Escrito por Orlando Vitorino
![]() |
Navio-Sagres |
![]() |
Gigante Adamastor |
«Onde
quer que se coloque o início da nossa decadência - da decadência resultante do
formidável esforço com que realizámos as descobertas e as conquistas -, aí se
deve colocar o início da grande ruptura de equilíbrio que se deu na vida
nacional. Com a dispersão por todo o mundo e a morte em tantos combates, precisamente daqueles elementos que criavam o nosso progresso, o nosso povo foi
a pouco e pouco ficando reduzido aos elementos apegados ao solo, aos que a
aventura não tentava, a quantos representavam as forças que, numa sociedade, instintivamente
reagem contra todo o avanço. É um dos casos mais visíveis da criação de uma
predominância das forças conservadoras. Com isto, visto à luz do que se
explicou, queda revelado o porquê da nossa decadência.
Todos
os fenómenos se seguiram (...) como o seguimento fatal da
supertradicionalização. O que restava de progressivo desnacionalizou-se
depressa. Cavou-se um abismo entre esses e a maioria do país. Em uns e outros,
o nível intelectual, o nível cultural e o nível da vontade prática e útil foi
baixando. Um ou outro homem de maior destaque surgia e desaparecia e a sua
obra, quando não morria com ele, morria pouco depois, pois não havia coesão
social, por onde se propagasse, nem interesse intelectual, por onde, ao menos, se
mantivesse. A Restauração, livrando-nos da maior vergonha externa, não nos
livrou, nem trouxe quem nos livrasse, da vergonha interna paralela. Ficámos
independentes como país e dependentes como indivíduos. Tornámos a ser
portugueses de nacionalidade, mas nunca mais tornámos a ser portugueses de mentalidade. Nem portugueses, nem nada.
Só
da obra do Marquês de Pombal alguma coisa ficou, e isso não pela energia do
homem, nem mesmo pelas suas grandes qualidades de organizador, mas pelo ponto
de apoio comercial do país. No fim deste estudo se verá a que vem esta
observação. O que Pombal criou, porém, sumiu-se com as invasões francesas.
Depois delas a nossa desnacionalização teve o seu período abísmico: só o nome
da nossa independência nos ficou.»
Fernando Pessoa (in António Quadros, «Fernando Pessoa, a Obra e o Homem», II Volume).
«Este
Ministro [Sebastião José], apesar de tudo quanto disseram dele os seus
panegiristas, não talhou um plano útil que honrasse a sua Nação e o seu século.»
Teófilo
Braga (««História da Universidade de Coimbra»).
«Não
dava tréguas à sua jesuitofobia o Conde de Oeiras. Já não havia um jesuíta em
Portugal, exceptuados os que jaziam em vários antros, carregados de ferros (…).
Habituara-se a matar. A intensidade do seu gozo era decerto maior que a
intensidade da agonia dos seus mortos. Matava sempre. Tinha aquele vício, e
diria como o feroz ditador romano: “Quando eu não tiver homens que esmagar está
concluída a minha missão”».
Camilo Castelo Branco («Perfil do Marquês de Pombal»).
«O
próprio Pombal é o Desejado? Não. Fez-se temer, não se fez amar. Cabeça de
Bronze, coração de pedra. Moralmente ignóbil, alheio à graça, indiferente à
dor. Inteligência vigorosa, material e mecânica, sem voo, sem asas. Um
brutamontes, raciocinando claro. Falta-lhe o génio, o dom de sentir, nobreza
heróica, vida profunda – humanidade em suma. Máquina apenas. Não criou,
produziu. A criação vem do amor, a génese é divina. Criar é amar. Por isso a
obra foi a terra. Pulverizou-se: só dura o que vive. Uma raiz esteia mais que
um alicerce. Pombal em três dias, num deserto, quis formar um bosque. Como?
Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-se com sangue. Apodreceram
melhor».
Guerra Junqueiro («Pátria»).
«O
terramoto fez-se pois homem, e encarnou em Pombal, seu filho.»
Oliveira Martins («História de Portugal»).
