quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

ONU, maçonaria e comunismo internacional (ii)

Escrito por Alejandro Botzàris




Nações Unidas (Nova Iorque).


«Nova Iorque, 22 de Julho [1963] - Falei de manhã com Adlai Stevenson, que em síntese me diz: os africanos querem que o Conselho de Segurança vote contra Portugal uma "pequena sanção"; concorda em que nós não estamos ameaçando a paz e a segurança, mas os africanos estão realmente pondo em perigo uma coisa e outra; e entende que não nos devemos embrenhar numa declaração de princípio quanto à autodeterminação porque é "caminho escorregadio em que não poderemos parar". Avisto-me depois com Benhima, embaixador de Marrocos, e que neste mês preside ao Conselho. Conheço-o dos meus anos de Londres, e a conversa foi fácil. Assegura-me que procurará conduzir os debates com moderação; deseja que façamos "apenas" um "gesto"; e a distinção que os afro-asiáticos fazem entre nós e a África do Sul é favorável a Portugal. De tarde iniciam-se as sessões do Conselho. Presentes em força todos os membros efectivos; convidados para a mesa do Conselho os ministros africanos e eu, com as respectivas delegações; toda a vasta sala está atravancada pelos delegados dos demais membros da ONU; não há um lugar vago nas galerias do público. Jornalistas, correspondentes internacionais acreditados, fotógrafos, operadores de televisão, circulam em todos os sentidos. Atmosfera de drama, ambiente dos grandes dias, como em vésperas de uma tragédia que se avizinha. Debate iniciado pela Libéria. Seguem-se-lhe a Tunísia, Madagáscar. Serra Leoa. Temas do ataque à política portuguesa em África: não cumprimos a Carta da ONU e as resoluções da Assembleia; territórios portugueses são vítimas de opressão; ameaçamos a paz e a segurança do Mundo. Para delegados afro-asiáticos, até há que considerar moderado o tom que usaram. Depois, interveio Ghana, que é membro do Conselho. Começou: "O Conselho está a proceder à liquidação do Império Português". A seguir, União Soviética: atacou-nos, decerto, mas sobretudo atirou ferroadas duras à NATO, ao Mercado Comum, e aos monopólios capitalistas internacionais. Benhima suspendeu os trabalhos e marcou nova sessão para além de amanhã.

Nova Iorque, 24 de Julho - Sessão do Conselho praticamente dedicada à minha réplica. Uma hora e vinte minutos. Respondi às críticas, sublinhei as contradições, refutei as acusações; e propus conversas luso-africanas sobre problemas comuns na África Austral. E digo que os territórios estão abertos a todos, à observação de boa-fé, para verem que no plano africano são dos mais desenvolvidos. Para que o façam, convido os quatro ministros africanos. Comenta Stevenson, em privado: você foi demasiado convincente e eficaz (too effective) na sua alegação e defesa: e os afro-asiáticos sentem a necessidade psicológica de reagir para não ficarem, perante os demais delegados e a imprensa internacional, numa situação de inferioridade. Comento por meu turno para Stevenson e para mim: então eu devia ter sido frouxo, e fraco, e ineficaz?

Seguem-se os membros efectivos do Conselho. Brasil: discurso muito antiportuguês, nada de positivo, salvo que se oporia a sanções contra Portugal. China: muito corajosa na sua compreensão, atendendo a que depende dos votos afro-asiáticos para se manter na ONU. Venezuela mais moderada que o Brasil; Noruega, simultaneamente com o primarismo e o pedantismo arrogante dos nórdicos (procurou dar-nos o seu "advice" sobre como resolver os problemas de África), falou de uma subscrição internacional para nos compensar; e Filipinas, muito demagógica e péssima. França, excelente, absolutamente cartesiana, e declara que nos termos da Carta não se pode interferir nos negócios internos de nenhum país, e que Portugal não constitui ameaça à paz do Mundo. Inglaterra pronuncia-se em linhas parecidas, mas com menos nitidez.






