Mosteiro da Batalha (Portal das Capelas Imperfeitas). |
Batalha de Aljubarrota |
Este esquema é rigorosamente verdadeiro através da História. (...) Em épocas idas, o iberismo afirmava-se mais descarnado; e identificava-se, muito singelamente, com a ameaça directa, a pressão imediata, a hostilidade ostensiva contra Portugal. Não caberá aqui pormenorizar os esforços tenazes de Leão e Castela para destruírem o novo reino que se proclamara na faixa ocidental da Península. Será de repetir, no entanto, que do facto teve clara percepção o Rei fundador: casou com uma princesa não-peninsular; jamais compareceu nas cortes das Hespanhas, deixou sempre devoluto o lugar reservado a Portugal, e não enviava sequer representante, ou pendão. Durante a primeira dinastia, foram numerosas as tentativas castelhanas. Algumas estiveram a ponto de triunfar: eram épocas em que Portugal atravessava fases de fraqueza ou insensibilidade. E sabemos como tudo teve os seu desfecho dramático em Aljubarrota. Seguimos já, num quadro rápido, os ângulos essenciais da batalha, e suas consequências internas e externas. Em Aljubarrota, para Oliveira Martins, nasce Portugal como nação independente. Mas a ameaça e a agressão frustradas naquele embate não se extinguiram: é da essência do iberismo espanhol a sua constância. Na verdade, e após o papel mundial que desempenharam os Portugueses - como portugueses e não como peninsulares ou europeus - entra-se de novo em crepúsculo nacional. Foi a política mole. Esta traduz-se numa incapacidade de visão autónoma dos interesses nacionais permanentes, para além de episódios ou situações efémeras, e numa confiança na protecção de estruturas internacionais a que se atribui um carácter sacrossanto e eterno. Iluminado pelo clarão divinatório do homem de génio, Camões pressentiu o destino de um Portugal carcomido no seu cerne. Objectivos alheios, firmados em forças estrangeiras, encontram apoio e colaboração de agentes internos; e na solução de problemas portugueses são os interesses de terceiros que contam e se impõem, e não mais os de Portugal. Já se aludiu ao comportamento da corte de D. Manuel I, e ao seu estrangeirismo, ao seu espanholismo. Era então prova de superioridade, de modernismo, de muito alto espírito, sentir e actuar e decidir em termos peninsulares e não portugueses. Para mais, e durante longo tempo, foi desastrosa a política de casamentos reais prosseguida; e tão complexa e cruzada que todos se tornavam parentes de todos, e cada um ficava subordinado aos demais (2). Depois, tudo se degradou com D. João III, graças sobretudo à política castelhana de D. Catarina de Áustria, a rainha. E foi finalmente, como agravante da crise de política mole, a senilidade e a doença de D. Henrique. Se tivesse havido a afirmação nítida e firme de um querer colectivo de independência; se o orgulho e a altivez não se tivessem desvanecido entre os Portugueses; se estes não acolhessem com favor a Cristovão de Moura, e à corrupção que administrava em nome de Filipe II de Espanha; se o Rei Católico se sentisse convencido de que encontraria pela sua frente todo um povo disposto a bater-se - acaso o desenrolar da história haveria sido outro. Aliás, é significativa a semelhança entre as crises de 1385 e de 1580. Versatilidade e fraqueza de D. Fernando, caquexia e pusilanimidade de D. Henrique; a ambição pessoal de D. Leonor Teles e de Catarina de Áustria; num transe e noutro o escol toma partido de Castela. E há mais um traço afim: o temor reverencial perante ideias de terceiros, a impressão que no carácter português causam as verdades lançadas por outros, e a crença, cega e acrítica, nos mitos apregoados além fronteiras. Nos dois momentos históricos, Portugal foi arrastado, e vítima, do sacralismo atribuído às leis de sucessão ao trono, tal como prescritas pela Europa, e ainda que estas levassem ao trono português um rei estrangeiro. E por que foi diferente a solução dos dois lances? Em 1385, o povo produziu os seus chefes; estes não surgiram em 1580. Febo Moniz não frisou com o génio político de Álvaro Pais, nem soube como este ser o homem de Estado que tudo arrisca numa só parada, em que tudo pode perder e tudo pode ganhar; entre D. António, Prior do Crato, um acomodatício se lho houvessem consentido, e mesmo um colaborador se tivesse sido satisfeito o seu preço, e Nuno Álvares, o moço condestável com espírito e ânimo de cavaleiro de távola redonda, existia um abismo intransponível; e o papel de João das Regras, ao criar uma ordem político-jurídica só portuguesa, não teve sombra de equivalente em 1580. E foram sóbrias, e modestas as cortes de Coimbra, deliberando sob uma angústia de perigo estrangeiro e a necessidade de lhe fazer frente. Mas as cortes de Tomar, para aceitarem o juramento de Filipe de Espanha, foram, como já sublinhado atrás, um grande espectáculo: entre os luxo das tapeçarias, dos atavios, das pratas, dos mantos dos grandes dias, estavam os arcebispos de Lisboa, Évora, Braga; os bispos de Coimbra, Portalegre, Porto, Viseu, Elvas, Miranda, Lamego; não compareceu o bispo da Guarda; ostentavam-se os grandes do Reino, os duques de Bragança, de Aveiro; os marqueses de Vila Real, os condes de Castanheira, Tentúgal, Linhares, Vidigueira; o barão de Alvito; os altos dignitários palatinos, os chefes militares, os membros dos corpos constituídos, os vogais do Conselho de Estado; e outros, e outros, do escol dirigente. Foi edificante. Tinham boa razão Filipe II e seus sucessores: referiam-se a Portugal como seu «vassalo». Foi iberismo descarnado: centralizador, integracionista, anexionista por parte da Espanha: e ingénuo, oportunista e subalterno por parte de Portugal.
