terça-feira, 12 de novembro de 2013

Modernismo, Aggiornamento e Ostpolitik (ii)

Escrito por Roberto de Mattei





Papa Pio XII




«Pio XII ficará na história como um dos Papas mais recordados. Inteligência superior; riqueza e profundidade de ideias; rigor na sua expressão - que ele cuidava nos seus pormenores, mesmo em muitas línguas estrangeiras, principalmente na alemã, em que era mestre -; santidade de vida; preocupação profunda e quase dolorosa com a sorte da Igreja e da comunidade mundial e capacidade infatigável de trabalho.

Eleito Papa nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, tocou-lhe viver as suas vicissitudes e, depois, enfrentar os problemas relacionados com uma paz que, quase imediatamente, se transformou numa perigosa "guerra fria". No horizonte, a ameaça das armas nucleares num contínuo processo de expansão e de desenvolvimento. Coube-lhe sofrer, especialmente, a afirmação do comunismo na sua versão estalinista, no Centro e no Leste europeu que o entendimento de Ialta tinha entregado ao predomínio soviético. Uma barreira rígida e, muitas vezes, sangrenta mantinha aqueles territórios separados do resto do mundo, por detrás daquilo a que Churchill e, depois dele, o mundo inteiro, chamava a Cortina de Ferro. A Igreja Católica, com uma presença forte em boa parte da Europa Centro-oriental, como, aliás, outras realidades e a religião em geral estavam a conhecer um dos tempos mais duros da sua história, obra de uma ideologia totalizante, que subiu ao poder pela força e que com a força procurava modelar segundo os seus princípios a sociedade submetida ao seu regime.

Foram inflexíveis a denúncia e a condenação do Papa em relação ao ateísmo comunista e à tentativa estalinista de subverter radicalmente a ordem social, cujas linhas fundamentais, o ensino pontifício e a doutrina cristã - a partir da época de Leão XIII, autor da grande encíclica Rerum Novarum (15 de Maio de 1891) -, tinham vindo progressivamente a ser precisadas não só, por um lado, em relação, justamente, à avassaladora ameaça comunista, mas também, por outro, perante os excessos de um capitalismo teórico e prático, culpado, em grande parte, do êxito das reacções socialista e comunista.

Era impossível esperar, pelo menos de momento, outra mudança da situação da Europa ocupada por regimes comunistas. Mas podia-se e devia-se, pelo menos, procurar preservar do perigo os países ainda não dominados pelo comunismo, afirmando claramente os princípios negados pela teoria marxista e renegados por uma práxis posta violentamente ao seu serviço. Pio XII considerou ser isso um gravíssimo dever seu. Contra a paz do Papa e da Igreja levanta-se, então, insistentemente uma propaganda que, dos seus centros de Moscovo, de Praga e de outras capitais centro-europeias, se difundia no Ocidente e nos Países do Terceiro Mundo, ajudada pelos partidos comunistas já florescentes como especialmente na Itália tão próxima do Papa ou em formação, como nas nações em luta pela sua liberdade nacional.

No Papa, o vigor na defesa assumia facilmente o tom de severidade, mesmo em relação àqueles católicos que, em não poucas ocasiões, se deixavam seduzir pela propaganda marxista, levados, as mais das vezes, por um desejo - em si mesmo totalmente compreensível - de justiça social e por um sentimento de revolta contra as injustiças de que eram vítimas classes e povos inteiros. Alguns destes católicos, desejando que se mudasse uma sociedade que consideravam injusta e anticristã, mostravam-se prontos até a fechar os olhos diante da violenta opressão da Igreja e da sistemática violação dos direitos religiosos e civis de populações inteiras, privadas da possibilidade de se defenderem ou, sequer, de darem a conhecer ao mundo a realidade da sua situação».

Agostino Casaroli, agente diplomático da Ostpolitik do Vaticano (in «O Martírio da Paciência»).





Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima.




«A II Guerra Mundial tinha feito quarenta milhões de mortos e coberto o mundo de luto e de ruínas materiais e morais. Enquanto a Europa recuperava penosamente dos escombros do terrível conflito, no Ano Santo de 1950, a Igreja, governada por Pio XII, erguia-se no esplendor da sua liturgia, na vitalidade da sua doutrina e na sua capacidade de acolher as multidões de todo o mundo.