Depois, embora dentro do regimento do Conselho, é a troca de argumentos, de perguntas e respostas, de diz-tu, direi-eu. Africanos sabem tudo, têm razão em tudo, podem fazer tudo, e recusam tudo: conversas, explicações, convites. E Ghana apresenta uma resolução condenando Portugal. Em nome do governo, rejeito-a sem mais. Mas é aprovada pelo Conselho, com abstenção de Inglaterra, França e Estados Unidos. Isto significa o limite político além do qual os ocidentais não consentirão que caminhem os afro-asiáticos; se estes quiserem ir além, ficam notificados de que os três grandes lhes oporão o seu veto. E pronto, foi assim. Esmagado pelo ambiente, diz a Vasco Garin, no final, o delegado britânico, Sir Patrick Dean: não creio que vocês durem na África um ano. Num dos intervalos dos debates, procura-me o ministro da Serra Leoa, Karefa-Smart, e pergunta-me quantos militares temos em Angola. Vinte ou trinta mil, digo. E ele torna: "Não podem vocês mandar mais? É que nós não queremos que vocês saiam de Angola para não se instalarem lá os russos ou os americanos". Este é o mesmo homem que nos criticou asperamente à mesa do Conselho. Admirável. É edificante, penso eu».

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).


«Nós conhecemos, por contacto directo de longa tradição, o nível e as possibilidades de certas elites africanas e não duvidamos por isso da sua capacidade como elementos dirigentes que, no caso português, o são e têm sido através da História. Mas não julgamos, e a experiência vem confirmando a nossa convicção, que essas elites sejam numericamente suficientes em todos os domínios e em todos os escalões, quer da administração quer da actividade privada - sem a qual aquela não teria objecto nem sentido - para assumir inteiramente sós as complexas funções de um Estado moderno. Que assim é parece provado pela circunstância de, em certos casos, se estar fazendo uma experiência que a nós se nos afigura contrariar a independência real dos povos: enquanto o governo é entregue aos elementos locais, as empresas e iniciativas de valor económico básico continuam - e é esta a melhor hipótese - a cargo dos que, embora nacionais da antiga potência soberana, passaram agora a ser estrangeiros no país onde servem. Quer-nos parecer, quando despidas das aparências e reduzidas as coisas à sua essência, que estes novos Estados se arriscam a criar por este processo sujeições mais graves do que aquelas de que pretendem ter-se libertado. Mas por outro lado, onde tal experiência não esteja sendo executada, temos assistido, e receio que viremos a assistir com maior frequência, a retrocessos da vida económica e social e ao retorno de certas práticas incompatíveis com a prosperidade e progresso desejados.







De ter-se como incontroverso que tais inconvenientes não resultam da vontade dos nossos dirigentes africanos; e se, como se faz crer, esses são, em todos os casos, os mais habilitados, também não deve provir tal estado de coisas da deficiência das suas qualificações. A justificação, parece-nos, residirá na falta de elementos de apoio com que essas elites contam. E é natural que assim seja, porque um Estado não é constituído apenas por governantes. Um Ministro da Economia, por exemplo, não poderá governar, se não tiver, ao nível dos serviços públicos, os engenheiros, os economistas, os agrónomos, os veterinários, os funcionários de carteira e de campo; e, tendo-os, nada terá a dirigir se lhe faltarem os chefes de empresa, os técnicos, os comercialistas e os operários especializados, que na esfera privada mantêm em funcionamento as actividades económicas, isto é, os homens que organizam e dirigem o trabalho. A existência de todas estas camadas populacionais não foi considerada essencial para a formação das novas nações africanas; nós entendemos, porém, que será indispensável para o seu funcionamento e para a sua independência. E como uma economia nacional não se inventa nem improvisa e a preparação profissional é extremamente morosa (como estão a reconhecer mesmo os países economicamente fortes relativamente aos seus planos de desenvolvimento) parece que aos povos considerados se indicou um caminho pelo qual não conseguirão progredir a ritmo compatível com o resto do mundo e, assim, radicarão o seu atraso e comprometerão a sua independência nacional.

