sábado, 26 de novembro de 2011

A Verdade do Amor (i)

Escrito por Vladimiro Soloviev





Vladimiro Soloviev



Apresentação de Álvaro Ribeiro

«(...) A liberdade humana, quer dizer, a liberdade do indivíduo, mas também a da família, a do trabalho, a da corporação, consideradas em totalidade religiosa, convergem para um destino, uma tendência ou um fim que se realiza pelo Amor. A ideia do amor, segundo Vladimiro Soloviev, é daquelas a que o homem nunca poderia chegar só pelos recursos da sua inteligência finita, quer dizer, é uma ideia que nem todos os homens ainda entendem, um mistério que nos foi sugerido pela revelação. Efectivamente, observamos que, submetida à lei dos três estados, a ideia do amor desaparece do pensamento humano, visto que a respectiva palavra não tem correspondente noção no quadro positivo da classificação das ciências. Será de mínima importância a objecção de que a ideia do amor ressurge na síntese subjectiva e na religião da humanidade, antecedendo até a ordem e o progresso, porque as últimas expressões do pensamento de Augusto Comte não foram duradouros factores do positivismo dominante na propaganda republicana.

Excluir um problema do domínio do pensamento, e da filosofia, não é o mesmo que eliminá-lo por destituído de significação, segundo o dogmatismo lógico dos novos positivistas; excluir um problema do domínio do pensamento é transferi-lo para o domínio do sentimento, e da literatura, segundo o criticismo dos novos existencialistas. O amor é um problema perene que pressupõe uma verdade; enquanto tal problema não for resolvido pela filosofia, há-de sempre preocupar a literatura.


Meditemos francamente na leviandade com que os literatos escrevem a respeito do amor alheio, convencidos de que observam, conjecturam ou imaginam o verdadeiro aspecto da realidade. É o amor um tema obrigatório das poesias, dos diários e dos romances, ou um ingrediente indispensável das peças de teatro, dos filmes e de outros espectáculos. Há que descobrir o significado oculto desta ocupação e desta preocupação, para que não pareça ridícula, fútil e absurda a insistência dos literatos numa temática que se repete através dos séculos, com agrado, sucesso e êxito entre os mesmos leitores. Reduzida às suas linhas essenciais, a narrativa do amor cai num esquema tão simples ou simplista que enfada até a leitora menos exigente. Com efeito, realizada a apresentação dos amantes, é logo de prever o curso normal dos diálogos e a sucessão habitual dos acontecimentos. Certo é que o engenho do escritor tem de estar aplicado aos elementos estranhos à narrativa amorosa que densificam, complicam e valorizam a contextura da obra de arte; mas os sérios problemas que atormentam a humanidade só logram ser enunciados na literatura quando aliados à constante temática erótica. Dir-se-ia até que a verdade da literatura está na verdade do amor.


Este problema não tem solução positiva. O homem de letras que, em horas de estudo mais amplo, analisou as teses de Balzac, Michelet ou Stendhal sobre a psicologia do amor e a sociologia do casamento, está apto a concluir que é indispensável ascender ao estado metafísico, ou até ao estado teológico, para descobrir enfim uma solução verosímil do problema que tanto preocupa leitores como escritores. Sabemos que o método filosófico é exactamente o contrário da lei dos três estados de Augusto Comte, porque historiar é muito diferente de filosofar. Adversário dos positivistas, Vladimiro Soloviev situou o problema do amor no estado metafísico, conforme o Simpósio de Platão, mas viu depois que ele corresponde a um mistério de teologia, conforme a Bíblia inspirada por Deus.



