade do mistério".


O próprio Mons. Ferdinando Antonelli, secretário da Nova Congregação para os Ritos, que tinha seguido todo o percurso das reformas litúrgicas - desde Pio XII até Paulo VI -, comunicara a Mons. Benelli, substituto da Secretaria de Estado, a 23 de Julho de 1968, as suas "preocupações relativamente à reforma litúrgica, que é cada vez mais caótica e aberrante". A parte progressista também reconhecia que o Novus Ordo Missae exprimia uma nova teologia do "povo de Deus" a caminho na história, uma visão eclesiológica imanentista que pressupunha o sacerdócio comum dos fiéis, bem diversa, na opinião de Alberigo, daquela da Mediator Dei ou da Mystici Corporis de Pio XII.






A partir daquela data, começaram a multiplicar-se os apelos de fiéis de todas as nacionalidades, que solicitavam o restabelecimento, ou pelo menos a "par conditio" da Missa Tradicional. Recorde-se, entre outros, um memorando de 1971, em que mais de cem personalidades de todo o mundo pediam à Santa Sé "que reconsiderasse, com a máxima gravidade, a tremenda responsabilidade com que ficará perante a história do espírito humano pelo facto de não consentir em deixar viver perpetuamente a Missa tradicional".

(...) Na Bélgica, os centros propulsores do progressismo eram a Universidade de Lovaina e o mosteiro beneditino de Chevetogne, fundado pelo Padre Beauduin. Na sequência do anúncio do Concílio, em 1959, Chevetogne decidiu consagrar os seus colóquios anuais à preparação do mesmo, escolhendo como temas: em 1959, a noção de Concílio, em 1960, o tema da Igreja local, em 1961, a "infalibilidade da Igreja".


(...) A 4 de Dezembro, o Cardeal de Suenens apresentou os principais temas de um projecto alternativo, formulado nos ambientes da Universidade de Lovaina e discutido por alguns cardeais num encontro restrito que tivera lugar no Colégio Belga, em Roma. O documento era articulado em duas partes: a primeira, Ecclesia ad intra, falava da realidade interna da Igreja; a segunda, Ecclesia ad extra, do diálogo entre a Igreja e o mundo moderno. O Padre John F. Kobler recorda que, desde o final dos anos 30, a Universidade de Lovaina estava embebida das ideias fenomenológicas de Husserl e Heidegger, pelo que o projecto de Suenens, que fora reitor daquela universidade entre 1940 e 1945, fazia eco das referidas ideias na distinção ad extra/ad intra, "que se referia, não tanto às coisas externas à mente, na sua relação com as coisas do mundo exterior, mas ao modo como as ideias se colocam na nossa consciência". A sugestão de Suenens viria a ser a base da construção da constituição Lumen gentium.

A 5 de Dezembro, o Cardeal Montini fez a sua segunda intervenção conciliar, para expressar o seu pleno apoio ao projecto de Suenens. O ponto mais importante deste discurso é a passagem em que o Cardeal de Milão solicitava o desenvolvimento de uma nova teologia do corpo episcopal, recuperando temas caros ao Cardeal Alfrink, e, de facto, apresentando-se à ala progressista como "papável". "Eu e todo o meu grupo, Suenens, Döpfner, Liénart, Frings, - recorda o Cardeal König -, encontrávamo-nos muitas vezes com o arcebispo de Milão, para trocarmos e aprofundarmos ideias: ele estava inteiramente do nosso lado".

(...) Entre os progressistas, os bispos mais numerosos eram os franceses e os alemães, que formavam um total de 180, um número muito inferior ao do episcopado italiano, que contava com 271 bispos residenciais; acontece, porém, que o bloco franco-alemão teve um papel muito mais incisivo. Os franceses, salienta Roger Aubert, intervieram 210 vezes nas sessões públicas, ou seja, em proporção, duas vezes mais que os italianos, embora os prelados franceses realmente activos não tenham sido mais de uma vintena, em particular Ancel, Elchinger, Garrone, Veuillot, Gerlier e Feltin, que em geral se instalavam na Casa de São Sulpício, enquanto os Padres mais conservadores residiam no Seminário Francês. O bloco da Europa Central era simbolizado pelo Reno, que neste caso aproximava, em vez de dividir, as margens franco-alemãs, mas a verdadeira argamassa da união não eram tanto as afinidades geográficas e nacionais, quanto as tendências ideológicas».

Roberto de Mattei («Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita»).





«(...) Lisboa, 26 de Dezembro [de 1963] - Dois acontecimentos capitais: uma esquadra americana passa a cruzar o oceano Índico em permanência, o que significa uma alteração do equilíbrio do poder naval naquela vasta área; e o primeiro-ministro chinês Chu-En-Lai vem visitar a África, o que sucede pela primeira vez na história. Mensagem de Natal de Paulo VI: dirige-se em especial às "Novas nações da Ásia e da África" e exprime compreensão pelo seu desejo de independência, recomendando que sejam ajudadas em pé de igualdade e sem paternalismo. Nisto não há mal, nem suscita objecções, e apenas tenho dúvidas quanto ao momento e quanto à eficácia para aumento da Cristandade...

(...) Lisboa, 14 de Outubro [de 1964] - Séria e grave conversa com o Núncio Apostólico, acerca de uma possível viagem do Santo Padre a Bombaim. Recordei Goa, e sublinhei que a visita de Paulo VI, espécie de esponja sobre a agressão indiana, constituiria ofensa para Portugal; e parecia-me ingenuidade a ideia de que o governo indiano ajudaria o catolicismo na Índia, quando este é inimigo do hinduísmo, único fundamento da união Indiana. Disse que tudo transmitiria a Roma, com fidelidade.

Lisboa, 15 de Outubro - Notícia da demissão de Kruschev. Todos se interrogam sobre as razões, significado e consequências. Parece confirmar-se que o Papa irá a Bombaim. Pelo menos, o cardeal Cerejeira, em conversa com o Pontífice há dois dias, firmou essa convicção.

Lisboa, 19 de Outubro - Leio o texto completo do discurso ontem pronunciado em Roma por Paulo VI, anunciando a ida a Bombaim. Dir-se-ia a muitos títulos um documento da ONU: as maravilhas antigas de África, os africanos pela raça e pela cor, o cristianismo desenvolve o génio da África, etc. Fala nos que seguiram S. Francisco de Xavier à Índia: mas não recorda quem o antecedeu, nem quem levou ao Oriente o grande Santo. Pela tarde, vou ao Forte do Estoril. Estão os ministros da Defesa e do Ultramar que se ocupam do regresso das populações a Angola. Depois saem, e fico a sós com Salazar. Este está alterado. informo-o de rumores sobre uma possível visita do Papa a Portugal. Com inusitado vigor, diz-me: "Chame o Núncio e diga-lhe que eu espero morrer sem ver em Portugal um Papa que tanto agravou o meu país". Pergunto: "Quer que diga isso ao Núncio?". Responde o chefe do governo com voz a sibilar: "Diga isso ao Núncio. Diga-lhe que falou comigo e que eu lhe pedi para lhe transmitir aquilo. E diga-lho de uma maneira brutal". E acrescentou: "Enquanto eu for vivo, o Papa não entra aqui. É um cidadão estrangeiro que nós autorizamos a entrar ou não conforme quisermos. E não lhe daremos visto". Combinou-se que eu faria uma curta declaração em próxima conferência de imprensa. Esta seria uma reacção inicial. Depois se verá. Reputo grave este assunto. Podemos ter contra nós as forças artificiais ou aparentes (Nações Unidas, Organização da Unidade Africana) e aguentar-nos-emos. Mas não poderemos enfrentar com êxito uma hostilidade unânime de forças reais. E a Igreja é uma força real.


Lisboa, 20 de Outubro - Conselho de Ministros. Discutiu-se a visita do Papa a Bombaim. Muito firmes na sua crítica os ministros da Defesa e da Marinha. Quanto aos demais: pois é muito mau que o Papa faça a viagem; mas há que ter cuidado: pode ser perigosa a reacção; há dúvidas e angústias nos espíritos; saliente-se o agravo e mais nada. E atire-se tudo para o ministro dos Estrangeiros.