O momento culminante do Jubileu foi a proclamação do dogma da Assunção de Nossa Senhora ao céu, que teve lugar a 1 de Novembro de 1950, na presença de milhão e meio de peregrinos. Conta uma testemunha que, desde a madrugada desse dia, a Praça de São Pedro, ainda imersa em silêncio, "foi-se transformando num mar incomensurável em que desaguavam rios de multidão, ininterruptos e imparáveis". Todos os povos e todas as nações estavam representados naquela multidão ondulante, cujos cânticos e orações se fundiam harmoniosamente. Precedido pela branca procissão dos bispos de capa pluvial e mitra, surgiu o Papa, na cadeira gestatória; e, depois de ter implorado a assistência do Espírito Santo, Pio XII declarou solenemente "ser dogma revelado por Deus: a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assumpta em corpo e alma à glória celestial". O mundo inteiro, ligado à imensa praça via rádio, exultou. "Parecia uma visão, mas era uma realidade: Pio XII continuou a dar a bênção até já bem entrada a noite, porque a multidão não parava de o chamar. Depois de fechada a janela, a enchente de povo que deixava a praça era substituída por nova multidão. E todos queriam ser, uma vez mais, abençoados antes de terminar aquele dia maravilhoso".

A 30 de Outubro de 1950, pré-vigília do dia da definição do dogma, Pio XII tinha tido a graça extraordinária de contemplar, nos jardins do Vaticano, o mesmo espectáculo do sol às voltas no céu como um globo em chamas a que tinham assistido, trinta anos antes, a 13 de Outubro de 1917, os 70.000 peregrinos que se encontravam em Fátima. A "dança do sol" repetir-se-ia, diante dos olhos do Papa Pacelli, a 31 de Outubro e a 8 de Novembro. Tal prodígio foi considerado pelo pontífice uma confirmação celestial do dogma recém-proclamado e um estímulo à promoção do grande movimento mariano que, na sequência da Imaculada Conceição e da Assunção, bradava pela proclamação da mediação de Maria e pela consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração.

Eugénio Pacelli fora sagrado bispo em Roma a 13 de Maio de 1917, o dia em que se iniciou o ciclo das aparições marianas aos três pastorinhos de Fátima, Lúcia, Jacinta e Francisco, e, a 31 de Outubro de 1942, tinha sagrado a Igreja e o mundo ao Imaculado Coração de Maria. A partir desta altura, o nome e a mensagem de Fátima começaram a difundir-se por todo o mundo católico, razão pela qual muitos o consideravam "o Papa de Fátima" e estavam persuadidos de que, durante o seu pontificado, seriam atendidos os pedidos que Nossa Senhora fizera aos três videntes da Cova da Iria: a difusão da prática reparadora dos primeiros sábados do mês e a consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria, feita solenemente pelo Papa em união com todos os bispos do mundo.



Ossos de S. Pedro numa urna no Altar da Confissão (Vaticano).




A situação histórica era das mais favoráveis, pelo prestígio sem precedentes de que gozava a Sede Apostólica. No discurso de encerramento do Ano Santo, proferido a 23 de Dezembro de 1950, Pio XII anunciou que as escavações empreendidas a seu pedido sob o altar da Confissão da Basílica de São Pedro, no Vaticano, confirmavam que era ali que se encontrava o túmulo do Príncipe dos Apóstolos: "A gigantesca cúpula eleva-se precisamente sobre o sepulcro do primeiro bispo de Roma, do primeiro Papa; o sepulcro original é humilíssimo, mas a veneração dos séculos posteriores erigiu sobre ele, com maravilhosa sucessão de obras, o maciço templo da cristandade".

(...) Na noite de 20 de Fevereiro de 1963, dois meses depois do encerramento do primeiro período do Concílio, começou a ser representada em Berlim a peça do escritor alemão Rolf Hochhuth Der Stellvertreter (O Vigário), que levava à cena o alegado silêncio de Pio XII durante a perseguição aos judeus na II Guerra Mundial. Ion Mihai Pacepa, ex-general dos serviços secretos romenos, revelou que o texto se baseava em material manipulado pelo KGB no quadro de uma manobra de desinformação a grande escala, destinada a anular a autoridade moral do Vaticano Ocidental. Embora não tenha produzido prejuízos duradouros, a peça teve um forte efeito psicológico imediato.