A crença é livre, e ainda mais livre a fé. Quem escolhe uma crença, que aos outros parece irracional, ridícula ou imoral, adopta-a e assimila-a porque nela vê um princípio explicativo do que parece inexplicável nos quadros agnósticos da positividade. Vladimiro Soloviev, na genealogia de muitos pensadores que alguns eruditos chamam precursores, admitiu a tese de que o amor humano, erótico e sexual, está dramaticamente prefigurado e explicado nos primeiros capítulos do Génesis. Efectivamente, a imortalidade de Adão, a proveniência carnal de Eva, o pecado original, etc., continuam a ser altas verdades que a Igreja Católica defende dos detractores da Bíblia e de quantos pretendem que as doutrinas tradicionais sejam filtradas pela razão positivista, limitada e abstracta, enfim, pela razão separada da fé. É indispensável, porém, acrescentar que só o amor paradigmático de Adão e Eva, teologicamente vivo no nosso culto, na nossa cultura e na nossa civilização, poderá explicar que as variações da narrativa amorosa constituam primordial temática das obras literárias. Em todos nós existe a vida inconsciente desse mistério, que desejaríamos esclarecer na leitura infatigável dos livros sagrados e profanos.

A doutrinação catequística e apologética raras vezes concorre com a divulgação literária para actualizar a teologia do matrimónio. Tal desencontro nos parece mortífero para a ordem religiosa. Aos adolescentes, àqueles que sofrem durante o prazo que vai da puberdade à nubilidade, não lhes é ministrada oportunamente a doutrina que robustece a fé. Correm licenciosamente falsidades, erros e absurdos acerca do preceito monogâmico e da constituição da família, ocorrem porque aos adolescentes são por acaso ensinados os motivos fisiológicos e sociológicos de um movimento cujo motor só é explicável pela teologia.

Ensinar, como por vezes se diz, que o fim principal do matrimónio é a procriação e a educação dos filhos corresponde a rebaixar ao nível de uma biologia naturalista a doutrina de um sacramento que é superiormente, um processo de redenção. Esquecem alguns teólogos que o pecado original foi praticado por Eva e por Adão, em condições incomparáveis com a presente configuração naturalista do homem e da mulher. Só a impiedade dos artistas plásticos se permite dar uma figuração histórica ao homem pré-histórico. Esquecem, consequentemente, os maus teólogos que o matrimónio é um sacramento de redenção, o qual abra via a um certo número de graças que os cônjuges transmitem uns aos outros. Esquecem também a razão do divórcio, palavra que significa divisão ou separação, cuja desgraça precede o pecado de adultério.

Ao confundir um sacramento com um acto jurídico, ao confundir a mediação das graças com os fios de parentesco pelos quais de direito transitam os bens materiais que asseguram a economia familiar, fica vulnerada a doutrina religiosa no seu cerne sobrenatural. Depois, facilmente se expande e divulga a peregrina tese de que a maternidade, o casamento e a família resultam de um contrato, necessariamente alterável ou rescindível, e ninguém se ofende com a injúria que na palavra contrato se esconde quando aplicável às relações do homem com a mulher.

Contra tais absurdos, erros e falsidades escreveu Vladimiro Soloviev os cinco artigos que, transformados em capítulos, constituíram livrinho sobre A VERDADE DO AMOR. A refutação, para ficar completa, exigiria o esclarecimento de outras teses que conformam a antropologia do nosso tempo. Este opúsculo, contém, todavia, os elementos suficientes para despertar os homens de boa vontade, para os convidar a nova interpretação da teologia do matrimónio, para os obrigar a rever a legislação civil.



Artur Schopenhauer




Soloviev discute a situação da espécie humana na escala zoológica, demonstra a relativa infecundidade dos animais superiores, e anula a tese de Schopenhauer sobre a astúcia do génio da espécie. O erro materialista consiste em pretender subsumir o amor no instinto de produção. A atracção sexual – de um sexo pelo outro – há-de ser digna de mais alto grau de inteligibilidade. Demonstra depois Soloviev que o amor humano se caracteriza pela eleição de uma pessoa de outro sexo, por uma fidelidade de pensamento, de sentimento e de comportamento que chega a parecer obsessiva e até patológica, enfim por uma série de atributos reconhecidos pelos literatos mas por vezes negados pelos cientistas. Nos lúcidos comentários aos estudos de Kraft Ebbing e Binet sobre as aberrações do instinto sexual, que contrariam e desmentem a astúcia do génio da espécie, o arguto filósofo eslavo de certo modo antecede a psicologia, a psicanálise e a psiquiatria do século XX. A medicina psicossomática veio comprovar que a fenomenologia do amor, mais afectiva do que instintiva, apela por uma ontologia do amor, e quem diz ontologia está prestes a dizer teologia.