Lisboa, 22 de Outubro. Feita na conferência de imprensa de ontem a declaração ajustada. Ergueu-se já uma celeuma de âmbito nacional. Estão perturbados muitos católicos portugueses: não conseguem fazer a distinção entre o Santo Padre como Vigário de Cristo, e chefe da Igreja, e o Papa como chefe do Estado do Vaticano. Recebo telegramas de apoio e de crítica. Chega a notícia de que os bispos portugueses actualmente em Roma se sentem deprimidos. Estamos numa crise que afecta muitos, e é explorada por alguns com objectivos políticos. Pessoalmente, estou sendo abocanhado pelo mundo, sem embargo de o comunicado do Conselho de Ministros ser claro: o MNE cumpre decisões do governo. Telefona-me Salazar, com um bom humor contristado: "o que nisto tudo mais me custa é o muito mal que se tem dito do ministro dos Estrangeiros". Respondo-lhe em igual tom: "são os ossos do ofício, Sr. Presidente". Não disse ao Núncio o que Salazar queria que eu dissesse ao Núncio.

Lisboa, 26 de Outubro - Tornou-se independente a Rodésia do Norte, e tomou o nome de Zâmbia; e logo anunciou que faria a guerra à Rodésia do Sul se esta por seu turno declarasse unilateralmente a independência. Quer dizer: independência sob ditadura negra, é legítima; independência sob governo branco, é criminosa. Não está em causa o governo por minoria; está em causa o facto de ser branca a minoria.

Continua a divisão da opinião pública perante a atitude tomada quanto à ida do Papa à União Indiana. Aceitam e compreendem os mais velhos; os mais novos criticam-na violentamente. Imprensa internacional tem-se mantido neutra, excepto a comunista, que apoia o Pontífice, com uma devoção de que se não suspeitava. Salazar parece tranquilo, e diz que apenas na diocese de Évora alguns padres atacaram a posição do governo. Informado por mim da notícia de que a Hierarquia começa a não estar de acordo com a política do governo (notícia trazida de Roma pelo general Câmara Pina, que falou com alguns bispos). Salazar reagiu: "Pois que joguem essa carta! Responderemos conforme o que os bispos fizerem, e será o que Deus quiser. Veremos se ainda há patriotas em Portugal".

Lisboa, 31 de Outubro - Mantêm-se pelo Forte o chefe do Governo, neste Outono suave, e hoje de manhã exprimo-lhe os meus receios pela questão com a Santa Sé. Reage de Pronto: "Eu estou sem medo nenhum"...

Santuário de Fátima


(...) Lisboa, 24 de Novembro - (...) Anteontem, Paulo VI concedeu a Rosa de Ouro ao Santuário de Fátima. Gesto foi interpretado como desejo de paz com Portugal e de dar uma satisfação indirecta ao governo português. "Não vejo como", diz Salazar. "A Rosa de Ouro foi dada ao Santuário e não a Portugal, ou não foi?" - Foi.

(...) Lisboa, 11 de Janeiro [de 1965] - Num jantar no colégio Universitário Pio XII, em honra do Padre Joaquim de Aguiar, fiquei ao lado de D. Manuel Trindade Salgueiro. Fez as mais rasgadas afirmações patrióticas. Disse que em Roma, a propósito da viagem do Papa a Bombaim, todo o Episcopado se sentira ferido e triste, de forma bem portuguesa, mesmo os "três ou quatro" bispos que não são muito em favor do governo. Mostrou D. Manuel a maior compreensão por toda a política ultramarina, e classificou de "traidor" um padre da sua diocese que se não sentira por causa de Goa. "Se o Santo Padre tivesse ido a Goa e a Nova Deli", afirmou-me D. Manuel, "então teria sido muito pior, seria uma catástrofe". Quando o Santo Padre, no fecho do Concílio, invocou o nome de Maria e se referiu a Fátima, houve palmas; mas quando aludiu à Nação Portuguesa, cessaram as palmas, contou o Arcebispo...

(...) Lisboa, 19 de Julho - Em resposta a uma pergunta da revista Jours de France, Salazar vergasta os progressistas, a democracia cristã, a nova política da Igreja. Como eu mostrasse receio da reacção, o chefe do governo disse que as suas considerações ainda ficavam muito aquém do que um dia haveria de dizer. Depois textualmente: "Os nossos bispos estão a desaparecer. Têm quase todos setenta anos, ou perto. Quando desaparecerem, ficam os novos padres, os progressistas, sem disciplina, e desenvolvendo aquela actividade caótica e sem freio que é própria de todo aquele que se repente se sente solto da disciplina a que estava submetido. Vai ser uma tragédia. Estamos como no tempo das lutas entre o Império e o Papado. Este Papa Paulo VI vai ser um Papa mártir: não no sentido de que o matem: mas no sentido espiritual, de sofrimento pela crise em que está mergulhando a Igreja. Daqui a quinze anos há-de haver outro Papa que reporá as coisas. Mas eu já não verei nada disto".



O "Papa comunista" (Paulo VI).




(...) Lisboa, 30 de Julho - Tomada a decisão de estabelecer relações diplomáticas com a Roménia. Resta saber se Bucareste aceitará. Falando de Portugal com profunda emoção, comenta o chefe do governo: "No meio do mar dos interesses e das forças internacionais, o nosso barquinho é uma casca de nós, e precisamos de estar muito atentos e de trabalhar intensamente para que se não afunde". De novo falou das suas preocupações quanto à orientação da Igreja a propósito de uma recente conversa de António Faria com Samoré. Dessa conversa se conclui que o Papa terá já tomado a sua decisão de ir às Nações Unidas.

(...) Lisboa, 12 de Dezembro - Encontro no regresso o chefe do governo um pouco constipado e rouco. Atribui tudo à secura do ambiente aquecido. Falo-lhe do Concílio, dos nossos bispos, dos progressistas, das impressões colhidas. Salazar concentra-se nos progressistas. Diz: "Eu não os compreendo. Eu não sei compreendê-los. Monsenhor Rotoli, da Nunciatura, tem razão quando diz que eu não tenho sensibilidade católica. Quer ele dizer que as minhas ideias não são as da maioria de hoje. É verdade. E no entanto nunca na história de Portugal alguém fez pela Igreja mais do que eu. Desde os tempos de D. Pedro I, de D. João V, etc., fui eu quem mais tem protegido e ajudado a Igreja. Mas não me importo. Enquanto não se meterem comigo, não me importo"».

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se. Diário: 1960-1968»).


«Paulo VI recebe, a 1 de Julho de 1970, a poucos dias da morte de Salazar, três líderes de movimentos [TERRORISTAS] africanos: Marcelino dos Santos, de Moçambique; Agostinho Neto, de Angola; e Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Paulo VI ter-lhe-ás dito: "A Igreja está do lado dos países que sofrem" e oferecido um exemplar a cada um deles, em latim e português, da encíclica Populorum Progressio.

Esta foi, aliás, a acção de Paulo VI que provocou uma das maiores crises entre Lisboa e o Vaticano. Portugal respondeu com dureza, esperando uma acção condigna por parte de Roma, o que não veio a acontecer.

O Governo de Portugal, assim como a comunidade católico-portuguesa, sentiram-se ofendidos pelo Papa, não conseguindo entender a atitude de Paulo VI, ao receber aqueles inimigos de Portugal, uma Nação católica desde a sua secular fundação, a "Nação Fidelíssima", título com que o Papa Bento XIV agraciara Portugal e D. João V, rei Fidelíssimo.

Caetano mandou vir a Lisboa o embaixador de Portugal junto do Vaticano e exigiu explicações. O Vaticano, por sua vez, tentou apaziguar o conflito surgido entre a Santa Sé e Portugal, justificando a audiência e retirando-lhe qualquer importância.

O General Santos Costa, em carta a Marcello, recordou este episódio, e a visita de Paulo VI em 1967, dizendo:

"Fiquei um pouco desapontado com a resposta ao Vaticano. Todas as pessoas com quem tenho falado alinham no mesmo comentário. Foi realmente pena que o nosso Paulo VI não tivesse levado da nação portuguesa o pontapé no traseiro que bem diligenciou merecer...".






Este gesto do Papa impressionou e chocou muitos crentes em Portugal.

O Governo português protestou e o secretário de Estado da Santa Sé procurou minimizar o incidente sublinhando o carácter discreto do encontro e que Paulo VI nada dissera que pudesse ofender a Portugal. A Santa Sé acabou por publicar no L'Osservatore Romano uma nota a dizer que aquilo não tinha sido uma audiência no sentido do termo, que o Papa vira um bando de peregrinos entre os quais estavam aqueles senhores e deu a benção a todos.

Esta versão foi também assumida por Marcello, na "Conversa em Família", de 7 de Julho, na RTP, dia em que o Governo recebeu uma nota da secretaria de Estado do Vaticano sobre a recepção do Papa aos dirigentes africanos, na qual se afirmava não se ter tratado de "uma audiência no sentido próprio da palavra", mas "de um breve encontro", no qual "nenhuma palavra foi dita que pudesse significar ofensa a Portugal, ou menos consideração para com a sua dignidade, juízo sobre a sua política, interferência nos seus assuntos internos".