A independência das nações africanas tem-se processado, na generalidade dos casos, sobre dois erros que as prejudicarão: o racismo contra o branco e a suposta unidade dos seus povos naquele continente. Esta última suposição tenderá a subordinar o negro ao árabe; o racismo negro tenderá a prescindir de tudo quanto o branco mais progressivo pode levar-lhe em capital, trabalho e cultura. Seria mais assisado substituir o exclusivismo rácico pela colaboração que vimos ser imprescindível. É por isso que nós entendemos que o progresso económico, social e político daqueles territórios só será possível numa base multirracial em que as responsabilidade de direcção em todos os domínios caibam aos mais qualificados e não aos desta ou daquela cor.

Sei sermos acusados de, com esta doutrina, estarmos tentando assegurar o predomínio da raça branca em África, com base, sobretudo, no facto de o nosso multirracialismo não ter ainda reflexo bastante lato na distribuição de responsabilidades nas províncias ultramarinas de África. É certo que estamos ainda longe de atingir o ponto em que poderíamos estar plenamente satisfeitos com as nossas realizações. Mas não pode negar-se que não só é o mais seguro o caminho que trilhamos como o progresso dos territórios tende a cobrir a totalidade das respectivas populações, e não sectores privilegiados. Esse progresso é impossível negá-lo, pois que as realizações podem comparar-se, e com vantagem em muitos pontos, às dos outros países africanos. E se os nossos críticos estão seguros de que não é assim, mal se compreende que não tenham aceite a ideia de ser feito um estudo por individualidades de relevo internacional, e sob a égide da Organização das Nações Unidas. Foram infelizmente preferidos os discursos ao exame desapaixonado das realidades em debate, que tinha o nosso apoio.



Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino de elementos estrangeiros que através de Estados limítrofes penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje, pelo que acima disse, o principal obstáculo ao progresso e bem-estar do continente africano».

Oliveira Salazar («Realidades da Política Portuguesa»).



«A responsabilidade de Washington pelos problemas de Angola criou uma situação desconfortável a Elbrick e ao resto do country team americano. Logo a seguir ao 15 de Março, o chefe do posto da CIA forneceu a Viana de Lemos uma lista de jornalistas da confiança da Administração Kennedy. Fred Hubbard sugeria que esses jornalistas fossem autorizados a reportar em Angola as atrocidades da UPA - o que auxiliaria Portugal a defender-se nas Nações Unidas. Botelho Moniz entregou a lista a Salazar, mas este rejeitou a sugestão: "Para quê? São os próprios americanos que nos andam a tramar em Angola..."».

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar: o leão e a raposa»).



«Em relação aos que nos trouxeram a guerra e nela continuam empenhados, pareceu que não havia muitos modos diferentes de os tratar, e o valor, dedicação e mérito de todos os portugueses que se encontram na frente de combate - militares ou civis - têm assegurado tudo o que deles se espera e que é, afinal, tudo o que se pode fazer. Isto implica, só por si, a iniludível necessidade de incessantemente apetrechar as forças que temos nas diversas missões de segurança, pois não nos sofreria o ânimo o saber em favor de outras necessidades (por mais prementes ou urgentes que pareçam) se diminuíssem os meios necessários para a defesa da vida dos que a empregam no bom combate. Convém, talvez, mencionar aqui quão errónea e perigosa se nos afigura a fácil generalização da ideia de que um bem orientado esforço das tarefas de paz seria contribuição, se não bastante, ao menos de excepcional valor para a diminuição dos gastos da guerra. A esse propósito, apenas parece justo lembrar que não nos defrontamos com qualquer revolta interna que tivesse origem em fundados descontentamentos, mas sim com uma agressão vinda do exterior, com objectivos bem definidos, que não incluem, de qualquer modo, o bem-estar das nossas populações.







Outros se poderão convencer - ou fingir que se convencem - com a falsa generosidade que, de quando em quando, aflora nos programas e declarações dos nossos inimigos e que tanto toca o coração dos dirigentes de certas não menos piedosas organizações nacionais ou internacionais, mas nós temos o saber de experiência feito que nos aconselha a apreciá-la segundo o seu justo valor.

