Texto baseado nas palavras proferidas por Franco Nogueira no Conselho de Segurança, a 24 de Julho de 1963
«A reconsideração geral dos factos e dos conceitos que se
encontram na base da política africana e da política do Mundo Ocidental em
relação à África, pensamos que se fará a tempo de evitar as últimas derrocadas;
e, embora o nosso povo seja muito atreito a afinar os seus juízos pelo
veredicto estrangeiro, neste particular a barreira oposta pela consciência da Nação às campanhas vindas de todos os quadrantes não pôde ser vencida nem
abalada sequer; e seria bem importante que o fosse, para os que trabalham na desintegração
europeia, tanto aqui como no Continente Africano. O povo não pode ter o
conhecimento em pormenor destes problemas; tem porém a acuidade do instinto
que, tendo-o feito Nação há muitos séculos, o mantém atento às exigências da
sua identidade e da sua própria sobrevivência. E do que se trata afinal é de
sobreviver e continuar igual a si próprio.
Temos pois a unidade e coesão das forças armadas e quase seria uma traição aos mortos que houvesse o mais pequeno dissídio; temos a consciência da Nação firme e bem formada acerca deste problema fundamental. Pergunto a mim mesmo o que pode valer, em face deste bloco, a agitação e as lucubrações, mesmo que inspiradas do estrangeiro, dos que infelizmente perderam a sua alma de portugueses e não sentem já Portugal.»
Oliveira Salazar («Unidade das Forças Armadas e Consciência
Nacional»).
«Deploro ter de
afirmar que não suscitou a menor curiosidade a situação económica, social, educativa
e políticas nas províncias portuguesas, nem os meus colegas africanos revelaram
qualquer desejo de que aquela fosse investigada. Sem dúvida: as nações
africanas têm direito de assumir essa atitude; mas se se recusam a informar-se,
e a conhecer os factos, não têm depois direito a formular ataques violentos e
infamantes contra Portugal, baseando-se em realidades que teimosamente se
eximem a investigar. E também foram desprezadas as questões de paz e segurança,
e nenhuma vontade houve em averiguar se os territórios portugueses são ameaça a
uma e a outra. Decerto: estão as nações africanas autorizadas a tomar esta
posição; mas se se furtam desdenhosamente a examinar aqueles aspectos, então
não lhes é lícito acorrer a este Conselho para nos fustigarem com as acusações
que todos escutámos. Estão moral e politicamente inibidas de se permitirem as
alegações que têm feito: ou aceitam considerar e analisar os aspectos que acabo
de referir, ou cumpre-lhes reduzirem-se ao silêncio, e absterem-se de acusar e
de injuriar.
(...) De tudo quanto fica dito, Senhor Presidente, haverei de extrair algumas conclusões. Dir-se-ia que os delegados africanos julgam ser-lhes lícito dizer o que lhes agrade, como lhes agrade, quando lhes agrade; insultar de acordo com as suas fantasias; ofender e ferir de harmonia com a sua desvairada imaginação; e, tendo procedido assim, solicitam-nos moderação, compreensão, cooperação. Em torno da mesa deste Conselho, por razões tácticas, usam de algum retraimento e de alguma cortesia; mas na Quarta Comissão da O. N. U. o vilipêndio e o arbítrio contra Portugal atingem níveis que vão além da mais audaciosa imaginação; e em reuniões internacionais de outros organismos fazem as mais injuriosas afirmações. Há pouco, em Roma, numa sessão da F. A. O., uma delegação africana afirmou tranquilamente que as autoridades em Angola estavam executando um plano que previa o assassínio de uma criança africana por minuto; e essa delegação pediu às demais, com aparente seriedade, que acreditassem no facto. Estão os delegados africanos medindo o que dizem? Ou julgam que disfrutam de especiais privilégios? Ou que os demais são destituídos de sensibilidade? Mais grave do que tudo, porém, é a circunstância de as delegações africanas saberem que não têm fundamento as acusações, nem são verdadeiras, e formulam-nas sem embargo. Visitou as Nações Unidas no decurso da presente sessão o Chefe de Estado de um país africano, e por ter íntimo conhecimento da política portuguesa e da situação nos territórios portugueses ficou surpreso e perturbado quando escutou durante alguns debates as acusações contra Portugal. E perguntou se os delegados africanos na realidade acreditavam no que afirmavam. Foi negativa a resposta daqueles; mas acrescentaram que “tinham de dizer o que diziam para manterem pressão política sobre Portugal”. E os representantes africanos sentem-se tão seguros de si que jamais lhes ocorre ser possível, num dia próximo ou remoto, virem a ser vítimas do mesmo procedimento demagógico que agora aplicam a outros. Por isso