As explicações eram adaptadas e minimizadas por Marcello Caetano, o qual chegou a insinuar que Paulo VI não tivera total consciência da identidade dos seus interlocutores. E afirmou na televisão: "as relações com a Igreja não chegaram a toldar-se sequer". Mas, na realidade e oficialmente, as coisas não eram tão simples.

Porém, esta versão dos factos, acreditamos que foi redigida de modo a que o Governo português não perdesse a face, depois da forte reacção perante o gesto do Papa. Acrescentamos que esta versão não coincidiu com o relato feito pela imprensa internacional, que salientou o facto de a audiência ter sido concedida depois de um pedido formal à secretaria de Estado do Vaticano por carta que anexava documentação sobre a actividade dos movimentos de libertação [DESTRUIÇÃO] da África portuguesa liderada pelos três dirigentes [TERRORISTAS] que foram recebidos pelo Papa.

Apesar de algumas opiniões contrárias, entre elas a de alguns "falcões" do regime, como o General Santos Costa, que pretendiam uma posição mais dura, Caetano achou que o continuar a mexer no assunto, prejudicava mais do que beneficiava Portugal, dando assim, o assunto por encerrado, mandando regressar o seu embaixador ao Vaticano.

Caetano, estava à vista de todos, não era Salazar. Marcello, veio a saber-se mais tarde, perdeu a sua Fé depois deste acontecimento que muito o desgostou. Paulo VI venceu e Caetano perdeu!

Temos de reconhecer que este acontecimento significou uma derrota diplomática para Portugal, que pouco a pouco, parecia que ia perdendo credibilidade junto dos mais variados sectores da opinião pública internacional e até junto da própria Igreja Católica. Em contrapartida, e como é óbvio, os movimentos que combatiam Portugal aproveitaram a vitória diplomática conseguida com a audiência papal, explorando-a em proveito dos seus movimentos, das suas lutas e dos seus povos. Era o reconhecimento internacional, e pela mão do Papa, para as suas actividades de luta pela "libertação". Mais: foi uma benção do Papa para estes líderes que combatiam pela "libertação" [DESTRUIÇÃO]».

José Carvalho («Salazar e Paulo VI. A relação conturbada do ditador com o primeiro Papa a visitar Portugal»).





(...) O Concílio e o comunismo: história da condenação que não aconteceu

a) O esquema XIII e o comunismo



Monsenhor Wojtyla




Em Dezembro de 1964, Mons. Pierre Haubtmann (131), encarregado de coordenar a nova elaboração do esquema XIII, tinha pedido a colaboração do salesiano Giulio Girardi (132) para o capitulo sobre o ateísmo. Em Fevereiro de 1965, em Ariccia, o texto de Mons Wojtyla, que pedia uma afirmação mais clara dos direitos da Igreja na sociedade, tinha sido preterido em favor do texto de Girardi, que sugeria uma abordagem mais positiva ao humanismo marxista (133). Girardi acabaria por abandonar o sacerdócio e por se tornar um teórico e protagonista da teologia da libertação.

Quando Mons. Haubtmann, numa audiência que lhe foi concedida a 16 de Fevereiro, apresentou ao Papa a linha "aberta" e "dialógica" do esquema, que evitava condenar o comunismo, Paulo VI encorajou-o a prosseguir nesta linha: «Oui, c'est à la foi délicat et indispensable», disse (134). O novo texto, que foi colocado à discussão da aula conciliar entre Setembro e Outubro de 1965, não referia explicitamente o comunismo; com efeito, de acordo com os redactores do mesmo, uma condenação teria contrastado com o carácter pastoral do Vaticano II e constituído um obstáculo ao "diálogo" com os regimes comunistas. Contudo, durante a discussão, muitos Padres, insatisfeitos com o documento, voltaram a solicitar uma clara condenação do comunismo (135).

A 27 de Setembro, o Patriarca Maximos Singh IV (136), libanês, defendeu que, para salvar a humanidade do ateísmo, não bastava condenar o marxismo, era principalmente necessário denunciar as causas do comunismo ateu, propondo «uma mística dinâmica e uma vigorosa moral social e demonstrando que é em Cristo que se encontra a fonte do esforço dos trabalhadores com vista à sua verdadeira libertação» (137). E acrescentou: «Todos sabemos que muitos daqueles que se dizem ateus não estão na realidade contra a Igreja, da qual se sentem até muito próximos. Na verdade, estes procuram, como afirmou Paulo VI, uma apresentação mais viva de Deus, uma religião que esteja de acordo com a evolução histórica da humanidade, e sobretudo uma Igreja que apoie, não tanto os pobres, como o esforço de solidariedade dos pobres». «Demonstremos que o verdadeiro socialismo é o cristianismo, integralmente vivido na justa repartição dos bens e na fundamental igualdade entre todos», concluía o patriarca (138).

O Cardeal Seper (139), jugoslavo, mostrou-se contrário a uma condenação do ateísmo comunista, afirmando que a responsabilidade pelo ateísmo moderno devia ser parcialmente atribuída àqueles cristãos que continuavam a defender com pertinácia a ordem estabelecida e a imutabilidade das estruturas sociais. «Proclamemos pois claramente que aquele conservadorismo rígido, aquele imobilismo que alguns não cessam de atribuir à Igreja Católica, é alheio ao verdadeiro espírito evangélico» (140). Ainda mais explícito foi o Cardeal König (141), que convidou os católicos que viviam nos países sujeitos ao comunismo a dar testemunho do Deus Vivo colaborando sinceramente para o progresso económico e social do regime, a fim de mostrar que da religião podem brotar energias maiores que aquelas que brotam do ateísmo (142).

Clemente Riva (143), em L'Avvenire d'Italia de 28 de Setembro, e René Laurentin em Le Figaro de 29, sublinharam sobretudo as razões expressas pelo Cardeal König: as raízes do ateísmo devem ser procuradas no interior do cristianismo, porque a culpa é daqueles cristãos que não têm uma noção adequada de Deus e uma imagem precisa do homem, e se furtam ao dever do diálogo com o mundo.






O Padre Pedro Arrupe (144), o novo superior geral da Companhia de Jesus, estreou-se no Concílio afirmando que, ao fim de 2.000 anos, a Igreja ainda não tinha encontrado uma maneira eficaz de defender a sua mensagem, e que era necessário rever os métodos pastorais, contrapondo ao ateísmo o testemunho de uma comunidade cristã não isolada e como que fechada num gueto, mas imersa no mundo (145).

As vozes em contrário foram contudo numerosas, e entre elas contou-se a de D. António de Castro Mayer (146) e de outros prelados, como o Cardeal Ermenegildo Florit (147), italiano, e Mons Pavel Hnilica (148), jesuíta checoslovaco e bispo titular de Rusado, na Checoslováquia, que fora ordenado na clandestinidade e chegara ao Ocidente há pouco tempo.

Mons. Hnilica declarou que aquilo que o esquema dizia sobre o ateísmo era tão pouco, «que dizer apenas aquilo era o mesmo que não dizer nada»; e acrescentou que uma grande parte da Igreja sofre «sob a pressão do ateísmo militante, mas tal não se torna perceptível pelo esquema, que contudo pretende falar da Igreja no mundo contemporâneo!». «A história acusar-nos-á, e com razão, da pusilanimidade ou de cegueira por este silêncio», prosseguiu o orador, recordando que não falava em abstracto, porque tinha estado num campo de concentração e de trabalho com 700 sacerdotes e religiosos: «falo por experiência directa minha, e pela experiência dos sacerdotes e religiosos que conheci na prisão e com os quais suportei os pesos e os perigos da Igreja» (149).

O Arcebispo Florit sugeriu que o Concílio afirmasse de modo unívoco (verbis univocis) que a índole ateia do materialismo dialéctico não é acidental. Havendo católicos que estão convencidos - absurdamente - de que podem aderir à doutrina económica do sistema marxista sem aceitar o correspondente ateísmo, é necessário que o Concílio afirme a impossibilidade de tal distinção.

Também para Mons. Elko (150), bispo de Pittsburgh dos Ruténios (Estados Unidos), era necessário falar «do materialismo dialéctico como da peste da sociedade contemporânea e condená-lo como é nosso dever, para que os séculos futuros não venham considerar-nos responsáveis de medo e pusilanimidade pelo facto de só termos tratado o assunto de forma indirecta» (151).

Mons. Rusnack (152), bispo auxiliar de Toronto para os ucranianos do Canadá, expressou-se com palavras análogas: «Seria um escândalo e um acto de pusilanimidade o Concílio do século XX não denunciar perante a opinião pública os erros e as mentiras do comunismo» (153).







