terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Portugal e o iberismo (i)

Escrito por Franco Nogueira




Mosteiro da Batalha (Portal das Capelas Imperfeitas).


Encontrar perante si a Espanha deveria constituir para Portugal simples fatalidade geográfica. Mas esta justifica destaque especial; e isso porque do facto se procuram extrair, para lá da fronteira, consequências fundamentais. E estas podem resumir-se em palavras breves: a Espanha quer obter a coincidência da geopolítica e da geoestratégia na Península. De outro modo: Madrid pretende eliminar na Península qualquer dualidade de soberania. Se há na dialéctica peninsular uma constante, é o desejo, o objectivo, a obsessão espanhola de corrigir o que considera a anomalia de um Portugal independente. Essa atitude de sentimento, de pensamento e de acção atravessou os séculos; e foi sempre vivaz. Em páginas anteriores foram sublinhados alguns traços daquela realidade. Mas esta é para Portugal tão decisiva que lhe cabe um tratamento à parte, ainda que sob pena de repisar uma outra minúcia. Por isso se tenta alargar o esboço de um quadro a que os Portugueses devem estar atentos. No fundo, é sempre o problema do iberismo que está em causa. Importa não acalentar ilusões: é questão cíclica na vida portuguesa: e da sua exegese devemos extrair as linhas permanentes, que são essenciais. Na verdade, o iberismo é apresentado dos dois lados da fronteira, e defendido, ainda que com alcance diferente e com propósitos que por equívoco deliberado se mostram diversos. Mas num caso e noutro, surge como teoria e como objectivo. Como teoria, elabora e depois invoca as raízes de si próprio: a unidade geográfica da Península, o carácter ou a etnia hispânica dos seus habitantes, a inerente vocação centralizadora da Meseta Castelhana, a relativa afinidade cultural, um certo passado histórico comum ainda que remoto em demasia: e todos estes ângulos são tomados como supremos, absolutos, determinantes. Como objectivo, o iberismo pretende, de parte espanhola, incorporar Portugal e terminar com a rebeldia (1); e de parte portuguesa, por embate de vicissitudes emocionais provocadas por acontecimentos exteriores, ou por crises internas, ou até por oportunismo e cobiça de lucro que parece fácil e sem servidões, busca-se aliança, colaboração, federação, ou até integração na Espanha. Para os que que assim pensam, são alvos sucessivos ou simultâneos os de obter apoio contra o que, de momento e por motivos ocasionais, se mostrar ou for tomado como inimigo, ou de reforçar a posição portuguesa, ou de conseguir benefícios materiais à custa de Espanha, supondo que esta se não apercebe e que em troca não exige e não impõe uma subordinação. E tudo isto presume que se acredita na boa-fé pelo lado da Espanha. Simplesmente a Espanha, por princípio, nunca pode estar de boa-fé: porque o alvo último que prossegue não pode ser confessado, nem explicitados os motivos que a impelem. Não pode a Espanha admitir, com efeito, que o seu propósito é o de sobrepor a geopolítica à geoestratégia da Península. Quando o alcançar, sabe que desaparecerá Portugal.






