Escrito por Teófilo Braga
«[Em
155 a. C.] começa o período que é considerado como o período clássico das
guerras lusitanas. Os Lusitanos, aliados aos Vetões e comandados por um chefe
chamado Púnico, derrotam as legiões do pretor Mânio Manílio e chegam até ao mar
do Sul, provavelmente à zona de Cádiz. Não sabemos se havia algum plano
específico de ocupação das terras conquistadas, mas a morte de Púnico, com uma pedrada,
deve ter alterado os planos da aliança anti-romana. Elegem como chefe a Césaro
ou Caisaros, que é derrotado pelo
novo cônsul, Lúcio Múmio que se lança em perseguição dos Lusitanos. Inicia-se
aqui o plano de batalha que mais usado vai ser pelos Lusitanos, a emboscada e o
fingimento da fuga e o regresso repentino ao combate, surpreendendo assim
totalmente o inimigo. Confiante na sua vitória irreversível, porque desconhecia
a estratégia lusitana, Lúcio Múmio acaba por perder nove mil dos trinta mil
homens (entre tropas próprias e tropas dos aliados peninsulares) que tinha ao
seu dispor, a crermos na informação de Apiano.
Esta
vitória de Césaro levou os Lusitanos do lado de cá do Tejo, citra tagum, a revoltarem-se também.
Comandados por Cauceno, atacaram os Conii, que habitavam o actual Algarve e
parte do Baixo Alentejo destruindo-lhes a cidade-capital, Conistorgis, que não sabemos onde ficava situada. Outros seguiram o
exemplo e os povos peninsulares começaram todos a sublevar-se o que deve ter
provocado alarme em Roma que, no ano seguinte, envia novo exército com Marco
Atílio no comando. Este consegue penetrar na Lusitânia enquanto os Lusitanos
andavam pela Bética e destrói-lhes a sua principal cidade que seria Oxtracas, cuja localização se
desconhece, enquanto o governador da Citerior destruía Nertobriga que ficaria próximo de Fregenal de la Sierra, província
de Badajoz.
Os
anos seguintes vão ser os mais complicados de toda esta situação, pois são
nomeados para as duas províncias da Hispânia duas das mais sinistras figuras da
História de Roma e da Hispânia, Lúcio Licínio Lúculo para a Província Citerior e
Sérvio Sulpício Galba para a Província Ulterior. Ambos vinham dispostos a
recorrer a todos os meios para pacificar a Hispânia fosse a que custo fosse.
O
primeiro recontro entre as tropas de Galba e os Lusitanos correu mal para as
tropas romanas. Derrotado pelos Lusitanos, Galba retira-se para Carmona para
recuperar forças e Lúculo vem em seu auxílio e, juntos, derrotam os Lusitanos
que são empurrados para a costa, não os deixando atravessar o Estreito de
Gibraltar quando estes o pretenderam fazer.
No ano seguinte, em 150 a. C., os Lusitanos, convencidos da sua superioridade, atacam os dois pro-cônsules divididos em grupos, o que leva a que sejam completamente massacrados. Os dois pretores, a partir daí, devastam a Lusitânia, destruindo e roubando e não deixando que os Lusitanos se reorganizassem. É o que se pode deduzir do que se passa a seguir, com os Lusitanos a fazerem uma proposta de paz aos Romanos. Para demonstrarem a sua boa vontade sacrificaram um homem e um cavalo e Galba, fingindo aceitar a sua proposta, fez saber por toda a Lusitânia que iria proceder a uma divisão de terras novas e férteis. Todos os que as pedissem teriam direito a elas e apenas teriam que se apresentar em local combinado e entregar as armas com que combatiam os Romanos. Reuniram-se cerca de 30000 homens, com idade de pegar em armas e Galba aproveitou para lhes fazer o discurso da miséria, quase decalcando as palavras que Aníbal, uns anos antes, havia pronunciado quando quis incentivar os seus homens a lutar contra os Romanos e a marchar sobre Roma. As causas da guerra eram a miséria em que viviam e a falta crónica de boas terras para cultivarem e ele iria acabar com isso, distribuindo-lhes novas terras onde poderiam apascentar os seus gados e dedicar-se à agricultura. Galba ficou conhecido na História pelas suas qualidades oratórias que o próprio Cícero lhe chegou a elogiar e, portanto, poderemos imaginar o contentamento e sentimento de alívio que os Lusitanos não terão sentido quando Galba lhes propôs esta paz duradoura.
