A
plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é
ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.
1.
A única realidade social é o indivíduo, por isso mesmo que ele é a única
realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma
simples ideia. Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente. Só por
metáfora ou em linguagem translata se pode aludir ao pensamento ou ao
sentimento de uma colectividade. Dizer que Portugal pensa, ou que a humanidade
sente é tão razoável como dizer que Portugal se penteia ou que a humanidade se
assoa.
2.
Sendo o indivíduo a única realidade social, não é todavia o único elemento
social. Esse indivíduo vive em dois meios ou ambientes – um o ambiente físico,
outro o ambiente social, ou sociedade. É esse o valor do elemento sociedade – é
o meio, um dos meios, em que o indivíduo vive. O sábio realismo de Aristóteles
viu isto bem; e assim se assentou a tese política grega – que a sociedade
existe para o indivíduo, que não o indivíduo para a sociedade.
Sendo
o indivíduo a única realidade social, é o egoísmo a única qualidade real, embora,
por disfarces vários e artifícios diversos se construíssem, no decurso da evolução
social (não digo do progresso, porque não sei – nem ninguém sabe – se existe
progresso) sentimentos altruístas, afinamentos dos instintos.
Para
que o indivíduo possa ter uma vida social que lhe seja um elemento de
desenvolvimento, ou, em outras palavras, para que a sociedade seja um ambiente
favorável ao desenvolvimento do indivíduo, é forçoso que se faça assentar essa
sociedade num conceito egoísta. Assim se formam naturalmente nações. A nação é
o segundo elemento social primário. Os homens não se agrupam fraternitariamente
senão por oposição. Sempre nos unimos para nos opormos. Isto é, aliás, um
princípio lógico: definir é limitar.
(In
António Quadros, Fernando Pessoa – A Obra
e o Homem, II Vol., Arcádia, 1.º edição, 1982, pp. 209-210).
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