Batalha de Aljubarrota


Este esquema é rigorosamente verdadeiro através da História. (...) Em épocas idas, o iberismo afirmava-se mais descarnado; e identificava-se, muito singelamente, com a ameaça directa, a pressão imediata, a hostilidade ostensiva contra Portugal. Não caberá aqui pormenorizar os esforços tenazes de Leão e Castela para destruírem o novo reino que se proclamara na faixa ocidental da Península. Será de repetir, no entanto, que do facto teve clara percepção o Rei fundador: casou com uma princesa não-peninsular; jamais compareceu nas cortes das Hespanhas, deixou sempre devoluto o lugar reservado a Portugal, e não enviava sequer representante, ou pendão. Durante a primeira dinastia, foram numerosas as tentativas castelhanas. Algumas estiveram a ponto de triunfar: eram épocas em que Portugal atravessava fases de fraqueza ou insensibilidade. E sabemos como tudo teve os seu desfecho dramático em Aljubarrota. Seguimos já, num quadro rápido, os ângulos essenciais da batalha, e suas consequências internas e externas. Em Aljubarrota, para Oliveira Martins, nasce Portugal como nação independente. Mas a ameaça e a agressão frustradas naquele embate não se extinguiram: é da essência do iberismo espanhol a sua constância. Na verdade, e após o papel mundial que desempenharam os Portugueses - como portugueses e não como peninsulares ou europeus - entra-se de novo em crepúsculo nacional. Foi a política mole. Esta traduz-se numa incapacidade de visão autónoma dos interesses nacionais permanentes, para além de episódios ou situações efémeras, e numa confiança na protecção de estruturas internacionais a que se atribui um carácter sacrossanto e eterno. Iluminado pelo clarão divinatório do homem de génio, Camões pressentiu o destino de um Portugal carcomido no seu cerne. Objectivos alheios, firmados em forças estrangeiras, encontram apoio e colaboração de agentes internos; e na solução de problemas portugueses são os interesses de terceiros que contam e se impõem, e não mais os de Portugal. Já se aludiu ao comportamento da corte de D. Manuel I, e ao seu estrangeirismo, ao seu espanholismo. Era então prova de superioridade, de modernismo, de muito alto espírito, sentir e actuar e decidir em termos peninsulares e não portugueses. Para mais, e durante longo tempo, foi desastrosa a política de casamentos reais prosseguida; e tão complexa e cruzada que todos se tornavam parentes de todos, e cada um ficava subordinado aos demais (2). Depois, tudo se degradou com D. João III, graças sobretudo à política castelhana de D. Catarina de Áustria, a rainha. E foi finalmente, como agravante da crise de política mole, a senilidade e a doença de D. Henrique. Se tivesse havido a afirmação nítida e firme de um querer colectivo de independência; se o orgulho e a altivez não se tivessem desvanecido entre os Portugueses; se estes não acolhessem com favor a Cristovão de Moura, e à corrupção que administrava em nome de Filipe II de Espanha; se o Rei Católico se sentisse convencido de que encontraria pela sua frente todo um povo disposto a bater-se - acaso o desenrolar da história haveria sido outro. Aliás, é significativa a semelhança entre as crises de 1385 e de 1580. Versatilidade e fraqueza de D. Fernando, caquexia e pusilanimidade de D. Henrique; a ambição pessoal de D. Leonor Teles e de Catarina de Áustria; num transe e noutro o escol toma partido de Castela. E há mais um traço afim: o temor reverencial perante ideias de terceiros, a impressão que no carácter português causam as verdades lançadas por outros, e a crença, cega e acrítica, nos mitos apregoados além fronteiras. Nos dois momentos históricos, Portugal foi arrastado, e vítima, do sacralismo atribuído às leis de sucessão ao trono, tal como prescritas pela Europa, e ainda que estas levassem ao trono português um rei estrangeiro. E por que foi diferente a solução dos dois lances? Em 1385, o povo produziu os seus chefes; estes não surgiram em 1580. Febo Moniz não frisou com o génio político de Álvaro Pais, nem soube como este ser o homem de Estado que tudo arrisca numa só parada, em que tudo pode perder e tudo pode ganhar; entre D. António, Prior do Crato, um acomodatício se lho houvessem consentido, e mesmo um colaborador se tivesse sido satisfeito o seu preço, e Nuno Álvares, o moço condestável com espírito e ânimo de cavaleiro de távola redonda, existia um abismo intransponível; e o papel de João das Regras, ao criar uma ordem político-jurídica só portuguesa, não teve sombra de equivalente em 1580. E foram sóbrias, e modestas as cortes de Coimbra, deliberando sob uma angústia de perigo estrangeiro e a necessidade de lhe fazer frente. Mas as cortes de Tomar, para aceitarem o juramento de Filipe de Espanha, foram, como já sublinhado atrás, um grande espectáculo: entre os luxo das tapeçarias, dos atavios, das pratas, dos mantos dos grandes dias, estavam os arcebispos de Lisboa, Évora, Braga; os bispos de Coimbra, Portalegre, Porto, Viseu, Elvas, Miranda, Lamego; não compareceu o bispo da Guarda; ostentavam-se os grandes do Reino, os duques de Bragança, de Aveiro; os marqueses de Vila Real, os condes de Castanheira, Tentúgal, Linhares, Vidigueira; o barão de Alvito; os altos dignitários palatinos, os chefes militares, os membros dos corpos constituídos, os vogais do Conselho de Estado; e outros, e outros, do escol dirigente. Foi edificante. Tinham boa razão Filipe II e seus sucessores: referiam-se a Portugal como seu «vassalo». Foi iberismo descarnado: centralizador, integracionista, anexionista por parte da Espanha: e ingénuo, oportunista e subalterno por parte de Portugal.

