Maomé |
Frithjof Schuon («A Unidade Transcendente das Religiões»).
«Muhyi-d-Dîn Ibn 'Arabî, o "maior mestre" (as -sheij al-akbar) da mística islâmica, (...) descreve a Natureza Universal (tabî'at al-kull) como sendo a parte feminina e maternal da criação. Ela é o hálito misericordioso de Deus (nafas arrahmân) que dá omnímoda existência às possibilidades potenciais latentes no "não-ser" (udum)».
Titus Burckhardt («Alquimia»).
«(…) o verdadeiro Esoterismo deve estar além das oposições que se afirmam nos movimentos exteriores que agitam o mundo profano, e se esses movimentos são por vezes suscitados ou dirigidos invisivelmente por poderosas organizações iniciáticas, pode-se dizer que estas os dominam sem se misturarem, de modo a exercerem igualmente a sua influência sobre cada um dos partidos contrários».
René Guénon («O Esoterismo de Dante»).
«Com efeito, poderiam surgir dificuldades pelo facto de, ao sabermos que o esoterismo é – por definição e natureza – reservado a uma elite intelectual, constatarmos que as organizações iniciáticas desde sempre contaram com um número de membros relativamente elevado. Foi esse, por exemplo, o caso dos pitagóricos e continua a ser a fortiori o das ordens iniciáticas que, apesar do seu declínio, ainda subsistem nos nossos dias, como acontece com as confrarias muçulmanas. Tratando-se de organizações muito fechadas, serão quase sempre ramos ou núcleos de confrarias mais vastas, e não confrarias no seu todo, salvo excepções sempre possíveis em condições particulares. A explicação desta participação mais ou menos popular no que a tradição comporta de mais interior – e, como tal, de mais subtil – é que o esoterismo deve integrar-se para poder existir num dado mundo ou numa modalidade desse mundo, o que põe inevitavelmente em causa elementos muito numerosos da sociedade. Daí que, em tais confrarias, haja a distinção entre círculos interiores e exteriores, sendo os membros destes últimos quase impedidos de tomar consciência do verdadeiro carácter da organização a que pertencem, dentro de certo grau, considerando-a simplesmente como uma forma de tradição exterior, a única que lhes é viável. Para retomarmos o exemplo das confrarias muçulmanas, é o que explica a distinção entre o membro que tem simplesmente o grau mutabârik ("abençoado" ou "iniciado"), quase não saindo da perspectiva exotérica que se propõe viver intensamente, e o membro de elite que tem o grau de sâlik ("viajante") e que segue o caminho traçado pela via iniciática. É verdade que, nos nossos dias, os verdadeiros sâlikûn ("viajantes") se acham em número reduzidíssimo, enquanto os mutabârikûn ("abençoados") são muito numerosos dentro das confrarias, contribuindo para abafar a verdadeira espiritualidade, através de incompreensões múltiplas. Em qualquer dos casos, os mutabârikûn, mesmo quando ignorantes da realidade transcendente da sua confraria, não deixam, em condições normais, de tirar grande proveito da barakah ("bênção" ou "influência espiritual") que os cerca e protege, na medida do seu fervor. Pois, a expansão de graças no seio do esoterismo, pela própria universalidade deste, atinge todos os graus da civilização tradicional e não se detém no limite das formas, tal como a luz, que é incolor, não deixa de penetrar num corpo transparente só por ele ser colorido».
Frithjof Schuon («A Unidade Transcendente das Religiões»).