(...) No domingo, 5 de Outubro, oitocentos bispos presentes em Roma para os trabalhos do Concílio assistiram à projecção de O Evangelho segundo Mateus, do realizador marxista Pier Paolo Pasolini. A projecção tinha lugar sob o patrocínio do Gabinete Católico Internacional de Cinema que nos meses anteriores havia atribuído ao filme de Pasolini o prémio de "melhor filme religioso do ano"».

Roberto de Mattei («O Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita»).


«A mensagem de Fátima não é, na sua essência, mais que a repetição das palavras de Nossa Senhora nas bodas de Caná: Fazei o que o meu Filho vos disser» (in «Voz de Fátima», de 13.6.1942).

«Fátima - Altar do Mundo - opõe-se a Moscovo - capital do reino do Anti-Cristo. Não é só a coincidência das datas que tal sugere, é, sobretudo, a oposição dos espíritos» (in «Fátima Altar do Mundo»).

«Do ateísmo contemporâneo o marxismo, ou, mais precisamente, o comunismo russo é que conduz em todo o mundo a luta contra Deus» (Discurso proferido em Fátima em 4 de Setembro de 1962, perante as Organizações Juvenis da Acção Católica).

«Antes de mais nada é necessário notar que este nome, Nossa Senhora do Rosário, está associado, desde S. Domingos, às grandes batalhas contra os inimigos da Igreja. E grandes Papas não hesitaram em atribuir-lhe a vitória. Houve, porventura, na história, batalha universal e total como a que o ateísmo marxista trava hoje contra a Igreja?» (Conferência em Roma em 11 de Fevereiro de 1967).

O Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira





(...) Padre José Antonio de Adalma: o modernismo não desapareceu







O Jesuíta espanhol José Antonio de Adalma (30) foi um dos mais insignes mariólogos do século XX. Pertencia a uma família profundamente cristã e todos os seus irmãos se consagraram a Deus: António Maria e Borja foram jesuítas e as duas irmãs foram Filhas do Sagrado Coração. Os pais, condes de Adalma e Marqueses de Ayala, decidiram seguir pelo mesmo caminho: o pai foi ordenado sacerdote em Granada, em 24 de Dezembro de 1929, e, no dia seguinte, em Sevilha, impôs o hábito de salesiana à mulher; a 5 de Janeiro de 1930, entrou para a Companhia de Jesus em Loyola, onde morreu um mês mais tarde, assistido espiritualmente pelo filho, diante do qual proferiu os votos in articulo mortis.

O Padre Aldama foi professor de Teologia Dogmática na Universidade Gregoriana, na Pontifícia Universidade de Salamanca e na Faculdade de Teologia de Granada, da qual veio a ser reitor. Num penetrante artigo publicado em 1956 na revista teológica Salmanticensis, estabelecia um paralelo entre a atitude de Pio X no confronto com o modernismo e a atitude de Pio XII relativamente à "nova teologia":

«Existe, entre Pio X e Pio XII, uma afinidade teológica, uma semelhança de comportamento doutrinal, uma identidade de situações históricas, que fazem com que estes dois nomes e estas duas agudíssimas personalidades teológicas permaneçam para sempre no desenvolvimento vital da teologia católica (31). Estas duas egrégias figuras que, no princípio e a meio do século XX, imortalizaram, com o seu magistério dogmático, a cátedra de São Pedro, estão historicamente unidas na valorosa defesa do tesouro da fé e do depósito da revelação, completamente ameaçados, não numa verdade ou num dogma, mas no seu conjunto, na sua interpretação ideológica, nos seus fundamentos racionais. Pio X ergue a sua voz vibrante contra aquilo a que chamou uma "colecção de todas as heresias"; "contra as novas opiniões, que ameaçavam destruir os fundamentos da doutrina católica", ergueu-se não menos vibrante, a voz de Pio XII. Em ambos os casos, não se tratava de um erro particular; não se atentava contra um dogma concreto. Os perigos eram francamente maiores, dado que se referiam ao próprio depósito da revelação e à sua exposição humana, no dogma e na teologia.

A referência é, naturalmente, ao modernismo e à nova teologia; bem como à encíclica Pascendi, incluindo os documentos anexos, e à encíclica Humani generis, com os diversos gestos pontifícios que a prepararam» (32).

