terça-feira, 5 de agosto de 2025

A instituição universitária só consegue não ser uma instituição caduca por ser uma instituição vazia

 Escrito por Orlando Vitorino


Navio-Sagres

Gigante Adamastor

«Onde quer que se coloque o início da nossa decadência - da decadência resultante do formidável esforço com que realizámos as descobertas e as conquistas -, aí se deve colocar o início da grande ruptura de equilíbrio que se deu na vida nacional. Com a dispersão por todo o mundo e a morte em tantos combates, precisamente daqueles elementos que criavam o nosso progresso, o nosso povo foi a pouco e pouco ficando reduzido aos elementos apegados ao solo, aos que a aventura não tentava, a quantos representavam as forças que, numa sociedade, instintivamente reagem contra todo o avanço. É um dos casos mais visíveis da criação de uma predominância das forças conservadoras. Com isto, visto à luz do que se explicou, queda revelado o porquê da nossa decadência.

Todos os fenómenos se seguiram (...) como o seguimento fatal da supertradicionalização. O que restava de progressivo desnacionalizou-se depressa. Cavou-se um abismo entre esses e a maioria do país. Em uns e outros, o nível intelectual, o nível cultural e o nível da vontade prática e útil foi baixando. Um ou outro homem de maior destaque surgia e desaparecia e a sua obra, quando não morria com ele, morria pouco depois, pois não havia coesão social, por onde se propagasse, nem interesse intelectual, por onde, ao menos, se mantivesse. A Restauração, livrando-nos da maior vergonha externa, não nos livrou, nem trouxe quem nos livrasse, da vergonha interna paralela. Ficámos independentes como país e dependentes como indivíduos. Tornámos a ser portugueses de nacionalidade, mas nunca mais tornámos a ser portugueses de mentalidade. Nem portugueses, nem nada.

Só da obra do Marquês de Pombal alguma coisa ficou, e isso não pela energia do homem, nem mesmo pelas suas grandes qualidades de organizador, mas pelo ponto de apoio comercial do país. No fim deste estudo se verá a que vem esta observação. O que Pombal criou, porém, sumiu-se com as invasões francesas. Depois delas a nossa desnacionalização teve o seu período abísmico: só o nome da nossa independência nos ficou.»

Fernando Pessoa (in António Quadros, «Fernando Pessoa, a Obra e o Homem», II Volume).

 

«Este Ministro [Sebastião José], apesar de tudo quanto disseram dele os seus panegiristas, não talhou um plano útil que honrasse a sua Nação e o seu século.»

Teófilo Braga (««História da Universidade de Coimbra»).

 

«Não dava tréguas à sua jesuitofobia o Conde de Oeiras. Já não havia um jesuíta em Portugal, exceptuados os que jaziam em vários antros, carregados de ferros (…). Habituara-se a matar. A intensidade do seu gozo era decerto maior que a intensidade da agonia dos seus mortos. Matava sempre. Tinha aquele vício, e diria como o feroz ditador romano: “Quando eu não tiver homens que esmagar está concluída a minha missão”».

Camilo Castelo Branco («Perfil do Marquês de Pombal»).






«O próprio Pombal é o Desejado? Não. Fez-se temer, não se fez amar. Cabeça de Bronze, coração de pedra. Moralmente ignóbil, alheio à graça, indiferente à dor. Inteligência vigorosa, material e mecânica, sem voo, sem asas. Um brutamontes, raciocinando claro. Falta-lhe o génio, o dom de sentir, nobreza heróica, vida profunda – humanidade em suma. Máquina apenas. Não criou, produziu. A criação vem do amor, a génese é divina. Criar é amar. Por isso a obra foi a terra. Pulverizou-se: só dura o que vive. Uma raiz esteia mais que um alicerce. Pombal em três dias, num deserto, quis formar um bosque. Como? Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-se com sangue. Apodreceram melhor».

Guerra Junqueiro («Pátria»).

 

«O terramoto fez-se pois homem, e encarnou em Pombal, seu filho.»

Oliveira Martins («História de Portugal»).

