terça-feira, 20 de maio de 2014

Maçonaria e Igreja Católica (i)

Escrito por Marie-France Etchegoin e Frédéric Lenoir








«(...) Em 1738, a Igreja Católica romana condenou oficialmente a maçonaria, o que precipitou declarações públicas do grão-mestre das lojas francesas, o duque d'Anton, que pregava os ideais revolucionários de liberdade, fraternidade universal, amor e igualdade. Sucedeu-lhe o conde de Clement, sob cujo grão-mestrado a maçonaria francesa se desdobrou em vários grupos rivais. Pela morte do duque em 1771, foi eleito para o substituir o duque de Chartres, empossado pelo chefe do Grande Oriente, o organismo governativo da maçonaria francesa, que o separou da Grande Loja de Inglaterra.

O Grande Oriente tinha ligações a muitas outras sociedades secretas ocultistas, entre elas, os martinistas, seguidores de Martinez de Pasqually, adepto rosacruz. Este passou o testemunho a Louis Claude de Saint-Martin, que tinha desistido de uma promissora carreira no exército francês para seguir a senda mística. Saint-Martin ensinava que a humanidade podia atingir a união com a divindade através de um contacto directo com o divino, como ensinavam os gnósticos. Afirmava também que todos os homens são reis e defendia os ideais políticos de igualdade e democracia para todos.

(...) Foi no século XVIII que a tradição dos templários, forçada a ocultar-se na clandestinidade durante perto de quatrocentos anos, começou a emergir como um factor de influência na crença maçónica e rosacruz. O cavaleiro Andrew Ramsay já se tinha referido à influência templária na maçonaria; mas foi Karl Gotthelf, barão von Hund, quem a estabeleceu com firmeza na tradição maçónica, através da fundação do Rito da Estrita Observância. Von Hund tinha sido iniciado numa loja maçónica em Paris, dirigida por Lorde Kilmarnock, grão-mestre da maçonaria escocesa. Esta loja pretendia ser a guardiã da tradição templária e talvez tenha sido a herdeira das crenças dos templários importadas para a Escócia pelos cristãos sírios ou pelos descendentes da loja fundada pelo filho de Eduardo III no século XIV. Em alternativa, os apoiantes da causa jacobita alegavam que a loja maçónica tinha sido fundada na Escócia no início da década de 1700 e obtiveram a autorização de um capítulo maçónico sobrevivente em Bristol, que tinha estado operacional durante várias centenas de anos.

Na sua iniciação à maçonaria, von Hund afirmava ter sido introduzido por uma figura misteriosa denominada Cavaleiro da Pena Vermelha, que mais tarde identificou como sendo o príncipe Charles Stuart. Esta personalidade autorizou von Hund a fundar uma ramificação dos neotemplários na Alemanha. De acordo com a versão da fundação apresentada por von Hund, o capítulo escocês original dos cavaleiros templários tinha sido fundado por dois ingleses membros da ordem, que eram alquimistas e tinham descobreto o elixir da vida.

O mito popular que corria nos círculos ocultistas do século XVIII era que os templários tinham sido iniciados nos conhecimentos gnósticos transmitidos pelos essénios, que tinham também iniciado Jesus nos seus mistérios. Desta maneira, o neotemplarismo era uma tentativa de harmonizar a sabedoria pagã com os seus ideais cristãos. Na maçonaria, a influência dos templários sentia-se no mito corrente no século XVIII que comparava os três cavaleiros renegados que denunciaram a ordem ao rei Filipe de França aos três pedreiros que mataram Hirão Abi no Templo de Salomão. Também se fizeram referências maçónicas ao assassinato de um notável templário, Charles de Monte Carmel, ritualmente assassinado pouco antes de a ordem ter sido extinta. Os seus assassinos esconderam o corpo, sepultando-o debaixo de um arbusto espinhoso, onde foi descoberto por outros templários. Os maçons do século XVIII consideravam este acontecimento como um ponto de viragem na história dos templários, e fundamental para a sua eventual queda.

Segundo os historiadores maçónicos, a sobrevivência da tradição templária foi planeada pelo último grão-mestre, Jacques de Molay, enquanto estava na prisão. Na noite anterior à sua execução, Molay enviou um homem de confiança à cripta secreta em Paris onde estavam sepultados os corpos dos grão-mestres falecidos. O mensageiro retirou dos túmulos vários objectos simbólicos sagrados para a ordem, entre eles a coroa do rei de Jerusalém, um candelabro de sete braços do Templo de Salomão e estátuas da igreja que assinala o local de sepultamento de Jesus.







Molay explicou ao seu fiel ajudante que as duas colunas à entrada dos túmulos dos templários eram ocas e continham uma grande soma de dinheiro. Disse-lhe para utilizar aquele dinheiro e os objectos simbólicos na recriação da ordem, de forma a não se perderem os seus segredos. As duas colunas à entrada da cripta eram provavelmente cópias dos obeliscos situados à entrada do Templo de Salomão. Além das moedas de ouro, as colunas ocas talvez contivessem também manuscritos com os ensinamentos secretos da Ordem dos Templários.

Juntamente com von Hund, houve outro indivíduo a pretender a restauração dos templários na Alemanha: Johann Augustus Starck, que descobriu o templarismo maçónico quando ensinava línguas em São Petersburgo. Contactou isoladamente no sul de França a tradição templária sobrevivente, praticada à moda dos cátaros. Starck estava convicto de que os templários originais tinham herdado a sua doutrina ocultista da Pérsia, da Síria e Egipto, e que esta lhes tinha sido transmitida por uma sociedade secreta essénia que operava no Médio Oriente durante as cruzadas. A sua versão do neotemplarismo teve o patrocínio de aristocratas europeus; e entre os membros das lojas templárias maçónicas contaram-se duques, condes e princípes. Na Suécia, Gustavo III tornou-se o protector do neotemplarismo porque acreditava que tinha sido fundado pelo princípe Charles Stuart e ele era um fervoroso adepto dos pretendentes escoceses e da causa jacobita.

Em 1771, realizou-se uma grande convenção de todas as lojas maçónicas, na qual se defendeu a descendência mítica da Ordem dos Templários. O grupo de Starck amalgamou-se com as lojas fundadas pelo barão von Hund, que, como não podia oferecer provas documentais da origem da sua versão do templarismo, foi obrigado a retirar-se, assumindo apenas uma posição honorífica na nova organização. Na altura da grande convenção, que estabeleceu o lugar do templarismo na tradição maçónica, a Prússia era governada pelo místico Frederico, o Grande, que era maçon e estudante do ocultismo. Em 1767, Frederico fundou duas lojas neomaçónicas: a Ordem dos Arquitectos de África, dedicada à heresia maniqueísta, e os Cavaleiros da Luz, que praticavam as artes mágicas. Frederico foi o protector financeiro da maçonaria ortodoxa, e em 1768 autorizou a construção de uma grande loja para uso dos irmãos prussianos. Um dos muitos títulos usados pelas sociedades secretas maçónicas fundadas por Frederico era os iluminados. Alguns anos mais tarde, o nome foi adoptado por um grupo de ocultistas que, apesar do seu breve aparecimento em público, são considerados figuras-chave na história política oculta ao longo das duas centenas de anos que se seguiram e continuam a ser reverenciadas pelos teóricos da conspiração como a derradeira sociedade secreta.





(...) Os iluminados foram fundados em 1776, o ano da Revolução Americana, por um jovem professor na universidade bávara de Ingoslstadt, Adam Weishaupt. Era de ascendência judaica, mas quando jovem foi educado pelos jesuítas na fé católica. Contudo, quando Weishaupt começou a ensinar direito na universidade, tornou-se apoiante activo da causa protestante, envolvendo-se numa série de azedos debates com eminentes eclesiásticos católicos.

Quando era ainda estudante, Weishaupt estudou as antigas religiões pagãs, familiarizando-se com os mistérios elêusicos e com as teorias do místico grego Pitágoras. Como estudante, redigiu a constituição para uma sociedade secreta modelada pelas escolas pagãs de mistérios; mas só quando foi iniciado na maçonaria é que Weishaupt desenvolveu o seu projecto.