O amor humano caracteriza-se pela predilecção e pela fidelidade, e ainda quando tais características não se apresentem com inteira pureza ou não se realizem na totalidade – conforme se pode alegar com a variedade das observações empíricas e com as variantes das narrativas literárias –, certo é que há no amor uma inegável tendência para a monogamia virtual. Soloviev nos seus termos diz que a verdade do amor está na realização da individualidade infinita, da imortalidade da carne redimida, da primitiva santidade de Adão à imagem e semelhança de Deus.

Não discutiremos a teologia do matrimónio, nem a liturgia do matrimónio, que estariam em coerência com a doutrina de Soloviev. Elas adoptam por outro ponto de partida um texto do Novo Testamento para glosar o paralelismo simbólico da relação de Deus com o Universo, de Cristo com a Igreja, e do Homem com a Mulher. Estas três relações correlacionam-se numa só analogia cuja encarnação doutrinal floresceu ao calor da Igreja Ortodoxa; mas é ainda difícil determinar em que medida será lícito expandi-la nos quadros mais lógicos da Igreja Católica.

Insistiremos, porém, no caso paradoxal de os juristas positivistas sofrerem de nostalgia da teologia, mediante sintomas que a análise das imagens revela aos estudiosos do inconsciente e do ininteligente. Lembremo-nos de que o ateísmo de Napoleão I ou dos redactores do Code Civil projectou sobre a legislação da família uma doutrina sombria do egoísmo, utilitarismo e materialismo. A separação entre o Estado e a Igreja, por delimitação de funções praticamente incompatíveis, surgiu assim em corolário lógico daquela doutrina social.



Napoleão



Certo é, porém, que o Estado não pode esquecer a teologia do matrimónio, nem a liturgia do matrimónio, por mais que simule ignorá-las ou substituí-las. A própria legislação da família torna-se ilógica ou absurda, se não tiver fundamento ou se não obtiver complemento na verdade da doutrina religiosa. A literatura romântica dá-nos a prova desta nostalgia do sobrenatural, mostra-nos as vicissitudes da luta contra uma legislação civil sem justiça teológica, e constrói assim uma espécie de apologética e de apostolado que as autoridades eclesiásticas bem poderiam rectificar para utilizar.

É evidente que a predilecção explicativa da fidelidade dos amantes e, consequentemente, da virtual monogamia que o sacramento do matrimónio transforma na realidade da vida conjugal, significam os laços mais fortes e duradouros que podem existir durante a vida terrestre. Com razão animada se diz que a família é a célula social. Quaisquer outras relações mundanas, vinculadas ou não por documento escrito, com ou sem valor jurídico, se nos afiguram contingentes, convertíveis e efémeras, porque dependem mais de cálculos egoístas do que de abnegações amorosas. Sabem os juízes qual é a duração das relações humanas nos quadros fictícios da sociologia abstracta.

A relação semântica entre o matrimónio e a maternidade demonstra como o sacramento cristão exalta a dignidade da mulher. Não corresponde, porém, a prática jurídica à excelência da teoria religiosa. Observando que a mulher grávida está muitas vezes sujeita a trabalhos forçados, obrigada a sair de casa para adoecer enquanto ganha dinheiro, perguntamo-nos em que medida o casamento vale de protecção à maternidade e de constituição da família.

Definido o casamento pelos predicados de um contrato de valores económicos, representados pela casa, e pelos respectivos encargos, logo se nos definem as sanções legais. De harmonia com a doutrina do Código Civil, o Estado assegura o cumprimento dos deveres económicos entre pessoas legalmente unidas por determinados vínculos de consanguinidade e afinidade. Depois, a casa deixa de ser a fundamentação do casamento, a convivência diária deixa de ter valor moral. Marido e mulher, pais e filhos, podem residir em afastadas terras, sem que deixem de subsistir as respectivas obrigações financeiras. Os descontentes recorrem aos tribunais, e o juiz fixa o quantitativo em dinheiro, a pensão que assinala e lembra um parentesco esquecido. Ignorados herdeiros surgem a requerer uma parte do que lhes é devido por lei, cientes de que ninguém lhes exigirá prova de terem prestado amor ou caridade à pessoa que morreu em riqueza. Tal é o que observa quem souber libertar-se do prestígio das palavras. Existem sanções económicas, porque à nossa sensibilidade moral repugna aplicar, como outrora, penas corporais na resolução de problemas que pertencem à ordem da alma e do espírito. A pena de prisão, que é um castigo corporal, tende a ser aplicável apenas ao que fugiu de cumprir a sentença judicial; não pode, por si própria, ter efeito de educação ou regeneração do delinquente; muito menos restabelece entre pessoas de família, ou entre os cônjuges, a autêntica vida de amor.







