O Triunfo de Santo Agostinho, de Claudio Coello |
E assim blasfemou dos santos doutores, aprovados pela Igreja, e contra os seus escritos pela mesma Igreja autenticados […].
Item, blasfemou dos opúsculos de Santo Agostinho, bispo de Hipona, e daqueles cujas regras foram aprovadas pela Igreja […].
E, depois de Paulo, julgo que não houve, na Igreja de Deus, maior luz na ciência do que Agostinho, que a Igreja louva […].
Por consequência, este herege, inimigo da Igreja, reprova o que a Igreja aprova e ataca-a violentamente. […]
E aquele que toca nos santos, toca em Deus que os santificou […].
Este herege odeia Agostinho com razão, porque, segundo Bernardo, Agostinho foi o malho dos hereges.
Se, porém, Santo António tivesse sido imundo como este Tomás, a Igreja não o teria canonizado, mas encarcerado, como este imundo herege o foi em Lisboa. E ter-lhe-ia dito também: «Ficam fora os cães, e os feiticeiros, e os impudicos» (Apocalipse, últ.).
Quanto também ao que disse o mencionado e imundo Tomás Escoto, que S. Bernardo teve uma concubina, e que os seus irmãos a podiam ter, disse com falsidade, e blasfemou contra a Santa Igreja, que o canonizou, como há pouco disse. E os monges prometem castidade, na qual nem o Papa dispensa […].
[11] Item, sustentou nas escolas o dito herege Tomás, na minha presença, que a virtude curativa do pai desce para o filho. O que é erro, visto que, se aquela virtude vem de Deus, não é dada por sucessão […], e a graça do Espírito Santo não é dada por sucessão, mas graciosamente […].
[12] Item, sustentou nas escolas, o dito Tomás, quando eu pessoalmente disputava contra ele acerca das suas heresias, que Cristo não dera a S. Pedro e seus sucessores e bispos o poder que tinha na terra, e tal como ele o tinha. O que é contra Mateus, XVI: «tudo o que ligares, etc…» […].
Porém, já acima extirpei mui largamente esta heresia, na primeira parte desta obra. Nesta heresia teve ele por adjuvantes nas escolas alguns falsos religiosos das Ordens dos Mendicantes, que frequentemente atacam o poder papal, desprezam os decretos e o anátema da Igreja contra eles aprovado, consoante lhes disse […].
[13] Item, disse o dito herege Tomás que, antes de Adão, houve homens, e que por eles Adão fora feito; e assim infere que sempre houve mundo, que sempre nele existiram homens, supondo, com o seu idólatra Aristóteles, o mundo eterno.
Porém, esta heresia é destruída pelo Gén., I e II, porque, como aí se diz, antes de Adão não existiu nenhum homem, e o mundo teve começo.
A Queda da Humanidade, de Hendrik Goltzius |
E esta heresia supõe que, na Igreja de Deus, não há remissão dos pecados nem sacramentos. Pelo que também nisto é herege, pois que determina mal acerca dos sacramentos […].
[15] Item, disse o dito herege Tomás que o mundo não deve ter fim. E isto disse, por isso que supõe, com o filósofo pagão, o mundo eterno […]. E assim nega o Juízo futuro, a ressurreição, e a vida do século futuro, que são artigos de fé, conforme se vê nos símbolos da fé «Creio num só Deus» e «Creio em Deus» […].
E assim deve ser considerado um dos piores hereges […].
Mas esta heresia é expressamente destruída em Mateus, últ.: «Eis que eu estarei convosco todos os dias até à consumação do século». […]
[16] Item, blasfemou este herege Tomás, dizendo que Aristóteles era melhor que Cristo, o qual fora um homem mau, e suspenso [na Cruz] por mor dos seus pecados, e que se isolava a falar com mulheres ordinárias. E assim este herege dos hereges nega Cristo, Senhor e homem, que não pecou, e em cuja boca não se achou dolo algum […]. Foi suspenso, na verdade, por causa dos nossos pecados que levou sobre o madeiro da Cruz, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça, como ali se diz.
Que, porém, se isolou com a Samaritana junto do poço, é certo […], porque era o seu Salvador e Messias […]. Ora, os Apóstolos, vendo-o ali falar com uma mulher, embora se admirassem por causa da sua extrema honestidade, contudo não lhe disseram «Por quê e o que falas com ela?» […], porque o não tinham por suspeito. Porque é que, então, este imundo herege nota de imundície o Santo dos Santos, o Filho de Deus e da Virgem, e ele próprio virgem que desposou a Igreja virgem? […]
Por que razão também compara o filósofo idólatra ao seu Criador, o Senhor Jesus Cristo […], e, mais ainda, o exalta, blasfemando contra Cristo?