(...) No dia 1 de Maio de 1776, Weishaupt anunciou a fundação da Ordem dos Perfeitos, posteriormente mais conhecidos por iluminados. À primeira reunião da nova ordem assistiram apenas cinco pessoas, mas depressa esta chamou as atenções de membros influentes da sociedade bávara, que partilhavam as ideias políticas igualitárias e socialistas de Weishaupt. Em pouco tempo, os iluminados tinham lojas por toda a Alemanha e Áustria; fundaram-se ramificações da ordem na Itália, Hungria, França e Suíça. Weishaupt desencadeou uma operação secreta para se infiltrar nas lojas maçónicas e instalou uma base de poder no interior da maçonaria continental, como parte do seu projecto a longo prazo para utilizar a sua sociedade secreta para uma mudança política na Europa.

A visão política de Weishaupt era a de um estado utópico em que seria abolida a propriedade, a autoridade social e a nacionalidade. Neste estado anárquico, os seres humanos viveriam em harmonia numa fraternidade universal, baseada no amor livre, na paz, na sabedoria espiritual e na igualdade. Falando antes da Revolução Francesa, Weishaupt disse: "A salvação não reside onde os tronos fortes são defendidos pela espada, onde o fumo dos turíbulos sobe para o céu, ou onde milhares de homens fortes percorrem os ricos campos das colheitas. A revolução que está prestes a explodir será estéril. Não está completa". Isto leva a supor que os alvos principais da reforma eram a monarquia, a Igreja e os ricos proprietários que mantinham na servidão os camponeses europeus.











A natureza antirrealista e anticlerical dos iluminados estava graficamente ilustrada pelo simbolismo místico da cerimónia de iniciação ao mais elevado grau da ordem: o candidato era levado a uma sala onde, em frente de um trono vazio, havia uma mesa sobre a qual estavam o símbolos tradicionais da monarquia - um ceptro, uma espada e uma coroa. O iniciado era convidado a pegar nestes objectos, mas logo lhe diziam que, se o fizesse, ser-lhe-ia recusada a entrada na ordem. Levaram-no depois a uma segunda sala, drapejada de negro. Abria-se então uma cortina e aparecia um altar coberto com um pano negro, em cima do qual havia uma cruz banal e um barrete frígio vermelho, como se usava nos mistérios mitraístas. O barrete era oferecido ao iniciado com as palavras "usa-o - significa mais do que a coroa dos reis". Este ritual é muito semelhante à iniciação ao mitraísmo, quando ao neófito são estendidas uma espada e uma coroa e ele as rejeita, dizendo "só Mitra é a minha coroa".

Adam Weishaupt criou uma rede de agentes iluminados por toda a Europa, com acesso a cardeais, príncipes e reis. Estes agentes faziam chegar ao grão-mestre os mexericos e a intrigas das cortes, informações que Weishaupt utilizava para os seus objectivos políticos. Homens e mulheres eram iniciados na ordem e Weishaupt pregava a igualdade sexual. Entrou em conflito com a Igreja por ensinar aos seus discípulos que a liberdade religiosa era um direito de cada um. Estava convencido de que, se as massas se libertassem dos grilhões da religião, exigiriam a liberdade política e o direito de gozar a vida sem o colete-de-forças imposto pelos ensinamentos puritanos da Igreja em matéria sexual. Alguns escritores que abordaram o tema dos iluminados, especialmente os que apresentam Weishaupt como protocomunista, descreveram a ordem como sendo ultramaterialista. É verdade que Weishaupt nutria um ódio quase patológico pela religião instituída, mas não pode negar-se que era um indivíduo espiritual, embora a sua espiritualidade tivesse certamente horrorizado os eclesiásticos que se lhe opunham.

Weishaupt acreditava firmemente na redenção da humanidade e na restauração do ser humano ao estado de perfeição que, segundo acreditava, existiu nos dias tranquilos anteriores à queda. Tal como os rosacruzes e os maçónicos, Weishaupt acreditava que a redenção era possível com a aplicação das tradições ocultas preservadas pelas escolas de mistérios pagãs, guardiãs da antiga sabedoria. Acreditava também que a Igreja era uma organização corrupta que tinha perdido os ensinamentos originais de Jesus e que estava preocupada apenas em continuar a deter o poder por motivos materialistas. A doutrina secreta do cristianismo, julgava ele, estava preservada nas tradições rosacruzes e maçónicas. Weishaupt diferia dessas duas sociedades secretas na medida em que estava determinado a derrubar o sistema político existente, mesmo que esse objectivo só pudesse ser alcançado por métodos violentos. Foi a tentativa dos iluminados para derrubar os Habsburgo em 1784, desmascarada por espiões da polícia que se tinham infiltrado na ordem, que culminou na proibição, decretada pelo governo bávaro, de todas as sociedades secretas, e nos seus esforços para reduzir à clandestinidade os seguidores de Weishaupt.








A participação dos iluminados nos acontecimentos que levaram à Revolução Francesa em 1789 foi objecto de considerável especulação e sensacionalismo. Diz-se que um dos fundadores da revolução, o conde de Mirabeau, era um proeminente iluminado. Também se afirmou que o projecto básico para o levantamento foi debatido na Grande Convenção Maçónica de 1782, em Wilhelmsbad, em que Mirabeau participou como observador. Supostamente, Mirabeau teria confessado a outros delegados na Convenção que era discípulo da heresia albigense. O seu objectivo era abater a monarquia francesa e destruir a Igreja Católica para que se pudesse estabelecer em França uma "religião do amor".

Quando regressou a França, Mirabeau introduziu a filosofia do iluminismo na sua loja maçónica, cujos membros incluíam vários activistas políticos que se tornaram importantes revolucionários, e que mais tarde serviram sob as ordens de Napoleão. Por volta de 1788, em quase todas as lojas do Grande Oriente havia infiltrados que eram apoiantes de Weishaupt, especializados em espalhar as políticas de terrorismo contra o estado, a abolição da monarquia, a liberdade religiosa, a permissividade sexual e a igualdade social.

(...) De 1785 a 1789, várias lojas maçónicas em França trabalhavam a tempo inteiro para derrubar a monarquia e o governo instituído. Muitos maçons franceses, porém, mantiveram-se fiéis à causa monárquica durante a revolução; apenas alguns tomaram parte activa no radicalismo da época. Mesmo nas fileiras dos revolucionários havia indicações de que elementos liberais se opunham ao papel desempenhado pelas sociedades secretas. Em 1789, o marquês de Luchet, que apoiava a revolução, afirmava: "Existe uma conspiração a favor do despotismo contra a liberdade, da incapacidade contra o talento, do vício contra a virtude, da ignorância contra o iluminismo. Esta sociedade [secreta] visa governar o mundo".

Fosse ou não movido pelo aviso de Saint-Germain, em Junho de 1789, o rei francês tentou antecipar os elementos revolucionários, anunciando um programa de reformas sociais. Infelizmente, exigia também a preservação da monarquia, tendo a nobreza o poder de vetar quaisquer alterações na política. Algumas semanas depois, o poder absoluto da monarquia foi posto em causa por revoltas populares em muitas cidades por toda a França, culminando na tomada da Bastilha. Este acontecimento conduziu às mais importantes reformas políticas da revolução, entre elas a criação da república e a secularização da Igreja, culminando nas execuções em massa da aristocracia e da família real durante o reinado do Terror.







Foi notável a influência directa da tradição maçónica-iluminista na revolução. Na literatura revolucionária desse período, o símbolo iluminista do olho inscrito no triângulo aparece nas capas dos livros, e o barrete frígio vermelho, copiado dos mistérios de Mitra e dos ritos iniciáticos dos iluminados, foi adoptado como chapéu das milícias de cidadãos. Supostamente, Mirabeau teria dito quando da tomada da Bastilha: "A idolatria da monarquia recebeu um golpe mortal desferido pelos filhos e filhas da Ordem dos Templários". Os dogmas maçónicos da liberdade, igualdade, fraternidade tornaram-se o grito de guerra da multidão, ao mesmo tempo que a bandeira vermelha, símbolo maçónico do amor universal, era desfraldada nas ruas pelos revolucionários. Diz-se que, no momento em que o rei francês era executado, uma voz gritou no meio da multidão: "Molay está vingado!".