«O
luxo progrediu, e passou por cima das pragmáticas de D. João V e de D. José I,
até que o terramoto de 1755 subverteu a maior parte dos grandes patrimónios e
reduziu os pequenos à pobreza. Em 1754, apesar das ruas estreitas e declivosas,
havia em Lisboa 300 coches, 4 500 seges de particulares, mais de 400 de
aluguer, e um grande número de liteiras, paquebotes e cadeiras de mão. O
marquês de Pombal escreveu impudentemente que, entrando para o ministério em
1750, achara o Reino pobre e o erário vazio. No ano anterior ao terramoto, D.
José I recebeu dos seus direitos quantia superior a 14 milhões de cruzados.
Quando Portugal experimentou a suprema e vergonhosa miséria foi no ministério
do conde de Oeiras. Em 1759, os soldados que guardavam a porta do conde de Oeiras
pediam esmola a quem visitava o ministro; ao embaixador francês, conde de
Merle, pediu publicamente esmola um sargento. Em 1762, o embaixador O’Dunne
participava ao conde de Choiseul que os sargentos de algumas companhias e um
capitão lhe tinham pedido esmola. Em 1759, o Rei, querendo ir para Mafra, e não
tendo dinheiro, levantou do depósito público 28 contos de réis; e, no mesmo
ano, querendo ir para VilaViçosa, levou o dinheiro apurado na venda dos móveis,
pertenças dos jesuítas. (Quadro Elementar,
t. VI, p. 144, 153, 171, e, t. VII, p. 150). Também Portugal, em 1756, recebera
de Inglaterra uma esmola de 100 000 libras para remediar a catástrofe do
terramoto (Quadro Elementar, tom.
XVIII, pág. 361). E, quando a tropa portuguesa mendigava aos representantes da
França em 1759, pagava o tesouro 36 000 cruzados por dous meses ao cantor
Egipcielli, e, pelo mesmo tempo, pregava-se à porta da Alfândega um edital em
que D. José I pedia ao País dinheiro emprestado. Que pelintragem! Que rei e que
ministro!»
Camilo
Castelo Branco («Perfil do Marquês de Pombal»).
«No
século XVIII entraram em Portugal as doutrinas antiescolásticas que alegavam
ser impossível conciliar a experimentação científica e a revelação cristã com o
aristotelismo, ou seja, com a filosofia. As traduções e os comentários dos
textos de Aristóteles foram expulsos do ensino público em consequência da
reforma pombalina da Universidade de Coimbra, efectuada em 1772. O Marquês de
Pombal, mais preocupado em definir a nova posição da Universidade perante a
Igreja e o Estado, do que em dar nova orientação filosófica aos estudos
superiores, não realizou obra que mereça estima dos pedagogistas.»
Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).
«A
1.ª República foi, toda ela, dominada por dois professores universitários:
Teófilo Braga (cuja obra de governante, sempre tão exaltada, consistiu
substancialmente em aumentar os privilégios da Universidade) e Afonso Costa. A
2.ª República, a salazarista, foi, como ela própria se chegou a denominar, um "governo de professores". E na actual 3.ª República será deveras instrutivo
observar como os professores universitários nela se vão infiltrando.»
Orlando Vitorino («Exaltação da Filosofia Derrotada»).
«A
proliferação de estudos sociais e de estudos sociológicos, em todo o hemisfério
designado por ocidental, com a multiplicação de gabinetes, centros, institutos,
faculdades e outras escolas, acusa uma tendência doutrinária que me parece perigosa
na medida em que tende a minimizar, ou a minorar, os estudos de psicologia. A
sociologia sem psicologia conduz à inversão, e portanto à falsificação, dos
métodos explicativos e racionais. Ora a UNESCO está impregnada deste
sociologismo tão internacionalista como abstracto, contra o qual não podem
deixar de opor-se todos os intelectuais religiosos e todos os intelectuais
espiritualistas que meditem sobre o destino transcendente da Humanidade.»
Álvaro Ribeiro («O ideal civilizador dos Portugueses é imensamente superior (incomparavelmente superior) àquele que tem sido proclamado na ONU»).
«Ministro
da Educação no tempo de Marcello Caetano, Veiga Simão foi o agente responsável
pelo igualitarismo socialista no plano da organização do ensino. A ele, pois,
se deve, sob o abstracto lema da “democratização do ensino”, a subordinação do
sistema escolar às directrizes programáticas emanadas de organizações
internacionais, em especial da UNESCO e da OCDE.»