Se, realmente, não estivéssemos prevenidos, por muitas e variadas razões, dos propósitos que se escondem por detrás da campanha contra nós movida, poderíamos surpreender-nos, e até confundir-nos, com a súbita preocupação que merecem no momento os interesses dos outros a quem sempre se nos apresentara cuidando exclusivamente dos próprios. Na farsa assim montada tudo se pode encontrar: governantes e nacionais de países onde a miséria é regra distraem a maior parte da sua preciosa atenção com o bem-estar dos outros povos; governantes e nacionais de países onde se pratica a mais dura segregação despendem muito do seu tempo a verberar qualquer hipótese discriminatória; governantes e nacionais de países onde se eliminaram tribos inteiras e se acantonaram outras em reservas pugnam acaloradamente pelos direitos de outros aborígenes; governantes e nacionais de países onde se conserva a escravatura como prática oficial batem-se ardorosamente pela liberdade; e quando consideramos - dentro do quadro assim esboçado - a longa teoria de críticas e recriminações, um pouco por toda a parte, que contra nós se levantam, podemos facilmente perceber quanto de subversão nelas se contém».

João da Costa Freitas




O anticolonialismo norte-americano

No conjunto geral dos acontecimentos desenrolados, no decurso da metade do século, no domínio colonial, ou, melhor, no processo que, de facto, representa o desmembramento dos impérios coloniais, os Estados Unidos da America desempenharam um importante papel.

Nascidos eles mesmos da sublevação anticolonialista, os Estados Unidos da América destacaram o «anticolonialismo» como um dos elementos dominantes entre princípios da nação. Seria uma larga história a participação norte-americana nos movimentos anticolonialistas, desde a ajuda proporcionada aos movimentos revolucionários na Hispano-América, dirigidos contra a Espanha até à política actual norte-americana neste domínio. Todos os movimentos hispano-americanos dirigidos contra a Espanha e a sua presença no continente americano, gozaram de apoio oficial norte-americano, bem como da ajuda de personalidades de entidades privadas do dito país.

Monte Rushmore em Keystone, Dakota do Sul nos Estados Unidos da América, onde estão esculpidos os rostos de quatro presidentes dos Estados Unidos: George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln. A "escultura", feita com dinamite, foi realizada por Gutzon Borglum.


Este anticolonialismo norte-americano está oficialmente inspirado por razões e sentimentos justificados com uma argumentação muito humanitária e altruísta, mas a realidade demonstrou que, por detrás desta fachada demagógica, existem razões mais materialistas e egoístas. Um dos factos dominantes da história mundial na primeira metade do século actual é a rápida ascensão dos Estados Unidos da América ao posto de primeira potência do mundo ocidental. Potência política e económica, os Estados Unidos criaram um império económico e para isso tiveram de minar a potência económica de outros impérios. A expansão económica norte-americana e o rápido desenvolvimento da sua produção industrial impuseram a necessidade de procurar novos mercados e novas fontes de matérias-primas. Quando se sabe que a nação americana, cuja população representa 6% da população total mundial, produz quase 50% das riquezas industriais do mundo, é muito compreensível este afã de expansão económica.

Todavia, na actual situação, e com a ofensiva desencadeada pelo mundo comunista para conseguir a dissolução dos impérios coloniais e, através disso, debilitar o mundo ocidental e, sobretudo, a Europa, privando-a do seu apoio económico, o anticolonialismo norte-americano, compreendendo idêntico fim, ainda que com diferentes propósitos, representa, de facto, uma contribuição para o esforço comunista neste campo. Daqui, é natural que surja a situação de uma aliança «objectiva» entre os Estados Unidos da América e o mundo comunista com relação à política colonial.