Nos primeiros dias da revolução, o anticlericalismo dos iluminados foi conscientemente adoptado pela multidão, como se provou pelos ataques contra a igreja e pela destruição da propriedade eclesiástica. Uma litografia publicada na época mostra um homem nu olhando para o céu; está em pé em cima de uma árvore abatida e numa das mãos segura uma enxada. Nos ramos da árvore há emblemas do estado e da igreja. No fundo, o clarão de um relâmpago ilumina o céu e mostra uma coroa a arder. Nesta gravura, o homem arquetípico, simbolizando o homem comum, dirige-se ao Ser Supremo. Dá-se assim a entender que, apesar da sua atitude anticlerical, os revolucionários continuavam a acreditar numa forma de espiritualidade monoteísta. No auge das reformas políticas, até o fanático Robespierre atacava o povo inculto que apoiava a revolução mas apregoava o materialismo. Condenava também os intelectuais que, nas suas teorias da vida, não encontravam lugar para o conceito de Deus. Outro importante activista político da altura, Cemot, afirmava: "Negar o Ser Supremo é negar a própria natureza".

Um ano após o início da revolução, a terra em França tinha sido dividida entre os camponeses, a escravatura tinha sido abolida nas colónias francesas, tinha sido criado o controlo dos preços de forma a proteger o nível de vida dos pobres, e tinha sido criada uma instituição democrática. A Comissão de Salvação Pública aprovou leis que introduziram a educação livre, serviços médicos gratuitos e as linhas de orientação para um estado-providência. Contudo, o preço a pagar por estas reformas foi elevado: o receio de uma invasão estrangeira e de uma contrarrevolução levou à ditadura centralizada de uma nova classe dirigente e ao Terror que destruiu qualquer oposição à alegada traição aos objectivos propostos pela revolução. Tal como em todos os movimentos políticos radicais, os que defendiam a substituição do status quo depressa se deixaram seduzir pelo poder que tinham alcançado, tornando-se opressores piores do que os tiranos que tinham derrubado.





O papel dos iluminados e dos maçons na Revolução Francesa ficou baralhado com o abandono dos elevados ideais do movimento político que tinham instigado as reformas sociais originais. O radicalismo das lojas maçónicas anteriormente à revolução tinha alienado a sua tradicional comitiva entre as classes aristocráticas em França. Mesmo antes de 1789, os aristocratas começaram a demitir-se das lojas que promoviam o socialismo e, como resultado, a sua organização ficou seriamente enfraquecida. Por volta de 1792, muito poucas lojas maçónicas continuavam em actividade e o movimento vivia num estado de apatia. As que tinham sobrevivido enfrentavam a hostilidade do governo revolucionário. Em Versalhes, em 1792, o antigo grão-mestre de uma loja maçónica templária foi linchado por uma multidão enfurecida. Por todo o lado, a maçonaria caiu debaixo de suspeita; os detentores do poder consideravam o seu papel de sociedade secreta como uma cobertura para a contrarrevolução. Considerando o facto de ter sido fundamental para a revolução, é irónico que no espaço de poucos anos a maçonaria francesa se tenha tornado uma vítima do monstro que ajudara a criar.

Logo em 1791, começaram a circular acusações relacionadas com o papel dos maçons e dos iluminados, baseadas principalmente nas confissões de Cagliostro, que tinha sido preso pela Inquisição em 1789. Numa tentativa de salvar a vida, o conde falou aos acusadores da conspiração internacional tramada pelos iluminados, os neotemplários e os maçónicos, com o objectivo de iniciar revoluções em toda a Europa. Revelou que o seu objectivo último era completar o trabalho dos primitivos cavaleiros templários, derrubando o papado ou infiltrando agentes no colégio dos cardeais, de forma a conseguir que por fim fosse eleito um papa iluminista.

Nas suas confissões, Cagliostro admitiu que largas somas de dinheiro tinham sido colocadas por representantes dos iluminados em bancos da Holanda, Itália, França e Inglaterra, para financiar futuras revoluções nesses países. Afirmou mesmo que a casa Rothschild, a família internacional de banqueiros fundada em 1730, tinha fornecido os fundos necessários para financiar a Revolução Francesa e que funcionava como agente secreto dos iluministas.




(...) Por volta de 1796, as acusações de envolvimento de maçónicos e templários na Revolução Francesa tinham-se tornado correntes. Apontava-se que Molay tinha estado preso na Bastilha e esta tinha sido o primeiro alvo da multidão parisiense. Faziam-se ligações entre os templários e os jesuítas, baseadas em provas superficiais de que ambos os grupos estavam empenhados em criar uma "Igreja dentro da Igreja". Alegava-se que o duque de Orleães, grão-mestre da maçonaria francesa e amigo íntimo de Mirabeau, estava envolvido numa conspiração iluminista contra a família real francesa. Também se dizia que tinha praticado um ritual secreto ocultista, utilizando na operação despojos pertencentes a Molay. Não se sabe se se trata dos objectos sagrados tirados às escondidas da cripta dos templários em Paris na véspera da morte do grão-mestre.

Em 1796, foi publicado o livro Le Tombeau de Jacques de Molay [O Túmulo de Jacques de Molay], no qual se afirmava que a revolução francesa tinha sido obra de anarquistas cuja linhagem remontava aos templários e aos assassinos. Em 1797, um padre jesuíta, o padre Augustin Barruel, publicou uma obra, Memoires pour servir à l'histoire du Jacobinisme [Memórias para conhecer a história do Jacobinismo], em que traçava a sobrevivência da heresia maniqueísta através dos cátaros, dos assassinos, dos templários e dos maçónicos, defendendo que era esta heresia a responsável pela Revolução Francesa. Defendia também que a Guerra Civil Inglesa tinha resultado de uma conspiração dos templários.

A revelação de uma alegada conspiração iluminista com o objectivo de uma revolução universal foi recebida com sobressalto pelas outras famílias reais europeias. Tinham acompanhado os acontecimentos ocorridos em França e estavam convencidos de que em breve chegaria a sua vez. Antes da insurreição em França, a polícia na Prússia e na Áustria estava em estado de alerta para frustrar as ameaças de subversão oriunda das sociedades secretas. Em 1790, o governo bávaro decretou que a filiação nos iluminados seria considerada crime capital. O receio das sociedades secretas estendeu-se mesmo à Inglaterra, quando o parlamento debateu a Lei das Sociedades Ilegais que proibiria a maçonaria. A lei não foi aprovada porque os confrades ingleses nunca se tinham intrometido na política, e eram apoiados pela aristocracia e pela família real».

Michael Howard («Sociedades Secretas. A sua influência e o seu poder desde a Antiguidade até aos nossos dias»).




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«(...) Para não deixar passar em claro o caso português, muitas vezes incluído no âmbito mediterrânico devido ao facto de Portugal estar geograficamente integrado na Península Ibérica, diga-se que seguiu o exemplo dos países que não limitaram a acção das lojas maçónicas. Mais ainda: como aconteceria noutras regiões da Europa, as primeiras organizações maçónicas foram instaladas em 1727 por delegados de lojas francesas oriundos de Paris. No entanto, Portugal não esteve isento da influência britânica, iniciando-se muitos trabalhos e oficinas em Lisboa por acção da Grande Loja de Inglaterra. Essa actividade maçónica, que não se limitou a Lisboa, nunca foi inteiramente suspensa, salvo em ocasiões já muito recentes.

Por outro lado, a Maçonaria portuguesa do século XVIII não perdeu de vista o que se estava a passar em Espanha, dadas as semelhanças socio-políticas entre os dois países. Em 1738 havia duas importantes lojas em Lisboa; uma constituída por súbditos britânicos protestantes e outra integrada por católicos irlandeses, mas foi apenas no tempo do marquês de Pombal que a Maçonaria portuguesa alcançou o ponto mais alto do seu desenvolvimento. Sebastião José de Carvalho e Melo, nome do marquês de Pombal, tinha sido embaixador de Portugal em Londres, onde terá sido iniciado em 1744 [Há quem defenda a tese de que o marquês de Pombal teria sido iniciado em Viena]. Depois da sua morte, durante o reinado da Rainha Maria, foi desencadeada uma forte perseguição aos maçons, situação que acabou por se agravar quando foram conhecidos os acontecimentos revolucionários em França. Por volta de 1800 existiam apenas cinco lojas na cidade de Lisboa, sendo quase todas elas dirigidas e compostas por cidadãos de origem inglesa e francesa. Talvez esteja aí a causa de que só em 1804 tenha sido regularizada em definitivo a Grande Loja de Portugal...».

Miguel Martín-Albo («A Maçonaria Universal. Uma Irmandade de carácter secreto»).


