sábado, 5 de novembro de 2011

Diálogos de Amor (i)

Escrito por Leão Hebreu





Álvaro Ribeiro: «(...) quem nega, não apenas a irradiação da filosofia portuguesa no mundo, como até a sua existência e valor, demonstra que não estudou o problema, que se limitou a repetir o que os outros disseram».

António Quadros: «Mas como se explica esta ignorância ou esta indiferença, da parte de pessoas que são ou deviam ser responsáveis?»

Álvaro Ribeiro: «Quando andaram no liceu, nunca ninguém lhes falou dos portugueses Pedro Hispano, Leão Hebreu, Pascoal Martins, cujas obras ainda não estão traduzidas em português. O efeito do liceu é decisivo. Nos três últimos anos do liceu forma-se, reforma-se ou deforma-se a mentalidade. Uma vez admitidos nas escolas superiores, não mais pensaram senão em estudar as matérias para exame. Também nunca ouviram falar no Abade Faria e, se sabem que ele existe, foi porque leram "O Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas».


(Entrevista conduzida por António Quadros, in 57, Ano I, números 3-4, 1957).


«Se um olho fosse um animal, a visão seria consequentemente a alma, sendo esta a substância do olho e que corresponde ao seu princípio».


Aristóteles




Nem todos conhecem e estimam igualmente as formosuras corporais nem as espirituais. Indica as razões destas afirmações

Sofia - Já percebo de que maneira conhece a nossa alma espiritualmente as formosuras, primeiro as corpóreas, e depois, por elas, as incorpóreas, que preexistem no primeiro entendimento e na alma do mundo de modo claríssimo e resplandecente e em nossa alma racional de modo umbroso e latente. E entendo também que, assim como os que mais perfeitamente conhecem as formosuras corpóreas as amam, e os outros não, assim os que mais conhecem as incorpóreas são ardentes amadores delas, e outros não o são. E também me disseste que os que conhecem as formosuras corpóreas e as aprendem com facilidade são os que melhor e mais prontamente conhecem as formosuras incorpóreas do entendimento e alma superior. Contra isto oferece-se-me uma dúvida não pequena. Consiste ela em que, se o amor da formosura se causa pelo verdadeiro conhecimento dela, segue-se que, assim como os que conhecem bem as formosuras corpóreas são os que conhecem bem as incorpóreas, assim os que intensamente amam as formosuras corpóreas são os primeiros amadores das formosuras incorpóreas intelectuais, como é a sabedoria e a virtude. O contrário disto é manifesto, porque os que amam muito as formosuras corpóreas estão nus do conhecimento e amor das formosuras intelectuais e quase cegos para elas, e os que amam ardentissimamente as formosuras intelectuais costumam desprezar, desampará-las, aborrecê-las e fugir delas (1).


'Almas elementais'



A alma é meio entre o entendimento e o corpo

Fílon – Agrada-me perceber a tua dúvida, porque a solução dela mostrar-te-á de que maneira se devem conhecer e amar as formosuras corporais e de que maneira se devem fugir e aborrecer, e qual é o perfeito conhecimento e amor delas e qual é falso, sofístico e aparente.


A nossa alma tem duas caras

Percebeste bem como a alma é meio entre o entendimento e o corpo. Não digo só a alma do mundo, mas também a nossa, semelhança daquela. A nossa alma tem, portanto, duas caras, como te disse da Lua em direcção ao Sol e em direcção à Terra: uma cara dirigida ao entendimento, superior a ela, e outra dirigida ao corpo, inferior a ela. A primeira cara dirigida ao entendimento é a razão intelectiva. Com esta raciocina com conhecimento universal e espiritual, tirando para fora as formas e essências intelectuais dos particulares e sensíveis corpos, convertendo sempre o mundo corpóreo em intelectual. A segunda cara, que tem voltada para o corpo, é o sentido, que é o conhecimento particular das coisas corpóreas. Esta cara tem junta a si e misturada a materialidade das coisas corpóreas conhecidas.