 

«O luxo progrediu, e passou por cima das pragmáticas de D. João V e de D. José I, até que o terramoto de 1755 subverteu a maior parte dos grandes patrimónios e reduziu os pequenos à pobreza. Em 1754, apesar das ruas estreitas e declivosas, havia em Lisboa 300 coches, 4 500 seges de particulares, mais de 400 de aluguer, e um grande número de liteiras, paquebotes e cadeiras de mão. O marquês de Pombal escreveu impudentemente que, entrando para o ministério em 1750, achara o Reino pobre e o erário vazio. No ano anterior ao terramoto, D. José I recebeu dos seus direitos quantia superior a 14 milhões de cruzados. Quando Portugal experimentou a suprema e vergonhosa miséria foi no ministério do conde de Oeiras. Em 1759, os soldados que guardavam a porta do conde de Oeiras pediam esmola a quem visitava o ministro; ao embaixador francês, conde de Merle, pediu publicamente esmola um sargento. Em 1762, o embaixador O’Dunne participava ao conde de Choiseul que os sargentos de algumas companhias e um capitão lhe tinham pedido esmola. Em 1759, o Rei, querendo ir para Mafra, e não tendo dinheiro, levantou do depósito público 28 contos de réis; e, no mesmo ano, querendo ir para VilaViçosa, levou o dinheiro apurado na venda dos móveis, pertenças dos jesuítas. (Quadro Elementar, t. VI, p. 144, 153, 171, e, t. VII, p. 150). Também Portugal, em 1756, recebera de Inglaterra uma esmola de 100 000 libras para remediar a catástrofe do terramoto (Quadro Elementar, tom. XVIII, pág. 361). E, quando a tropa portuguesa mendigava aos representantes da França em 1759, pagava o tesouro 36 000 cruzados por dous meses ao cantor Egipcielli, e, pelo mesmo tempo, pregava-se à porta da Alfândega um edital em que D. José I pedia ao País dinheiro emprestado. Que pelintragem! Que rei e que ministro!»

Camilo Castelo Branco («Perfil do Marquês de Pombal»).

 

«No século XVIII entraram em Portugal as doutrinas antiescolásticas que alegavam ser impossível conciliar a experimentação científica e a revelação cristã com o aristotelismo, ou seja, com a filosofia. As traduções e os comentários dos textos de Aristóteles foram expulsos do ensino público em consequência da reforma pombalina da Universidade de Coimbra, efectuada em 1772. O Marquês de Pombal, mais preocupado em definir a nova posição da Universidade perante a Igreja e o Estado, do que em dar nova orientação filosófica aos estudos superiores, não realizou obra que mereça estima dos pedagogistas.»

Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).


«A 1.ª República foi, toda ela, dominada por dois professores universitários: Teófilo Braga (cuja obra de governante, sempre tão exaltada, consistiu substancialmente em aumentar os privilégios da Universidade) e Afonso Costa. A 2.ª República, a salazarista, foi, como ela própria se chegou a denominar, um "governo de professores". E na actual 3.ª República será deveras instrutivo observar como os professores universitários nela se vão infiltrando.»

Orlando Vitorino («Exaltação da Filosofia Derrotada»).

 

«A proliferação de estudos sociais e de estudos sociológicos, em todo o hemisfério designado por ocidental, com a multiplicação de gabinetes, centros, institutos, faculdades e outras escolas, acusa uma tendência doutrinária que me parece perigosa na medida em que tende a minimizar, ou a minorar, os estudos de psicologia. A sociologia sem psicologia conduz à inversão, e portanto à falsificação, dos métodos explicativos e racionais. Ora a UNESCO está impregnada deste sociologismo tão internacionalista como abstracto, contra o qual não podem deixar de opor-se todos os intelectuais religiosos e todos os intelectuais espiritualistas que meditem sobre o destino transcendente da Humanidade.»

Álvaro Ribeiro («O ideal civilizador dos Portugueses é imensamente superior (incomparavelmente superior) àquele que tem sido proclamado na ONU»).

 

«Ministro da Educação no tempo de Marcello Caetano, Veiga Simão foi o agente responsável pelo igualitarismo socialista no plano da organização do ensino. A ele, pois, se deve, sob o abstracto lema da “democratização do ensino”, a subordinação do sistema escolar às directrizes programáticas emanadas de organizações internacionais, em especial da UNESCO e da OCDE.»

