quarta-feira, 20 de julho de 2011

Meditação

Escrito por Jiddu Krishnamurti 








A mente meditativa é silenciosa. Não é o silêncio que o pensamento pode imaginar; não é o silêncio de um calmo anoitecer; é o silêncio que vem quando o pensamento - com todas as suas imagens, palavras e percepções - cessa completamente. Esta mente meditativa é a mente verdadeiramente religiosa - religiosidade que não é tocada pelas igrejas, os templos ou os cânticos.

A mente religiosa é a explosão do amor - de um amor que não conhece a separação. Para ele, o longe é perto. Não é o amor de um só, ou de muitos; é, antes, um estado de amor no qual toda a divisão desaparece. Tal como a beleza ele também não cabe na medida das palavras. E só a partir deste silêncio a mente meditativa actua.

(...) A meditação é uma das maiores artes da vida - talvez a maior, e não é possível aprendê-la de ninguém. Nisso reside a sua beleza. Não está sujeita a nenhuma técnica, e portanto a nenhuma autoridade.

(...) É curioso como a meditação se torna uma constante presença: não há um fim nem um princípio para ela. É como uma gota de chuva: nela estão todos os regatos, os grandes rios, os mares e as quedas de água... A gota de chuva alimenta a terra e o homem; sem ela, a terra seria um deserto. Sem a meditação, também o coração se torna um deserto, um lugar abandonado.

(...) Silêncio e amplidão interior andam juntos. A imensidão do silêncio é a imensidade da mente em que não existe centro.

(...) Andar sempre à procura de «experiências transcendentes», mais variadas e intensas, é uma forma de fugir da realidade presente, daquilo que é, ou seja, de nós mesmos, da nossa própria mente condicionada. Uma mente desperta, inteligente, livre, que necessidade tem dessas experiências? A luz é luz; não anda à procura de mais luz.

(...) Se nos esforçamos por meditar, não estamos a meditar. Se nos esforçamos por sermos bons, a bondade não floresce. Se cultivamos a humildade, ela fica ausente.

(...) A meditação é a brisa que entra quando deixamos a janela aberta; mas se deliberadamente a mantemos aberta, com o propósito de atrair a brisa, ela não aparece.

(...) Temos de descobrir por nós mesmos - e não por intermédio de quem quer que seja - o que é a meditação. Tem-se aceitado a autoridade de instrutores, salvadores e mestres. Se realmente queremos saber o que é a meditação, temos de pôr completamente de lado toda a autoridade.

(...) Não sei se alguma vez reparastes que, quando estais totalmente atentos, há interiormente completo silêncio. E nessa atenção não existe nenhuma fronteira, nenhum centro, ou seja, nenhum «eu» que esteja atento. Essa atenção, esse silêncio, é um estado de meditação.

(...) Meditar é compreender o que é - ou seja, o facto - e ir para além dele.

(...) Meditar é estar inocente do tempo.

(...) Meditar é descobrir se há um campo que não esteja já contaminado pelo conhecido.



A meditação é o desabrochar da compreensão. A compreensão não está dentro das fronteiras do tempo; o tempo nunca traz compreensão. A compreensão não é um processo gradual em que se vá juntando pouco a pouco, cuidadosamente e pacientemente. A compreensão acontece agora ou nunca; é um relâmpago «destruidor», - e não uma coisa monótona; é desse estilhaçar que se tem medo e, assim, procura-se evitá-lo, consciente ou inconscientemente. A compreensão pode alterar o curso da nossa vida, o modo de pensarmos e agirmos; pode ser agradável ou não, e ser um «perigo» para os nossos relacionamentos. Sem compreensão, o sofrimento continua. O sofrimento só finda através do autoconhecimento, através da atenção a cada pensamento e emoção, a cada movimento daquilo que se revela a nível consciente e daquilo que está oculto. Meditação é a compreensão da consciência - a da superfície e a oculta - e é também a compreensão do movimento que está para além de todos os pensamentos e emoções.