Os dois movimentos contrários das duas caras da nossa alma

Estas duas caras têm movimentos contrários ou opostos. Na verdade, assim como a nossa alma com o primeiro rosto ou conhecimento racional faz o incorpóreo do corpóreo, assim com o segundo rosto ou conhecimento sensível, achegando-se aos corpos sensitivos e misturando-se com eles, abrevia o incorpóreo no corpóreo. Com estas duas maneiras de conhecimento são conhecidas as formosuras pela nossa alma, as corporais com uma e outra cara, isto é, sensitivamente e corporalmente, ou racionalmente e intelectivamente.



Amor sensual e amor espiritual

E em conformidade com cada um destes conhecimentos das formosuras corpóreas, o amor delas é causado na alma: amor sensual pelo conhecimento sensível, e amor espiritual pelo conhecimento racional. Há muitos homens que têm clara a cara da alma para os corpos, mas têm escura a cara da alma para o entendimento. E isto vem de estar a sua alma submergida neles e muito aderente, e terem o corpo inobediente e pouco vencido da alma (2).


Miserável espécie de homens, muitos piores que bestas

Todo o conhecimento que estes têm sobre as formosuras corpóreas é sensível, e assim resulta que todo o amor que têm a elas é puro sensível. E não conhecem as formosuras espirituais, nem as amam, nem se deleitam com elas, nem as consideram dignas de serem amadas. E estes tais são infelicíssimos entre os homens e pouco diferentes dos brutos animais. E o que têm de mais é lascívia, libido, concupiscência, cobiça e avareza e outras paixões e tribulações que tornam os homens não só vis e indignos, mas também aflitos e insaciáveis e sempre perturbados e inquietos, sem nenhuma satisfação e contentamento. Na verdade, as imperfeições de tais desejos e deleites tiram-lhes todo o seu fim satisfatório e todo o contentamento quieto, conforme com a natureza de matéria inquieta, mãe das formosuras sensíveis (3).


Espécie de homens morais

Há outros que com mais verdade se podem chamar homens, porque a cara da alma que está para o entendimento está sempre não menos repleta de lume que a que está dirigida para o corpo.


Espécie de homens heróicos

E há alguns homens em que esta segunda cara está muito mais resplandecente. Estes dirigem o conhecimento sensível ao racional como a fim próprio; e estimam tanto, como formosuras, as coisas sensíveis com a cara inferior enquanto tiram delas as formosuras racionais com a cara superior. E embora aproximem a alma espiritual com a cara inferior dos corpos, para ter o conhecimento sensível a partir da formosura deles, levantam-na imediatamente com movimento contrário às espécies sensíveis com a cara superior racional, tirando delas as formas e espécies inteligíveis e reconhecendo ser este o verdadeiro conhecimento da formosura delas, deixam o corpóreo e o sensível, como coisa feia e casca do incorpóreo, ou sombra, ou imagem sua. E da maneira que dirigem um conhecimento para o outro, dirigem também um amor ao outro, isto é, o sensível ao inteligível. Na verdade, amam tanto as formosuras sensíveis quanto o conhecimento delas os guia a conhecer e amar as espirituais insensíveis. A estes amam só como as verdadeiras formosuras e deleitam-se na fruição delas; e ao resto da corporalidade e sensualidade não só não lhe têm amor, nem se deleitam nela, antes a aborrecem como a matéria feia, e fogem dela como de danoso contrário.