Na 138ª Congregação Geral de 29 de Setembro de 1965, ouviu-se a voz do Cardeal Josef Slipyi, arcebispo maior da Ucrânia, na URSS, que declarou: «Falou-se na aula do ateísmo segundo o conceito ocidental do mesmo, mas muitos oradores parecem ignorar a existência no Oriente de países onde ele foi erigido em sistema, e onde se adoptaram todas as medidas possíveis com o objectivo de extirpar a Igreja Católica e todas as outras religiões; e isto não é um segredo para ninguém» (154).

Por sua vez, o Cardeal Antonio Baci afirmou: «Todas as vezes que se reuniu um Concílio Ecuménico, sempre se tratou dos grandes problemas que se faziam sentir no seu tempo e sempre se condenou os erros da sua época. Parece-me que o silêncio sobre este ponto seria uma lacuna imperdoável, até mesmo um pecado colectivo. [...] Esta é a grande heresia teórica e prática dos nossos tempos; e, se o Concílio não trata desta heresia, poderá parecer um Concílio que fracassou!» (155).


b) O misterioso silenciamento do apelo anticomunista

A 7 de Outubro de 1965, foi encerrada a discussão sobre o esquema da constituição Gaudium et spes. Na sexta-feira, 8 de Outubro, Mons. Felici comunicou que os Padres tinham até ao dia seguinte para apresentar por escrito observações sobre o esquema. O Coetus Internationalis preparou uma petição na qual se solicitava que «a seguir ao Parágrafo 19 do esquema, "A Igreja no mundo contemporâneo", que trata do ateísmo, se introduza um novo parágrafo que trate expressamente o problema do comunismo» (156); se o Vaticano II tem um carácter eminentemente pastoral, afirmava a petição, «acaso haverá problema mais pastoral do que este: impedir que os fiéis se tornem ateus através do comunismo». Se o Concílio se calasse relativamente a um problema com este alcance, tal silêncio equivaleria, na mente dos fiéis, «a uma revogação tácita de tudo quanto os últimos Sumos Pontífices disseram e escreveram contra o comunismo». A existência de pronunciamentos de tantos Papas não é razão para se ignorar o problema, porque «o consenso solene de todo o Concílio dará à questão uma maior força e eficácia», e não «é possível que os cristãos da Igreja do Silêncio venham a ter, de futuro, maiores sofrimentos do que os que já têm» (157).

Eis o texto completo da correcção proposta:

«Espécime da proposta anexa. Após o n.º 19, que deverá ser corrigido de acordo com as sugestões feitas pelos Padres, acrescente-se o seguinte número novo, 19 bis ("O problema do comunismo"). Todas as formas de ateísmo devem ser condenadas, por serem contrárias à doutrina da Igreja. Mas a forma que, já desde o século passado e até aos nossos dias, exerce maior influência e dano sobre os fiéis cristãos, bem como sobre os fiéis de qualquer religião, e por esse motivo preocupa os Pastores da Igreja, é aquela que, sob o nome de socialismo marxista ou comunismo, se difunde amplamente e, a pretexto do progresso económico e social, engana miseravelmente muitíssimas pessoas.






Com efeito, partindo da negação da existência de Deus e de qualquer ordem religiosa, sobretudo sobrenatural, o comunismo foi levado, por necessidade lógica comprovada pela história, a recusar de muitos modos os próprios princípios fundamentais da ordem natural. De facto, para referirmos apenas os mais importantes, nega a espiritualidade e a imortalidade da alma do homem; recusa a verdadeira liberdade, especialmente em matéria religiosa; viola em muitos pontos a genuína dignidade da pessoa, da família e da união conjugal; não reconhece qualquer norma estável e imutável da lei e do direito, já que para ele é justo e moral apenas aquilo que é útil à ditadura do próprio partido (cf. intervenção do Cardeal Wyszynski de 20 de Setembro de 1965); não admite o direito à propriedade privada; considera a luta de classes como um meio necessário para a consecução dos bens terrenos; tem uma concepção totalitária do Estado, quase não reconhecendo qualquer lugar digno aos indivíduos e às sociedades intermédias.

Por todas estas razões, o comunismo deve ser repelido, não apenas por estar infectado com a peste do ateísmo, mas também em razão dos referidos erros gravíssimos, e por ter sido declarado intrinsecamente perverso pelo Magistério da Igreja (cf. encíclica Divini Redemptoris). A doutrina do comunismo deve ser considerada perniciosa por um motivo ainda mais grave; pelo facto de, especialmente no nosso tempo, estar a ser aplicada em muitos lugares pelas autoridades civis e políticas com recurso a todos os meios, de tal maneira que se propaga e é imposto, seja por via da violência, seja com astúcia. Deriva daqui que, uma vez que o comunismo esmaga os direitos de Deus e os direitos do homem, a própria Igreja Católica, que não pode admitir tal doutrina e tal práxis, é injustamente impedida no exercício da sua missão divina, sendo sujeita a tristíssima perseguição nos seus membros.

Por estes motivos, a Igreja Católica, movida por tão grande ruína das almas, não cessou nunca de afastar os fiéis cristãos, com repetidas condenações e admonições, das doutrinas e da práxis do comunismo. E também hoje se sente obrigada, no seu gravíssimo dever pastoral, a proferir o mesmo juízo por meio do Concílio Ecuménico.

E enquanto toda ela participa dos sofrimentos dos seus membros que sofrem de várias maneiras a perseguição por parte do comunismo, confirma solenemente as verdades, tanto reveladas como naturais impugnadas pelo comunismo. E ardentemente esconjura os seus filhos, bem como todos os homens de consciência honesta, a que não se deixem enganar pela falaz esperança de poderem licitamente compatibilizar a sua fé religiosa com os ditames do comunismo, nem sequer no campo económico e social. A Igreja proclama que a via do verdadeiro progresso não está nas doutrinas e práxis do comunismo, como se torna já manifesto pela lastimável experiência de tantos povos, mas nos são princípios políticos conformes à lei divina, tanto natural como positiva.

Finalmente, exorta todos os responsáveis a fim de que, por meio da justiça e da caridade, sejam eliminadas as condições iníquas da convivência social que, infelizmente, aplanam a estrada que leva ao comunismo» (158).


Os motivos que eram elencados em anexo para induzir os Padres Conciliares a aderirem ao pedido de um novo parágrafo sobre o problema do comunismo eram de ordem positiva e negativa. Entre as "razões positivas", repetia-se que, «se o Concílio Vaticano II tem um carácter eminentemente pastoral», «acaso haverá outro problema mais pastoral do que este: impedir que os fiéis se tornem ateus através do comunismo? Com efeito, são muitos os que julgam poder aderir ao comunismo porque não são ateus». (159). Entre as razões negativas que, de um ponto de vista oposto, tornavam razoável o pedido, contavam-se os seguintes:

«1) Se o Concílio se calasse relativamente ao comunismo, este silêncio equivaleria, na mente dos fiéis, por injusta mas fatal consequência, a uma revogação tácita de tudo quanto os últimos Sumos Pontífices disseram e escreveram contra o comunismo, bem como das condenações várias vezes emanadas do Santo Ofício. O dano psicológico que daqui adviria, mais ainda, o desprezo pelo Magistério da Igreja, seria de imensa gravidade. Por outro lado, a Igreja poderia facilmente ser acusada de oportunismo, de mais solicitude pelos judeus do que pelos cristãos sujeitos a perseguição.

2) O comunismo deseja e espera ardentemente o silêncio do Concílio e isto tem indubitavelmente um significado de grande relevo. Não há dúvida de que o comunismo, por meio de uma ingente manobra de propaganda, reverteria a seu favor o silêncio do Concílio, causando uma lamentável confusão de ideias entre os infíéis.

3) Como, certamente sem nenhuma razão, há quem acuse Pio XII, de silêncio relativamente às vítimas do nazismo, da mesma maneira, a seguir ao Concílio, se acusaria, com razão, o Colégio Episcopal de silêncio relativamente às vítimas do comunismo» (160).



c) A petição desaparece






A convite do Coetus Internationalis Patrum, começaram por aderir a este movimento 334 Padres, cujas petições, assinadas em folhas individuais, foram entregues em mão pelos Bispos Geraldo Sigaud e Marcel Lefebvre na Secretaria-Geral do Concílio, na Via Vistori, 10, ao meio-dia de 9 de Outubro de 1965, o último dia do prazo para a apresentação de correcções (161). A estas 334 juntaram-se posteriormente mais 71, que foram apresentadas à Secretaria-Geral, já fora de prazo, dez dias mais tarde, para além de 30 petições que chegaram ao Coetus no princípio de Novembro e que já não foram apresentadas por irem demasiado tarde (162). Contudo, também estes dois últimos grupos de adesões à petição têm de entrar no cálculo, dado que 9 de Outubro era a data limite para aceitação de novas emendas, mas não era a data limite para a aceitação de novas adesões às correcções apresentadas em tempo útil.