Esta conclusão não escapou a certos círculos norte-americanos que demonstraram ultimamente por ela os seus reparos e inquietações. Em Março de 1958, a conhecida revista norte-americana Time fazia-se eco deste estado de espírito e publicava um artigo sob a significativa epígrafe: «O colonialismo e os Estados Unidos: conflito do ideal e da realidade». O autor do mesmo lamenta-se de que o anticolonialismo norte-americano não seja suficientemente apreciado nos países do regime colonial ou protector a que os tinham submetido as potências europeias. Em alguns destes países - diz o artigo - existe um forte ressentimento e receio pelos Estados Unidos. Na indonésia, o presidente Bourguiba acusa-os de cúmplices da França porque esta não poderia continuar a sua guerra de repressão na Argélia sem a ajuda financeira dos Estados Unidos. A mentalidade dos americanos na questão de Chipre incita os gregos. Em todos os lados pensa-se que pouco ou nada fizeram pela liberdade dos países. O citado semanário exibe o que poderíamos chamar a «folha de serviços» dos Estados Unidos, que demonstra o papel decisivo que exerceram na «descolonização» do mundo: serviços que, no juízo dos outros, são desmeritórios porque a eles se deve atribuir certa parte da actual situação do mundo, que não seria tão confusa nem perigosa se à grande questão do comunismo russo e anticomunismo ocidental não se tivesse unido a efervescência antieuropeia que reina, como diz o Time, desde as extensões arenosas do Norte de África até às selvas do seu Sudoeste asiático.

Franklin Roosevelt


«Até ao final da primeira guerra mundial - começa o Time - a direcção dos Estados Unidos na luta contra o colonialismo era reconhecida universalmente. Woodrow Wilson, chefe da primeira colónia que alcançou a sua independência da Europa, nos tempos modernos, proclamou o direito de os povos se governarem a si  mesmos, como um estandarte sob o qual podiam acolher-se os caudilhos dos povos nativos de toda a parte. Na segunda guerra mundial, o presidente Franklin Roosevelt acusa de tal maneira Churchill sobre as possessões coloniais da Inglaterra que, durante uma conferência, Churchill exclamou: "Sr. Presidente: eu creio que está a tentar desfazer o Império Britânico". Em 1942, quando Sir Stafford Cripps tentava inutilmente chegar a um acordo com os nacionalistas da Índia, um representante dos Estados Unidos tomou parte nas negociações - um passo que, unido ao constante aguilhoar de Roosevelt sobre os ingleses, estimulou Gandhi e Nehru na sua luta, acelerando-se, desse modo, a independência da Índia e do Paquistão.

Em 1945, Roosevelt declarou que apoiaria os sírios e os libaneses na sua luta contra a França, por todos os meios, excepto a força. E, na conferência de Casablanca, Roosevelt impulsionou a completa independência de Marrocos nas suas conversações com o sultão, hoje Mohamed V. Depois da guerra, os Estados Unidos concederam a independência das Filipinas. Na Indochina, ainda que apoiando o esforço militar da França contra o imperialismo comunista no Sudeste da Ásia, exerceram sobre ela constante pressão para que concedesse a independência do Vietname do Sul, Laos e Camboja. Quando a Holanda intentou reconquistar a Indonésia, o Senado dos Estados Unidos «mostrou o seu jogo com um projecto de lei que suspendia a ajuda económica a toda a nação cuja conduta não se ajustasse com a Carta das Nações Unidas. Estas ameaças e a diplomacia de Merle Cochran obrigaram os holandeses a entrar em negociações das quais resultou a independência da Indonésia. Dulles disse que a República Indonésia existe, em grande parte, como resultado do interesse dos Estados Unidos.

Quando os egípcios, em 1951, iniciaram uma campanha de terrorismo para expulsar os ingleses da zona do canal de Suez, os Estados Unidos demonstraram claramente que as suas simpatias estavam com o Egipto. Depois que os ingleses acederam, em 1954, às reclamações egípcias, Sir Anthony Eden queixou-se de as negociações se terem complicado pelo facto de, enquanto se desenhava um acordo, o embaixador dos Estados Unidos, Jefferson Caffery, excitar o Egipto a pedir melhores concessões. Dois anos mais tarde, quando a Inglaterra e a França tratavam de voltar a ocupar a zona do canal de Suez pela força, os Estados Unidos condenaram publicamente os seus mais antigos e mais íntimos aliados, numa demonstração, por certo única na história, de fidelidade de princípios».