A mistura das coisas corporais impede a felicidade da nossa alma

Na verdade, a mistura das coisas corporais impede a felicidade da nossa alma, privando-a, com a luz sensual do rosto inferior, da luz intelectual do rosto superior, que é a sua própria beatitude. Na verdade, assim como o ouro, quando tem liga ou mistura de metais baixos e parte terrestre, não pode ser formoso, perfeito nem puro, porque a sua bondade consiste em estar purificado de toda a liga, e limpo de toda a mistura baixa; assim a alma misturada com o amor das formosuras sensíveis, não pode ser formosa, nem pura, nem chegar à sua bem-aventurança, a não ser quando estiver purificada e limpa de incitações às formosuras sensuais. E então chega a possuir a sua própria luz intelectiva sem impedimento algum; esta é a felicidade. Enganas-te, portanto, ó Sofia, em duvidar sobre qual é o mais principal conhecimento das formosuras sensíveis. Tu julgas que está naquele que as conhece no modo sensitivo e material, não tirando delas as formosuras espirituais, mas estás em erro. Na verdade, é imperfeito conhecimento das formosuras corpóreas este que dizes, porque quem do acessório faz o principal não conhece bem; e quem deixa a luz pela sombra, não vê bem; e aquele que deixa de amar a forma original, para amar a sua semelhança ou imagem, a si próprio se aborrece. Na verdade o perfeito conhecimento das formosuras corpóreas está em fazer conhecer de tal maneira, que facilmente, se possam tirar delas as formosuras incorpóreas (4).


Suma miséria da alma

E quando a luz inferior da nossa alma, a que se dirige para o corpo, tem a conveniente luz, então segue a luz do feixe superior intelectivo, sendo-lhe acessório e inferior e veículo seu. Mas, se a luz inferior vence, a alma é imperfeita, sendo imperfeita uma e outra luz. Daqui resulta ficar a alma desproporcionada e infeliz.


Quando é bom o amor das formosuras inferiores

Assim temos que o amor das formosuras inferiores, então é conveniente e bom, quando só serve para destilar delas as formosuras espirituais, que são as verdadeiramente amáveis e quando está principalmente nestas, e nas coisas corporais acessoriamente por elas. Na verdade, assim como os óculos em tanto são bons, lindos e amados, enquanto a claridade deles é proporcionada à vista e aos olhos, e os servem bem na representação das espécies visíveis, e sendo mais claros e desproporcionados são maus, e não só inúteis, mas até prejudiciais e impedimento da vista, assim o conhecimento das sensitivas em tanto é bom e causa de amor e deleite em quanto se dirige ao conhecimento das formosuras intelectuais e induz ao amor e gozo delas. E quando é desproporcionado e não dirigido a isto é danoso e impediente das formosuras da luz intelectual em que consiste o fim humano. Nota, portanto, ó Sofia, que não te deves deixar manchar no amor e deleite das formosuras sensuais, apartando a tua alma do seu formoso princípio intelectual, submergi-la no pélago do corpo feio e da suja matéria. Não te aconteça o da fábula daquele que, vendo as formosas figuras esculpidas na água suja, voltou as costas às originais e seguiu as imagens umbrosas e afogou-se entre elas na água turva.




Sofia – Agrada-me a tua doutrina neste ponto e desejo segui-la. E conheço quão grande é o engano que pode haver no conhecimento e amor das formosuras corpóreas e o grande risco que nelas se corre. E vejo distintamente que as formosuras corporais, em quanto são formosuras, não são corporais, mas são só a participação que as corpóreas têm com as espirituais ou o resplendor que as espirituais infundem nos corpos inferiores, cujas formosuras são verdadeiramente sombras e imagens das formosuras incorpóreas intelectuais, e que o bem da nossa alma está em subir das formosuras corporais às espirituais e em conhecer pelas inferiores sensíveis as formosuras superiores intelectuais.

As formosuras corporais são sombras das espirituais

Mas, apesar de tudo isto, fica-me ainda desejo de saber que coisa é esta formosura espiritual, que faz formoso cada um dos incorpóreos e se comunica também aos corpos, e não só aos celestiais em grande abundância, mas também se participa aos inferiores e corruptíveis, segundo lhes coube, mais ou menos, e, mais que a todos, ao homem, e principalmente à sua alma racional e mente intelectiva. Na verdade, que coisa é esta tão formosa que assim se derrama por todo o universo e por cada uma de suas partes, e por ela todos os formosos e cada um deles é feito formoso? Na verdade, embora me tenhas declarado que a formosura é graça formal, cujo conhecimento move a amar, esta definição é só da formosura dos corpos formados e de suas formas. Mas eu quereria saber precisamente como é sombra e imagem da incorpórea (esta formosura a que me refiro), e que coisa é esta formosura incorpórea da qual depende a corpórea. Na verdade, quando souber isto, conhecerei o que é a verdadeira formosura que se distribui por todos, e não terei necessidade do particular conhecimento e definição da formosura corpórea que me deste, porque a definição da corpórea não é a definição da formosura, senão dela no corpo, e não sei o que é a mesma formosura em si mesma, fora dos corpos, coisa que principalmente desejo saber. Suplico-te que me queiras ensinar também esta coisa com as restantes.