querem que tudo aconteça ao seu sabor, com desdém soberano pelas opiniões e pelos direitos alheios. Pedem respeito pela lei, desde que sejam os legisladores; exigem o cumprimento da Carta, se lhes for consentido emendá-la e interpretá-la a seu gosto; e quando invocam a paz e a segurança, têm em mente a sua paz e a sua segurança apenas. Há poucos dias este Conselho, por desejo das delegações africanas, votou uma resolução que instava com um país membro para que organizasse uma sociedade em bases multirraciais. Será de presumir que se considerou ser esse um ideal a atingir. Mas hoje, perante este mesmo Conselho e por parte das mesmas delegações, condena-se a política portuguesa, cujo alicerce é precisamente constituído pelo multirracialismo, de que somos pioneiros, e é dito que essa política ameaça a paz e a segurança do mundo. Não existe ameaça, nem pode ser provada; e por isso se ajunta desde logo que, se não existe, terá então a ameaça de ser criada e fomentada. Dada esta posição obstinada, tudo quanto Portugal faça é falta grave: erramos porque não nos curvamos a imposições estrangeiras; porque não nos submetemos a exigências alheias; porque rejeitamos interpretações ilegais da Carta; e porque não pactuamos com as flutuações políticas da Assembleia.»
Franco Nogueira («Novo debate no Conselho de Segurança», texto baseado nas palavras pronunciadas perante o Conselho de Segurança, em 9 de Dezembro de 1963).
DEFESA DO ULTRAMAR NO CONSELHO DE SEGURANÇA
O seguinte texto é baseado nas palavras
proferidas por Alberto Franco Nogueira na sessão do Conselho de Segurança da
ONU, em 24 de Julho de 1963, no decurso do debate sobre o Ultramar. Na reunião
tomaram parte os Ministros dos Estrangeiros da Tunísia, da Libéria, da Serra
Leoa e de Madagáscar.
Senhor Presidente: Estou-lhe grato por me haver dado a palavra e quero também aproveitar esta oportunidade para exprimir o meu apreço pelo convite que me foi dirigido para participar neste debate.
I
Permitir-me-á, Senhor
Presidente, que responda a afirmações aqui feitas e que respeitam directamente
ao meu país. Antes de o fazer, contudo, julgo fundamental traçar um quadro
claro dos antecedentes desta reunião, e do processo que conduziu a esta
convocação do Conselho de Segurança. Para isso, tomo dois documentos básicos: a
carta das delegações africanas, de 11 de Julho de 1963, e o memorandum
explicativo que lhe está anexo. Se compararmos os dois documentos, algumas observações parecem pertinentes. O memorandum refere-se a «territórios sob administração portuguesa»; a carta alude a «territórios sob dominação portuguesa».
Significam estas expressões uma e a mesma coisa? No caso afirmativo, por que
não usam ambos os documentos a mesma fraseologia? No caso negativo, a minha
delegação tem então o direito de ser informada do alcance da diferença. Temos
estado habituados no passado às palavras «territórios
sob administração portuguesa»: não obstante serem inaceitáveis para a minha
delegação, reconheço que se conformam com os preceitos legais da Carta, aliás
aplicáveis a outros casos, e que têm sido empregues em resoluções anteriores da
Assembleia. Mas agora exijo que me seja dito qual a base legal e jurídica para
as palavras «territórios sob dominação
portuguesa». Em que artigos da Carta, em que resoluções da Assembleia, em que precedentes, em que prática se firmaram os autores
da carta para redigirem o documento como o fizeram? Ao Conselho parecerá ser
este ponto de pouca monta e sem importância; mas é diversa a minha opinião; e
denuncio o facto como mais um exemplo do caminho perigoso percorrido por esta
Organização, que procura adulterar as realidades e distorcer as palavras da
Carta para efeitos políticos e fins de propaganda. Dir-se-á sempre idêntica a
técnica: escolher alguns artigos da Carta, seleccionar alguns factos, usar
metade de uns e outros, e preencher a outra metade com factos imaginários e
frases truncadas. Escapam-me as razões que impediram os autores da carta de
referir «territórios sob extermínio de Portugal» ou «sob genocídio» ou «sob
depredação» de Portugal. Mas quero focar outro ponto. Indica o memorandum
explicativo que a recusa de Portugal em obedecer a algumas resoluções da
Assembleia criou «uma fonte permanente de
conflito e tensão internacional, que constitui uma séria ameaça à paz e à
segurança internacionais, que continuam a piorar.» Portanto, segundo o
memorandum, existe uma séria ameaça à paz e à segurança. Mas a carta declara: «O estado de guerra em alguns territórios,
por motivo da recusa de Portugal» em aceitar as resoluções da Assembleia, «constitui uma quebra da paz e da segurança».