«(...) Adam Weishaupt nasceu a 6 de Fevereiro de 1748, em Ingostadt; em criança, foi educado pelos padres jesuítas, que nele instilaram não só a discrição, como também o respeito pela obediência hierárquica da Companhia de Jesus (ou Jesuítas). Contudo, a despeito dessa precoce ligação à ordem, a sua nomeação, em 1775, como professor de Direito Natural e Direito Canónico na Universidade de Ingolstadt enfureceu os seus professores, pois não só acaba por vir a perfilhar graves pontos de vista liberais e cosmopolitas, como também "condenava o fanatismo e os padres supersticiosos". Contudo, nem todos estavam contra ele, pois não precisaria de muito tempo para conquistar uma boa reputação entre estudantes e professores e até elementos das universidades vizinhas se sentiam impressionados com os seus ensinamentos. Talvez esse apoio tivesse transmitido confiança a Weishaupt, o que, sem dúvida , conduziu à sugestão de vir a tornar-se dirigente de um grupo mais influente.






No dia 1 de Maio de 1776, com a ajuda do barão Adolph von Knigge, Weishaupt formou a "Ordem dos Perfeccionistas", que mais tarde se tornou conhecida como illuminati. Curiosamente, desde então alguns historiadores afirmaram que a data da fundação estabelece a origem do dia da celebração do 1.º de Maio comunista, conquanto existam poucas provas que apoiem esta teoria. Aquilo de que temos a certeza, é que, em 1777, Weishaupt foi convidado a aderir a uma loja maçónica, a Theodor zum guten Rath (Loja Theodor), em Munique. Ele aceitou o convite, embora a maior parte das suas energias ainda estivesse a ser dedicada aos illuminati, cuja doutrina era constituída por uma estranha mistura de misticismo islâmico, disciplina mental jesuíta e alguns dos ensinamentos da propria Maçonaria, muitos dos quais também acarinhavam a ideia de "iluminação". Todavia, o grupo de Weishaupt tinha completa liberdade de acção, com agenda e iniciativa próprias.

Apesar de os illuminati estarem completamente separados dos maçons, surgiu um relato apócrifo em torno do conceito, que conta como um mensageiro chamado Lanz, que recentemente aderira aos illuminati, foi atingido por um raio quando transportava um conjunto dos documentos mais importantes de Weishaupt. Lanz morreu, mas ao descobrirem o seu corpo, as autoridades encontraram também os documentos de Weishaupt, dizendo-se que neles se revelava um elo directo entre o seu grupo e a Maçonaria.

(...) "O seu esquema [de Weishaupt] parece ser calculado não tanto pelo facto de unir pessoas com sentimentos semelhantes numa sociedade, mas por seduzir aqueles com inclinações opostas e, pelo processo mais artificioso e detestável, obliterar gradualmente das suas mentes qualquer sentimento moral e religioso. Principalmente, é sob este aspecto que esse plano de sedução desperta a atenção da humanidade, já que desenvolve a política secreta e insidiosa pela qual os agentes de facção e da infidelidade actuam sobre os seus discípulos que ainda albergam ideias próprias, até a mente ficar envolta num erro confuso, ou enredada em armadilhas das quais não há como sair" [Proof of the Illuminati, Seth Payson e Benedict Wiliamson. Originalmente impresso por Samuel Etheridge, 1802; Invisible Press, 2003].

Por volta de 1780, os illuminati tinham aumentado o seu poder e o co-fundador, Knigge, registava o modo como o grupo conseguira arregimentar quase dois mil membros em toda a Europa.

(...). Mas isto era a Baviera de meados do século XVIII - um estado altamente conservador, concentrado em si mesmo, dominado pela Igreja Católica romana, que não via com bons olhos o tipo de racionalismo radical de Weishaupt nem os seus argumentos de as nações e a religiões deverem ser abolidas, juntamente com ideias institucionalizadas como a propriedade e o casamento. Em consequência, os illuminati foram classificados como sediciosos e, em 1784, o governo bávaro baniu a sociedade. Subsequentemente, Weishaupt perdeu a sua posição na Universidade de Ingolstadt e fugiu da Baviera, rumo ao santuário de Gotha.

Ironicamente, e apesar do aparente colapso dos illuminati, a corrente literária detractora, alimentada por todos aqueles que se opunham às crenças por eles perfilhadas, contribuiu para que, na actualidade, pudéssemos conhecer melhor o grupo. Há dois livros específicos que se destacam: Proofs of Conspiracy Against All the Religions and Governments of Europe, publicado na Irlanda em 1797, escrito por John Robinson, professor da Universidade de Edimburgo e um trabalho do abade Augustin Barruel, Memoirs Illustrating the History of Jacobinism (também publicado em 1797, um volume de quatro tomos que contém várias teorias conspirativas vívidas que envolvem não só os illuminati como também os maçons, os cavaleiros templários e os rosacrucianos. De acordo com o autor, cada uma destas seitas tinha por objectivo o banimento não só da religião, mas também das instituições políticas e governamentais.






Dos quatro volumes da obra de Barruel, os primeiros dois são dedicados à campanha contra a cristandade levada a cabo por filósofos europeus, entre eles franceses da estirpe de Voltaire, Diderot e Rousseau. O terceiro volume refere-se aos illuminati - particularmente ao modo como Weishaupt recrutou vários líderes franceses, alemães e outros dirigentes maçons europeus para aderirem à sua nova sociedade, unindo assim as diferentes facções sob o controlo geral dos illuminati. No quarto volume, Barruel acusa os illuminati de serem a verdadeira causa da Revolução Francesa (1789), episódio do qual, segundo ele, a França nunca chegou a recuperar verdadeiramente.

Tanto o livro de Barruel como o de Robinson causaram um impacto profundo quando foram publicados e, mesmo decorridas várias décadas, as suas denúncias continuavam a ser lidas por estadistas eminentes. Dizia-se, por exemplo, que na América, George Washington concluíra que os os governos corriam o perigo de serem derrubados pelos iluministas, ao fazerem entrar em cena o jacobinismo revolucionário. Washington não era o único a sentir esse temor. Outros americanos proeminentes (na verdade, quase todos menos o próprio secretário de estado de Washington, Thomas Jefferson), temiam os iluministas e amplificavam as teorias de Barruel e de Robinson publicando os seus próprios livros. Um deles foi Seth Payson, que escreveu Proof of the Illuminati, cuja primeira edição data de 1802. Entre as numerosas acusações que podemos encontrar nas suas páginas, encontra-se uma carta supostamente enviada por Weishaupt (sob o pesudónimo de "Spartacus") a Hertel Canon, de Munique (cujo nome de código era "Marius"), fornecendo pormenores do modo como engravidara a cunhada. "Já fizemos várias tentativas para destruir a criança", escreveu Spartacus, "[...] Para mim, seria muito útil poder confiar no sigilo de Celse (professor Buder, em Munique). Ele já me tinha prometido ajuda há três anos. Se achar conveniente, mencione-lhe isso".

(...) Robinson esforça-se para assinalar que, apesar de Weishaupt preferir manter-se como uma figura obscura dentro da sociedade, havia outros membros da sua ordem que se destacavam, de modo a poderem recrutar activamente novos filiados. "São os minervas", dizia Robinson. "São os únicos membros visíveis dos illuminati e para que um candidato seja admitido no grupo, tem de ser apresentado a um minerva que, por sua vez, fará chegar o pedido ao conselho. Depois, decorre um período durante o qual o candidato é secretamente observado. Se for considerado inadequado, o pedido não terá seguimento; caso seja bem sucedido, recebe um convite para assistir a uma conferência secreta, onde é recebido como noviço".

"Mas", escreveu Payson, num estilo verdadeiramente conspirativo, "os insinuadores são os principais agentes da propagação da ordem. São espiões invisíveis à procura de quem possam devorar, pessoas cujos nomes estão inscritos nos seus blocos de papel, dos quais estão sempre bem fornecidos e que, segundo eles, poderão ser úteis à ordem, onde indicam os motivos a favor ou contra essa admissão".






Com a utilização de uma linguagem tão emotiva, não custa a crer que a reputação dos illuminati fosse de temer. Mas o abuso não se fica por aqui, pois Payson prossegue na explicação do modo como os insinuadores, uma vez seleccionado o alvo, regressam para "seduzir" essas vítimas involuntárias até que, tendo sofrido a lavagem cerebral, elas se tornam pupilas dos illuminati.