Significa isto que o apelo foi assinado por um total de 435 Padres Conciliares, um número bastante significativo tendo em consideração: a) que o convite não foi alargado a todos os Padres Conciliares, nomeadamente pela dificuldade de entrega ao domicílio, dado que os Padres se encontravam instalados em locais bastantes dispersos; b) era tanto o trabalho dos Padres naqueles dias, os últimos do Concílio, e tanto o correio que recebiam de todo o lado, que é razoável supor que muitos não terão tido oportunidade de prestar atenção ao apelo.

A 11 de Outubro, segunda-feira, a petição chegou às mãos de Mons. Achille Glorieux (163), secretário da comissão mista responsável pela preparação e revisão do esquema sobre a Igreja no mundo moderno, bem como correspondente romano do diário católico francês La Croix. Contudo, Mons. Glorieux não as fez chegar à comissão que estava a trabalhar sobre o esquema, a pretexto de não querer dificultar-lhe a tarefa. A instância tinha sido subscrita por nada menos de 454 prelados de 86 países, que ficaram estupefactos quando, no Sábado 13 de Novembro, receberam em aula o novo texto, sem qualquer referência ao pedido que haviam feito. «O facto de um único homem ter tido a possibilidade de impedir que um documento tão significativo chegasse às mãos da comissão conciliar à qual era oficialmente dirigido é uma das grandes tragédias do Concílio Vaticano II, e poderá passar à história como o maior escândalo e vir prejudicar as graves deliberações desta sacra assembleia», comentou o Padre Wiltgen à agência Divine World (164).

A gravíssima culpa de Mons. Glorieux é evidente. Não se pode admitir que estivesse de boa fé; pelo contrário, é lícito supor que tenha havido dolo. Por outro lado, não é de supor que tenha decidido escamotear a petição sem consultar fosse quem fosse. Mas quem? Parece de excluir, como veremos mais adiante, que se tenha tratado de Mons. Felici, secretário do Concílio; o mais lógico é que tenha sido o Cardeal Tisserant.



Santo Agostinho e o Diabo, de Michael Pacher




Nesse mesmo dia 11 de Outubro, Carli dirigiu uma carta de protesto à Presidência do Concílio, denunciando o arbítrio da comissão que tinha ignorado um documento de tão grande importância (165). Mons. Glorieux  afirmou - falsamente - que o texto do Coetus tinha chegado à comissão já fora do prazo estabelecido para a sua apresentação, mas foi desmentido pelo próprio secretariado do Concílio, Mons. Felici (166). Não obstante os protestos, na missão para o esquema da constituição conciliar, declarou que o «modo de proceder» da comissão estava de acordo com o «escopo pastoral» do Concílio, com a «vontade expressa» de João XXIII e de Paulo VI, e com o teor das discussões que tinham sido travadas na aula sobre este documento (167). Mons. Carli apresentou então um recurso, que deu a conhecer à imprensa. Com efeito, o Regulamento previa que todas as emendas, incluindo aquelas que não fossem contempladas no esquema, fossem impressas e dadas a conhecer à assembleia; mas a petição dos 454 bispos tinha desaparecido misteriosamente.

Nesse mesmo dia, Mons Fellici enviou ao Papa uma nota sobre o recurso de Mons. Carli (168); à tarde, o Papa mandou transmitir a Mons. Felici a seguinte resposta:

«15-XI-65
Atende-se ou retira-se o recurso?
1) A conduta da comissão mista foi ilegal?
2) Depois da intervenção iuxta modum a tese dos signatários do recurso será levada ao conhecimento dos Padres com as correspondentes observações.

A) É prudente?
se for recusado: o Concílio parece ter-se recusado a condenar o comunismo já condenado;
se for aprovado: qual será a sorte dos católicos nos países comunistas?

B) É coerente com os objectivos do Concílio?
- não entrar em temas "políticos"
- não pronunciar anátemas
- não falar do comunismo (169)».

O último ponto aparece sublinhado porque é a confirmação do "compromisso" assumido pelo Vaticano com o governo soviético, de não condenar de forma alguma o comunismo: era esta a condição exigida pelo Kremlin para permitir a participação de observadores do Patriarcado de Moscovo no Vaticano II. O facto de este compromisso ser "oficioso", e não "oficial", nada retira à sua realidade.

Kremlin


Na manhã de 16 de Novembro, e de acordo com as instruções recebidas, Mons. Felici teve novo encontro com Mons. Carli, que insistiu para que o Concílio reafirmasse, fosse de que maneira fosse, a condenação do comunismo. Mons. Felici, referindo a reunião com o Papa, confirmou que a correcção tinha sido apresentada de forma regular e que a comissão devia tê-la tido em consideração (170). Em nova nota de 20 de Novembro, Mons. Felici repetiu ao Papa que o recurso de Mons. Carli tinha fundamento e que a irregularidade processual não podia ser justificada com o atraso na apresentação da petição (171).

A 23 de Novembro, a agência do Padre Wiltgen difundiu um longo comunicado sobre estes acontecimentos: o escândalo tinha explodido na imprensa Nesta altura, Paulo VI ordenou ao substituto da Secretaria de Estado, Mons. dell'Acqua, que convocasse uma reunião restrita para analisar o problema. Assim, a 26 de Novembro, reuniram-se no escritório do Papa, no 3.º andar do Palácio Apostólico, os cardeais Tisserant e Cicognani, bem como Mons. Garrone, relator do esquema sobre a Igreja, Mons. Felici, secretário do Concílio, e Mons. dell'Acqua. Antes de se iniciar a reunião, o Cardeal Tisserant tinha feito chegar ao Papa uma carta em que afirmava, entre outras coisas:

«Os anátemas nunca converteram ninguém, e, se foram úteis nos tempos do Concílio de Trento, numa altura em que os príncipes podiam obrigar os seus súbditos a passar a protestantes, deixaram de servir numa altura em que as pessoas têm um grande sentido da sua independência. Conforme disse já a Vossa Santidade, uma condenação conciliar do comunismo seria considerada pela maior parte das pessoas como uma posição de carácter político, que poderia causar enorme dano à autoridade do Concílio e da própria Igreja» (172).



Cardeal Tisserant



A reunião foi presidida pelo Papa que, depois de ter lido a carta do Cardeal Tisserant, expôs de forma breve o status quaestiones. As questões eram duas: de método e de mérito. Quanto ao método, contavam-se a irregularidade de Mons. Glorieux, que não tinha transmitido a petição ao Conselho da Presidência, bem como a irregularidade do próprio Conselho, presidido pelo Cardeal Tisserant, que não tinha tido em consideração o recurso de Mons. Carli. O Cardeal Tisserant apresentou a incrível justificação de que não tinha convocado o Conselho da Presidência para analisar o recurso porque o Cardeal Wyszynski, membro do referido Conselho, se tinha mostrado muito firme na sua ideia contra o comunismo (173). Já quanto ao mérito, todos os presentes concordavam com a posição de Tisserant e do próprio Paulo VI, de que não era oportuno que o Concílio renovasse expressamente a condenação do comunismo. A 4 de Dezembro, dirigindo-se a Mons. Glorieux, que fora apresentado à opinião pública como o único responsável pelo que se tinha passado, e que num memorando procurara aligeirar as suas responsabilidades, o Cardeal Tisserant escrevia-lhe o seguinte: «A sua responsabilidade não será exageradamente acentuada pelos historiadores do Concílio. Aqueles que tiveram conhecimento perdoam-lhe o esquecimento» (174).

O texto foi novamente corrigido, de acordo com os modi apresentados pelos Padres e analisado na comissão mista competente. A secção relativa ao ateísmo (números 19-21) não sofreu alterações substanciais. A mais substancial, de entre as poucas correcções introduzidas, encontra-se no n.º 21, onde se afirma:

«A Igreja [...] não pode deixar de reprovar com dor e com toda a firmeza, como já o fez no passado (16), essas doutrinas e actividades perniciosas, contrárias à razão e à experiência comum dos homens, e que destronam o homem da sua inata dignidade» (175).