E continuava o Padre Adalma:

«Pio XII descreveu-nos a confusão doutrinal dos pensadores que se afastaram da Igreja dando-nos a conhecer as suas principais orientações ideológicas: um evolucionismo que "pretendem estender à origem de todas as coisas, sustentando com ousadia a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido a perpétua evolução"; um existencialismo que "nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa já senão com a 'existência' de cada uma delas", "tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico"; um historiador "que se atém só aos acontecimentos da vida humana e, tanto no campo da filosofia como no dos dogmas cristãos, destrói os fundamentos de toda a verdade e lei absoluta". Depois de apontar estes erros, Pio XII, Mestre Supremo e augusto guardião do depósito da Revelação, denuncia, nos fautores da nova teologia, o esforço imprudente de assimilar e adaptar o nosso pensamento teológico ao deles. E prossegue, condenando esta tentativa de formular o dogma "com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, do idealismo, do existencialismo ou de qualquer outro sistema"; e desmascarando o absurdo que consiste em considerar, com base numa ideia evolucionista e historicista do dogma, que "os mistérios da fé nunca se podem expressar por conceitos plenamente verdadeiros, mas só por conceitos aproximativos e que mudam continuamente, por meio dos quais a verdade se indica, é certo, mas também necessariamente se desfigura"» (33).



Jesus Cristo entrega as chaves da Igreja ao Príncipe dos Apóstolos.




Neste ponto, o teólogo de Granada criticava as previsões de um seu ilustre confrade, o Padre Léonce de Grandmaison (34), que em 1923 havia excluído que se desse nova crise modernista na Igreja. O juízo de Grandmaison, afirmava o Padre de Adalma, era fundado em razões que, «pensadas hoje, à luz da nova teologia, parecem conduzir à conclusão exactamente contrária»:

«De acordo com o Padre Grandmaison, o facto de hoje se conhecerem melhor os erros modernistas evitará a sua repetição. O modernismo não nasceu de uma rebelião, mas com base em factos, no confronto com as dificuldades que as ciências, a história e a exegese colocaram à fé e à teologia. Os teólogos, pouco defendidos por uma teologia superficial, cheios da inquietação que reinava, respirando desejos de independência e desconfiança relativamente à Igreja num ambiente saturado de evolucionismo, não foram capazes de se controlar e sucumbiram à tentação modernista. A descrição é exacta. Será acaso exagerado aplicá-la aos criadores da nova teologia?

Outro elemento decisivo para afastar a possibilidade de um novo modernismo era, na opinião do Padre Grandmaison, o progresso que a cultura religiosa tinha recentemente atingido, colocando-se ao nível da cultura geral. Estava a referir-se àqueles que tinham começado seriamente e se tinham sentido realmente fascinados com a doutrina escolástica, tornando-se assim imunes ao gosto excessivo e global pelo moderno que o modernismo suscita. A despeito das recomendações de Pio X e de Pio XI a favor da escolástica, ele não tinha dedicado os seus estudos e as suas atenções aos ambientes teológicos e ao mal-estar do modernismo, não obstante os ingentes esforços de Leão XIII. E, se a nossa cultura religiosa conseguiu progredir até alcançar o nível da cultura geral, não conseguiu no entanto ser uma cultura religiosa de fundamentos sólidos, precisamente pelo facto de ter omitido um estudo sério da filosofia escolástica.

E o que se poderá dizer acerca da última consideração que convencia o Padre Grandmaison a negar a probabilidade de uma nova crise modernista? Será verdade que, dado que os católicos trabalharam tanto no estudo científico das fontes e da teologia positiva, os jovens desejosos de ciência deixaram de ter necessidade de recorrer às fontes inquinadas dos autores heterodoxos, como aconteceu na época do modernismo? Não estaremos a assistir a uma difusão de ideias, preocupações e métodos, em que os limites que separam autores heterodoxos e ortodoxos se tornaram de tal maneira imprecisos que só com grande dificuldade podem ser determinados?

Perante estes factos, tornam-se inconsistentes as considerações que, com boa vontade e excessivo optimismo, o Padre Grandmaison exprimia há trinta anos. A história não parece ter-lhe dado razão. E a história impõe-se» (35).