![]() |
| Mapa da conquista da Península Ibérica |
As
palavras de Lúcio Sérvio Galba, no dizer de Apiano, foram as seguintes:
“Foram recebidos amigavelmente e, em seguida, pactuou com eles, fingindo lamentar a situação em que, por
necessidade, se viam obrigados a dedicar-se ao saque, a fazer a guerra e a
faltar aos compromissos acordados. A pobreza dos vossos solos e a indigência em
que viveis – dizia – é que vos força a fazer estas coisas; eu darei boa terra aos amigos necessitados e distribui-la-ei, sem regatear, para que seja
colonizada, dividindo-a em três partes. Atraídos por estas palavras, deixaram
as suas próprias casas e partiram para o lugar preparado por Galba. Dividiu-os
em três grupos, levou cada um para um lugar plano e ordenou que permanecessem
aí até que ele voltasse, assim que encontrasse o território definitivo.
Dirigindo-se aos primeiros, ordenou-lhes que, como amigos que eram, entregassem
as suas armas; e, quando as entregaram, encurralou-os numa cerca, enviou contra
eles os soldados armados e matou-os a todos, embora estes se lamentassem aos
deuses e invocassem as juras feitas. Do mesmo modo, com grande rapidez, matou
os do segundo grupo e os do terceiro, que ignoravam ainda o ocorrido aos
primeiros.”
Como
diz o texto de Apiano, Galba mandou-os dividir em três grupos para facilitar a
tarefa da distribuição de terras. Após isso, as suas tropas cercaram os Lusitanos e Galba ordenou o massacre de todos os ali presentes. Hoje diríamos
que Galba estava a praticar com os Lusitanos, uma política de genocídio, pois,
matando os homens em idade de lutar, os mais jovens e mais fortes, estava a
evitar a procriação dos Lusitanos. Uma forma de acabar com a guerra, era acabar
com a raça lusitana. Galba, como dissemos, estava disposto a lançar mão de
todos os meios para acabar com aqueles que havia tantos anos incomodavam os
Romanos, lutando com eles e sublevando as populações ibéricas para essa mesma
luta. Teriam sido assassinados à volta de nove mil lusitanos e vinte mil
vendidos como escravos, dos trinta mil que estariam presentes. Apenas cerca de
mil teriam conseguido escapar a este massacre de Galba e, entre eles, um
lusitano cuja memória não mais se perdeu até aos nossos dias, Viriato... É esta
a primeira presença de Viriato na História de Roma e da Lusitânia e uma das
poucas vezes em que os historiadores romanos se referem a ele.
No
ano seguinte, Galba e Lúculo, os dois governadores, partem para Roma, carregados
de riquezas roubadas aos Vetões, aos Vaceus, aos Lusitanos e outros povos
peninsulares mas, conhecidas as suas acções em Roma, em vez das honrarias do
Senado e do gáudio da população tiveram a repulsa e a reprovação dos seus
actos.
A
ambos são movidos processos no Senado, mas Lúculo, politicamente bem colocado,
com grandes amizades e com grandes subornos, consegue ver-se livre do processo
senatorial e chega mesmo a erguer um templo em honra de Felicitas, a entidade
divina a quem mais efectivamente devia. Galba, pelo contrário, pouco hábil
politicamente, mas excelente tribuno, excelente orador e melhor ainda
explorador dos sentimentos, não só se defendeu a si próprio no Senado, como
levou a teatralização da sua defesa ao rubro quando compareceu no Senado com os
seus filhos, solicitando ao povo de Roma que os protegesse no caso de ser
condenado à morte. Mas nem assim conseguia a absolvição para os seus actos e
então, num golpe final, prometeu dar metade do que obtivera na Hispânia à
cidade de Roma. O vil metal falou bem alto e Galba foi absolvido e, passados
cinco anos apenas, foi nomeado cônsul, o cargo máximo a que qualquer político
podia aspirar.
A traição de Galba e Lúculo, este contra os Celtiberos, mas sobretudo, as extorsões, as destruições de populações, os roubos e mortes, as atrocidades que estes dois pretores fizeram na Península Ibérica foram de tal ordem considerados contra os valores tradicionais e pátrios que a República Romana defendia que o Senado acabou por criar uma lei que regulava o poder dos administradores provinciais e constituir um Tribunal para o julgamento dos abusos do poder e da corrupção que o enriquecimento súbito proporcionava e ameaçava minar a estabilidade do Império ainda a formar-se. Foi assim que surgiu um tribunal especial chamado Quaestio de pecuniis repetundis e uma lei para enquadramento jurídico destes casos que ficou conhecida como Lex Calpurnia.»
João
Luís Inês Vaz («Lusitanos – No Tempo de Viriato»).