Miguel Bruno Duarte («Noemas de Filosofia Portuguesa»).








A instituição universitária só consegue não ser uma instituição caduca por ser uma instituição vazia

 

A política socialista, ininterruptamente prosseguida desde o veiga-simonismo, deixou pois ficar incólume o ensino superior, ou a universidade. Mas já ele havia ficado incólume durante todo o salazarismo. E, antes do salazarismo, durante o republicanismo. E, ainda antes, durante todo o liberalismo da monarquia. De modo que o nosso ensino superior é, substancialmente, o que dele fez o Marquês de Pombal, orientado pelo pensamento iluminista da época, cujos principais representantes – Verney, R. Sanches, Castro Sarmento – são ainda hoje enaltecidos, através dos panegíricos de A. Sérgio e semelhantes, por epígonos de menor saber que se denominam de progressistas. Ao mesmo tempo, ignora-se, ou faz-se ignorar, a linha mais sábia e mais original do pensamento pedagógico e didáctico português, aquela que, preconizando que a organização do ensino se deduz da filosofia que Pombal e os pombalinos de ontem e de hoje decretaram ser «abominável», culminou em Leonardo Coimbra e se prolonga até nossos dias nas obras de Delfim Santos, Santana Dionísio, José Marinho, Agostinho da Silva e Álvaro Ribeiro. Com tudo isto, tornou-se tão patente que a universidade actual é a universidade pombalina que se pôde chegar à anedota de nunca ter havido, em Coimbra, um professor universitário que não fosse parente de outro professor. Entretanto, impõe-se reconhecer que só uma vez a universidade foi, entre nós, objecto de uma contestação essencial e nacional com a consequente proposta da sua radical remodelação condicionada pela prévia extinção das Faculdades e Institutos existentes. Referimo-nos à contestação feita, em 1919, por Leonardo Coimbra, na Câmara dos Deputados da 1.ª República, contestação que, sempre com a hostilidade dos poderes políticos de todos os credos, nunca deixou de ser reafirmada e actualizada pelos discípulos e continuadores do grande pensador.

O que entre nós acontece, acontece em geral nos outros países, embora alguns se tenham conseguido defender melhor do que nós das inevitáveis consequências de um «ensino superior» que, nos últimos decénios, só consegue não ser uma instituição caduca por ser uma instituição vazia. Os professores, agarrados aos privilégios tradicionais do ofício, constituem-se cada vez mais num sindicato de classe e fazem dos corpos docentes universitários uma associação de socorros mútuos. Movidos pela má consciência do seu magistério vazio, confiam a perduração do ofício e a segurança do emprego à adopção de doutrinas cada vez mais acessíveis, mais fáceis e mais degradadas, de doutrinas que tudo vão concedendo à dispensa de preparação cultural, de estudo documental e de reflexão intelectual e que lisonjeiam, portanto, o atrevimento raciocinante da juventude mais apressada, mais oca e mais afirmativa, de doutrinas acessíveis às formas mais comuns da ignorância. As universidades acabaram, deste modo, por se fazerem instrumentos para a formação de comunistas ou criptocomunistas, meios para a divulgação do comunismo do qual já se disse, com irrefutáveis razões, que é «a única doutrina acessível a todos os estúpidos». Assim se criou aquilo que, numa expressão já corrente, se designa por «marxismo universitário», mistura manhosa de comunismo e criptocomunismo que facilitará a obtenção de emprego bem remunerado numa sociedade dominada por complexos socialistas, que satisfará para toda a vida as estreitas carências intelectuais dos alunos menos dotados, mas que será, para os outros, os mais dotados, reflexivos e sérios, um obstáculo ou um malefício de formação escolar a cuja remoção vão ter de dedicar depois os melhores anos da sua vida. Neste momento, alguns membros da oligarquia socialista que domina o nosso país, oferecem-nos já o doloroso espectáculo da luta que travam consigo próprios para removerem de si o marxismo que a universidade lhes instilou; um deles é, precisamente, o Ministro da Educação.

(Orlando Vitorino, Exaltação da Filosofia Derrotada, Guimarães Editores, 1993, pp. 195-196).





Nenhum comentário:

Postar um comentário