quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Juízo Final (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte



Não há dúvida de que Franco Nogueira, pela larga e exaustiva documentação, bem como pela exposição serena, correcta e objectiva, legou à posteridade um testemunho nada despiciendo sobre um passado ainda recente, e cabalmente adulterado, quando não omitido, pela planificação cultural de expressão política e universitária. Não há, pois, sobre o passado em questão, uma obra tão objectiva na correcção de opiniões e juízos como os que revoam, sem prévia e cuidada reflexão, em artigos de jornais, revistas, teses universitárias e documentários televisivos. Enfim, tudo se dispõe de modo a que não seja possível um tratamento sistemático e objectivo numa sociedade em que os novos senhores do poder detêm - como nunca detiveram os seus antecessores -, o controlo ditatorial da economia, da informação e do ensino adulterado por via de um marxismo larvar.

É claro que alguns dos aspectos que ora estamos vivendo são, de certo modo, a projecção dos erros e das contradições do regime anterior, bastando mencionar o que directamente se reporta à Universidade, já então predisposta ao entendimento com os intelectuais de doutrinação marxista que, de resto, também ocupavam cargos universitários. Porém, há ainda casos que põem de sobreaviso os novos senhores do poder logo que paire a denúncia sobre o modo como se pôs fim à soberania histórica e política de Portugal. Ora, nesse processo, ressalta o testemunho de Franco Nogueira sobre factos tão indesmentíveis tais como:

a) Portugal, com os seus altos e baixos, permaneceu até à revolução comunista de 1974 uma comunidade patrimonial, histórica e espiritual à luz do sentimento nacional;

b) Portugal, até à referida revolução, prosseguia a sua missão histórica no sentido de abrigar e civilizar as populações mais diversas num processo compatível com os diversos graus de autonomia administrativa e financeira que as novas e ditas independências africanas fizeram recuar em nome da luta nacionalista e revolucionária (3);

c) o multirracialismo de expressão lusa não era, de modo algum, compatível com racismo negro que as supostas independências africanas procuraram implantar (4);

d) o incêndio ateado na África, designadamente na África Portuguesa, obedecera à estratégia leninista projectada em três fases: anticolonialismo, nacionalismo, comunismo (5);






Notas:

(3) Sobre a natureza compósita da nação euro-africana e euro-asiática, atente-se na seguinte passagem de Oliveira Salazar: «A Estrutura constitucional não tem aliás nada que ver (…) com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias ou descentralizações, nem com a organização e competência dos poderes locais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos orgãos da Administração, nem com a participação de uns ou de outros na formação dos orgãos de soberania, nem com as alterações profundas que tencionamos introduzir no regime do indigenato. Só tem que ver com a natureza e a solidez dos laços que fazem das várias parcelas o Todo nacional» (in Oliveira Salazar, «O Ultramar Português e a ONU», SNI, 1961, pp. 20-21).

(4) Neste ponto, vejamos: «Os novos Estados africanos discriminam contra o branco, e isso podem fazer nos territórios em que a obra colonizadora obedeceu a moldes diferentes e o branco, se trabalhava para viver, não estava instalado para ficar. Ora nós estamos precisamente no limite do racismo negro que vem estendendo-se até ao Zaire e que pelo Tanganica e pela Niassalândia atinge o Norte e Noroeste de Moçambique. Esse racismo negro tem-se revelado de tal modo violento e exclusivista que as sociedades mistas existentes ao sul se lhe não podem confiar. Pode-se, matando ou expulsando o branco, eliminar o problema, mas este não o pode resolver o racismo, se o branco, porque tem ao menos os mesmos títulos e goza de pelo menos igual legitimidade, pretende ficar naquela terra que é também sua» (in Oliveira Salazar, «O Ultramar Português e a ONU», p. 19). Logo: «A questão é de facto muito mais intrincada quando os territórios são povoados por brancos e por negros, sobretudo se o branco ocupou territórios livres, desbravou as terras, estabeleceu as explorações agrícolas ou industriais, financiou os empreendimentos, organizou a administração, manteve a ordem e a paz. A descoberta, a conquista, o trabalho incorporado no solo, a sucessão das gerações são títulos de legitimidade, contra os quais a frase explosiva corrente – a África é dos africanos – pretende nada menos que refazer a história, sem dispor de força para dar solução ao problema. Esses territórios encontram-se premidos entre o valor da qualidade que é a administração, a direcção do trabalho, a posse dos meios económicos, e o peso do número, por si só insuficiente para assegurar o progresso geral. Pretende-se democraticamente resolver o problema, conferindo ao maior número a direcção total da comunidade. Devemos ter a coragem de afirmar que estes casos não têm solução possível – digo solução pacífica, equitativa, progressiva – dentro das ideias correntes; não têm solução nenhuma no quadro do racismo negro nem do racismo branco. O único caminho seria enveredar no sentido de sociedades pluri-raciais em que as raças se misturassem ou convivessem, vindo a pertencer a direcção e o mando aos mais hábeis e melhores; mas este processo nem sempre é espontâneo e não pode em qualquer caso dispensar a tutela e guia da soberania tradicional» (in Oliveira Salazar, «Portugal e a Campanha Anticolonialista», SNI, 1961, pp. 5-6).

(5) «Qualquer pessoa de boa fé pode verificar existirem paz e inteira tranquilidade nos nossos territórios ultramarinos, sem emprego da força e apenas pelo hábito da convivência pacífica. Mas fora delas, no Congo, na Guiné, no Ghana e nalguns outros, não falando já dos países comunistas ou sob a sua direcção, sabemos que se organizam comités, ligas, partidos contra a unidade portuguesa, ao mesmo tempo que emissões radiofónicas de vários lados e servindo-lhes de apoio, tentam perturbar o viver da nossa gente. Estes agitadores dispõem, ao que parece, de fundos importantes e de protecções especiais, e com uns e outras se publicam ainda manifestos e pequenos jornais para exploração da credulidade pública. A gente é pouca mas desdobra-se, para parecer muita, mudando de nome; em todo o caso apresenta-se mesmo em capitais qualificadas e consegue meter pé em imprensa de categoria mundial e considerada responsável. Este ponto é digno de atenção, tanto mais quanto a essa grande imprensa lhe era fácil mandar informar-se localmente da verdade dos factos.


As coisas mudaram muito e mudaram muito em pouco tempo. Havia dantes certo número de regras que pautavam a conduta dos Estados e de certo modo condicionavam a sua admissão na Comunidade internacional. Era admissível asilar políticos em desgraça, mas não se admitia organizar bandos de guerrilheiros, para intervir em território alheio, alimentar programas de difamação, financiar a sublevação de populações pacíficas, fornecer armamento, preparar cientificamente revolucionários. Pois tudo se faz hoje e se apregoa com a altiva segurança de estar servindo grandes causas, ao mesmo tempo que se tem como norma sagrada a boa vizinhança e a não intervenção nos negócios internos dos Estados. Está a abusar-se da hipocrisia e do cinismo; com eles desaparece na sociedade internacional o mínimo de confiança e de respeito mútuo, indispensável à vida. Mas é esta vida que vamos viver alguns anos» (in Oliveira Salazar, «Portugal e a Campanha Anticolonialista», pp. 17-18).

Continua


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