Sob muitos aspectos, esta metodologia reflecte a prática actual dos cultos quando procedem ao recrutamento de novos membros: a iniciação gradual das vítimas intencionais, levada a cabo por membros do grupo que foram especialmente treinados para essa tarefa. No entanto, assim que o candidato se tornava membro convicto dos illuminati, passava a ter muito pouco em comum com os seus congéneres actuais, pois, sob a tutela de um instrutor, a sua primeira tarefa seria aprender que o "silêncio e o secretismo constituem a alma da ordem". Para este propósito, cada membro dos illuminati recebia um novo nome - realmente o único pelo qual passaria a ser conhecido pelos outros dentro do grupo (deste modo, Weishaupt era conhecido por Spartacus, Knigge por Philo, etc.) - atribuindo-se inclusivamente nomes codificados aos lugares (por exemplo, a Baviera era Acaia, Munique era Atenas, Viena era Roma, Áustria era Egipto, etc.). Depois de digerir toda esta informação, exigia-se ao noviço que aprendesse os estatutos da sociedade, sendo vital que o conhecimento da humanidade era o mais importante e, para o alcançar, o novo membro ficava encarregado de uma análise constante do mundo e de anotar todas as observações que fazia. O noviço tinha também de presentear os superiores com um relato escrito da própria vida, assinalando os pormenores como o local onde nascera, os inimigos que tinha, os seus amigos, aquilo de que gostava e não gostava, documentos secretos e todo o tipo de informações pessoais. Abordavam-se então essas revelações, que eram analisadas sob o aspecto da aceitação ou rejeição do candidato. Caso fosse aceite, requeria-se ao noviço que se submetesse a uma cerimónia de iniciação.

A altas horas da noite, era conduzido a uma sala pequena e pouco iluminada, onde o inquiriam sobre a sua disponibilidade para se devotar à ordem. De acordo com várias fontes, era necessário fazer um juramento solene de espada apontada, que incluía um voto de silêncio eterno e total obediência à ordem, sob pena de morte. Era então concedido ao noviço o título de "minerva". Era neste ponto, pelo menos assim afirma Payson, que os illuminati e os maçons convergiam. Posto isto, para além de nos dizer que os minerva aderem a uma loja (termo normalmente usado pelos maçons), Payson não nos proporciona mais nenhuma evidência de conexão.



Era hábito os minervas reunirem-se em grupos, sob a tutela de um superior mais iluminado. No decorrer das reuniões eram estimulados a discutir muito pormenorizadamente o iluminismo, as suas leis e os actos que eram aceitáveis, ou não, no seio da ordem. Por exemplo, em determinadas circunstâncias, o suicídio era sancionado. O mesmo acontecia relativamente ao roubo ou assassinato, podendo ambos ser praticados para o bem do grupo. Como sempre, no decorrer dessas discussões, os noviços, ou minervas, eram cuidadosamente vigiados pelos superiores, que julgavam permanentemente a sua adequação para a ascensão ao grau seguinte na escada dos illuminati.

A seguir à posição de minerva, vinha a de illuminatus menor. Nesta fase, era dever do instrutor remover qualquer traço de preconceito político ou religioso que pudesse existir no noviço. Adicionalmente, exigia-se ao noviço que estudasse as artes secretas dos illuminati - como a do controlo da mente e da ocultação dos verdadeiros sentimentos pessoais. Ultrapassado este estágio do treino, o illuminatus menor ascendia ao título de illuminatus maior, ou noviço escocês. Uma vez mais, Payson esforçava-se para apontar a proximidade do processo à lavagem cerebral. "É impossível", escreveu, "[...] apresentar uma visão do processo lento, artificioso e insidioso pelo qual a mente é poderosa e insensivelmente afastada da posse dos anteriores princípios e bombardeada com a agradável ideia da rápida chegada às regiões da sabedoria sublime".

No estádio de noviço escocês, sob a orientação do seu novo conselheiro, era-lhe requerido que se familiarizasse com as muitas misérias humanas, misérias que os illuminati atribuíam à pressão por parte da igreja e do estado, sofrida pelos cidadãos de todas as nações. Quando o noviço completava este período de estudo, recebia o título de cavaleiro escocês, o estádio imediatamente anterior ao de iluminismo total. Este estádio diferia radicalmente dos anteriores porque, em vez de permanecer confinado a câmaras escuras e ao secretismo, um cavaleiro escocês tinha o privilégio de ingressar numa nova loja, cujo esplendor não tinha igual. Além do estudo de mais regras e regulamentações, o cavaleiro escocês tinha a tarefa de converter em vantagens para os illuminati todas as oportunidades que lhe surgissem.

Tendo ultrapassado estes testes, chegava o momento de o noviço conhecer os "mistérios menores" dos illuminati, revelações que requeriam a concessão do título de "padre" ou "edopt". Neste papel, era-lhe ensinado que, na Terra, nenhuma religião ou governo tinha a capacidade de responder às necessidades da humanidade e que os únicos meios eficazes para fazê-lo eram as sociedades que detinham o privilégio de conhecer o segredo de Jesus.


É oportuno dizer aqui que o credo dos illuminati era concordante com o dos maçons, afirmando que o segredo de Jesus fora revelado para a reintegração da humanidade no seu anterior estado de liberdade e igualdade. Um dos símbolos utilizados na Maçonaria é uma pedra desbastada, que representa a natureza primitiva do homem, selvagem, mas essencialmente livre. A pedra cindida representa a natureza ruinosa da humanidade, dividida entre o estado e a religião.

(...) O edopt tinha o direito de usar uma túnica branca, cingida por um largo cinto vermelho, com fitas igualmente vermelhas opostas a uma manga. Após ter atingido a posição de edopt era permitido ao noviço prosseguir, avançando para o papel de regente, posição que lhe requeria ser conduzido à sua loja como escravo, acorrentado, condição destinada a representar a posição miserável da humanidade humilhada pela sociedade e pelo governo. Uma voz oriunda do interior da loja nega-lhe, então, a entrada, afirmando-lhe que só os homens livres têm a possibilidade de transpor a porta; a isto, o guia do noviço responde que o desejo do edopt é tornar-se livre; que alcançou a iluminação; que foge de todos os tiranos e procura refúgio apenas entre os homens livres.

Por volta de 1784, tanto a Igreja como o Estado zelaram para que as actividades de Weishaupt fossem significativamente restringidas. Payson (baseando as suas provas nas descobertas de Barruel e Robinson) declarou que esta mudança de acontecimentos surgiu devido à descoberta de publicações perigosas - várias das quais nos conduzem à loja Theodore, da qual Weishaupt era membro, claro está. O eleitor da Baviera instruiu a loja para restringir as suas actividades. Ao ser ignorado, não teve outro remédio senão ordenar um inquérito judicial, que levou à descoberta de várias outras lojas maçónicas estarem associadas a um grupo chamado os illuminati. Foram presos quatro professores, Utschneider, Cosandey, Renner e Grundberger, que, mais tarde, deram testemunho das práticas tenebrosas dos seus respectivos grupos - actividades que se estendiam das práticas sexuais ilícitas ao suicídio. Foi nesta altura que Weishaupt foi destituído do seu posto na universidade e expulso da Baviera. Diz-se que posteriormente vieram a lume vários documentos que ilustravam a natureza verdadeiramente perniciosa da sociedade illuminati. Barruel, no seu livro sobre o jacobinismo, afirma que o extracto a seguir constitui uma citação directa de uma das cartas de Weishaupt:

"É muito apropriado levar os vossos inferiores a acreditarem, sem lhes revelar o verdadeiro estado do caso, que todas as outras sociedades ocultas, particularmente a Maçonaria, são secretamente dirigidas por nós. Ou que, como ocorre realmente em alguns estados, os monarcas poderosos são governados pela nossa ordem. Quando acontecer alguma coisa notável ou importante, mencionem que teve origem na nossa ordem. Se alguém atingir uma reputação elevada pelos seus próprios meios, facultem a todos o conhecimento de se tratar de um dos nossos".











Apesar destas directivas, uma vez expulso, Weishaupt pouco podia fazer para manter os illuminati em actividade. Nesse momento, parece que toda a sociedade se desvaneceu serenamente. Isto até há pouco tempo, ao aparecer uma mão-cheia de pesquisadores contemporâneos que afirmaram que os illuminati bávaros acordaram e estão novamente em acção, alimentando ainda o objectivo de estabelecerem uma Nova Ordem Mundial. As suas provas parecem estar baseadas na emergência de várias organizações tão diversificadas como a Sociedade Skull and Bones de Yale e o Grupo Bilderberg.