(...) A meditação não é um meio para atingir um fim, não há nenhum fim, não há nenhum chegar; ela é um movimento no tempo e fora do tempo. Qualquer sistema, qualquer método, prende o pensamento ao tempo. A atenção, sem escolha, a cada movimento do pensamento e do sentir, a compreensão dos seus motivos, dos seus mecanismos, permitindo que o pensamento e o sentir «floresçam», é o nascer da meditação. Quando o pensamento e o sentir florescem e morrem, a meditação é um movimento além do tempo. Nesse movimento há êxtase; nesse vazio total há amor, e com amor há destruição e criação.

A meditação é aquela luz que, na mente, ilumina o caminho da acção; e sem essa luz não existe amor.

Meditação nunca é prece. A prece, a súplica nascem da autocomiseração. Suplica-se quando se está em dificuldades, quando há sofrimento; mas quando há felicidade, não há qualquer súplica. A autocomiseração, tão profundamente entranhada no ser humano, é a raiz da separação. O que está separado, ou o que a si mesmo se pensa separado, sempre em busca de uma identificação com algo que não esteja separado, apenas acarreta mais divisão e dor. A partir desta confusão, suplica-se aos céus, ou ao marido ou a alguma divindade criada pela mente. Esta súplica poderá encontrar uma resposta, mas a resposta é o eco da autocomiseração, na sua separação. A repetição de palavras, de orações, é auto-hipnótica, fecha a pessoa em si mesma e é destruidora. O isolamento provocado pelo pensamento dá-se sempre dentro do campo daquilo que é conhecido, e a resposta à prece é a resposta desse conhecido.

A meditação acontece longe de tudo isto. Nesse campo, o pensamento não pode entrar, não há lá nenhuma separação e, portanto, nenhuma identidade. A meditação acontece em abertura total; o secretismo não tem nela lugar. Tudo está à vista, tudo é bem claro; então, existe a beleza do amor.

(...) A crença é completamente desnecessária, tal como os ideais. Crenças e ideais dissipam energia que é necessária para perceber o revelar do facto, aquilo que é. Crenças e ideais são meios de se fugir ao facto e, nessa fuga, o sofrimento é infindável. O findar do sofrimento vem com a compreensão do facto, de momento a momento. Não há nenhum sistema ou método que dê essa compreensão; só uma atenção sem escolha ao facto a conseguirá. Meditar de acordo com um sistema é evitar o facto, que é aquilo que somos. Compreendermo-nos a nós mesmos, e compreender a constante mudança dos factos que nos dizem respeito, é de longe mais importante do que «meditar» tendo em vista «encontrar deus» ou ter visões, sensações, ou outras formas de entretenimento.






(...) Na meditação temos de descobrir se é possível um cessar dos conhecimentos, e libertarmo-nos, assim, do conhecido.

(...) Meditação não é concentração, já que esta é exclusão, resistência e, portanto, conflito. A mente meditativa pode concentrar-se, só que então não há exclusão, resistência. A mente que apenas se concentra não pode meditar.

Na compreensão do que é meditar, há amor; e o amor não é produto de sistemas, de hábitos, de se seguir um método. O amor não pode ser cultivado pelo pensamento. O amor pode surgir quando há completo silêncio, um silêncio no qual aquele que medita está inteiramente ausente. A mente só pode estar em silêncio quando se apercebe do seu próprio movimento como um processo de pensar e de sentir. Para se compreender este movimento de pensar e de sentir, na observação desse movimento não pode haver condenação alguma. Observar desta maneira é disciplina - não a do conformismo, mas uma disciplina fluida, livre.

(...) As palavras «tu» e «eu» separam: esta divisão não existia naquele estranho silêncio e naquela serenidade. E quando olhámos através da janela, espaço e tempo pareciam ter desaparecido; e o espaço que divide deixou de ter realidade. Aquelas folhas, aquele eucalipto e o azul brilhante da água não eram diferentes de nós.

(...) A meditação é um movimento no desconhecido e do desconhecido. Nós não existimos, só o movimento existe. Somos demasiado insignificantes ou sentimo-nos demasiado «importantes» para este movimento. Ele não tem nada atrás dele ou à sua frente. É aquela energia que o pensamento-matéria não é capaz de tocar. Este movimento é pervertido pelo pensamento, porque o pensamento é o conhecido, é produto do ontem; e está prisioneiro de penosos e duros esforços de séculos e, assim, é confuso e tem falta de lucidez. Faça-se o que se fizer, o conhecido não pode atingir o desconhecido. Meditar é morrer para o conhecido.