«Após a matança promovida por Galba, parece ter-se seguido um curto período de acalmia. No ano de 147 a. C., porém, um novo bando de lusitanos irrompeu na Ulterior. O governador Vetílio venceu-os e propôs-lhes de novo uma distribuição de terras onde se pudessem instalar. Nesta altura interveio Viriato, ao que parece um sobrevivente da matança de Galba, lembrando-lhes a perfídia dos Romanos e sugerindo-lhes que resistissem, em lugar de negociarem a rendição. O lusitano, aparentemente aclamado como chefe pelo grupo, conseguiu atrair o governador a uma emboscada, em que o venceu e matou. Reagiram os Romanos, enviando contra Viriato um exército composto por mercenários celtibéricos, que foram, por uma vez, totalmente chacinados. Com diversas vitórias obtidas ao longo do ano seguinte, os Lusitanos conseguiram firmar posições em toda a periferia da Andaluzia, conduzindo, mesmo, importantes expedições que penetraram nas regiões sob o domínio de Roma.»
(In
«História de Portugal», Direcção de José Matoso, Primeiro Volume).
BALADRO DE GUERRA
Em
Roma não se formava uma ideia clara das monstruosidades praticadas por Galba.
Diante destes planos de forte administração, e pelas doutrinas da política de
interesse, o quadro da mortandade de trinta mil indivíduos desarmados,
convocados juridicamente pela autoridade do pretor, e chacinados
traiçoeiramente, pouca impressão fazia na alma do povo romano: a falta de
sensibilidade moral preparava a sua marcha decadente para a servidão. Mas o
crime de Galba era daqueles que fazem levantar as pedras! D’entre os montões de
cadáveres, meio incinerados e cobertos de pedregulhos, quando a noite viera pôr
termo à carnificina, levantaram-se cautelosamente algumas das raras vítimas,
que a casualidade resguardara dos golpes sucessivos que esmagavam aquela
multidão inerme; e esses desgraçados, fugindo por entre as trevas cerradas,
espalharam-se pelas montanhas e vales, e foram, de povoação em povoação, de
cidade em cidade, clamando, bradando, fazendo a narrativa da tremenda
catástrofe com que os romanos invasores queriam extinguir os Povos Lusitanos.
Esses
foragidos, ainda cobertos de sangue e de lama tábida, rotos e estropiados,
levados num desvario de quem perdeu a razão pela enormidade do terror,
dispersaram-se pelos campos e foram dar às grandes cidades municipais como
Olissipo, aos Conventos jurídicos como Scalabbis e Jerabriga, narrando o
espantoso sucesso. Por pobras e aldeias, por casais e vilares, por citânias no
alto dos montes, por toda a parte correu o rumor sinistro da mortandade
atrocíssima e iníqua, e não houve fôlego vivo que se não estorcesse em ímpetos
de cólera impotente, em revolta moral contra o maior atentado que à luz do sol
se tinha praticado contra a lei humana. O grito delirante dos foragidos, que
iam de terra em terra repetindo a trágica narração, tornava-se contagioso, e
acordava um profundo instinto de revolta, que ia crescendo como uma onda até rebentar
numa convulsão irreprimível. Os Arevacos, os Tittes e os Belli, povos que
andavam sempre em mortais conflitos, agora achavam-se unidos no mesmo protesto.
Rugidos de cólera irrefreável irrompiam entre os Astúrios, Callaecos, Vacceos e
Carpetanos. Estes olhavam com ansiedade quem daria começo a uma luta, para a
qual nada estava preparado, a não ser um temperamento sempre resistente. Para o
sul os Oretanos, Bastitanos e Edetanos ardiam num rancor exacerbado pela
inqualificável traição de Galba, legítimo representante da fé romana. Já soavam
no ar cânticos de guerra, que levantavam as almas. E até por essas povoações
remotas e mal conhecidas, como Lubara, Aritium, El-bocoris, Araducta, Verurio,
Vellade, Arabriga, Tacubis, cujos nomes os geógrafos romanos e naturalistas não
queriam repetir por considerá-los bárbaros, por onde quer que passaram os
foragidos que escaparam casualmente da horrífica matança, já se formavam troços
de gentes armada com hozes, ou fateixas de arremesso, catanas grossas, pelo
instinto natural da defesa de seus lares.