O primeiro é um clube de elite do qual, entre alguns dos homens mais poderosos do século XX, são membros vários presidentes americanos. Fundado em 1832, pouco depois da abolição dos illuminati bávaros, é voz corrente que a Sociedade Skull and Bones não passa de uma versão do Novo Mundo do tipo de sociedades tão vulgares na Alemanha durante os meados do século XIX. Não é então de admirar que se afirme que este grupo é um ninho de intrigas e conspirações dos illuminati. Vários críticos continuam a exigir a extinção do clube, numa atitude muito semelhante à dos detractores do século XVIII. Um deles é Ron Rosenbaum, colunista do New York Observer. Rosenbaum diz: "Penso que na América existe uma desconfiança profunda e legítima relativamente ao poder e ao privilégio que estão envoltos pelo secretismo. Essa não é a nossa atitude. Supostamente, na América deveríamos agir de forma aberta. Logo, penso que qualquer sociedade ou instituição que esconda alguma coisa será um alvo legítimo de investigação".

Outro bom motivo para investigar este clube é o facto de vários presidentes americanos, incluindo George W. Bush (...), assim como seu pai, George H. W. Bush e o seu avó pertencerem alegadamente a este grupo e dizer-se que teriam convidado membros da Sociedade Skull and Bones para participarem dos seus governos.

Mas a Skull and Bones não é a única sociedade secreta potencialmente em actividade nos escalões superiores do governo norte-americano. O Grupo Bilderberg, um círculo elitista de poderosos corretores, banqueiros, economistas e dirigentes mundiais que se reúnem secretamente para dirigir os problemas mundiais, foi formado pouco tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1954, o tema da agenda do Grupo Bilderberg era a cooperação transatlântica, de modo a que pudessem ser prevenidas futuras guerras. Encontrando-se em segredo, normalmente na Holanda, onde o grupo se reuniu pela primeira vez, no Hotel Bilderberg, jamais chega ao público uma única palavra dos seus debates. Será de estranhar que os teóricos das conspirações tenham relacionado esta organização com actuações sombrias, isto para não referir o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial, que só seria superada pelos objectivos perfilhados pelos illuminati? É voz corrente que o bombeiro da cidade de Oklahoma, Timothy McVeigh, e o terrorista internacional Osama Bin Laden, acreditaram na teoria de que "Bilderberg é que toca a música segundo a qual dançam os governos nacionais". Respondendo a esta suposição, o antigo chanceler do Tesouro da Grã-Bretanha, Denis Healey, um dos membros fundadores do Grupo Bilderberg, nega veementemente que o grupo exerça qualquer influência sinistra sobre os problemas mundiais. "Isso não tem qualquer fundamento", disse ele. "Na Bilderberg, jamais cogitámos conseguir um consenso sobre os grandes problemas. Trata-se meramente de um lugar de debate".


























George Clooney









Sede do Council on Foreign Relations (Nova Iorque).













Do mesmo modo, um grupo privado que se autodesigna Comissão Trilateral, formado em 1973 por cidadãos japoneses, europeus e norte-americanos, insiste em que a única função do seu clube não é agir como um ecrã defensor das maquinações dos illuminati, mas como um reservatório do pensamento, para incrementar uma maior cooperação entre os países democráticos industrializados de todo o mundo. A União Europeia também foi acusada de estar envolvida em decisões manipuladas pelos illuminati, tal como as Nações Unidas e o Conselho de Relações Internacionais (CFR). Este último grupo, fundado em 1921, é mais uma organização independente, apartidária, destinada a estudantes e dedicada à promoção de um melhor entendimento do mundo e das políticas externas adoptadas pelos Estados Unidos e outros governos. É isto que o CFR diz ser. Por outro lado, os teóricos das conspirações estão mais inclinados a acreditar tratar-se da ala promotora da elite governante dos Estados Unidos da América, que utiliza os seus membros (todos políticos influentes, académicos ou economistas) para incrementar a causa da Nova Ordem Mundial, transplantando subrepticiamente as suas doutrinas para a corrente principal da vida americana. Nos seus sites e para apoiarem as suas ideias, os teóricos das conspirações servem-se  de citações de todas as pessoas influentes. O trecho que se segue, por exemplo, foi escrito em 23 de Fevereiro de 1945, pelo presidente Roosevelt: "A verdade autêntica, como você e eu sabemos, é que nos grandes centros o poder foi adquirido por um elemento financeiro desde a época de Andrew Jackson". E esta, de Felix Frankfurter, do Supremo Tribunal de Justiça norte-americano (1939-1962): "Os verdadeiros governantes de Washington são invisíveis e exercem o poder nos bastidores". Nenhuma das citações constitui uma exposição falaciosa de algo remotamente clandestino. No entanto, de vez em quando, o que estas pessoas dizem é-nos apresentado como prova concreta de estar em funcionamento uma sociedade secreta que tenta dominar o mundo. Seja a União Europeia, o instituto Commonwealth ou qualquer outro agrupamento multinacional - de cariz político ou económico - os teóricos das conspirações continuam a insistir no envolvimento dos illuminati (entre outros). Apontam também actos de terrorismo, como o de 11 de Setembro, assassinatos, como o de John F. Kennedy e acontecimentos mundiais de todos os tipos como orquestrações dos illuminati.

David Icke, ex-futebolista inglês que se tornou escritor, afirma, num artigo que aparece num site apropriadamente designado www.propagandamatrix.com: "Era evidente que se estava a orquestrar algo de grande magnitude que iria devastar a tal ponto a mente humana através do medo, do horror e da insegurança, que se poderia oferecer 'soluções' que levariam a agenda a dar um salto colossal quase de um dia para o outro. Foi a isso que assistimos nos Estados Unidos no ritualmente significativo dia onze do nono mês -9/11 é o número das emergências nos EUA. Os códigos rituais e esotéricos estão no âmago de todos os empreendimentos dos illuminati..."».

Shelley Klein («Sociedades Secretas»).




Thomas Jefferson



«Enquanto Weishaupt viveu sob a tirania de um déspota e dos padres, sabia que precisava de ser cauteloso com a difusão de informações e dos princípios da moralidade pura. Isso conferiu uma aura de mistério aos seus pontos de vista, foi o fundamento da sua expulsão [...] Se Weishaupt tivesse escrito hoje, em que não há necessidade de secretismo nos esforços que desenvolvemos para tornar o homem sábio e virtuoso, não teria tido necessidade de pensar em nenhum maquinismo para esse propósito».

Thomas Jefferson





ROMA CONDENA (SÉCULO XVIII)

Filha de protestantes anti-papistas, a maçonaria importada de Inglaterra vive um desenvolvimento inesperado nos países latinos e católicos (França, Itália, Espanha e Portugal) ao longo do século XVIII, a ponto de, por vezes, se tornar um verdadeiro fenómeno de moda, sobretudo em França, onde o número de lojas maçónicas explode na segunda metade do século. Aí acotovelam-se aristocratas, burgueses e não poucos eclesiásticos católicos. Embora estes sejam, na sua maioria, padres ou religiosos, também se podem ali encontrar bispos. Este sucesso em território católico é tão mais surpreendente quanto, como já referido, o Papa Clemente XII condenara com firmeza a maçonaria em Abril de 1738, uma condenação acompanhada de excomunhão dos maçons que, em 1751 o Papa Bento XIV reitera.


A BULA DO PAPA CLEMENTE XII

O título da carta apostólica de Clemente XII é eloquente: «Condenação das sociedades ou conventículos chamadas popularmente de Liberi Muratori ou franco-maçons sob pena de excomunhão...». Qual a razão desta cólera papal? É verdade que as origens protestantes da maçonaria não litigam a seu favor aos olhos de Roma. Mas em França ela revela-se uma boa católica. Aliás, a primeira edição das Obrigações da Confraternidade dos maçons, na parte consagrada aos estatutos vigentes nas lojas de França, estipula que «não será recebido na ordem ninguém que não tenha prometido e jurado uma ligação inviolável com a Religião, o Rei e os Costumes». Para além disso, e como o revelam as investigações dos historiadores, a maçonaria, mesmo a anglo-saxónica, nunca se entregou a qualquer ataque à Igreja romana nem produziu qualquer texto anti-católico. De facto, os agravos do Vaticano têm a marca da suspeita relacionada com o segredo que rodeia os trabalhos das lojas maçónicas.