A comissão seguiu, pois, a linha indicada pelos orgãos directivos do Concílio na reunião restrita de 26 de Novembro, presidida pelo Papa. A irregularidade processual foi reconhecida mas foi excluída a hipótese de má fé por parte de Mons. Glorieux. No que diz respeito ao mérito, as emendas e os correspondentes modi relativos a uma menção e condenação do comunismo não foram acolhidos. Foi manifesto que não se tratou de um acidente fortuito, mas de uma vontade precisa de evitar uma condenação do comunismo, respeitando os acordos estabelecidos em 1962 com o governo soviético. Mons. Carbone defende que não existe, nos arquivos do Vaticano, qualquer vestígio de semelhante acordo (176), mas na supracitada nota de 15 de Novembro, que o mesmo Carbone menciona (177), Paulo VI refere como um dos «empenhos do Concílio [...] não falar do comunismo», pondo entre parêntesis a data de 1962, pela qual se refere evidentemente, não à orientação pastoral do Concílio, mas às conversações que tiveram lugar nesse ano entre o Cardeal Tisserant e o Metropolita Nikodim (178).


(...) A não condenação do comunismo




A constituição Gaudium et spes foi o décimo sexto e último documento oficialmente promulgado pelo Concílio Vaticano II, e pretendia ser uma definição completamente nova das relações entre a Igreja e o mundo. A Igreja apresentava-se como «sacramento para o mundo» (nn. 42, 45), reivindicando a missão de reparar nos «sinais dos tempos» e de os interpretar à luz do Evangelho (nn. 4. 11), em «diálogo com o mundo» (n. 43). A fórmula consistia em viver a verdade do cristianismo dentro do pensamento do mundo, a fim de a tornar compreensível e aceitável para o homem contemporâneo. O então teólogo Joseph Ratzinger caracterizou este texto como o mais autêntico «testamento» do Concílio:

«Quando se procura fazer um diagnóstico global do texto, pode-se afirmar que ele constitui (em conjunto com os textos sobre a liberdade religiosa e sobre as religiões do mundo) uma revisão do Sílabo de Pio IX, uma espécie de anti-Sílabo, [...] na medida em que representa uma tentativa de reconciliação oficial da Igreja com o mundo, tal como ele evoluiu a partir de 1789» (179).

Também o Cardeal König considerou que o documento «assinala uma viragem na concepção da Igreja em face da história, encerrando a era do Sílabo e da Pascendi» (180). Já um ilustre teólogo como Mons. Brunero Gherardini faz, no entanto, um juízo severo sobre esta constituição:

«Invertendo o pensamento do Aquinate, segundo o qual Deus não pode criar para fins estranhos à própria realidade, o Vaticano II fez do homem "a única criatura querida por Deus por si mesma" (GS, 24). [...] Eis que tinham agora sido alcançados os confins do antropocentrismo idolátrico. Não estava em questão que o homem acreditasse ou não ,bastava que fosse "o centro e o vértice" (GS, 12) de todos os valores criaturais, queridos e ordenados por Deus para o seu serviço, "subordinados ao desenvolvimento integral da sua pessoa" (GS, 59» (181).

Está ausente da Gaudium et spes qualquer tipo de condenação do comunismo; o facto era de tal relevo, que «levava a crer no boato de um acordo explícito entre o Patriarcado de Moscovo e a Santa Sé» (182). Com efeito, o silêncio do Concílio sobre o comunismo constituía uma impressionante omissão da histórica assembleia. Referindo-se a este silêncio, escrevia D. Hélder Câmara em Novembro de 1965: «O Concílio Vaticano II disse muitíssimo, tanto com as suas palavras como com os seus silêncios» (183). Por sua vez, Plinio Corrêa de Oliveira, que se tinha batido na frente oposta, recorda:






«Sob a presidência, primeiro de João XXIII e depois de Paulo VI, reunia-se o Concílio Ecuménico mais numeroso da história da Igreja, onde se esperava que fossem tratadas todas as questões mais importantes da actualidade relativas à causa católica. Entre elas não podia faltar - de maneira alguma! - a atitude da Igreja em face do seu maior adversário de então, um adversário tão completamente oposto à sua doutrina, tão poderoso, tão brutal, tão insidioso, que a Igreja nunca tinha deparado com outro assim na história quase bimilenar. Tratar os problemas contemporâneos da religião sem tratar o comunismo seria o mesmo que, hoje em dia, reunir um congresso mundial de médicos para estudar as principais doenças do nosso tempo omitindo do programa qualquer referência à Sida» (184).

A Gaudium et spes procurava o diálogo com o mundo moderno, na convicção de que o itinerário por ele percorrido, desde o humanismo e o protestantismo, até à Revolução Francesa e ao marxismo, era um processo irreversível. Na realidade, a modernidade encontrava-se nas vésperas de uma crise profunda, que teria os seus primeiros sintomas poucos anos mais tarde, na Revolução de 68. Os Padres Conciliares poderiam ter realizado um gesto profético e desafiado a modernidade, em vez de lhe abraçarem o corpo em decomposição, como acabou por acontecer.

A assembleia conciliar seria o lugar por excelência para introduzir um processo contra o comunismo análogo ao que o processo de Nuremberga foi para o nacional-socialismo: não um processo de carácter penal, nem um processo ex post dos vencedores sobre os vencidos, como foi o de Nuremberga, mas um processo cultural e moral, ex ante, das vítimas para com os seus perseguidores, como tinham começado a fazer os chamados dissidentes (185).


(...) A Ostpolitik vaticana

A política internacional de "distensão" relativamente ao comunismo iniciada por John F. Kennedy foi prosseguida, nos anos 70, pelo presidente Richard Nixon e pelo respectivo secretário de Estado, Henry Kissinger, e tinha um objectivo idêntico à política que Willy Brandt, chanceler socialista alemão, desenvolvia à escala europeia: a ideia de uma "convergência" entre o bloco ocidental e o bloco comunista.

No campo eclesiástico, Mons. Agostino Casaroli, o "ministro dos Negócios Estrangeiros" de Paulo VI, seguia uma política de entendimento com o comunismo análoga à de Brandt e Kissinger. Assim, na esteira das conversações com vista à participação dos observadores ortodoxos no Concílio (186), tiveram início as viagens de Mons. Casaroli a Budapeste e a Praga (1963-1973), a Belgrado /1966-1970), a Varsóvia (1967-1974), a Moscovo (1971) e a Cuba (1974).

O ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, Andrei Gromiko, foi recebido no Vaticano em 1966, em 1970, em 1974 e em 1975. Em 1970, foram recebidos em audiência os três chefes das guerrilhas comunistas de Angola, Guiné e Moçambique. Em 1971, Paulo VI recebeu o ditador jugoslavo Josef Tito e, em 1973, o ditador romeno Nicolae Ceausescu.


Agostinho Neto e Fidel Castro em Angola


No encontro com Tito, que teve lugar a 29 de Março de 1971, o Papa Montini recebeu o seu convidado afirmando que na Constituição jugoslava estavam presentes princípios como o da «humanização do âmbito social», do «reforço da solidariedade e da colaboração entre os homens», bem como do «respeito pela dignidade humana» e pelo «desenvolvimento geral do homem enquanto pessoa livre» (187). A convicção que presidia a estas afirmações era a de que o marxismo e o cristianismo tinham valores comuns sobre o modo de agir para alcançar o objectivo da paz internacional.

A nova estratégia da Santa Sé foi revelada pelo mesmo Casaroli um ano após a viagem a Moscovo, num discurso intitulado A Santa Sé e a Europa e proferido em Milão a 20 de Janeiro de 1972 (188), no qual o arcebispo salientou que, para a Santa Sé, o serviço à humanidade e à paz era uma tarefa de primária importância, também para assim se evitar uma catástrofe nuclear.

Uma das mais ilustres vítimas da Ostpolitik do Vaticano foi o Cardeal József Mindszenty, primaz da Hungria e herói da resistência anticomunista, que, estando preso entre 1948 e 1956, se tinha refugiado na embaixada americana em Budapeste na sequência da Revolta da Hungria, e mantinha uma posição decidida a quaisquer contactos ou conversações com os governos comunistas, na convicção de que tal apenas servia para os reforçar. Mindszenty contestava vigorosamente a Ostpolitik do Vaticano, tendo declarado ao Cardeal Villot quando este era secretário de Estado: «Por que nomeais bispos para os países de Leste? Era preferível que não os nomeasse a ter lá aqueles que os governos vos deixam nomear» (189). Quando, a 1 de Novembro de 1973, Paulo VI lhe pediu que renunciasse ao título de arcebispo de Esztergom e de primaz da Hungria, o cardeal respondeu com uma respeitosa mas clara recusa. Paulo VI assumiu então a responsabilidade de declarar vacante a arquidiocese primacial, tendo comunicado ao Cardeal Mindszenty, a 18 de Novembro de 1973, que ele deixara de ser o arcebispo da mesma (190).