D. Nun' Álvares Pereira |
D. Nun' Álvares Pereira |
De forma mais idílica, ou mais quimérica, ou mais ingénua, outros enveredaram, em momentos mais ou menos fugazes, pelo iberismo como doutrina e solução de crises e males nacionais. Latino Coelho foi um dos seus arautos, mesmo muito para além do seu tempo de juventude. De Latino escreveu Fidelino de Figueiredo (pp. 12 e 14 do prefácio ao volume Literatura e História) que não teve dificuldade em conciliar o «seu sentimento português com o credo iberista», de que foi «propugnador e o último castelhanista de categoria». Latino admira os rasgos portugueses no Vasco da Gama, no Fernão de Magalhães; mas considera que entrara no ocaso o povo português; e no Cervantes e outros escritos surge a miragem iberista. Esta aparece mais nítida no prólogo que Latino escreve, aquando da sua publicação, para a Memória que entretanto Sinibaldo de Más lançara em favor da união ibérica; e a ideia de fazer dos dois reinos da Península uma nação só, agrada a Latino (Teixeira de Vasconcelos, 44, prefácio de Fernão de Magalhães). Sinibaldo de Más, por outro lado, confessava agora que este iberismo não fora ideia sua. Representara a Espanha na China, fora a Macau em mais de uma ocasião; avistara-se com o bispo português D. Jerónimo da Matta; e este convida Sinibaldo para jantar, num bilhete que diz: «seremos poucos mas todos ibéricos». E ao fim do repasto o bispo brinda à união de Portugal à Espanha (Inocêncio, Dicionário, X, 36, 37). Santarém seria a capital da nova nação - porque ficava ao abrigo de ataques da esquadra britânica. Regressado à Europa, Sinibaldo compõe então a memória que Latino prefacia e aplaude. Como prefacia também a União Ibérica de Xisto Carmona. Mas inteiramente diverso foi o iberismo a que, numa segunda fase da sua vida, sucumbiu Teófilo Braga. Este via a raça latina enfraquecida pela divisão, e fiava o seu salvamento de um confederalismo amplo, e republicano para começar. Algum tempo mais além, Teófilo submete às Constituintes da I República um projecto de Constituição para Portugal, e aí se afirma da forma mais solene ser inviolável a fronteira tradicional portuguesa, e intangível a soberania de Portugal. Pela união ibérica manifesta Teófilo uma «aversão implacável» (A Pátria Portuguesa, XIII). E a solução federal? Para que esta fosse viável seria indispensável que «a Espanha se despoje dos atavismos que a dominam, e que é já a única nação a sustentá-los»; e «Portugal poderá unir-se à Espanha debaixo da forma federativa, em que cada um conserve perfeitamente a sua personalidade» (Raul Brandão, Vale de Josafat, 39, 40). Há assim em Teófilo uma ambiguidade, um equívoco, uma tergiversação, ao sabor de circunstâncias políticas e impressões de momento. E alguns dos aspectos do iberismo de Teófilo podem ser equiparados aos do iberismo de Antero de Quental. Este era mais utópico, e idílico, e romântico. Para o autor dos Sonetos, havia que repudiar «o espírito moral do passado»; estava-se agora perante a «transição para o novo mundo industrial»; e a este «pertencia o futuro»; os Portugueses eram «raça decaída por termos rejeitado o espírito moderno»; a humanidade encontrava-se na soleira de uma «sociedade nova»; e de «um mundo novo». E porque se lhe antolhavam comuns a Portugal e a Espanha os factores de decadência, num federalismo ibérico confiava Antero a revitalização de toda a Península. Em Antero, o iberismo foi sucessivamente sonho, ingénua inspiração revolucionária, concepção intelectualmente teorizada, e ao fim e ao cabo uma desilusão amarga e completa. «Portugal era membro amputado desnecessariamente, ainda que sem violência, do grande corpo da Península Ibérica» (Prosas, II, 46, 47); mas a revolução uniria Portugal e a Espanha; e pondo de parte toda a poesia e toda a sentimentalidade, Antero contentar-se-ia em «afirmar aos patriotas portugueses esta verdade de simples bom-senso; que, nas actuais circunstâncias, o único acto possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade» (Prosas, II, 82); depois, Antero conspira, com José Fontana e outros, a favor da união ibérica; e por 1868, publica um folheto que advoga uma República Federal, então defendida em Espanha por Castelar, Pi y Margall e uma maioria nas Cortes Constituintes. Entre 1875-1876, Antero lança, com Jaime Batalha Reis, a Revista Ocidental, destinada a reunir elementos para uma «nova renascença intelectual da península» e formar novas escolas portuguesa e espanhola, porque «aos espanhóis e aos portugueses há hoje a apresentar as mesmas ideias pelos mesmos meios» (Prosas, II, 275). Grandes nomes de portugueses prometiam a sua colaboração, iberistas e não iberistas: António Enes, Barros Gomes, Bulhão Pato, José Falcão, Eça, Latino Coelho, Luciano Cordeiro, Fuschini, Ramalho, Oliveira Martins, Pinheiro Chagas, Junqueiro, ainda outros; e do lado espanhol, surgem Angel Fernandez de los Rios, Carlos Vicuña, Pi y Margall, Juan Valera, Amador de los Rios, Luiz de Lugo, Rafael de Labra, Zuniga, Juan de Ariza, alguns mais. Mas tudo para Antero se liquidou numa grande desilusão: afundou-se e desvaneceu-se o seu iberismo à «força de golpes brutais e repetidos da experiência (Carta Wilhelm Storck, S. Miguel, 1887). Para um venerador de Antero, Eça de Queirós, como para outros vencidos da vida, o iberismo era apenas literário, talvez cabotino, sobretudo instrumento de irreverência contra os poderes constituídos. Como não recordar a famosa imprecação de João da Ega: «Deus de Ourique, manda-nos o castelhano». E como Damaso dissesse que fugia logo para Paris, Carlos da Maia, muito sério, replica: «não senhor, ninguém há-de fugir e há-de-se morrer bem» (cito de memória). Mas já assume outro matiz o iberismo de Fialho de Almeida: este foi abstractamente saudosista do que, na imaginação de cada um, poderia ter sido e não foi. Sim: para Fialho, foi «um erro deplorável» separar Portugal da Espanha. E isso porque os «dois países reunidos ficariam na carta com uma massa de território maior que a França, e as suas colónias somadas dariam um domínio colonial superior ao da Inglaterra (F. de A., Ave Migradora, 213). Da Espanha, escrevia Fialho, separavam-nos apenas «uma ilusão óptica de políticos»; juntos haveriam tido a «pujança de uma espécie de Rússia do Ocidente» composta de «pequenas repúblicas solidárias e autónomas»; e se tudo se ligasse à França, ter-se-ia um «colosso novo», «regulador dos destinos do mundo», «com esquadras temerosas», «pitorescas cidades», todas «as riquezas da indústria e da arte», e tudo rejuvenescido «pelas águas lustrais da democracia pura» (F. de A., Os Gatos, I, 249-250). Este iberismo de Fialho, se tentarmos ver o fundo das coisas, era imperial; queria manter e alargar um domínio colonial; partia de uma superioridade sobre tudo o mais, acaso até com um laivo de racismo; o colosso a construir seria o centro do mundo; e era formado por um complexo de republicanismo, de literatura, de gosto em ofender e afrontar as classes dirigentes, e de ressentimento. E era sobretudo edénico, fantástico, paradisíaco, entretecido de ignorância da história e de inconsciência da realidade.
Guerra Junqueiro |
Mostraram pela mesma altura toques de iberismo - por republicanismo, ingenuidade, emoção, indigência ideológica, boa-fé mal informada, ainda outros motivos fortuitos - homens como Jaime e Sebastião Magalhães Lima, Guerra Junqueiro, Cunha e Costa, outros ainda. Mas ver-se-á que se tratava de uma titude episódica, ligada a acontecimentos fora do comum, e que faziam estremecer a grei. No fundo, não estavam a par da verdadeira dimensão e do propósito real do iberismo espanhol: quando se apercebiam das realidades, arrepiavam caminho e volviam-se em portugueses. (Para propósitos diversos e sob ângulos diferentes, pode ver-se o estudo A Questão Ibérica na Segunda Metade do Século XIX, de Fernando Catroga).
(in Juízo Final, Livraria Civilização Editora, 2000, pp. 95-98 e 108-09).