D. Nun' Álvares Pereira


(...) Na realidade, do iberismo como teoria, como doutrina, ou do anti-iberismo como posição política ou como sentimento popular, encontramos mil expressões durante toda a segunda metade do século XIX. São quadros sucessivos que se sobrepõem, ou continuam os quadros que ficaram resumidos. Persiste na sua actividade a Liga Hispano-Lusitana: afirma-se uma associação para disseminar o pensamento da união ibérica: e sugere que se comece, entre outros domínios, pela união postal, telegráfica, pedagógica, construção de estradas, e pelo estabelecimento de propriedade literária e artística comum. Surge o Porvir Hispano-Lusitano, publicado em Vigo, que advoga o estreitamento de relações entre os dois países (iniciativa análoga foi agora tomada (1992) pelo Faro de Vigo e secundada do lado português, para publicação de um jornal Sem Fronteiras); e é O Iberismo ou a Fusão das nacionalidades, editado em Madrid por Nuñez Amor. Também em Portugal: é a Confederação ibérica - bases para um tratado de aliança ofensiva e defensiva, e liberdade de comércio entre Portugal e Hespanha; é a União Ibérica, ou reflexões sobre a união dos dois povos da Península, de Joaquim Ribeiro; é a colectânea de artigos do Arquivo Nacional sobre a União Ibérica, precedida de «considerações» feitas pelo «Ex.mo Sr. Conselheiro Latino Coelho, actual ministro da Marinha de Portugal», e publicado no Rio de Janeiro. Muitas outras manifestações se poderiam citar. Tudo suscita em Portugal uma reacção vigorosa, e hostil. Destaquem-se os Ecos de Aljubarrota, de Guilherme Braga; o Opúsculo Anti-ibérico, de Luciano Cordeiro; a Pátria contra a Ibéria, de Eugénio de Castilho; a Lyra Civica, de Alberto Pimentel, que se apresenta como poesia anti-ibérica; o Brado contra a Ibéria, poesia de Baptista Machado, declamada no Variedades pelo actor Abel; e a esmo pululam os protestos, as refutações, as respostas, em defesa da independência nacional. Muito se poderia citar. No seu Dicionário, tomo X, Inocência menciona cerca de cento e cinquenta títulos, entre livros, manifestos, separatas, folhetos, mil outras publicações similares. Mas nesta segunda metade do século XIX, pelo fulgor da sua obra e pelo seu prestígio, um realce especial tem de ser dedicado a Oliveira Martins. Através de quanto escreveu podemos destacar os traços da sua teorização iberista. Mas o Portugal Contemporâneo, em que foi «atraente demolidor» (Fidelino de Figueiredo), condensa talvez, melhor do que noutros passos, o pensamento do autor da História da Civilização Ibérica. Para Oliveira Martins, «mais ou menos, um ou outro dia, todas as nações pequenas tiveram a recear a perda da independência»; e, no que toca a Portugal, «sucede que, no decurso de uma história de já quase oitocentos anos, é constante o sentimento, ou de medo, ou de esperança em uma fusão no corpo da nação vizinha».Depois, Oliveira Martins suscita as dúvidas, sublinha as contradições. Faz uma afirmação de alta gravidade, e lucidez: «Estamos à mercê do concerto europeu, que pode decretar o nosso desaparecimento e encarregar a Espanha de cumprir o decreto». É exacto também, todavia, «que a sentença apenas se executaria por vontade nossa». Oliveira Martins parece deste modo identificar e equacionar independência nacional com vontade nacional e consciência nacional: nestas assentaria a raiz da soberania portuguesa. É, de outra forma, a velha tese de Herculano: somos independentes porque queremos ser independentes. Por outro lado, continua o grande poeta da História, «o português emigra, desnacionaliza-se; mas remete para o reino muito dinheiro. Defende-nos a protecção da Inglaterra; mas também nos defendem sete séculos de história, e uma língua diferenciada, e um Camões». Qual a síntese? Responde o cronista da História da República Romana: «Para nos fundirmos com a Espanha, somos demasiados; e para um dualismo em pé de igualdade, somos poucos». Quanto a Lisboa, «é pedra fundamental neste quadro: o porto, o estuário, a situação geográfica, a alma da cidade, justificam e impõem uma nação em redor: e Cádis e Vigo não tolerariam que ali se estabelecesse a capital peninsular». Entretanto, «vamos indo, vamos vivendo». Corre o tempo, todavia, e Oliveira Martins observa, estuda, esclarece-se, pondera: começa a encarar a outra luz a realidade: compreende que o iberismo por parte da Espanha traduz, tem de reduzir um objectivo diverso e oposto: e trata-se de buscar a fusão, a incorporação, a anexação de Portugal. Martins descobre também que por detrás de cada espanhol paira um conde-duque de Olivares. Num volume de dispersos, escreve: «A união ibérica não é hoje o programa de nenhum dos partidos espanhóis, mas é o instinto de todos»; «a ambição inconsciente de hoje é o plano de amanhã, para ser o propósito do dia seguinte». Oliveira Martins formula uma nova síntese expressiva: «à medida que a ideia se define, acentua-se a energia da acção: amizade primeiro, pressão depois, violência final». E quanto a Portugal? Desabafa o grande vencido da vida numa angústia pungente: «se, bem governados, tivéssemos alguma centelha de patriotismo sério e firme, e algum vislumbre de discrição previdente, não havia talvez que temer para breve. Mas se, pelo contrário, somos nós próprios, os nossos capitais e as nossas companhias, que fazemos o jogo da Espanha!» E Portugal perante a Europa, neste contexto? Também nos responde e ilumina Oliveira Martins: «Importa pouco ou nada à Europa que a Espanha tenha dois reinos ou um só. É para nós positivo que nenhuma das potências europeias dispararia um tiro (em defesa de Portugal); é óbvio, pois, que o interesse recíproco de Espanha e de Portugal está em que nenhum de nós pense, nem de longe, em aventuras perigosas para o futuro de ambos». Oliveira Martins atenta mais fundamente na dimensão portuguesa: escreve Portugal nos Mares, Portugal em África, ainda outros volumes. Tudo visto, porém, os grandes temas que desde o início saciam o espírito de Oliveira Martins são uma Vida de Nuno Álvares, uns Filhos de D. João I, um Camões, um Febo Moniz. E se elaborara a História da Civilização Ibérica, escreve agora as Cartas Peninsulares, não as cartas ibéricas. Em Oliveira Martins, ao fim e ao cabo, triunfara sempre a estrutura medular portuguesa: e na sua maturidade era um patriota.