Memorandum e carta são da mesma data, pelo menos oficialmente; mas os seus
autores saltaram de uma séria ameaça à paz, conforme o primeiro documento, para um estado de guerra, como afirma o segundo documento. Não
faço comentários, salvo para dizer que nego e rejeito os dois documentos. Mas
ainda outros pontos suscitam novas observações. A carta alude a um estado de
guerra motivado pela recusa de Portugal em cumprir resoluções da Assembleia. Estabelece-se
assim uma ligação directa entre aquela recusa e o estado de guerra: por
implicação afirma-se que o estado de guerra existe porque não obedecemos às
resoluções ou porque a recusa em fazê-lo conduziu à guerra. Parece-me da maior
gravidade, Senhor Presidente, as conclusões a que chegaram os autores dos dois
documentos.
Ver aqui |
Todos sabemos que
numerosas resoluções da Assembleia Geral – na verdade a maior parte – não são
cumpridas; todos sabemos que numerosos países membros têm ignorado inteiramente
as resoluções que os afectam de forma directa; e todos sabemos que algumas
grandes potências se recusam por sistema a cumprir as resoluções do Conselho de
Segurança ou da Assembleia quando lhes são desfavoráveis. Não me proponho
destacar qualquer país; mas sabem quantos aqui se encontram que estou
exprimindo a verdade. Todavia, nunca vi afirmado que o simples facto do
não-cumprimento de uma ou várias resoluções da O. N. U. conduza a um estado de
guerra. Mas esta afirmação é agora feita, e em termos claros; e desde que os
autores dos dois documentos em causa não tiveram o propósito de estabelecer
qualquer discriminação contra o meu país – disso estamos convencidos, não é
verdade? – impõe-se a conclusão de que estamos perante um princípio novo, e de
aplicação geral a todos os membros das Nações Unidas. Espero que sejam
compreendidas as implicações; e se as aceitarmos então não poderemos mais
invocar as Nações Unidas como uma organização de paz. E por último, Senhor
Presidente, quero salientar que tanto a carta como o memorandum, ao citarem
algumas resoluções da Assembleia, apresentam das mesmas uma interpretação que
não tem a concordância da minha delegação. Não discuto agora este aspecto; mas
quero deixar registadas as minhas fortes reservas, e reiterar a posição que tem
sido tomada pela delegação portuguesa em numerosas ocasiões anteriores.
Baseiam-se os dois
documentos que estou analisando em algumas deliberações da Conferência de
Adis-Abeba de Maio último [1].
Sou assim compelido a aludir àquela reunião, apenas no que respeita ao meu
país, e serão por isso breves as minhas observações. No § 6 da recomendação
pertinente, votada em Adis- Abeba, menciona-se a «verdadeira guerra de genocídio» que o Governo português estaria
praticando. Categoricamente, e com a maior energia, nego tão absurda alegação. No
§ 7, a recomendação reflecte uma avidez de propaganda insaciável, ao aludir ao
Relatório do Comité dos 24: este pretende descrever a situação nos «territórios sob a administração portuguesa»
mas na recomendação fala-se de «territórios
sob dominação portuguesa». Nos §§ 8 e 9, a recomendação insta pelo corte de
relações diplomáticas e consulares entre os países africanos e Portugal, e pelo
boicote do comércio, dos navios e aviões portugueses. Mas estas decisões, em
conjunto com outras medidas, não estão de acordo com a ética das Nações Unidas,
nem parecem próprias de Estados que estão continuamente proclamando o seu
respeito pela Carta e pela paz. Na verdade, estas resoluções de Adis-Abeba
constituem, no meu parecer, uma nítida violação dos preceitos da Carta, e a
minha delegação exige esclarecimentos sobre a forma como todas estas ameaças,
como toda esta hostilidade organizada e inspirada, como todos estes actos podem
ser conciliados com os princípios e os propósitos ali claramente estatuídos. Mas
neste momento não quero referir-me a outros aspectos da Conferência de
Adis-Abeba, e comentá-los-ei quando apropriado no decurso desta minha
declaração.