Miguel Bruno Duarte («Noemas de Filosofia Portuguesa»).
A instituição universitária só consegue não ser uma instituição caduca por ser uma instituição vazia
A
política socialista, ininterruptamente prosseguida desde o veiga-simonismo,
deixou pois ficar incólume o ensino superior, ou a universidade. Mas já ele
havia ficado incólume durante todo o salazarismo. E, antes do salazarismo,
durante o republicanismo. E, ainda antes, durante todo o liberalismo da
monarquia. De modo que o nosso ensino superior é, substancialmente, o que dele
fez o Marquês de Pombal, orientado pelo pensamento iluminista da época, cujos
principais representantes – Verney, R. Sanches, Castro Sarmento – são ainda
hoje enaltecidos, através dos panegíricos de A. Sérgio e semelhantes, por
epígonos de menor saber que se denominam de progressistas. Ao mesmo tempo,
ignora-se, ou faz-se ignorar, a linha mais sábia e mais original do pensamento
pedagógico e didáctico português, aquela que, preconizando que a organização do
ensino se deduz da filosofia que Pombal e os pombalinos de ontem e de hoje
decretaram ser «abominável», culminou em Leonardo Coimbra e se prolonga até
nossos dias nas obras de Delfim Santos, Santana Dionísio, José Marinho,
Agostinho da Silva e Álvaro Ribeiro. Com tudo isto, tornou-se tão patente que a
universidade actual é a universidade pombalina que se pôde chegar à anedota de
nunca ter havido, em Coimbra, um professor universitário que não fosse parente
de outro professor. Entretanto, impõe-se reconhecer que só uma vez a
universidade foi, entre nós, objecto de uma contestação essencial e nacional
com a consequente proposta da sua radical remodelação condicionada pela prévia
extinção das Faculdades e Institutos existentes. Referimo-nos à contestação
feita, em 1919, por Leonardo Coimbra, na Câmara dos Deputados da 1.ª República,
contestação que, sempre com a hostilidade dos poderes políticos de todos os
credos, nunca deixou de ser reafirmada e actualizada pelos discípulos e
continuadores do grande pensador.
O
que entre nós acontece, acontece em geral nos outros países, embora alguns se
tenham conseguido defender melhor do que nós das inevitáveis consequências de
um «ensino superior» que, nos últimos decénios, só consegue não ser uma
instituição caduca por ser uma instituição vazia. Os professores, agarrados aos
privilégios tradicionais do ofício, constituem-se cada vez mais num sindicato
de classe e fazem dos corpos docentes universitários uma associação de socorros
mútuos. Movidos pela má consciência do seu magistério vazio, confiam a
perduração do ofício e a segurança do emprego à adopção de doutrinas cada vez
mais acessíveis, mais fáceis e mais degradadas, de doutrinas que tudo vão concedendo
à dispensa de preparação cultural, de estudo documental e de reflexão
intelectual e que lisonjeiam, portanto, o atrevimento raciocinante da juventude
mais apressada, mais oca e mais afirmativa, de doutrinas acessíveis às formas
mais comuns da ignorância. As universidades acabaram, deste modo, por se
fazerem instrumentos para a formação de comunistas ou criptocomunistas, meios
para a divulgação do comunismo do qual já se disse, com irrefutáveis razões,
que é «a única doutrina acessível a
todos os estúpidos». Assim se criou aquilo que, numa expressão já corrente, se
designa por «marxismo universitário», mistura manhosa de comunismo e
criptocomunismo que facilitará a obtenção de emprego bem remunerado numa
sociedade dominada por complexos socialistas, que satisfará para toda a vida as
estreitas carências intelectuais dos alunos menos dotados, mas que será, para
os outros, os mais dotados, reflexivos e sérios, um obstáculo ou um malefício
de formação escolar a cuja remoção vão ter de dedicar depois os melhores anos
da sua vida. Neste momento, alguns membros da oligarquia socialista que domina o nosso país, oferecem-nos já o doloroso espectáculo da luta que travam consigo
próprios para removerem de si o marxismo que a universidade lhes instilou; um
deles é, precisamente, o Ministro da Educação.
(Orlando Vitorino, Exaltação da Filosofia Derrotada, Guimarães Editores, 1993, pp. 195-196).
![]() |
Nenhum comentário:
Postar um comentário