D. Nun' Álvares Pereira







De forma mais idílica, ou mais quimérica, ou mais ingénua, outros enveredaram, em momentos mais ou menos fugazes, pelo iberismo como doutrina e solução de crises e males nacionais. Latino Coelho foi um dos seus arautos, mesmo muito para além do seu tempo de juventude. De Latino escreveu Fidelino de Figueiredo (pp. 12 e 14 do prefácio ao volume Literatura e História) que não teve dificuldade em conciliar o «seu sentimento português com o credo iberista», de que foi «propugnador e o último castelhanista de categoria». Latino admira os rasgos portugueses no Vasco da Gama, no Fernão de Magalhães; mas considera que entrara no ocaso o povo português; e no Cervantes e outros escritos surge a miragem iberista. Esta aparece mais nítida no prólogo que Latino escreve, aquando da sua publicação, para a Memória que entretanto Sinibaldo de Más lançara em favor da união ibérica; e a ideia de fazer dos dois reinos da Península uma nação só, agrada a Latino (Teixeira de Vasconcelos, 44, prefácio de Fernão de Magalhães). Sinibaldo de Más, por outro lado, confessava agora que este iberismo não fora ideia sua. Representara a Espanha na China, fora a Macau em mais de uma ocasião; avistara-se com o bispo português D. Jerónimo da Matta; e este convida Sinibaldo para jantar, num bilhete que diz: «seremos poucos mas todos ibéricos». E ao fim do repasto o bispo brinda à união de Portugal à Espanha (Inocêncio, Dicionário, X, 36, 37). Santarém seria a capital da nova nação - porque ficava ao abrigo de ataques da esquadra britânica. Regressado à Europa, Sinibaldo compõe então a memória que Latino prefacia e aplaude. Como prefacia também a União Ibérica de Xisto Carmona. Mas inteiramente diverso foi o iberismo a que, numa segunda fase da sua vida, sucumbiu Teófilo Braga. Este via a raça latina enfraquecida pela divisão, e fiava o seu salvamento de um confederalismo amplo, e republicano para começar. Algum tempo mais além, Teófilo submete às Constituintes da I República um projecto de Constituição para Portugal, e aí se afirma da forma mais solene ser inviolável a fronteira tradicional portuguesa, e intangível a soberania de Portugal. Pela união ibérica manifesta Teófilo uma «aversão implacável» (A Pátria Portuguesa, XIII). E a solução federal? Para que esta fosse viável seria indispensável que «a Espanha se despoje dos atavismos que a dominam, e que é já a única nação a sustentá-los»; e «Portugal poderá unir-se à Espanha debaixo da forma federativa, em que cada um conserve perfeitamente a sua personalidade» (Raul Brandão, Vale de Josafat, 39, 40). Há assim em Teófilo uma ambiguidade, um equívoco, uma tergiversação, ao sabor de circunstâncias políticas e impressões de momento. E alguns dos aspectos do iberismo de Teófilo podem ser equiparados aos do iberismo de Antero de Quental. Este era mais utópico, e idílico, e romântico. Para o autor dos Sonetos, havia que repudiar «o espírito moral do passado»; estava-se agora perante a «transição para o novo mundo industrial»; e a este «pertencia o futuro»; os Portugueses eram «raça decaída por termos rejeitado o espírito moderno»; a humanidade encontrava-se na soleira de uma «sociedade nova»; e de «um mundo novo». E porque se lhe antolhavam comuns a Portugal e a Espanha os factores de decadência, num federalismo ibérico confiava Antero a revitalização de toda a Península. Em Antero, o iberismo foi sucessivamente sonho, ingénua inspiração revolucionária, concepção intelectualmente teorizada, e ao fim e ao cabo uma desilusão amarga e completa. «Portugal