A formosura dos corpos assim naturais como artificiais, procede da ideia que está na mente do artífice

Fílon - Assim como nos formosos artificiados, segundo já percebeste, a formosura não é outra coisa mais que a arte do artífice participada difusamente nesses corpos artificiados e nas suas partes, donde a verdadeira e primeira formosura artificial é a arte científica preexistente na mente do artífice, da qual dependem as formosuras dos corpos artificiados, como de sua primeira ideia comunicada a todos, assim a formosura de todos os corpos naturais não é outra que o resplendor de suas ideias.


O resplendor das ideias é a formosura dos corpos

Daqui resulta que essas ideias são as verdadeiras formosuras. Por elas todos os corpos são realmente formosos (5).

Sofia – Tu declaras-me esta coisa por aquilo que não é menos oculto que ela. Dizes-me que as verdadeiras formosuras são as ideias, mas a mim não me é menos necessário declarar-me que coisa seja ideia e que coisa seja formosura, mormente sabendo que o ser das ideias, como tu dizes, nos é muito mais escondido que o ser da formosura. Portanto, como queres declarar-me o mais manifesto com o escondido? Quanto mais que, além de ser mais oculto o ser da ideia que o da formosura, é também muito mais duvidoso e incerto, porque todos concedem haver uma verdadeira formosura de que dependem todas as outras, mas muitos dos filósofos sapientíssimos negam o ser das ideias platónicas, como são Aristóteles e seus seguidores, os peripatéticos. Por isso, como queres declarar-me o certo pelo duvidoso e o mais manifesto pelo oculto? (6)


Aristóteles





As ideias são notícias do universo, notícias que preexistem na mente divina

Fílon – As ideias não são mais que as notícias do universo criado com todas as suas partes, preexistentes no entendimento do sumo opífice e Criador do mundo, cujo ser nenhum dos sujeitos racionalmente o pode negar.


Razão por que não se pode negar as ideias

Fílon – Na verdade, se o mundo não foi produzido ao acaso, como se mostra pela ordem do todo e das partes, convém que seja produzido por mente ou entendimento sábio, que o produz naquela ordem perfeitíssima e com aquela proporção correspondente que tu e todo o sábio vê nele. Esta ordem não só é admirabilíssima no todo, mas nas suas partes mais mínimas é de grande admiração a qualquer sábio que isso considera, e na ordem e correspondência de suas mínimas partes vê a suma perfeição daquele que o fez (7).

Sofia – Eu não negarei isto, nem creio que se possa negar, porque em mim mesma e em qualquer de meus membros vejo o grande saber do Criador de todas as coisas. Este excede a minha apreensão e a de todo o homem sábio.

Fílon – Conheces bem, mormente se visses a anatomia do corpo humano e de cada uma de suas partes, com quanta subtileza de arte e sabedoria está composto e foi formado, porque em qualquer delas se te representará a imensa sabedoria, providência e cuidado de Deus nosso Criador, como diz Job: Em minha carne vejo Deus (8).

Sofia – Passemos adiante para as ideias.

Fílon – Se a sabedoria e arte do sumo Criador fez o universo com todas as suas partes e partes em modo perfeitíssimo, concordância e ordem, convém que todas as notícias das coisas tão sabiamente feitas preexistam em toda a perfeição na mente desse obrador do mundo, assim como convém que as notícias das artes e das coisas artificiadas preexistam na mente do artífice e do arquitecto delas, porque, de outra maneira, não seriam artificiadas, mas só feitas ao acaso. Estas notícias do universo e de suas partes, que preexistem no entendimento divino, são coisas a que damos o nome de ideias, convém a saber, prenotícias divinas das coisas produzidas. Percebeste agora o que são ideias e como verdadeiramente são? (9)

Sofia – Percebo-o com toda a evidência. Mas indica-me como as podem negar Aristóteles e os outros peripatéticos (in Diálogos de Amor, Livraria Portugal, Introdução, tradução e notas de Reis Brasil, 1972, pp. 202-210).