(...) Padre Antonio Messineo: a relação entre o modernismo e o progressismo

No mesmo ano em que o Padre Aldama desenvolvia estas lúcidas reflexões, um confrade seu, o Padre Messineo (36), em três artigos publicados na Civiltà Cattolica, resumia com idêntico acúmen sob a categoria de "progressismo" o estado de ânimo e as tendências doutrinais dos novos teólogos, estabelecendo a sua relação com o modernismo (37). O Padre Messineo era um jesuíta siciliano de inteligência vivaz e sólida espiritualidade que fazia parte do restrito grupo dos redactores ad vitam da Civiltà Cattolica, a revista que era considerada porta-voz oficiosa da Santa Sé, e cujas orientações contavam indubitavelmente com a aprovação de Pio XII.

«O progressismo moderno, não sendo embora, na substância, um modernismo actualizado, pode perfeitamente comparar-se com esta corrente; há até quem considere, e não sem razão, que se trata de uma ramificação da mesma. O modernismo pretendia renovar o dogma privando-o de conteúdo transcendente, depois de o ter submergido na onda móvel do relativismo historicista; fazendo apelo ao subjectivismo, pretendeu estabelecer a verdade e a relação com a divindade recorrendo ao paradigma dos sentimentos; foi simultaneamente racionalista e céptico relativamente às capacidades da razão, e sobretudo anti-autoritário, e nesta base procedeu a uma revisão radical, destruindo todo um passado de gloriosa e fecunda especulação, para se adequar ao chamado pensamento moderno e às pretensas exigências do progresso intelectual contemporâneo.




Ora, o progressismo tem impressas algumas das características descritas. É historicista [...], acreditando numa incessante evolução da verdade e das formas institucionais nas quais se enquadra a vida da Igreja e da sociedade civil; é racionalista, humanitário e naturalista e pretende, tal como o modernismo, rever a partir dos seus fundamentos as posições teóricas e os ensinamentos práticos que são património consolidado de uma longa série de anos e de experiências fecundas no pensamento e na práxis. Mantém nos seus enunciados um ar de superioridade e auto-suficiência qual intérprete qualificado e independente das exigências da vida intelectual e social do tempo presente, que só os seus fautores seriam capazes de compreender plenamente, enquanto que a hierarquia e os mestres, que continuam a defender firmemente as posições tradicionais, estariam desfasados e, se não são completamente obtusos, estariam pelo menos extraviados por um conservadorismo retrógrado e mortificante.

O progressista sabe, conhece, julga com critério próprio, que aliás não é senão o critério ondulante de uma verdade relativa que vai variando ao longo dos diversos períodos históricos, e que é, no tempo presente, o chamado pensamento moderno, a sociedade moderna, as tendências espirituais modernas, numa palavra, o chamado progresso moderno. É aliás daí que deriva o seu nome, que exprime, quer a tendência para uma adequação com este, quer o impulso para proceder, na reforma dos princípios e da praxis, segundo as directivas por ele traçadas» (38).

O Padre Messineo descrevia com igual lucidez a derrapagem do progressismo católico em direcção ao marxismo:

«Entre as notas que caracterizam o progressismo moderno, a menos relevante não é certamente a sua marcada simpatia pelo comunismo e o marxismo em geral. Uma posição para a qual é conduzido, não apenas pelo irenismo, ao qual se fez referência atrás, e o consequente desejo de entrar em diálogo com todas as correntes modernas, mas também por uma avaliação pelo menos parcialmente positiva da ideologia marxista. O olhar do progressista volta-se invariavelmente para a esquerda porque julga detectar nas instâncias das correntes que se alinham desse lado - em razão de uma deformação visual que se produziu no seu espírito - pontos de contacto e semelhanças com as instâncias do próprio credo religioso e com as suas convicções morais e sociais.

No comunismo, o progressista deplora o substrato materialista da ideologia no qual se apoia e o seu consequente ateísmo, mas, feita esta reserva - indispensável para salvar a fé cristã - acolhe e faz seus todos os postulados desta teoria, não excluindo uma eventual colaboração com os seus defensores. O comunismo, afirma, é hoje uma força, um movimento da história, uma mola propulsora na sociedade moderna; é necessário, pois, dar-lhe o valor que tem e reconciliar o pensamento cristão com ele. A divisão maniqueia - como lhe chama - entre um mundo completamente mau e um mundo onde apenas existe bem tem de ser superada pela via de uma compreensão recíproca, a fim de não sermos colocados fora do ciclo da história e de nivelarmos os contrastes com a pacificação. É possível um encontro em torno dos valores cristãos de que também o comunismo é portador, acrescenta, ainda que estes estejam deformados pela superestrutura ideológica do mesmo.