era membro amputado desnecessariamente, ainda que sem violência, do grande corpo da Península Ibérica» (Prosas, II, 46, 47); mas a revolução uniria Portugal e a Espanha; e pondo de parte toda a poesia e toda a sentimentalidade, Antero contentar-se-ia em «afirmar aos patriotas portugueses esta verdade de simples bom-senso; que, nas actuais circunstâncias, o único acto possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade» (Prosas, II, 82); depois, Antero conspira, com José Fontana e outros, a favor da união ibérica; e por 1868, publica um folheto que advoga uma República Federal, então defendida em Espanha por Castelar, Pi y Margall e uma maioria nas Cortes Constituintes. Entre 1875-1876, Antero lança, com Jaime Batalha Reis, a Revista Ocidental, destinada a reunir elementos para uma «nova renascença intelectual da península» e formar novas escolas portuguesa e espanhola, porque «aos espanhóis e aos portugueses há hoje a apresentar as mesmas ideias pelos mesmos meios» (Prosas, II, 275). Grandes nomes de portugueses prometiam a sua colaboração, iberistas e não iberistas: António Enes, Barros Gomes, Bulhão Pato, José Falcão, Eça, Latino Coelho, Luciano Cordeiro, Fuschini, Ramalho, Oliveira Martins, Pinheiro Chagas, Junqueiro, ainda outros; e do lado espanhol, surgem Angel Fernandez de los Rios, Carlos Vicuña, Pi y Margall, Juan Valera, Amador de los Rios, Luiz de Lugo, Rafael de Labra, Zuniga, Juan de Ariza, alguns mais. Mas tudo para Antero se liquidou numa grande desilusão: afundou-se e desvaneceu-se o seu iberismo à «força de golpes brutais e repetidos da experiência (Carta Wilhelm Storck, S. Miguel, 1887). Para um venerador de Antero, Eça de Queirós, como para outros vencidos da vida, o iberismo era apenas literário, talvez cabotino, sobretudo instrumento de irreverência contra os poderes constituídos. Como não recordar a famosa imprecação de João da Ega: «Deus de Ourique, manda-nos o castelhano». E como Damaso dissesse que fugia logo para Paris, Carlos da Maia, muito sério, replica: «não senhor, ninguém há-de fugir e há-de-se morrer bem» (cito de memória). Mas já assume outro matiz o iberismo de Fialho de Almeida: este foi abstractamente saudosista do que, na imaginação de cada um, poderia ter sido e não foi. Sim: para Fialho, foi «um erro deplorável» separar Portugal da Espanha. E isso porque os «dois países reunidos ficariam na carta com uma massa de território maior que a França, e as suas colónias somadas dariam um domínio colonial superior ao da Inglaterra (F. de A., Ave Migradora, 213). Da Espanha, escrevia Fialho, separavam-nos apenas «uma ilusão óptica de políticos»; juntos haveriam tido a «pujança de uma espécie de Rússia do Ocidente» composta de «pequenas repúblicas solidárias e autónomas»; e se tudo se ligasse à França, ter-se-ia um «colosso novo», «regulador dos destinos do mundo», «com esquadras temerosas», «pitorescas cidades», todas «as riquezas da indústria e da arte», e tudo rejuvenescido «pelas águas lustrais da democracia pura» (F. de A., Os Gatos, I, 249-250). Este iberismo de Fialho, se tentarmos ver o fundo das coisas, era imperial; queria manter e alargar um domínio colonial; partia de uma superioridade sobre tudo o mais, acaso até com um laivo de racismo; o colosso a construir seria o centro do mundo; e era formado por um complexo de republicanismo, de literatura, de gosto em ofender e afrontar as classes dirigentes, e de ressentimento. E era sobretudo edénico, fantástico, paradisíaco, entretecido de ignorância da história e de inconsciência da realidade.