Os autores da Ostpolitik consideravam que o comunismo estava para durar e que as negociações conduziriam ao seu afastamento do ateísmo e à sua evolução para um sistema político de "rosto humano". Por seu turno, os dirigentes comunistas estavam cientes do iminente desmoronar do sistema, e tinham empreendido a política do "diálogo" e "da mão estendida" a fim de conseguirem sobreviver, concedendo pouco ou nada e dando garantias que não faziam quaisquer tenções de cumprir (191). O facto é que a Ostpolitik "escorou" o comunismo em vez de lhe retirar os apoios, atrasando a sua queda durante anos.






A política de distensão do Vaticano conheceu numerosos críticos em todo o mundo, a começar por aqueles que deviam beneficiar da mesma. Assim, em 1976, o Padre Alessio Ulisse Floridi (192), que, na sua qualidade de sovietólogo, foi, durante quinze anos, membro do colégio dos autores da Civiltà Cattolica, publicou um livro em que analisava a nova estratégia da Santa Sé relativamente ao países comunistas de um ângulo invulgar - o ângulo da dissidência soviética -, e mostrava que os cristãos do Leste europeu, que deviam ter sido os beneficiários da política de distensão, acabaram por ser vítimas da mesma (193): «A absoluta necessidade de evitar a eclosão de uma guerra nuclear é coisa que ninguém pode evidentemente negar; mas será tal exigência tão absoluta que tenha precedência sobre os direitos de Deus, ou que deva ser usada como dissuasor para proceder à escravização de inteiras nações?» (194).

Após a queda do comunismo, o bispo Ján Korec, depois cardeal, avaliou a Ostpolitik nos seguintes termos:

«No nosso país, criou-se uma situação muito perigosa, pelo facto de terem lançado ao tapete aquilo que de mais precioso tínhamos, a chamada Igreja clandestina. Eu próprio recebi ordem para deixar de ordenar sacerdotes em segredo. Para nós, foi uma verdadeira catástrofe, era como se nos tivessem abandonado à nossa sorte. [...] Esta foi a maior dor da minha vida. Deste modo, os comunistas tomaram nas mãos a pastoral pública da igreja. Se, na sua paróquia, algum sacerdote se ocupava com dedicação dos acólitos, era privado da autorização estatal sem a qual nenhum sacerdote podia exercer. A Igreja estava condenada a fechar-se dentro dos edifícios de culto e a extinguir-se. [...] A nossa esperança era a Igreja clandestina, que colaborava silenciosamente com os padres nas paróquias e que formava jovens dispostos a todos os sacrifícios: professores, engenheiros e médicos desejosos de serem padres. Eu ordenei cerca de 120. Estas pessoas trabalhavam em silêncio entre os jovens e as famílias, publicavam revistas e livros às escondidas. O que a Ostpolitik fez foi vender esta nossa actividade a troco das vagas e incertas promessas dos comunistas» (195).

A 10 de Abril de 1974, após a viagem de Mons. Casaroli a Cuba, Plinio Corrêa de Oliveira publicou na Folha de São Paulo um manifesto intitulado A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas. Para a TFP: omitir-se ou resistir? (196), em que escrevia, em linguagem respeitosa mas firme, e em nome da TFP [Tradição, Família e Propriedade], palavras que exprimiam o estado de espírito de muitos católicos de todo o mundo:

«A diplomacia de distensão do Vaticano com os governos comunistas cria, entretanto, para os católicos anticomunistas, uma situação que os afeta a fundo, muito menos enquanto anticomunistas do que enquanto católicos. Pois a todo o momento se lhes pode fazer uma objecção supremamente embaraçosa: a acção anticomunista que efetuam não conduz a um resultado precisamente oposto ao desejado pelo Vigário de Jesus Cristo? E como se pode compreender um católico coerente, cuja atuação ruma em direção oposta à do Pastor dos Pastores? Tal pergunta traz como consequência para todos os católicos anticomunistas, uma alternativa: cessar a luta, ou explicar sua posição.






Cessar a luta, não o podemos. E é por imperativo de nossa consciência de católicas que não o podemos. Pois se é dever de todo católico promover o bem e combater o mal, nossa consciência nos impõe que defendamos a doutrina tradicional da Igreja, e combatamos a doutrina comunista.

[...] A Igreja não é, a Igreja nunca foi, a Igreja jamais será tal cárcere para as consciências. O Vínculo da obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor do nosso amor, esse vínculo nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade. Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe» (197).

(Ibidem, pp. 425-436; 443-445; 486-490).


Notas: 

(131) Pierre Haubtmann (1912-1971), sacerdote francês, capelão nacional de Acção Católica Operária entre 1954 e 1962, peritus conciliar. Cf. PHILIPPE BORDEYNE, «La collaboration de Pierre Haubtmann avec les experts Belges», in The Belgian Contribution, pp, 585-610.

(132) Giulio Girardi (1926), salesiano, ordenado em 1955, professor em diversas universidades, consultor do Secretariado para os Não Crentes. Expulso da Congregação Salesiana e suspenso a divinis em 1977. De Girardi cf. Marxismo e Cristianesimo, Cittadella, Assis, 1966; Credenti e non credenti per um mondo nuovo, Cittadella, Assis, 1969.

(133) Cf. G. TURANTI, «Il problema del comunismo al Concilio», cit., pp. 169-173; ID., Un Concilio per Il mondo moderno, cit., pp. 505-521.

(134) Ibid., p. 172.

(135) Sobre a discussão, cf. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., pp. 38-45.



O Arcanjo S. Miguel calcando o Demónio.




(136) AS, IV/2, pp. 451-454.

(137) Ibid., p. 451.

(138) Ibid., p. 452.

(139) Ibid., pp. 435-437.

(140) Ibid., p. 436.

(141) Ibid., pp. 454-456.

(142) Ibid., p. 455.

(143) Clemente Riva (1922-1999), rosminiano, ordenado em 1951, bispo titular de Atella em 1975, bispo auxiliar de Roma entre 1975 e 1998.

(144) Pedro Arrupe (1907-1991), jesuíta espanhol, ordenado em 1936, eleito a 22 de Maio de 1965, superior geral da Companhia de Jesus até 1983. Cf. BARTOLOMEO SORGE; «ARRUPE», in DHCJ, pp. 1697-1705.

(145) AAS, IV/2, pp. 481-484. Veja-se também CAPRILE, vol. V, pp. 106-1109.

(146) Ibid., pp. 371-373. P. CORRÊA de Oliveira, «Lúcida e relevante intervenção do bispo diocesano no Concílio», in Catolicismo, 179 (1965), p. 8.

(147) AS, IV/2, pp. 456-460.

(148) Pavel Hnilica (1921-2006), jesuíta eslovaco, ordenado clandestinamente sacerdote (1950) e bispo (1951) por Mons. Robert Pobozny (1890-1972), bispo de Roznava. Em Dezembro de 1951, foi obrigado a abandonar a Checoslováquia e a partir para o Ocidente. A 13 de Maio de 1964, Paulo VI tornou pública a sua dignidade episcopal e Mons. Hnilica pôde participar nas restantes sessões do Concílio.

(149) AS, IV/2, pp. 629-631.

(150) Nicholas Thomas Elko (1909-1991), americano, ordenado em 1934. Bispo de Pittsburgh dos Ruténios entre 1955 e 1967.

(151) AS, IV/2, p. 480 (pp. 480-481).

(152) Michael Rusnack, CSSR (1921-2003), ucraniano, ordenado em 1949, bispo auxiliar de Toronto e bispo titular de Zternicus em 1964, bispo dos Santos Cirilo e Metódio de Toronto em 1980.

(153) AS, IV/2, pp. 639-642.

(154) AS, IV/3, p. 107 (pp. 106-110).

(155) AS, IV/2, pp. 669-670.

(156) O texto da petição encontra-se em AS, IV/2, pp. 898-900. Veja-se a reconstrução do processo em «Il comunismo e il Concilio Vaticano II», de Mons. L. M. Carli, no volume de GIOVANNI SCANTAMBURLO, Perché il Concilio no ha condanmato il comunismo? Storia di un discusso atteggiamento, L'Appennino, Roma, 1967, pp. 177-240; cf. igualmente CAPRILE, vol. V, pp. 119-121. 402-411; A. WENGER, Vatican II, cit., Quatrième session, pp. 147-173; WILTGEN, pp. 272-278; V. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., pp. 45-68. G. TURBANTI, «Il problema del comunismo al Concilio», cit., pp. 173-186; P. LEVILLAIN, La mécanique politique, cit., pp. 343-360.