Jesus Cristo vencendo a Tentação




Por este motivo, o progressista é o homem da distensão, é um adepto convicto da mão estendida, é um promotor do diálogo com as correntes marxistas, quando não mesmo um defensor desta ideologia, à qual contudo não adere como membro, devido à presença de um qualquer resíduo de conflito entre a sua visão do mundo e a visão propagada pelo comunismo. Raramente se atreve a levar as coisas a tais limites, mas, ao mesmo tempo que rejeita o comunismo como tal, por chocar com a barreira do ensinamento explícito da Igreja, não desdenha considerar seus aliados outras correntes marxistas, com as quais de bom grado faria alianças no plano político e social.

O mais estranho é que, ao mesmo tempo que postula a superação da distinção maniqueia entre comunismo, marxismo e cristianismo, e um entendimento e uma co-existência com base na distensão, o progressista introduz esta mesma oposição inconciliável entre o cristianismo e as correntes a que chama, com designação desdenhosa, direita reaccionária. Para ele, o princípio do mal está condensado na direita, abismo obscuro de forças reaccionárias emboscadas, para o qual lança, com sentença inapelável, todos quantos se opõem às ideias e às tendências progressistas» (39).

(Ibidem, pp. 79-85).


Notas:

(30) Do Padre José Antonio de Aldama (1903-1980), jesuíta espanhol, ordenado em 1929, professor e depois reitor da Universidade de Granada, cf. Virgo Mater: estudios de teologia patrística, Faculdade de Teología de Granada, Granada, 1963; De questione mariali in hodierna vita ecclesiae, Pontifícia Academia Mariana Internationalis, Roma, 1964. Sobre o Padre de Adalma, cf. CÂNDIDO POZO, s.j., El p. José Antonio de Adalma, s.j., como teólogo, Facultad de teología de Granada, Granada , 1980; Id, «In memoriam», in Scripta de Maria, 3 (1980), pp. 11-30; FRANCISCO DE P. SOLA, «En la paz de Cristo. P. J. De Adalma, Mariologo eminente», in Ephemerides Mariologicae, 30 (1980), pp. 253-258.

(31) Cf. A DE ALDAMA, s.j., «Pio XII y la teologia nueva», in Salmanticensis, 3, (1956), p. 303 (pp. 303-320).

(32) Ibid., p. 304.

(33) Ibid., p. 311.



Papa Pio XII




(34) Léonce de Grandmaison (1868-1927), jesuíta francês, professor de Teologia, depois director de Études, e fundador de Recherches de science religieuse. Sobre Grandmaison, cf. JULES LEBRETON, Le Père Léonce de Grandmaison, Beauchesne, Paris, 1932.

(35) J. A. de Adalma s.j., «Pio XII y la teologia nueva», in Salmanticensis, cit., p. 316.

(36) Antonio Messineo (1897-1978), da Companhia de Jesus, ordenado em 1930, foi desde 1931 até à sua morte um dos mais qualificados autores da Civiltà Cattolica no campo das ciências sociais e morais e do direito internacional. Representou a Santa Sé na Conferência Internacional de Viena (1968-1969). Entre as suas obras, veja-se La nazione (La Civiltà Cattolica, Roma, 1942) e Il diritito internazionale nella dottrina cattolica (La Civiltà Cattolica, Roma, 1942). Sobre o Padre Messineo, veja-se DOMENICO MONDRONE s.j., «Ricordo del padre Antonio Messineo», in Civiltà Cattolica, 4071 (1978), pp. 468-473.

(37) Cf. Civiltà Cattolica: «Il progressismo contemporâneo», 2537 (1950), pp. 494-506; «Lo storicismo progressista», 2541 (1956), pp. 225-238; «Il providenzialismo progressista, 2543 (1956), pp. 462-474. A série foi completada pela convincente síntese: «L'umanesismo e gli umanesimi», 2545 (1956), pp. 17-29.

(38) A. MESSINEO, «Il progressismo contemporâneo», cit., pp. 498-499.

(39) Ibid., pp. 503-505.

Continua


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