Guerra Junqueiro



Mostraram pela mesma altura toques de iberismo - por republicanismo, ingenuidade, emoção, indigência ideológica, boa-fé mal informada, ainda outros motivos fortuitos - homens como Jaime e Sebastião Magalhães Lima, Guerra Junqueiro, Cunha e Costa, outros ainda. Mas ver-se-á que se tratava de uma titude episódica, ligada a acontecimentos fora do comum, e que faziam estremecer a grei. No fundo, não estavam a par da verdadeira dimensão e do propósito real do iberismo espanhol: quando se apercebiam das realidades, arrepiavam caminho e volviam-se em portugueses. (Para propósitos diversos e sob ângulos diferentes, pode ver-se o estudo A Questão Ibérica na Segunda Metade do Século XIX, de Fernando Catroga).

(in Juízo Final, Livraria Civilização Editora, 2000, pp. 95-98 e 108-09).


Notas:

(1) É palavra usada pela generalidade dos iberistas espanhóis.

(2) Para que o leitor de hoje, que despreza a História, possa ter uma remota ideia do que foi a subtileza dessa política casementeira, recolho do insuspeito Quintanar, Diálogo Peninsular, alguns passos: «Chegamos ao auge do transe tremendo da unidade (peninsular) com D. Manuel I, que casa duas filhas dos Reis Católicos, Isabel e Maria, e como uma irmã de Carlos V» ; mas «D. Manuel passa, e passa D. João III, e neste momento há todo um conjunto de noivas na Europa, solteiras ou viúvas» e «também um exército de pretendentes europeus» e entre estes avultam Sebastião de Portugal e «acima de todos Filipe de Espanha». Note-se que na altura D. Sebastião era ainda uma criança; mas o seu nome e o de outros entravam já no cálculo de alianças matrimoniais.