II
Depois destas
observações preliminares, Senhor Presidente, responderei às acusações
formuladas contra o meu país, e desde já quero referir-me ao discurso do
ministro dos Negócios Estrangeiros da Libéria, que estudei com toda a atenção.
Concordo inteiramente com o ministro quando este louva a «amizade por todos os povos e governos que acreditam na dignidade e
igualdade dos homens, e os respeitam». Fiquei surpreso, por isso, quando
ouvi o ministro descrever a política portuguesa como «bárbara e desumana», mas sem documentar a acusação. Mas ao
apresentar as suas alegações, o ministro da Libéria levantou outros pontos mais
importantes. Na primeira parte do seu discurso, o ministro baseou-se no artigo
73.º do Capítulo XI da Carta [2].
Devo confessar que fiquei estupefacto. Este problema do art.º 73.º foi
discutido há anos, e durante numerosos anos, noutros orgãos da O. N. U. Em
sessão após sessão da Assembleia Geral foi travado debate sobre a interpretação
válida do art.º 73.º. Ao ministro liberiano afigura-se que, nos termos daquele
preceito, Portugal está obrigado a fornecer às Nações Unidas relatórios
periódicos sobre a evolução política, económica, social e cultural dos
territórios. Decerto: o ministro tem o direito de acolher essa opinião e de a
sustentar. Mas eu tenho também o direito a uma opinião diferente. Na verdade, o
Capítulo XI da Carta intitula-se «Declaração
sobre territórios não-autónomos», e portanto deixa à discrição dos Governos
Membros, de acordo com a sua respectiva ordem jurídica, os termos em que devem
formular aquela declaração. A responsabilidade internacional que resulta do
Capítulo XI não tem semelhança com a que deriva dos Capítulos IX e XII da
Carta. Não quero, porém, discutir este ponto longamente. Quero apenas dizer ao
ministro da Libéria que a interpretação portuguesa do artigo 73.º não foi
inventada pelo Governo português, nem é produto da imaginação portuguesa, nem
possui qualquer originalidade. Era a interpretação da vasta maioria da
Assembleia Geral quando Portugal foi admitido nas Nações Unidas, e nós apenas a
encontrámos já estabelecida e aceite pela generalidade. Algumas delegações
modificaram agora a sua interpretação do art.º 73.º Estão no seu direito. Mas
não têm direito a proceder como se nunca houvessem partilhado da primeira
interpretação; e nem vejo que deva Portugal ser criticado apenas porque
mantém como sua a opinião que ainda não há muito era a da maioria. A verdade é
que não foram alteradas as provisões da Carta, e por isso a sua interpretação
não pode subitamente ser oposta à que era. Não é uma questão, por nossa parte, de
tratarmos com desprezo quaisquer resoluções da Assembleia: pensamos que tais
resoluções são ilegais hoje, como eram ilegais no passado. Mas tudo isso é
irrelevante: mesmo que a interpretação do ministro liberiano fosse exacta, e
ainda que a aceitássemos, o resultado único seria o envio ao secretário-geral,
pelo Governo português, de informações sobre a situação nos territórios
portugueses. E contudo os países africanos, na última Assembleia
Geral, afirmaram explicitamente que já não sentiam interesse na obtenção de
tais informações, e que consideravam como encerrada a questão do art.º 73.º Se
o ministro da Libéria, no entanto, deseja de novo suscitá-la, por mim estou
pronto ao debate do problema. Mas o meu colega, que se senta à minha direita –
prefiro vê-lo à direita, mais do que à esquerda! – acrescentou que em
Dezembro de 1960 e no princípio de 1961 o Governo da Libéria recebeu «relatórios autorizados» sobre a
situação em alguns territórios portugueses. E tudo o mais no seu discurso se
baseia naqueles relatórios, sem que nos seja dito em que consistem, donde
provêm, quem é responsável pelos mesmos, que grau de imparcialidade possuem, e
qual o crédito que merecem. Alguém se surpreenderá se eu exprimir as maiores