(...) A meditação não tem princípio nem fim; nela não há nem sucesso nem fracasso, nenhuma acumulação e nenhuma renúncia; é um movimento sem finalidade, e para além do tempo e do espaço. Experienciá-la é negá-la, pois aquele que a experiencia está preso ao tempo e ao espaço, à memória e ao re-conhecer. A base para a verdadeira meditação é aquela atenção passiva, disponível, que é libertarmo-nos da autoridade e da ambição, da inveja e do medo. A meditação não tem qualquer sentido sem esta liberdade, sem autoconhecimento; enquanto psicologicamente houver escolha não há autoconhecimento. Essa escolha implica conflito, e este torna impossível a compreensão de o que é. Entregar-se a qualquer fantasia, a quaisquer crenças românticas, não é meditação; o cérebro deve despir-se de todo o mito, de toda a ilusão e busca de segurança e enfrentar a realidade da falsidade de todos eles.

Não existe qualquer separação; tudo se encontra no movimento do meditar. A flor é a forma, o aroma, a cor e a beleza que é o seu todo. Se a despedaçarmos, de facto ou por palavras, então deixa de existir a flor, fica apenas uma lembrança do que era, o que nunca é a flor. A meditação é a flor inteira na sua beleza, a murchar e a viver.

Meditar é libertarmo-nos do pensamento; é um movimento no êxtase da verdade.

(...) Meditar é transcender o tempo. O tempo (psicológico) é a distância que o pensamento percorre na sua busca de sucesso pessoal. A viagem é assim sempre ao longo do velho caminho, revestido de uma nova aparência, novas paisagens, mas sempre a mesma estrada, que não conduz a lado nenhum - excepto à dor e à infelicidade.

Só quando a mente transcende o tempo é que a verdade deixa de ser uma abstracção. Então, a felicidade profunda não é uma ideia derivada do prazer mas uma realidade não verbal.

Esvaziar a mente do tempo é o silêncio da verdade, e assim ver é agir; portanto não existe nenhuma divisão entre o ver e o agir. É no intervalo entre ver e agir que nascem o conflito, a infelicidade e a confusão. Aquilo que está fora do tempo é eterno.

A meditação é um estado da mente que olha tudo com completa atenção, não fragmentariamente, mas de maneira total.










Meditar é destruir a «segurança», e há grande beleza na meditação, não a beleza das coisas produzidas pelo homem ou pela natureza; é a beleza do silêncio. Este silêncio é o vazio no qual, e a partir do qual, todas as coisas fluem e têm a sua existência. Não pode ser conhecido; o intelecto e a emotividade não podem chegar até ele; não há caminho para o silêncio e um método para tentar alcançá-lo é invenção de um cérebro ambicioso. Todos os caminhos e meios de que se serve o «eu» calculista têm de ser completamente destruídos; todo o movimento para a frente ou para trás, o modo como funciona o tempo, tem de cessar, sem nenhum amanhã. Meditação é «destruição»; é um perigo para aqueles que desejam levar uma vida superficial e uma vida de fantasia e de mito.

A morte a que a meditação dá origem é a imortalidade do novo.

Meditar é algo realmente maravilhoso, quando acontece. Posso falar sobre a meditação, mas a descrição não é o que é descrito. Cabe a cada um de nós aprender tudo isto, olhando para nós próprios - nenhum livro, nenhum professor pode ensinar-nos. Assim, não dependamos de ninguém, não nos juntemos a organizações «espirituais»; temos de aprender tudo isto a partir de nós mesmos. E então a mente descobrirá coisas inacreditáveis. Mas para tal, não pode haver fragmentação e por isso tem de haver imensa estabilidade, percepção rápida e flexibilidade. Para uma mente assim não há tempo e o viver tem, portanto, um sentido completamente diferente (in J. Krishnamurti, Meditações, Editorial Presença, 1999).


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