Esses
poucos foragidos levaram na palavra o incêndio, que se espalhava de cidade em
cidade, de povoado em povoado, narrando desenfeitadamente o crime do governo de
Roma. É certo que a população lusitana estava cansada das recentes e ineficazes
lutas; as cidades confederadas e estipendiárias queriam o sossego da sua vida
laboriosa, suportando sacrifícios da liberdade. Nas cidades dos Turdetanos, como
Balsa, Salácia, Cetóbriga ecoara imprevistamente o caso nefando da carnificina,
e lamentavam não existirem chefes que organizassem a resistência contra o
brutal e monstruoso atentado. E se esta impotência, ao menos, assegurasse
alguns anos de tranquilidade para o sul da Península! Outro pretor que venha,
diante da impunidade deste, até onde levará as depredações e os morticínios!
Os
povos que gozavam das garantias de Município romano não queriam mover-se para
não decaírem dos privilégios que fruíam concedidos pelo conquistador. Os povos
que participavam dos direitos do antigo Lácio obedeciam à mesma tendência
egoísta. Somente entre os povos na situação de tributários poderia surgir um
impulsivo instinto, mas impotente de revolta. Nas cidades dos povos denominados
Célticos e Iberos havia um certo ciúme contra a aspiração hegemónica dos
Lusitanos, mas nem por isso se ligou menos interesse às narrativas dos
foragidos da matança de Galba. Os seus gritos repetidos de terra em terra
chegaram a Laucóbriga, a Castraleuco, Arandis, Mirebriga, e os trabalhadores do
campo interrompiam as bessadas para escutarem esse caso estupendo. As festas
religiosas e as nupciais suspendiam-se à chegada dessas figuras sangrentas, que
pareciam fantasmas ressurgidos do campo da matança para virem reclamar a eterna
vindicta.
Ouvireis
o que bradavam esses foragidos, quase em delírio, alguns caindo no chão
esgotados de sangue que ainda vertiam das feridas, outros borbotando sangue
pela boca, aos gritos convulsivos com que narravam o caso da mortandade.
“O pretor Sérvio Sulpício Galba
convocou para uma assembleia nas campinas da margem direita do rio Tagus, os
três Conventos da Lusitânia Emeritense, Pacense e Scalabitano com as trinta e
seis cidades estipendiárias, recomendando que viessem sem armas, porque se
tratava da distribuição de terras, do estabelecimento de novas colónias, e de
elevar alguns povos tributários aos privilégios de cidades confederadas, de
município romano e do antigo Lácio.
Confiados nas palavras do édito do
pretor, concorreram ao local que lhes fora aprazado, muitos povos, interrompendo
as suas lavouras. E como se fosse para uma festa de paz e congratulação levaram
consigo suas mulheres e filhos, e os anciãos mais venerandos das tribos, como arreféns do seu ânimo pacífico.
O pretor ordenou que se ajustassem
na campina em que tinha mandado plantar uma Árvore de Maio, junto da qual se devia
assinar o pacto perpétuo da concórdia com as tribos lusitanas.
Enquanto se esperava o pretor
cercado da sua Coorte, começaram a aparecer quatro legiões, que se formaram em
orbis, estendendo em ordem de batalha as suas fileiras, e envolvendo como numa
grande muralha toda aquela multidão inerme! Ninguém suspeitava o intuito do
súbito envolvimento.
Os manípulos da legião, com as suas
bandeirolas foram marcando os lugares, que à frente de todos ocuparam os
hastários. Por trás destes ficaram os príncipes dispostos de modo a por entre
eles poderem recuar os que lhes estavam em frente; na terceira linha
estendiam-se os triários, como barreira de resistência.
Depois disso apareceu a cavalaria,
correspondendo quinhentos cavaleiros a cada legião, armados com o gládio
hispânico de dois gumes. Foi então que um gélido terror se apoderou daquele
povo indefeso. As lanças e chuços dos hastários colocaram-se por um movimento
repentino em riste, como formando uma muralha cerrada de espetos.
O pretor Galba não aparecia! Um
pressentimento de morte se estampou na lividez de todos os rostos, quando viram
por detrás dos triários moverem-se torres de madeira, catapultas e balistas.
Com certeza Galba planeara uma
infamíssima traição! Como fugir-lhe? As mulheres, em lamentos atroadores,
abraçavam os filhos, sem perceberem ainda o perigo. Os velhos aconselhavam
prudência, esperando serenos as ordens do pretor.
Neste momento de angústia pesados
calhaus foram de longe arremessados por catapultas contra aquela multidão
compacta, esmagando ali algumas centenas de lusitanos. O grito de espanto
parecia uma tempestade. Os que tentavam fugir foram espetar-se e morrer nas
fileiras cerradas dos hastários; os que se estreitavam uns aos outros num
pânico inconsiderado abafavam-se.