Continua


4 comentários:

  1. Muito bom o texto.De facto Franco Nogueira era um homem notavel e o que diz permanece como uma ante visão do que estamos vivendo e actualissímo. parabéns pela postagem!

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  2. Jamás ha existido país que haya ignorado más a otro que España a Portugal. No podéis entender que jamás hemos querido nada, pasamos de vosotros y es lo que no os cabe en esa dura cabeza que tenéis. Sois una panda de obsesionados y os lo tenéis que hacer ver. Ójala que hubiérais tenido a rusos o alemanes como vecinos.

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  3. Treta e pura tontería. Mira: «…quando cadete em Toledo, Franco escolhera como problema para o exercício do seu final de curso o tema: “Como se ocupa Portugal em 28 dias”. Para a época, e com os meios convencionais dos princípios do século, foi havido por notável pelo Estado-Maior espanhol. Salazar sabia-o» (in Franco Nogueira, «Salazar», III).

    Es tan sólo um ejemplo entre muchos más. Dura, pesada y venenosa cabeza tienen ustedes… una panda de hipócritas como nadie.

    Además, no fuese la política peninsular orientada por Salazar y todos vosotros habían sido arrebatados por los nazis y los fascistas. Te gusta la verdad?

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  4. O iberismo é uma praga instalada desde que o reino de Portugal teve a ousadia de seguir o seu caminho sem pedir autorização a Castela, esse foi o chamado pecado capital para as hostes castelhanas pois o actual território português surgia como uma anti-natura dos desígnios da herança germânica visigótica para uma unificação total de toda a península" ibérica".
    Ainda hoje no imaginário colectivo espanhol esse acto não foi aceite naturalmente como uma escolha dos povos que habitavam inicialmente o Condado Portucalense e posteriormente conquistaram aos árabes todo o sul do Douro até aos Algarves.
    Fico deveras espantado quando vejo e oiço espanhóis com alguma relevância intelectual até, não aceitarem o facto de os portugueses ainda hoje querem estar independentes do resto dos povos peninsulares, o que gera inconscientemente a tal atitude de complexo de superioridade a tudo o que provenha ou seja português e nem os futebolistas e treinadores da pátria Lusa se safam mesmo que dêem títulos nacionais ou internacionais a equipas espanholas :)
    Esse assunto é essencialmente debatido a título académico mas pelos vistos tem feito as suas mossas nomeadamente quando esta agenda iberista consegue infiltrar-se em determinados meios da elite portuguesa, universitária, política e maçónica, e da qual o anterior governo foi digamos o apogeu do sucesso da sua implementação.
    Felizmente em Portugal foi sempre o povo que decidiu excepto numa ocasião, na entrada de Filipe II na cora portuguesa, cujo o apoio foi eminentemente dado pela nobreza e pela burguesia que queria lucra com negócios na América espanhola, o povo nunca apoiou Filipe II, e em Portugal quando o povo está dissonante raramente a elite tem hipótese alguma de conseguir manter por muito tempo o status e como tal a dinastia filipina só durou 60 anos por esse facto.
    Acho incrível como os espanhóis passados estes anos continuam a insistir nessa ideia sabendo de antemão que o povo português tem repulsa natural a uma união entre Portugal e Espanha, já tentaram de tudo desde 1640, desde apoiar guerras civis (apoio militar), tentativa de controle das elites políticas desde a 1.ª república e agora depois da tentativa falhada do controle económico, pois os principais players económicos em Portugal com influência, são a Alemanha, França e China, também tentaram por vias políticas e que também falharam, porque houve ministros do anterior governo que foram devidamente sinalizados como sendo iberistas aos olhos de todos.
    Só restará a Espanha ao final destes séculos restringir-se aos seus problemas internos nacionalistas e que não são poucos e tentar lavar a face e honrar os tratados internacionais, tais como o direito do mar relativamente às ilhas Selvagens e à devolução de Olivença.

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