Porém, este herege nega todos os artigos que falam de Cristo, e, com os Judeus, fá-lo um malfeitor. […]
[17] Item, [afirmou] o dito herege Tomás que Aristóteles fora mais sábio, mais subtil, e falara mais elevado que Moisés. Não é de admirar que diga isto, porquanto, na heresia acima, que começa «Este ímpio herege Tomás também espalhou» […], disse que Moisés fora enganador dos Judeus. Mas, assim como na outra, também nesta fala falso. Na realidade, a ciência natural de Aristóteles não se pode comparar à ciência espiritual de Moisés, que a recebeu imediatamente do Espírito Santo do qual estava cheio […]. A ciência aristotélica é loucura perante Deus, porque […] o que é loucura em Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza em Deus é mais forte que os homens. Ademais, a sabedoria dos filósofos é, não só terrena, como também muitas vezes diabólica; e a de Moisés veio do alto […]. Moisés profetizou de Cristo […]; e o Filósofo ignorou Cristo, sabedoria do Pai […], e, por isso, foi estulto.
Moisés |
[19] Blasfemou também este herege Tomás contra Cristo, dizendo que Ele fazia milagres não por virtude divina, mas por arte mágica e virtude natural. Porém, nesta como em muitas outras heresias sobreditas, judaíza com os Judeus, com os quais de facto conversa noite e dia. […]
Este, pois, infeliz como os Judeus diz que Cristo expulsava os demónios em nome de Belzebu. Mas Ele expulsou os demónios, e opera outras virtudes e curas pelo Espírito de Deus e pelo poder do Espírito Santo, assim como, reunidos os seus discípulos, lhes deu virtude e poder sobre todos os demónios. Na realidade, fazer verdadeiros milagres e curas é próprio só de Deus e daqueles a quem Ele confia esse poder […].
Pelo poder do diabo fazem-se milagres falsos e curas aparentes, não verdadeiras, ou provisórias […]. Por isso, também do anticristo diz o Apóstolo […]: «e a vinda dele é por obra de Satanás com todo o poder, e com sinais e prodígios mentirosos, e com todas as seduções da iniquidade».
Porque este Escoto é feiticeiro e nigromante, e fez falsas curas, lançou a sua raiva contra Cristo, Deus do Céu e da Terra. Se não estivesse possuído do demónio, não diria, como os seus amigos Judeus, que o Filho de Deus expulsava os demónios em nome de Belzebu. Mas, porque nega a Cristo, como acima muitas vezes se provou, contra Ele atira pedras de blasfémias. Segundo Agostinho, tendo Cristo dado aos Apóstolos o poder de curar a natureza […], muito mais ele próprio, Criador da natureza, a reformava e curava, como se vê nos Evangelhos.
[20] Nega também este heresiarca Tomás que há anjos e demónios, judaizando com os Judeus, que estabelecem que não há anjos e que os anjos maus não caíram. Criado o Céu empíreo, logo no princípio ficou cheio de anjos. Lúcifer caiu com os seus sequazes. Isaías, XIV; e Lucas, X: «Eu via – disse – Satanás cair do Céu como um relâmpago». […]
Dos anjos bons e maus fala João em quase todo o Apocalipse, e especialmente nos cap. XII, VIII e IX. […]
O velho e o Novo Testamento estão cheios de anjos bons e maus, demónios, e este pérfido herege nega a sua existência! Oxalá que, por intervenção do Apóstolo, fosse este Tomás apanhado e entregue corporalmente a Satanás, ao menos uma vez, a fim de se salvar no dia do Senhor […], e então este vexame dar-lhe-ia a compreensão de que há demónios, e o conhecimento dos anjos bons e maus, da sua criação e queda, de como se apoderam dos corpos e da sua pessoa e malícia […].
Se este infeliz Tomás não se arrepender sinceramente – o que é difícil -, ouvirá, com os outros ímpios, uma voz dizer-lhe: «Ide malditos para o fogo eterno, que foi preparado para o demónio e para os seus anjos». […]
Como é ele também capaz de negar a existência de demónios, quando a meretriz, sua barregã, juntamente com outros familiares seus, testemunha contra ele que, certas noites, apagada a candeia, pegando na espada, invocando e sentindo com barulho ensurdecedor os demónios, fechada a porta e expulsa a meretriz, caía como morto e ficava por terra, até que ela abria a porta, entrava, o levantava do chão, o punha no leito e se juntava com ele?
Ora, conforme se contém no Livro contra os Demónios, de João Cassiano, os demónios obedecem aos homens de dois modos: ou conjurados por eles em nome do Senhor, se os homens são santos; ou conjurados com seus sacrifícios e adulações, se os homens são pecadores […] (in ob. cit., pp. 213-217).
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