E enquanto iam chovendo os grandes
calhaus arrojados pelas catapultas, caíam sobre a multidão as falaricas ou
lanças incendiárias, que os Romanos tinham tomado dos costumes hispanos, e
outros engenhos arremessavam panelas de pez e estopa ardendo, que os
cestrofendones faziam cair no meio da assembleia.
E como se não bastasse tudo isto
para destruir aquela gente desarmada, os fundibulários baleares mantinham um
chuveiro de pedras sempre certeiras, coadjuvados pelos arcubalistas.
A multidão ainda se movia, embora
não oferecesse resistência alguma, mas Galba, querendo terminar a sua
hediondíssima traição e vendo que o sol já declinava, resolveu o final
extermínio antes do descer da noite. Os cavaleiros recusavam-se à fadiga de
passar à espada tantíssima gente inerme que ainda sobrevivia. Foi então que
Galba se lembrou de como na guerra da Macedónia, Paulo Emílio deveu a vitória
decisiva ao emprego da táctica dos elefantes; e deu logo ordem a que os dez
elefantes oferecidos por Massinissa aos Romanos para servirem nas guerras
contra os Celtiberos, se empregassem agora para acabarem de esmagar os
temerosos rebeldes Lusitanos.
Os elefantes couraçados com chapas guarnecidas
de espadas foram conduzidos para aquele montão de gente, cuja carne e sangue
formava com a terra recalcada uma massa horrenda. De baixo das patas dos dez
elefantes sentiam-se fracassar os ossos das vítimas, e o sangue respingava-lhes
até aos peitos, prendendo-se-lhe nas pernas as tripas que eram causalmente
arrancadas na sua passagem.
A noite vinha descendo caliginosa e
um vapor espesso se erguia dos vales fundos. Foi então, que ainda d’entre o
montão dos cadáveres se ergueu um vulto sorrateiramente, e saltando ao pescoço
de um elefante, o pesado animal caiu redondamente morto em terra! As trevas
iam-se engrossando, e o vulto ágil e escorreito foi assim saltando sobre cada
um dos elefantes, que por seu turno iam caindo mortos! Quem seria esse vulto
extraordinário, que sabia o segredo de dar a morte instantânea a tão poderosos
animais, em cuja pele não penetravam os mais pujantes dardos? Quem quer que
fosse, ele sabia o segredo aprendido nas guerras púnicas: de que a mais leve
picadela no bolbo pela vértebra que toca no crânio do elefante fazia-o cair
fulminado instantaneamente. Assim foram mortos os dez elefantes.
A noite era já cerrada; e enquanto
Galba mandara lançar fogo ao montão dos cadáveres entre os quais foram
encontrados os dez elefantes de Massinissa, d’entre esses cadáveres
escaparam-se alguns indivíduos que se tinham ocultado debaixo dos corpos
exânimes, e que se fingiram mortos: são esses os que anda de cidade em cidade
da Lusitânia e da Turdetânia pedindo vingança! Vingança! Vingança!”
Por
vales e serras, e ressoando de monte a monte, entoava-se um canto de guerra,
que fazia referver o sangue nas veias, exaltando os espíritos ainda os mais
acabrunhados. O Canto pedia mais do que a reflexão, e cada povo
acrescentava-lhe uma nova estrofe, como a aspiração do resgate. A palavra
poética é alada, o prestígio da tradição transpõe idades repercutindo-se na alma
dos vindouros.
BALADRO DE GUERRA
Terra da Lusitânia,
Ensopada em sangue
Por horrendo baldão!
Chamou-nos o Romano
Para a aliança da paz,
Mata-nos à traição!
Vírus de Iniquidade,
Desse fermento de ódio
Brote a destruição.
Que a lança dos Quirites
Se quebre, e em nossa frente
Não se erga legião!
Quem sobrevive ao crime,
E escuta estes lamentos
Da atroz desolação;
Quem perdeu lá seus filhos,
Os pais, entes queridos,
O esposo, o irmão;
Que se revoltem todos,
Peitos sejam escudos,
Lanças raios na mão!
Sofrimento e opróbrio,
A morte e a vingança
Forçam à união!
Vós, Povos da Callaecia,
De Oretânia, Betúria,
Cinésia
região;
Robustos Carpetanos,
Tartéssios, desmembrados
Da Lusónia nação!
Que o mesmo ódio nos una,
Vingai mortos, e os vivos
Salvai da escravidão!
Reviva a Lusitânia,
Ensopada no sangue
Da romana traição.
(In Teófilo Braga, Viriato – A Epopeia Lusitana, Zéfiro, 2.ª Edição, 2015, pp. 23-28).






Nenhum comentário:
Postar um comentário