Os motivos avançados pela bula (In Eminenti) de Clemente XII são de três ordens: moral, jurídica e religiosa. Há ainda uma enigmática evocação de «outras causas justas e razoáveis por Nós conhecidas...». Quais? provavelmente razões de cariz político, segundo os historiadores, em particular as que estão associadas ao controlo da Toscana que estava a ser disputado entre o Vaticano e François de Lorraine, este apoiado pelos maçons de Florença... A censura principal entre as que eram explicitamente formuladas por Clemente XII diz respeito ao facto de os maçons «estarem ligados entre si por um pacto tão rigoroso como impenetrável» ao comprometerem-se «através de um juramento prestado sobre a Bíblia, e sob as penas mais graves, a ocultar sob um silêncio inviolável tudo o que fazem na obscuridade do segredo». Esta é seguramente uma «marca de perversão e de maldade», afirma Clemente XII, «pois se eles não fizessem nenhum mal não odiariam a luz a esse ponto...». Prova da justeza desta suspeita, acrescenta, «em vários Estados, essas chamadas sociedades foram proscritas e banidas como sendo contrárias à segurança dos reinos». O Papa faz aqui alusão, sem as nomear, às recentes interdições já pronunciadas pelas autoridades temporais de Hamburgo (1738), Paris (1737) e, na esfera protestante, Haia (1735 e 1737) e Genebra (1736).

Os dois agravos principais estão então explicados. O terceiro é formulado de maneira mais indirecta. As assembleias de maçons congregam, destaca o Papa, «homens de todas as religiões e de todas as seitas, adoptando uma aparência de natural probidade», o que é desmentido, a seu ver, pela sua prática do segredo e pela ilegalidade da sua actividade. Ora, prossegue, é seu dever zelar para que «este género de homens, tal como os ladrões, não arrombem a casa e, tal como as raposas (...), não pervertam o coração dos simples..». Está aqui em causa a tolerância religiosa praticada nas lojas, uma vez que é considerada perigosa para a fé dos católicos que as frequentam e, por conseguinte, para a autoridade da Igreja romana. Segue-se, por todas estas razões, a interdição feita a todos «os fiéis de Jesus Cristo», sob pena de excomunhão, de frequentarem a maçonaria ou de a apoiarem seja de que maneira for. Para além disso, Clemente XII pede à Inquisição que, com o apoio do poder secular se necessário, persiga os eventuais «transgressores» considerados «fortemente suspeitos de heresia».

Treze anos depois, em 1751, o Papa Bento XIV confirma, quase palavra por palavra, a sentença pronunciada pelo seu predecessor. A bula Providas retoma os mesmos motivos, sendo porém mais explícita sobre a questão religiosa. A primeira causa de condenação romana da maçonaria, pode ler-se aqui, «é que, neste tipo de sociedades ou conventículos, se reúnem homens de todas as religiões e seitas, sendo já patente o grande mal que daí pode resultar para a pureza da religião católica...». De uma bula para outra, vê-se muito claramente que a condenação romana da maçonaria não variou e que, sobretudo, é global. Ela não diferencia nenhuma das correntes, ou sensibilidades, que a atravessam: Antigos e Modernos em Inglaterra, deístas, teístas, racionalistas, espiritualistas... Mas tal como o revelaram os historiadores, incluindo um jesuíta como o R.-P Ferrer Benimeli (1), nessa época existia no Vaticano uma grande ignorância sobre o que era a maçonaria. De facto, Clemente XII escreveu em In Eminenti que fora alertado para o seu desenvolvimento pelo «rumor público».



A REACÇÃO DOS CATÓLICOS MAÇONS






Em França, numerosos maçons do século XVIII parecem ter partilhado o mesmo sentimento. «A nossa ordem recebeu um terrível golpe do nosso Santo Padre, escreve numa carta privada o marquês de Saulx-Tavannes em Outubro de 1738. Vereis que será necessário recebê-lo para o desenganar e explicar-lhe que não deve pensar tanto mal do seu próximo nem condenar aquilo que não conhece» (2). Outros, como o revela O Segredo dos maçons posto em evidência por M. Uriot, membro das lojas da União e da Igualdade, publicado em 1744, consideram que o Papa havia sido induzido em erro pelo seu círculo, pois os maçons continuavam, segundo eles, submetidos à Igreja. Na Irlanda, em 1738, o grão-mestre lembrava, numa Resposta à bula do papa, que os maçons continuavam a ser fiéis ao Criador e à religião natural.

As condenações romanas não suscitaram muitas reacções públicas por parte dos maçons. Em França, as mais notáveis devido ao seu catolicismo reivindicado são as do barão Louis de Tschoudy e do escritor Joseph de Maistre (1753-1821). Venerável da Loja Antiga de Metz, Louis de Tschoudy publica em 1752 uma série de cartas (3) para refutar a bula Providas de Bento XIV. Ele empenha-se em demonstrar que esta condenação não se baseia em nenhum argumento doutrinal sólido e que a maçonaria não representa nenhum perigo, nem para a Igreja nem para as autoridades civis. A fraternidade é o objectivo fulcral da maçonaria, assegura defendendo a legitimidade do segredo, pois não abarca nada de repreensível.

Também Joseph de Maistre defende a legitimidade do segredo uma vez que «estamos seguros, na nossa consciência, de que o segredo maçónico não contém nada de contrário à religião e à Pátria», escreve na sua célebre Memória ao duque de Brunswick (1782). Iniciado na loja La Sincérité de Chambéry, Joseph de Maistre não contesta a autoridade do papa, como bom católico ultramontano que se opunha aos católicos galicanos que reivindicavam a autonomia da Igreja de França relativamente a Roma. Mas, embora estivesse muito consciente das correntes maçónicas divergentes do cristianismo, ele defende a maçonaria insistindo, como Louis de Tschoudy, nas suas raízes cristãs. Na sua opinião, ela podia mesmo ser o meio de fazer regressar ao catolicismo aqueles que se haviam distanciado dele (4).

As palavras de Joseph de Maistre não surtiram grande efeito no Vaticano. Por seu lado, as condenações papais não travaram a expansão da maçonaria. As únicas excepções foram os países onde o poder da Inquisição era realmente grande: Itália, Portugal e Espanha. Instauraram-se processos, dissolveram-se lojas. Para serem libertados das garras inquisitoriais, os maçons deviam jurar nunca mais se reunir. Apesar de tudo, persiste uma maçonaria clandestina, nomeadamente em Itália. Determinados arrependidos são absolvidos por Bento XIV, tornando-se uma fonte de informações para a Santa Sé que, na sua ignorância, precisa realmente delas. Como demonstrado pelo R.-P. Ferrer Benimeli, os processos da Inquisição tinham como principal objectivo «descobrir o que era realmente a Sociedade dos Maçons» (5), por vezes sem chegar a pronunciar condenações perante a impossibilidade de provar a culpabilidade dos maçons. Isso mesmo reconhece, numa carta datada de Janeiro de 1739, o cardeal português D. Nuno da Cunha e Ataíde, inquisidor-mor, ao constatar que «não se encontra qualquer suspeita de heresia na sociedade nem nenhuma mancha de superstição...». A Inquisição portuguesa acabou, no entanto, por encontrar culpados, entre os quais o mercador John Coustos, torturado e condenado às galés em 1744.

Em contrapartida, em França os maçons pouco sofreram com os anátemas papais. Para aí ser aplicado, qualquer acto pontifício deve ser ratificado pelo parlamento de Paris que, sendo maioritariamente galicano, não o fizera relativamente às bulas de Clemente XII e de Bento XIV. Segundo o adágio, «lex non promulgate non obligat» (lei não promulgada não obriga). Uma verdadeira sorte para uma maçonaria e uma Igreja no seio das quais a dupla pertença não levanta quaisquer problemas. Tanto de um lado como de outro, estes são de facto raros. Numerosas lojas mandam celebrar, sem qualquer problema, ofícios religiosos para funerais de irmãos ou «missas de São João» por ocasião das festividades dos seus santos padroeiros, São João Baptista e São João Evangelista. Os calendários de banquetes rituais levam em consideração os deveres católicos, como o de respeitar a Quaresma e o jejum de sexta-feira. Há lojas que não hesitam em excluir um ou outro dos seus membros que se ufane do seu ateísmo. Algumas chegam mesmo a ter o seu capelão e muitas delas contribuem paras as obras sociais das paróquias (6).