reservas sabendo, como sei, que esses documentos não contêm a menor parcela de
verdade? Infelizmente, o ministro da Libéria parece acreditar naquelas fontes,
e por isso a sua versão dos acontecimentos não tem a mais remota ligação com a
realidade. Darei alguns exemplos. Afirma o ministro que até ao fim de Julho de
1961 os jornalistas estrangeiros não foram autorizados a entrar em Angola. Isto
só é verdade no que respeita a um curto período depois de Março daquele ano, e
apenas porque não podíamos garantir a sua segurança em face dos cegos ataques dos terroristas. Mas o ministro absteve-se de acrescentar que, após aquela
data, mais de quatrocentos jornalistas estrangeiros, de muitas nacionalidades,
têm visitado os territórios portugueses, que se encontram abertos a todos os de
boa fé. E daqui parto para uma observação de ordem geral. O ministro dos
Estrangeiros da Libéria deposita a sua fé nos relatórios de uma subcomissão que
há alguns meses estudou a situação de um território português. Recordo,
todavia, que na altura foi por nossa parte afirmado que não podíamos aceitar as
conclusões da subcomissão, e isso por vários motivos. Indicarei dois: porque
tudo fora baseado quase exclusivamente em testemunhos anónimos, em rumores, em
fontes hostis e tendenciosas; e porque se desprezara por completo as
informações que o meu Governo forneceu, ou estas foram utilizadas de forma a
diminuí-las ou anulá-las. Não podemos aceitar este procedimento: não podemos aceitar
que a informação oficial, apresentada por um Governo membro, seja tratada com
desprezo: e assim o dissemos na altura. Tenho a certeza de que o ministro da
Libéria conhece estes factos, e por isso eu esperei que, dirigindo-se a este
Conselho, se tivesse firmado em melhores fontes. Dou um exemplo. Disse o
ministro: «a alegação do Governo
português de que todos os africanos gozam dos mesmos direitos dos europeus, e
podem eleger e ser eleitos para orgãos legislativos, não é apoiada por provas
produzidas perante a subcomissão. Toda uma série de leis não escritas impõe à
população africana um estatuto de séria desigualdade. Desde os requisitos
financeiros até aos literários, tudo prova que é falsa a alegação, e o
relatório indica que a grande maioria dos africanos não é constituída por
cidadãos no verdadeiro sentido da palavra». Isto disse o ministro liberiano;
e a questão é importante porque respeita a direitos políticos; e eu nego a
exactidão do que foi afirmado. Não existem leis não escritas: tudo é regulado
pela legislação em vigor. E que nos diz esta? Que todos podem votar desde que
preencham uma de três condições: saber ler e escrever; ser chefe de família; ou
pagar ao Estado, como imposto, cerca de três dólares anuais. Estas condições
aplicam-se a todos indistintamente, e não há qualquer desigualdade no estatuto
político de quem quer que seja. E eu poderia citar outras afirmações do
ministro liberiano. Referiu-se, por exemplo, a «ficções e expediente rapidamente legalizados». Estas ficções,
todavia, datam do século XVII. E o ministro disse: «na constituição portuguesa de 1822 nenhuns preceitos se referem às
colónias». Não é verdade: refere-se-lhes o art. 132.º daquela Constituição.
Mais adiante, o ministro afirmou: «é
assim patente que toda a prosperidade de que Portugal possa gozar e todo o
progresso que possa ser feito deve ser atribuído à existência das colónias,
cujos habitantes têm, em troca, recebido um tratamento brutal e desumano.»
Para além das expressões usadas, e que são deploráveis, impugno o fundamento
desta afirmação, e digo o seguinte: os territórios ultramarinos possuem
completa autonomia económica e financeira; votam e arrecadam os seus próprios
impostos; e a lei proíbe que a riqueza produzida num território seja transferida
para outro. Mas eu poderia destruir ainda outros passos do discurso do ministro
da Libéria: não desejo, todavia, prolongar excessivamente esta declaração.