Notas:
(1) É palavra usada pela generalidade dos iberistas espanhóis.
(2) Para que o leitor de hoje, que despreza a História, possa ter uma remota ideia do que foi a subtileza dessa política casementeira, recolho do insuspeito Quintanar, Diálogo Peninsular, alguns passos: «Chegamos ao auge do transe tremendo da unidade (peninsular) com D. Manuel I, que casa duas filhas dos Reis Católicos, Isabel e Maria, e como uma irmã de Carlos V» ; mas «D. Manuel passa, e passa D. João III, e neste momento há todo um conjunto de noivas na Europa, solteiras ou viúvas» e «também um exército de pretendentes europeus» e entre estes avultam Sebastião de Portugal e «acima de todos Filipe de Espanha». Note-se que na altura D. Sebastião era ainda uma criança; mas o seu nome e o de outros entravam já no cálculo de alianças matrimoniais.
Continua
Muito bom o texto.De facto Franco Nogueira era um homem notavel e o que diz permanece como uma ante visão do que estamos vivendo e actualissímo. parabéns pela postagem!
ResponderExcluirJamás ha existido país que haya ignorado más a otro que España a Portugal. No podéis entender que jamás hemos querido nada, pasamos de vosotros y es lo que no os cabe en esa dura cabeza que tenéis. Sois una panda de obsesionados y os lo tenéis que hacer ver. Ójala que hubiérais tenido a rusos o alemanes como vecinos.
ResponderExcluirTreta e pura tontería. Mira: «…quando cadete em Toledo, Franco escolhera como problema para o exercício do seu final de curso o tema: “Como se ocupa Portugal em 28 dias”. Para a época, e com os meios convencionais dos princípios do século, foi havido por notável pelo Estado-Maior espanhol. Salazar sabia-o» (in Franco Nogueira, «Salazar», III).
ResponderExcluirEs tan sólo um ejemplo entre muchos más. Dura, pesada y venenosa cabeza tienen ustedes… una panda de hipócritas como nadie.
Además, no fuese la política peninsular orientada por Salazar y todos vosotros habían sido arrebatados por los nazis y los fascistas. Te gusta la verdad?
O iberismo é uma praga instalada desde que o reino de Portugal teve a ousadia de seguir o seu caminho sem pedir autorização a Castela, esse foi o chamado pecado capital para as hostes castelhanas pois o actual território português surgia como uma anti-natura dos desígnios da herança germânica visigótica para uma unificação total de toda a península" ibérica".
ResponderExcluirAinda hoje no imaginário colectivo espanhol esse acto não foi aceite naturalmente como uma escolha dos povos que habitavam inicialmente o Condado Portucalense e posteriormente conquistaram aos árabes todo o sul do Douro até aos Algarves.
Fico deveras espantado quando vejo e oiço espanhóis com alguma relevância intelectual até, não aceitarem o facto de os portugueses ainda hoje querem estar independentes do resto dos povos peninsulares, o que gera inconscientemente a tal atitude de complexo de superioridade a tudo o que provenha ou seja português e nem os futebolistas e treinadores da pátria Lusa se safam mesmo que dêem títulos nacionais ou internacionais a equipas espanholas :)
Esse assunto é essencialmente debatido a título académico mas pelos vistos tem feito as suas mossas nomeadamente quando esta agenda iberista consegue infiltrar-se em determinados meios da elite portuguesa, universitária, política e maçónica, e da qual o anterior governo foi digamos o apogeu do sucesso da sua implementação.
Felizmente em Portugal foi sempre o povo que decidiu excepto numa ocasião, na entrada de Filipe II na cora portuguesa, cujo o apoio foi eminentemente dado pela nobreza e pela burguesia que queria lucra com negócios na América espanhola, o povo nunca apoiou Filipe II, e em Portugal quando o povo está dissonante raramente a elite tem hipótese alguma de conseguir manter por muito tempo o status e como tal a dinastia filipina só durou 60 anos por esse facto.
Acho incrível como os espanhóis passados estes anos continuam a insistir nessa ideia sabendo de antemão que o povo português tem repulsa natural a uma união entre Portugal e Espanha, já tentaram de tudo desde 1640, desde apoiar guerras civis (apoio militar), tentativa de controle das elites políticas desde a 1.ª república e agora depois da tentativa falhada do controle económico, pois os principais players económicos em Portugal com influência, são a Alemanha, França e China, também tentaram por vias políticas e que também falharam, porque houve ministros do anterior governo que foram devidamente sinalizados como sendo iberistas aos olhos de todos.
Só restará a Espanha ao final destes séculos restringir-se aos seus problemas internos nacionalistas e que não são poucos e tentar lavar a face e honrar os tratados internacionais, tais como o direito do mar relativamente às ilhas Selvagens e à devolução de Olivença.