Notas:

(1) Sofia formula uma objecção, que é desenhada a partir da oposição que parece haver entre os amadores de formosuras e os amantes das formosuras espirituais. Os primeiros desprezam a formosura de tipo espiritual, ao passo que os segundos desdenham da corporalidade. Sendo isto assim, como poderá encaminhar-se do corporal para o espiritual, sendo tão oposta a atitude daqueles que se demoram em cada um destes tipos ou géneros de formosura? Fílon vai responder com toda a precisão e clareza no que se segue.




(2) Lembremo-nos de que a divisão do amor entre sensual e espiritual é muito geral, indicando a predominância dos motivos amorosos causadores desse mesmo amor. Na realidade, não podemos falar, nem de amor puramente espiritual, nem de amor puramente sensual, pois o homem age como um todo. Daqui que só temos amor humano, com tendências maiores ou menores para um dos géneros indicados por L. Hebreu. Todo o acto amoroso depende da alma que é fonte de espiritualidade, mas é praticado com interferência do corpo. Daqui vem o não podermos tirar-lhe completamente a sua sensualidade ou interferência corporal. Fixemos bem estas noções. Não há pecados da carne, pois esta é inerte. Toda a responsabilidade dos nossos actos deve ser atribuída ao espírito.

(3) O homem parece-se tanto mais com Deus quanto mais espiritualizar o seu amor, assim como terá maior semelhança com as bestas ou animais irracionais quanto mais se deixar possuir ou dominar pelos motivos nascidos da pura coporeidade.

(4) Vejamos a belíssima teoria da sublimação do amor segundo L. Hebreu. O homem foi feito para Deus ou para a Formosura Eterna. Por isso, será tanto mais feliz neste mundo (mesmo em vida, claro está), quanto mais intensa for a sua volta para Deus, como seu Fim Último. Esta marcha para Deus faz-se por caminho de ascese, libertando a nossa alma, quanto possível, de toda a influência das formosuras de tipo corpóreo.

(5) A formosura dos seres espirituais é pura participação das ideias dessas formosuras segundo existem na Mente Divina. Realmente, a formosura criada é pura sombra da Formosura Eterna. Daqui resulta que a nossa alma tem o dever de deixar a sombra de formosura para se dirigir para a Formosura Real. Recordemos, novamente, Camões:



«E faz que este natural
Amor, que tanto se preza,
Suba da sombra ao Real:
Da particular beleza
Para a beleza geral».

(Redondilhas Babel e Sião).



As doutrinas de L. Hebreu documentam, inequivocamente, o desenrolar do pensamento e da afectividade do nosso Vate imortal.




(6) Sofia insiste com Fílon para que este lhe declare a diferença que existe entre a realidade do que são ideias e a realidade do que são formosuras. Torna-se isto mais urgente em virtude de sabermos que os peripatéticos e outros muitos filósofos rejeitam o mito platónico da reminiscência. Atentemos bem na resposta clara e perfeita que Fílon vai fundamentar no que se segue, imediatamente.

(7) Tendo em conta que é coisa absurda e inteiramente impossível que o mundo tenha sido produzido ao acaso, é evidente que deve ser produzido segundo o plano dum ser inteligentíssimo, pois é a partir desse ser que podemos explicar a sua ordem. A este ser inteligentíssimo chamamos Deus; a esse plano chamamos as suas ideias eternas, ou eterno exemplar do Mundo.

(8) Eis as palavras de Job, no seu livro a capítulo XIX, 26: «E serei novamente revestido da minha pele, e na minha própria carne verei o meu Deus».

(9) As ideias, como tais, são os arquétipos de todas as coisas, arquétipos preexistentes na mente divina, isto é, são as prenotícias ou modelos eternos que levaram à criação do Mundo.

Continua


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