Escutei também atentamente as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros da Tunísia. Devo dizer imediatamente que lamento algumas das expressões que usou. Falou de uma «situação de agonia»; de um «pretexto frívolo»; de uma «repressão sem quartel»; de um «círculo vicioso de repressão», etc. São mais do que deploráveis estas expressões, sobretudo porque nenhuma ligação têm com a realidade. Quero salientar, porém, as três acusações principais lançadas por aquele ministro. Em primeiro lugar, o Sr. Slim disse que apenas em 1951 havíamos nós imaginado a «ficção ridícula» de designar os territórios como «províncias ultramarinas». Não é verdade. Fica-se estupefacto: como pode uma afirmação destas ser feita, e da mesma extraírem-se conclusões, após tão numerosos esclarecimentos dados nesta e noutras Organizações? Mais uma vez eu afirmo que data de 1612 a primeira lei portuguesa que usa a expressão «províncias ultramarinas», e cito a disposição pertinente: «A Índia e as outras terras de além-mar não são distintas nem separadas deste Reino, nem lhe pertencem por união, mas são membros do mesmo Reino como as outras províncias europeias; e são governadas pelos mesmos magistrados, de harmonia com as mesmas leis, e gozam dos mesmos privilégios como aquelas Províncias do dito Reino, e por consequência um homem que nasça e viva em Goa, ou no Brasil, ou em Angola, é tão português como o que nasça e viva em Lisboa.» Nós encontramos a mesma concepção numa nova lei de 12 de Março de 1633, e igual terminologia é empregue nas constituições políticas de 1822 (artigo 132.º), de 1832 (Título X), de 1842 (Título X), de 1911 (Título V), e de 1933 (artigo 135.º). Espero na verdade que o ministro dos Estrangeiros da Tunísia concorde finalmente comigo em que a «ficção» de que falou é pelo menos bem velha. Mas quero tratar agora de um segundo aspecto. O meu colega da Tunísia afirmou que «não pode ser seriamente sustentado haver o conflito sido instigado do exterior» porque «toda a subversão criada do exterior apenas pode ser efémera e destinada à falência». Dentro de um momento, ocupar-me-ei deste ponto mais em pormenor, mas desde já quero dizer o seguinte: o conflito foi na realidade instigado e organizado e abastecido do exterior. Concordo, todavia, com o ministro tunisiano: precisamente porque foi assim; precisamente porque o conflito não tem o mínimo apoio no interior dos territórios; precisamente porque não representavam ninguém aqueles que conduziram os ataques de 1961, nem possuíam a confiança dos povos; precisamente por tudo isto foi possível restabelecer a ordem, assegurar a normalidade de vida, fazer falhar os ataques terroristas; e dessa falência resultou alguma irritação e algum desapontamento em círculos estrangeiros; e o facto explica as manobras políticas que tentam encobrir o naufrágio da acção directa. Finalmente, o ministro da Tunísia discorreu longamente sobre «os bombardeamentos de uma aldeia senegalesa por aviões militares portugueses», e acrescentou: «aquilo que em 1961 o Conselho de Segurança considerou como provável ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais verificou-se infelizmente em 1963 com o bombardeamento de uma aldeia senegalesa». Eis um raciocínio na verdade surpreendente, que suscita um comentário: ficou provado em 1963 que não havíamos bombardeado qualquer aldeia senegalesa; e por nossa parte foi proposto um inquérito local por uma comissão imparcial. Recusou-a o Conselho; o incidente foi encerrado; e não tenho conhecimento de que haja ameaçado a paz e a segurança do mundo. Mas quando nos permitimos usar, para objectivos políticos, a nossa fértil imaginação, e tentamos criar factos ou inventar realidades que não existem, somos inexoravelmente levados a proferir afirmações artificiais e vazias que não resistem a exame detido.
Antes de findar esta parte das minhas palavras, quero dizer muito claramente ao ministro do Madagáscar que, como o seu Governo sabe, não é às baionetas e aos canhões que confiamos a nossa política, nem temos recusado a visita de personalidades designadas pelas Nações Unidas às províncias ultramarinas portuguesas. E ao ministro dos Estrangeiros da Serra Leoa quero simplesmente significar que, em minha opinião, não pode considerar como provocadora uma diferença de pontos de vista. E quanto às fantasias e à longa lista de mentiras expostas perante o Conselho pelo representante do regime de Khrouchtchev, desejo com singeleza negar categoricamente o que afirmou quanto aos soldados espanhóis, e tenho ainda a caridade de o esclarecer, para que esteja razoavelmente informado, de que Portugal não é membro do Mercado Comum.
(In Franco Nogueira, Debate Singular, Ática, Lisboa, 1970,
pp. 93-106).
[1] Reunião efectuada na capital
etíope, de 22 a 25 de Maio de 1963, em que participaram todos os países
africanos e onde foi criada a Organização da Unidade Africana.
[2] O artigo 73.º – sob o título «Declaração sobre territórios não-autónomos» – prevê a prestação de informações por parte dos países que administrem territórios coloniais, nas condições ali previstas e segundo o critério dos países responsáveis. Foram estas informações que o Governo Português se recusou a prestar, por considerar os territórios portugueses como autónomos.
Continua
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