Os ideais filosóficos do Iluminismo difundem-se também na maçonaria, promovendo a progressão do deísmo racional em detrimento do teísmo cristão, mas não a ponto de a fazer cair num racionalismo anti-católico, um fenómeno que só verá verdadeiramente a luz no século seguinte. Paralelamente à influência do Iluminismo, a maçonaria francesa é também marcada pela renovação de um iluminismo que combinava demanda mística, esoterismo, filiação templária e teosofia, uma corrente divulgada nomeadamente por Martinés de Pasqually, o fudador da Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo e autor de um Tratado da reintegração dos seres (1773), que influenciou Louis Claude de Saint-Martin, que também se opunha à filosofia do Iluminismo. Para este adepto de um cristianismo esotérico, somente a luz divina poderia iluminar a razão humana. Os diferentes ritos maçons que surgiam, de forma anárquica, em França são testemunho da enorme diversidade da maçonaria deste período. Há ritos para todos os gostos, mas na sua maioria conservam um carácter religioso por vezes pronunciado e frequentemente um enraizamento cristão explícito, como é o caso, por exemplo, do Rito Escocês Rectificado caro a Joseph de Maistre.

Isto não é de surpreender numa maçonaria que mantém uma inspiração cristã e, embora acolhendo protestantes ou deístas, é globalmente católica. O suficiente, em todo o caso, para aí encontrarmos uma forte presença clerical. Chega a acontecer que, em certas lojas, se contam mais clérigos do que leigos entre os seus membros. Outras foram claramente fundadas em mosteiros, como a loja La Vertu, na abadia de Clairvaux, maioritariamente composta por monges cistercienses (7)... Existem inclusivamente bispos maçons como Louis Henri de Bruière-Chalabre, bispo de Saint-Pons, ou Gilbert Montmorin de Saint-Herem, bispo-duque de Langres. Mas este fenómeno não é exclusivo do reino de França. O R.- P. Ferrer-Benimeli repertoriou, como membros da maçonaria do século XVIII, perto de dois mil eclesiásticos, maioritariamente franceses, mas também pertencentes às Igrejas da Alemanha, Áustria-Hungria, Espanha e Itália, entre os quais o cardeal Delei de Roma (8).


A REVOLUÇÃO FRANCESA E A TESE DA CONSPIRAÇÃO MAÇÓNICA

A Igreja Católica e as lojas maçónicas vivem portanto em harmonia, particularmente em França, durante boa parte do século XVIII. Isto até à fractura representada pela Revolução Francesa, que não poupa nem a maçonaria nem a Igreja. Constituição civil do clero, juramento de fidelidade, confiscação dos bens eclesiásticos, sem esquecer uma verdadeira empreitada de descristianização no auge do processo revolucionário: o catolicismo francês completamente depauperado da Revolução. Tal como a maçonaria, aliás... Vistas a partir de Roma, as malfeitorias revolucionárias são rapidamente interpretadas como as consequências directas de um projecto de destruição da Santa Igreja, urdido na opacidade das sociedades secretas. Obra maléfica à qual vai ficar associada a maçonaria no seu conjunto.

A Revolução, obra da maçonaria? Os historiadores demonstraram, desde então, a inanidade desta tese que vai, durante muito tempo, ser defendida pelo anti-maçonismo católico. Ela surge muito cedo, logo em 1791, com a publicação de um livro do abade Lefranc, O véu levantado para os curiosos, ou os Segredos da Revolução revelados com a ajuda da maçonaria. Mas é outro abade, com que já nos cruzámos no decorrer destas páginas, Augustin Barruel, que a populariza a partir de 1797, com as suas Memórias para servir a história do jacobinismo. No mesmo ano, em Inglaterra, como já referido, John Robinson publica um livro, traduzido para francês em 1799, com o título eloquente: Provas da conspiração contra todas as religiões e todos os governos da Europa urdida nas assembleias dos Iluminados, dos maçons e das sociedades de leitura. Era uma obra que denunciava, entre outros fantasmas, a acção dos jesuítas na maçonaria francesa.






Ele próprio jesuíta, Augustin Barruel foi, segundo afirmações suas, maçon antes da Revolução. Se bem que reconheça a fidelidade da Grande Loja de Inglaterra às suas origens cristãs, pretende basear-se na sua própria  experiência para demonstrar a perversão da maçonaria francesa, consequência nefasta do filosofismo das Luzes cujo pior exemplo, a seus olhos, são os iluminados da Baviera de Adam Weishaupt. No entanto, este movimento maçónico, racionalista, anti-monárquico e hostil à Igreja romana, fora combatido e rejeitado por boa parte da maçonaria, e não exclusivamente a maçonaria alemã. Mas Augustin Barruel, pouco dado a nuances, junta no mesmo saco de conjurados os Iluminados da Baviera e os iluminados das correntes maçónicas esotéricas e místicas tais como os martinistas, inspirados por Luis Claude de Saint-Martin...

A tese da responsabilidade dos maçons na Revolução e nos infortúnios da Igreja tem uma enorme aceitação nos finais do século XVIII. É sustentada por toda a espécie de escritos, alguns dos quais explicam esta conjura pela pretensão, no interior da maçonaria, de vingarem os Templários. Mas é também posta em causa por personalidades contra-revolucionárias, como Joseph de Maistre. Maçon e católico fervoroso, foi acusado de cumplicidade com os jacobinos saboianos, artesãos do reatamento dos laços entre a Sabóia e a França. Em sua defesa, redige em 1793 Memórias ao Barão Vignet des Étoles, onde afirma que «a maçonaria em geral, que data de há vários séculos (...) não tem seguramente no seu princípio nada em comum com a Revolução Francesa».

Num documento posterior, Quatro capítulos sobre a Rússia (1811), Joseph de Maistre condena, como Barruel, os Iluminados da Baviera, mas separa-os claramente das correntes iluministas da maçonaria. A seus olhos, o martinismo é «cristão em todas as suas raízes», «acostuma os homens aos dogmas e às ideias espirituais» e«preserva-os de um tipo de materialismo prático muito destacado na nossa época, e do gelo protestante que não tende para mais nada senão para gelar o coração humano...». Dito isto, ele estabelece uma clara diferença entre a maçonaria que é para ele autêntica, isto é, a maçonaria teísta e de inspiração cristã, e a sua facção conquistada pelo racionalismo filosófico e pelas ideias revolucionárias. Além disso, para Joseph de Maistre é evidente que os maçons que participaram na Revolução o fizeram enquanto homens e não por obediência a qualquer instrução obscura.

Porém, no Vaticano, é a voz dos turiferários da conspiração maçónica que obtém o eco mais favorável. O traumatismo da Revolução acabou por convencer a Santa Sé do grave perigo que representavam as sociedades secretas, entre elas a maçonaria no seu conjunto. Isto irá valer-lhe mais de duas dezenas de condenações papais no decurso do século XIX. A luta contra as lojas maçónicas inscreve-se desde logo num panorama histórico alargado ao antigo combate das forças do Bem com as do Mal, da ordem contra o caos, da Santa Igreja contra Satanás. Um ponto de vista muito adequado a uma conspiração que é igualmente mística. Já condenada como herética, a maçonaria sê-lo-á ainda mais pois é doravante considerada como diabólica... (in A Saga dos Maçons, ALÊTHEIA EDITORES, 2012, pp. 303-316).








Notas:

(1) Ferrer Benimeli et José A., Les Archives secrètes du Vatican et de la franc-maçonnerie: Histoire d'une condamnation pontificale, Dervy, 2002.

(2) Citadas por J. Rousse-Lacordaire, in Rome et les francs-maçons, p. 62.

(3) Louis de Tschoudy, L'Étrenne au pape ou les francs-maçons vengés; cf. J. Rousse-Larcodaire, Rome..., op. cit., p. 70-73.

(4) Huber de Thier, Église et temple maçonnique, Dervy, pp. 77-78.

(5) Ferrer Benimeli e José A., Les Archives secrètes... op. cit., pp. 66.

(6) Huber de Thier, Église catholique... op. cit., pp. 60-61; J.-J. Gabut, Église, religions et franc-maçonnerie, Cerf, pp. 71-75.

(7) J.-J Gabut, Église..., op. cit., pp. 76-77.

(8) Ibid., pp. 78-79.


Continua


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