Jesus Cristo caminhando sobre as águas |
Quando o Corão afirma que o Messias não é Deus, pretende dizer que o Messias não é «um deus» diverso de Deus, ou, por outras palavras, que ele não é Deus enquanto Messias terreno (6). E, do mesmo modo, quando o Corão rejeita o dogma trinitário, pretende com isso dizer que não existe qualquer ternário em «Deus enquanto tal», isto é, no Absoluto, o qual está além de todas as distinções. Finalmente, quando o Corão dá a sensação de negar a morte de Cristo, isso não impede a compreensão de que Jesus, na realidade, venceu de facto a morte, isto enquanto os judeus julgavam ter morto Cristo na sua própria essência. A verdade do símbolo sobrepõe-se aqui à verdade do facto, designadamente no sentido de que uma negação espiritual vem a revestir a forma de uma negação material (7). Mas, por outro lado, com uma tal negação – ou com esta aparência de negação -, o Islão elimina a vida crística no que lhe diz directamente respeito, sendo lógico que o faça uma vez que a sua via é outra e que assim sendo, não tem nada que reivindicar os meios da graça próprios do Cristianismo.
No plano da verdade total, logo, abarcando todos os pontos de vista, aspectos e modos possíveis, todo e qualquer recurso à razão pura e simples é, evidentemente, inoperante. Por conseguinte, torna-se inútil, por exemplo, pretender valorizar contra um dado dogma de uma religião estrangeira o facto de que um erro denunciado pela razão não se pode tornar uma verdade num outro plano, isto porque tal equivale a esquecer que a razão opera de uma forma indirecta, por reflexos, digamos assim, e que, deste modo, os seus axiomas são insuficientes, na medida em que invade o terreno do intelecto puro. A razão é formal na sua natureza e formalista nas suas operações, vindo a proceder por «coagulações», por alternativas e exclusões, ou, se se preferir, por verdades parciais. Ao contrário do intelecto puro, ela não é luz informal e «fluída». É certo que tira a sua implacabilidade, ou a sua validade genérica, do intelecto, porém, não atinge as essências por visões directas, apenas por conclusões. Assim sendo, e embora indispensável para a formulação verbal, não traz consigo o conhecimento imediato.
No Cristianismo, a linha de demarcação entre o relativo e o Absoluto passa por Cristo. No Islão, ela separa o mundo de Deus, ou até mesmo – no domínio do esoterismo – os atributos divinos da Essência, diferença cuja explicação reside no facto de o exoterismo partir sempre forçosamente do relativo, enquanto que o esoterismo parte do Absoluto, conferindo-lhe uma acepção mais rigorosa, inclusive a mais rigorosa possível. Em termos de sufismo, diz-se também que os atributos divinos só se afirmam enquanto tal relativamente ao mundo, pois, em si mesmos, são indistintos e inefáveis. Deste modo, não se pode dizer de Deus que é «misericordioso» ou «vingador» num sentido absoluto, abstracção feita aqui do facto de ser misericordioso «antes» de ser vingador. Quanto aos atributos de essência, tais como a «santidade» ou a «sabedoria», estes só se materializam, no plano das distinções, por comparação com o nosso espírito distintivo, sem nada perderem por isso, no âmbito do seu ser específico, bem pelo contrário, da sua infinita realidade.
al-ka'ba (Meca). |
Notas:
(4) Quem diz distinção, diz relatividade. O próprio termo «relações trinitárias» prova que o ponto de vista adoptado – providencial e necessariamente – se vem a situar ao nível metafísico próprio de toda a bhakti. A gnose irá permitir ultrapassar este plano ao atribuir o carácter absoluto à «Divindade», tomada aqui no sentido eckhartiano do termo, ou ao «Pai», isto quando a Trindade é encarada no «sentido vertical», correspondendo então o «Filho» ao Ser – primeira relatividade «no Absoluto» - e o Espírito Santo ao Acto.
(5) O dogmatismo caracteriza-se pelo acto de conferir um alcance absoluto e um sentido exclusivo a um dado «ponto de vista» ou a um dado «aspecto». Em metafísica pura, toda a antinomia conceptual vem a fundir-se na verdade total, facto que não deve ser confundido com um nivelamento de negação das verdadeiras oposições existentes.
(6) Em termos cristãos: a natureza humana não é a natureza divina. Se o Islão, como de facto sucede, insiste tanto neste ponto, fazendo-o de uma dada forma e não de outra, isso deriva do seu ângulo de visão particular.
Transfiguração de Jesus Cristo |
(8) Referimo-nos aqui em termos alquímicos.
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