A legislação napoleónica, ou positivista, não descreve, não define, não classifica os ritos familiares. Destituídos, assim, de garantia legal, tais ritos são reprimidos, proibidos ou dificultados em consequência das transformações do direito público. A sociologia da agricultura, baseada na propriedade territorial e no tempo heterogéneo, foi substituída pela sociologia da incultura, baseada no tempo homogéneo e na propriedade financeira. Os deveres mais imperiosos da indústria, que funciona em regime de laboração contínua, obstam a que o homem, a mulher e a criança cumpram os ritos familiares. Já não há, a bem dizer, leis que defendam a liberdade da família!...

Alegar-se-á, sem dúvida, que a legislação civil também formula exigências de ordem ética, as quais efectivamente podem ser lidas nos respectivos textos jurídicos. Tal alegação é positiva, mas o positivismo não é suficiente. Se estudarmos os justos motivos de tais obrigações morais, haveremos de encontrar razões que só a nostalgia da metafísica e da teologia podem sinceramente explicar. O paradoxo positivista está em exigir uma moral pública que não é doutrinada na escola pública! O Estado abstém-se normalmente de ministrar ensino demorado e profundo sobre as relações humanas que constituem a célula da vida social, exactamente porque os professores receiam a intervenção intelectual num domínio que efectivamente é mais da competência dos sacerdotes.

Não estranhemos, pois, que faltando a palavra autorizada daqueles que de viva voz deveriam exercer a superior função educativa, recorram ao livro, ao teatro e ao cinema todos quantos se preocupam com o problema humano, o segredo natural e o mistério divino que designamos pela palavra amor. Tremenda é a responsabilidade dos que pretendem distrair para instruir. Se a maioria dos plumitivos nem sequer suspeita que uma fenomenologia pressupõe ou exige uma ontologia; se alguns escritores assumem já a consciência das relações da literatura com a filosofia, do sentimento com o pensamento, e admitem a gradação dos valores éticos, estéticos e científicos; os artistas superiores sabem que o amor é para os amantes a mútua realização do que está preceituado no Génesis. Este livrinho de Vladimiro Soloviev é, sem receio de comparação com os livros místicos, destinados a outro fim, um precioso breviário de quem quiser reintegrar o amor humano nas verdadeiras leis de Deus» (in A Verdade do Amor, Guimarães Editores, 1985).




CRÍTICA AO NATURALISMO

A opinião corrente diz que a relação sexual, ou inter-sexual, tem por fim a conservação da espécie, e quer dizer que o amor não é mais do que um meio para um fim. Considero esta opinião inteiramente falsa, não só por motivos ideológicos, mas também e, principalmente, por causa dos factos observáveis na Natureza. Que a multiplicação dos seres vivos não necessite do intermediário que seria a atracção erótica é uma verdade que transparece do facto de tal multiplicação se produzir até sem os factores dos sexos. Numerosos organismos do reino vegetal como do reino animal há que se reproduzem sem sexualidade, por divisão, por germinação, por inoculação. É certo que nesses dois reinos orgânicos as formas superiores se multiplicam por factores sexuais, mas é também certo que os organismos que se multiplicam deste modo, tanto os vegetais como os animais, podem ainda reproduzir-se de modo não sexual (inoculação das plantas, partenogénese dos insectos superiores). Se admitirmos como regra geral que os organismos superiores se multiplicam por meio de uma copulação superior, teremos de concluir que este factor sexual está relacionado, não com a reprodução em geral, que também se pode verificar ser o processo sexual, mas com a multiplicação dos organismos superiores. Por conseguinte, o significado da diferenciação sexual (do eros, e do amor) não se encontra na ideia da espécie, da sua conservação e da sua reprodução, mas deverá ser procurado somente na ideia do organismo superior.