Depois desta citação, os Estados Unidos não podem negar a sua responsabilidade na actual situação do mundo. Mas os norte-americanos surpreendem-se de que, apesar de todo o apoio à independência dos países afro-asiáticos, a recompensa seja a ingratidão. Na opinião do Time, as causas são várias, mas podem reduzir-se a uma: que as novas nações saídas do regime colonial irritam-se porque os Estados Unidos não apoiam todas as suas aspirações, por mais irrealistas que sejam.




«Muitos esperavam que a independência os levaria ao bem-estar material que sempre lhes faltou e acusam os Estados Unidos quando a independência se mostra incapaz de subministrá-lo». Confessa o Time alguns erros. Por exemplo: «A julgar pelo caos que agora reina na Indonésia, acaso os Estados Unidos terão posto o seu peso na balança da independência?». Mas não se refere às complicações actuais no Médio Oriente, derivadas em grande parte da política norte-americana no Egipto e no conflito do Suez. Há motivo para se perguntar se com outra política se teria formado a República Árabe Unida e o rei Saud - o mais estreitamente ligado aos Estados Unidos - não teria sido forçado a delegar os seus poderes no emir Feisal.

Reconhece o Time que, se há dez anos os cidadãos dos Estados Unidos podiam compartilhar do conceito norte-americano do colonialismo como opressão e exploração, hoje os dirigentes dos Estados Unidos dão-se conta de que o colonialismo foi amiúde um instrumento do progresso e que os problemas do mundo não se podem resolver tomando uma posição anticolonial em todas as circunstâncias.

Mas há outra questão mais importante. Em muitas partes «o idealismo dos Estados Unidos enfrentou uma amarga verdade com o objectivo supremo deste país de defender o mundo livre contra a agressão comunista; tanto o bom senso como a conveniência levam a deixar aquela para segundo plano». Talvez já se tenha posto tanto em primeiro, que hoje seja demasiado tarde para conter «a onda de comunismo» que sobe misturada com a do nacionalismo, estimulado, como temos visto, pelos Estados Unidos.

O erro essencial não é nenhum dos que citam o Time, mas antes a crença optimista de que os nacionalistas seriam agradecidos. Parece, no entanto, condição natural dos nacionalistas o serem ingratos.

Quem os favorecer, confiado na sua gratidão, receberá a mesma paga que hoje amargura os Estados Unidos.

É de deplorar que o mencionado artigo fique somente a metade do caminho, deixando a outra metade na sombra. Com efeito, ao longo de toda a página do Time não há nem uma só alusão à «aliança objectiva» entre os Estados Unidos e a URSS no que se refere a esta política anticolonialista. Tão-pouco existe uma visão realista da situação. Ao fim e ao cabo, o anticolonialismo dos Estados Unidos da América actua somente num sentido ou, melhor, no que se refere aos mesmos Estados Unidos. Certas terras consideradas actualmente como Estados norte-americanos são fundo de uma política de colonização por parte da grande nação americana, ainda que com sentido bem mais político e, poderíamos dizer (com o perigo de utilizarmos o vocabulário comunista), «imperialista». De facto, que são Porto Rico, Alasca e as ilhas Havai (sem falarmos das «zonas» americanas do canal do Panamá e das distantes ilhas de Guam e Okinawa)? Colónias que, além do mais, não foram colonizadas pelos americanos, mas sim por outras nações, e conquistadas pelos Estados Unidos, como aliás foram conquistadas à Espanha as amplas regiões da parte meridional do território norte-americano, países donde o norte-americano não varreu as raízes hispânicas, tal como de outras regiões dos Estados Unidos não foram ainda varridas as raízes da civilização britânica ou francesa... (in ob. cit., pp. 171-176).






Continua


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