sábado, 6 de fevereiro de 2010

A força dos políticos... e o desprezo dos povos (ii)

Escrito por Orlando Vitorino



Este carácter socializante e, por fim, declaradamente socialista do salazarismo veio-se acentuando à medida que as forças do capitalismo se tornavam dominantes. Todos nós sabemos (ver «Escola Formal», n.º 3) como o capitalismo, através dos monopólios resultantes do domínio que exerce sobre o aparelho de Estado, prepara com o controle da produção e o planeamento da economia, o advento e a proclamação do socialismo. Quando se dá, por fim, o golpe do 25 de Abril, o país estava, em todos os sectores, entregue às estruturas socialistas. De tal modo que, para se proclamar socialista, o «novo» regime político nada, praticamente, estruturalmente, precisou de substituir ou sequer alterar. Apenas num ou noutro sector teve de gravar a legislação já existente: no da disciplina ou relações de trabalho, em que agravou as sanções sobre os trabalhadores; no controlo da expressão, em que está substituindo a abominável censura exercida por uma comissão oficial pelos condicionalismos de taxas alfandegárias, aquisição de papel, etc., que conduzem à mais abominável censura universal; no da organização do ensino, em que declara que toda a aprendizagem se deve subordinar à utilidade económica, anula o direito de ensinar condicionando de modo impeditivo o ensino «particular» ou livre, e aperta nos mais estreitos critérios - «numerus clausus», etc. - a selecção escolar.

O semanário «A Rua», que durante dois anos foi o valente e fiel defensor das «soluções» salazaristas, acabou por reconhecer, num dos seus últimos números, que o socialismo hoje instituído entre nós é, afinal, consequência e obra do salazarismo.

É, pois, este desenvolvimento - que a muitos, politicamente desprevenidos ou desarmados, se afigurará estranho - que o livro de Franco Nogueira não explica, embora contenha elementos para o fazer. Fundamentalmente:

- Como explicar que o salazarismo tenha sido inicialmente, no domínio das «finanças», um liberalismo contra o qual, conforme diz F. Nogueira, «a alta roda económica e financeira dos conservadores redobrava as discordâncias, os ataques, as queixas» (p. 36) ou do qual «a alta roda económica e financeira... hesitava em aplaudir um estado de coisas que vinha cercear os seus privilégios, contrariar os seus hábitos, retirar-lhe posições» (p. 50)?

- Como explicar que, restauradas liberalisticamente as finanças, o salazarismo passe a ceder à «alta roda económica e financeira» até se deixar dominar inteiramente por ela (F. Nogueira sabe como, a partir de certa data, os próprios ministros eram designados ou destituídos pela «alta roda») e fazer do aparelho do Estado um instrumento da monopolização e da planificação da economia?

-Como explicar que, simultaneamente com essa «capitalização» do país, se tenha procedido à sua integral «socialização»?

Por não haver, no minucioso livro de Franco Nogueira, traço algum ou vestígio de tal facto, do seguinte vamos dar aqui notícia.

Charles de Gaulle


Quando, em 1958 ou 1959 (citamos de lembrança), foi feito Presidente da República Francesa, o General Charles de Gaulle nomeou uma Comissão, presidida por Jacques Rueff, com todos os poderes para «restaurar as finanças». Jacques Rueff era, e é, um famoso economista de uma corrente muito contrária ao socialismo, corrente que, na época, ainda não tinha reconquistado a confiança que em nossos dias está reconquistando uma vez que se encontrava submersa pela onda do socialismo que, a partir de 1930 e, sobretudo, nos anos seguintes à guerra mundial, ocupava toda as posições de comando na Europa. Jacques Rueff foi, na altura, entrevistado pelo semanário «L'Express» que não era, então, lido em Portugal como é hoje e alinhava num «esquerdismo» que parece agora estar a abandonar. A entrevista foi naturalmente conduzida com patente hostilidade para com o entrevistado. Quando ele expôs as directrizes, de carácter liberalista, que se propunha seguir, os jornalistas manifestaram-lhe a estranheza de ele adoptar tais directrizes num mundo tão confiantemente entregue ao socialismo e perguntaram-lhe que mínimas garantias concretas e práticas ele poderia apresentar para a defesa do liberalismo que preconizava. Respondeu-lhes Jacques Rueff que ele próprio fizera a experiência em Portugal; que, em 1828, o Dr. Oliveira Salazar, ao assumir o Ministério das Finanças, lhe solicitara o que De Gaulle lhe solicitava, a restauração das finanças do seu país, o que ele fizera com os resultados conhecidos. Acrescentou ainda que todos os anos vinha a Portugal observar a evolução da sua obra e a acertar aquilo que naturalmente as circunstâncias obrigavam a acertar.

É deste facto, sem dúvida revelador, que o livro de Franco Nogueira não dá mínimo sinal. Devemos também dizer que, na época, dele se deu conhecimento, e até a Teutónio Pereira que era Ministro da Presidência, mas sem que disso se conheçam quaisquer consequências.

Longe de nós qualquer intuito de, com a lembrança da entrevista de Jacques Rueff, tirarmos a Salazar a sua glória ou, pelo menos, o mérito principal da sua acção de governante, a façanha que está na origem da autoridade que conquistou. Ele próprio - diz-nos Franco Nogueira - reconhecia que a restauração das finanças podia ser considerada a tarefa de um técnico, não de um político. E podemos admitir que, assim como Salazar recorreu a um economista estrangeiro, assim os actuais, sucessivos governantes socialistas que temos hoje recorram, para o mesmo fim, a técnicos estrangeiros fornecidos pelas «internacionais» a que pertencem. Há sinais disso. O que ficamos é a perguntarmo-nos: que coisa são, então, os políticos? Que coisa fazem eles da política? Que ciência é a sua? Que valor é o seu? Como justificam o exercício do poder? Que faz deles os senhores do nosso destino? (in ob. cit.).



Oliveira Salazar


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