Notável confirmação do que acabamos de descrever vamos descobri-la no seguinte facto impressionante. Dentro dos limites dos animais que só se multiplicam por factores sexuais, na secção dos vertebrados, quanto mais ascendermos na escala zoológica tanto mais veremos decrescer o expoente de reprodução, na medida em que vai aumentando a força de atracção inter-sexual. Na classe inferior desta secção, entre os peixes, a multiplicação dá um produto enorme: os embriões, produzidos anualmente por cada fêmea, contam-se por milhões: ora prestemos atenção a estes embriões fecundados pelo macho fora do corpo da fêmea, modo que não admite a hipótese de uma inclinação sexual muito intensa. De todos os animais vertebrados é esta classe de animais de sangue frio aquela que incontestavelmente mais se reproduz e a que menos manifesta o que se pareça com a paixão do amor.

No grau imediato, entre os anfíbios e os répteis, a multiplicação é já muito menos do que nos peixes, se bem que relativamente a algumas espécies esta classe haja sido, e não sem razões, comparada pela Bíblia aos entes que pululam (shérerschirroun); ora, com um produto menor, nesta multiplicação já encontramos factores sexuais mais próximos. Nas aves o produto da multiplicação ainda é menor, não só em comparação com os peixes, mas até em comparação com as rãs, por exemplo; e todos sabemos que a inclinação sexual e a atracção individual entre o macho e a fêmea alcançam, nas aves, um grau incomparável aos das duas classes inferiores. Nos mamíferos que são vivíparos a multiplicação é ainda menos frequente do que nas aves, mas a inclinação sexual é muito mais intensa, embora nem sempre tão constante.

No ser humano, considerado para este estudo na escala zoológica, a fecundidade é muito menos do que a de qualquer outra espécie componente do reino animal, mas o amor sexual atinge muito maior intensidade e muito maior importância porque alia ao máximo grau de constância a permanência das relações, comparável com a das aves, e a intensidade das paixões, comparada com a dos mamíferos.

Vemos assim que o amor sexual e a reprodução da espécie não estão na razão directa, mas, pelo contrário, na razão inversa: quanto mais forte for um dos elementos, mais fraco há-de ser o outro. Do ponto de vista que escolhemos, verificamos que o reino animal se desenvolve, quase sem excepção, pela ordem seguinte: nas suas formas inferiores, enorme força de multiplicação, e, ao mesmo tempo, ausência total de algo que de longe se pareça com o amor sexual, quando não ausência de divisão em sexos; depois, nos organismos mais perfeitos, aparecimento de uma diferenciação sexual e de uma certa inclinação sexual correlativa, extremamente débil a princípio, para gradualmente aumentar depois; nos graus ulteriores do desenvolvimento orgânico, crescimento das características sexuais exactamente na medida em que diminui a intensidade do poder de multiplicação (quer dizer, em proporção directa da perfeição do organismo e em proporção inversa do poder de multiplicação), até que, por fim, no cimo da escala zoológica, no ente humano, se torne possível um amor tão intenso que possa até excluir completamente a reprodução. Considerando assim, na série animal, duas tendências para termos contrários, a multiplicação sem amor sexual e o amor sexual sem multiplicação, não podemos ver nestes dois elementos qualquer laço de causalidade; cada qual tem o seu significado próprio, e não podemos dizer que um esteja para o outro como o meio para o fim.






Chegaremos à mesma conclusão quando considerarmos o amor sexual exclusivamente no mundo hominal; veremos como ele se manifesta por um carácter muito mais individualista do que no mundo animal; neste estádio superior, é precisamente uma só pessoa do outro sexo quem merece, aos olhos do amante, a dedicação absoluta; tal pessoa é incomparável e insubstituível; tal pessoa não é já o meio, mas o fim, do amor (in ob. cit., pp. 31-34).

Continua


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