(157) G. F. SVIDERCOSCHI, op. cit., pp. 604-605.

(158) Texto italiano in L. M. CARLI, «Il comunismo e il Concilio Vaticano II», pp. 217-218. O texto latino integral da correcção encontra-se publicado no Bolletino Diocesano di Segni, Dezembro de 1965, pp. 97-98.

(159) L. M. CARLI, «Il comunismo e il Concilio Vaticano II», cit., pp. 222-223.

(160) Ibid., pp. 223-224. Texto latino, in AS, IV/2, p. 900.

(161) Cf. V. CARBONE, «Schemi e discussioni, cit., p. 46.

(162) Os números exactos estavam anotados numa cópia de D. Geraldo de Proença Sigaud, que se encontra no arquivo de Écône (E 02-11-002).

(163) Achille Glorieux (1910-1999), francês, ordenado em 1934. Peritus conciliar, secretário do Pontíficio Conselho para os Leigos (1966), depois arcebispo titular de Berveley (1969), pró-núncio no Egipto (1973-1984).

(164) Cf. Divine World Service, 23 de Novembro de 1964.

(165) Cf. V. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., pp. 53-54.

(166) Cf. G. TURBANTI, «Il problema del comunismo al Concilio», cit., p. 180.

(167) CF. F. SVIDERCOSHI, op. cit., p. 607.

(168) ASV, Conc. Vat. II, Pasta 343, Secretaria-Geral Set-Nov. 1965, Nota de Mons. Felici de 15 de Novembro , 2 ff.

(169) Ibid., Nota de Paulo VI, 1 f.

(170) Cf. Ibid., nota de Mons. Felici sobre o recurso apresentado por Mons. Carli, no qual reconstrói os acontecimentos (3 ff.).

(171) ASV, Conc. Vat. II, Pasta 343, Nota de Mons. Felici de 20 de Novembro de 1965, 3 ss; cf. igualmente AS, IV/6, p. 445.

(172) Cf. ASV, Conc. Vat. II, Pasta 34, Tisserant a Paulo VI, Roma 26 de Novembro de 1965, f. 1. Cf. igualmente V. CARBONE, «Schemi e discussioni, cit., p. 58.

(173) Cf. V. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., p. 59.






(174) Cit., in V. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., pp. 61-62.

(175) AS, IV/7, p. 247.

(176) Cf. V. CARBONE, «Schemi e discussioni», cit., pp. 67-68.

(177) Cf. Ibid., p. 55.

(178) Antonio Socci chamou para a importância da nota de 15 de Novembro in «Le prove del patto scellerato tra il Vaticano e il Cremlino», in Libero, 21 de Janeiro de 2007, e «Le riunioni e i messaggi che provano il patto Vaticano-Urss ai tempi di Paolo VI», in Libero, 23 de Janeiro de 2007.

(179) J. RATZINGER, Les principes de la théologie catholique, cit., pp. 423-427.

(180) F. KÖNIG, Chiesa dove vai?, cit., p. 108.

(181) B. GHERARDINI, Concilio Vaticano II, cit., p. 190. «Esta constituição foi saudada com entusiasmo, mas a sua história posterior já demonstrou que, na altura, o seu significado e a sua importância foram largamente sobrevalorizados, e que não se tinha compreendido quão profundamente aquele "mundo" que se pretendia ganhar para Cristo havia penetrado na Igreja», comenta por sua vez Mons. Hubert Jedin, (Il Concilio Vaticano II, cit., p. 151).

(182) A. RICCARDI, Il Vaticcano e Mosca, cit., p. 281.

(183) CÂMARA, Lettres conciliaires, vol. I, p. 438.

(184) P. CORRÊA de OLIVEIRA, «Comunismo e Anticomunismo alle soglie dell'ultima decade di questo millennio, in Corriere della Sera, 7 de Março de 1990.

(185) Desde os anos 20 e 30 do século XX que uma abundante literatura chamava a atenção da opinião pública de todo o mundo para os crimes do comunismo. Contudo, só em 1997 foi publicado o Livro negro do comunismo, do historiador francês Stéphane Courtois, que apresentou uma confirmação documentada dos mesmos.

(186), Cf. G. BARBERINI, L'Ostpolitik della Santa Sede, cit., p. 250ss.

(187) A. CASAROLI, op. cit., p. 269.

(188) Cf. Relazioni Internazionali, 12 de Fevereiro de 1973, pp. 161-165.

(189) A. WENGER, Le Cardinal Villot, cit., p. 260.

(190) O anúncio do afastamento do Cardeal Mindszenty foi dado por L'Osservatore Romano. De acordo com o Giornale d'Italia de 6-7 de Fevereiro de 1974, o Vaticano teria «oferecido a cabeça do cardeal numa salva de prata ao seu Herodes, o governo comunista de Budapeste». Em Zurique, o Die Weltwoche de 13 de Fevereiro escrevia que Mindszenty estava a ser martirizado pela própria Roma, a quem fora pedido que afastasse a sua anacrónica figura em nome da nova Ostpolitik do Vaticano. Quando, a 5 de Fevereiro de 1974, foi tornada pública a notícia da sua destituição, o card. Mindszenty emitiu um comunicado em que declarava não ter nunca renunciado ao seu cargo de arcebispo nem à sua dignidade de Primaz da Hungria, sublinhando que «a decisão foi tomada exclusivamente pela Santa Sé» (Memorie, cit., p. 372).



Cardeal József Mindszenty




(191) Cf. CASAROLI, op. cit., pp. 72-73.

(192) Alessio Ulisse Floridi (1920-1986), jesuíta, ordenado em 1949 no rito bizantino eslavo, sovietólogo da Civiltà Cattolica até 1965, altura em que foi destinado, primeiro ao Brasil, depois aos Estados Unidos, onde desenvolveu a sua missão junto dos católicos uniatas.

(193) Cf. A. U. FLORIDI, Mosca e il Vaticano, cit. Posteriormente, recordando a participação dos "observadores" do Patriarcado de Moscovo - cuja ligação e directa dependência do Kremlin era por todos conhecida - no Concílio Vaticano II, Floridi observava: «É certo que, por parte do Kremlin, havia um enorme interesse em impedir qualquer eventual tentativa do Concílio de condenar oficialmente o comunismo. [...] A Igreja Ortodoxa Russa só fundiu as suas reservas nos confrontos do Concílio depois de se ter tornado claro que este não condenaria o comunismo» (In tema di "dissenso" e di "Ostpolitik", entrevista de R. de Mattei ao Padre Alessio U. Floridi, in Cristianità, 32 (1977). Um dos primeiros críticos da Ostpolitik foi o escritor alemão REINHARD RAFFALT, Wohin steuert der Vatikan? Papst zwischen Religion und Politik, Piper, Munique, 1973.

(194) A. U. FLORIDI, Mosca e il Vaticano, cit., p. 61.

(195) Ján Korec, Entrevista a Il Giornale, 18 de Junho de 2000. Ján Chryzostom Korec s.j. (1924), eslovaco, ordenado em 1950, sagrado bispo em 1951, bispo de Nitra em 1900 e 2005, feito cardeal em 1991.

(196) O manifesto foi publicado pouco depois de uma visita de Mons. Agostino Casaroli a Cuba. No decurso desta viagem, que teve lugar entre 27 de Março e 5 de Abril de 1974 a convite do episcopado cubano, Mons. Casaroli manteve conversações com expoentes do governo e com Fidel Castro. No ano seguinte, esteve na República Democrática Alemã e, entre 30 de Junho e 1 de Agosto, participou, como delegado especial de Paulo VI, na conferência sobre segurança de Helsínquia, assinando a respectiva acta final em nome da Santa Sé. Sobre a viagem a Cuba, cf. igualmente RICCARDO CANNELLI, «Il viaggio a Cuba di Monsignor Casaroli», in A. MELLONI e S. SCATENA (orgs), L'America Latina fra Pio XII e Paolo VI. Il cardinale Casaroli e le politiche vaticane ei una Chiesa che cambia, Il Mulino, Bolonha, 2006, pp. 195-235.

(197) P. CORRÊA de OLIVEIRA, «La politica vaticana di distensione verso i governi comunisti, in Cristianità, 5 (1974). O documento foi publicado na íntegra em Catolicismo, 280 (1974) e em 36 jornais brasileiros, sendo depois reproduzido em 73 jornais e revistas de onze países, sem receber qualquer objecção quanto à sua ortodoxia ou à sua correcção canónica.


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