Sabes lá o que são os teus olhos!
Se soubesses, andavas na vida sem nunca cerrares as pálpebras para que ninguém fosse ao frio e infeliz.
(...) Os teus olhos: janelas onde se debruça Deus a espreitar os caminhos e a encher de madressilvas a pobreza dos que passam.
Não faças caso, meu Amor, não faças caso de mim, não te quero para o meu egoísmo: olha o mundo e seus caminhos amargosos, e os pobres serão ricos e o cardo ressequido será açucena e cotovia, fonte a murmurar ternuras e Aurora a doirar os montes».
Leonardo Coimbra («Adoração»).
«(...) el amor es um hecho poco frecuente y un sentimiento que sólo ciertas almas pueden llegar a sentir; en rigor, un talento específico que algunos seres poseen, el cual se da de ordinario unido a otros talentos, pero puede ocurrir aislado y sin ellos.
(...) Hay que ser vitalmente curioso de humanidad, y de ésta en la forma más concreta: la persona como totalidad viviente, como módulo individual de existencia. Sin esta curiosidad, passarán ante nosotros las criaturas más egregias y no nos percataremos. La lámpara siempre encedida de las vírgenes evangélicas es el símbolo de esta virtud que constituye como el umbral del amor».
José Ortega y Gasset («Estudios sobre el Amor»).
«Nos animais, a vida do género tem primado absoluto sobre a vida do indivíduo: é por isso que a manifestação mais intensa da vida individual se realiza para mero benefício do desenvolvimento da espécie.
(…) Graças ao poder ilimitado de extensão e de continuidade, da sua constância no estado sucessivo, o homem, sem perder a sua identidade, pode apreender e realizar a plenitude ilimitada da existência, e, por esta razão, consideramos inúteis e impossíveis todos os seres que pretendessem vir substituí-lo. Nos limites da sua realidade corpórea, o homem não representa mais do que uma parte da natureza, mas ultrapassa fatal e constantemente estes limites; nas suas produções espirituais – religião, ciência, moralidade e arte –, mostra-se ser o centro da consciência geral da natureza, a alma do mundo, o estado de potência que se actualiza no todo; se assim é, só o próprio e verdadeiro absoluto, no seu acto perfeito ou na sua perfeita existência – referimo-nos a Deus –, lhe pode ser superior».
Vladimiro Soloviev
IMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA DA VERDADE
Ora, para que o ser individual encontre a sua justificação e a sua confirmação na verdade – na unidade de tudo –, tem que existir no seio da verdade, enquanto que original e imediatamente, o homem individual, como o animal, não se encontra no seio da verdade. O homem começa por se encontrar a si próprio, tal como uma partícula isolada do conjunto integral universal, como se ele conseguisse tornar-se um todo em si próprio ao isolar-se de tudo, colocando-se, portanto, fora da verdade. O egoísmo, princípio real, fundamental, da vida individual, penetra-a, dirige-a inteiramente, e determina tudo concretamente. É por esta razão que a consciência teórica da verdade não pode esmagá-lo, nem suprimi-lo. Enquanto a viva força do egoísmo não encontrar no homem outra força viva, oposta à primeira, a consciência da verdade não constituirá mais do que uma iluminação exterior, reflexo de uma luz estrangeira. Se o homem só compreendesse a verdade pela cultura, o vínculo entre a sua individualidade e a verdade não seria interior e indissolúvel; e se o seu próprio ser ficasse, como o animal, fora da verdade, seria como este, condenado à ruína, não se conservando mais do que como uma ideia no pensamento do Espírito Absoluto.
A verdade que, como uma força viva, se apodera do ser interior da pessoa, e depois a liberta da falsa afirmação de si própria, tem o nome de amor. O amor, entendido como efectiva abolição do egoísmo, constitui a verdadeira justificação da individualidade, a sua salvação real. O amor é mais amplo do que a consciência racional, mas, sem a razão, não poderia actuar como força interna salutar, que dignifica a individualidade sem a aniquilar. Só graças à consciência racional (ou, o que é a mesma coisa, graças à consciência da verdade) é que o homem pode separar do seu egoísmo a sua própria personalidade, quer dizer, a sua verdadeira individualidade. Por esta razão, ao sacrificar este egoísmo, ao dar-se por entrega ao amor, é que o homem adquire não só uma força viva mas também uma força vivificante; longe de perder o seu ser individual, encontra-o e torna-o eterno.
No mundo dos animais, que não são dotados de consciência racional, a verdade que se realiza no amor não encontra ponto de apoio interno para a sua acção; não pode agir directamente sobre os animais senão como força exterior e fatal, força que se apodera deles como de instrumentos cegos para fins cósmicos que lhes permanecem estranhos; o amor surge então como uma vitória unilateral do que é geral e genérico sobre o individual, tanto mais que nesses entes, o individual coincide com o egoísmo pelo carácter imediato da existência particular, tanto mais que, pela mesma razão, desaparecem ambos ao mesmo tempo.
EGOÍSMO E ALTRUÍSMO
De um modo geral, poderemos dizer que o intento do amor humano é a justificação e a salvação da individualidade pelo sacrifício do egoísmo. A partir desta base ser-nos-á possível resolver o problema a que nos cingimos: explicar a verdade do amor sexual. Há razão para que as relações dos sexos humanos possam em muitos casos merecer o nome de amor, e também não é sem razão que, na opinião geral, elas representem e simbolizem o amor por excelência, que sejam propostas como tipo e ideal de todas as outras espécies de amor (ver Cântico dos Cânticos e o Apocalipse).
A falsidade e o mal do egoísmo não consistem de modo algum no facto de uma pessoa atribuir a si própria uma importância absoluta e uma dignidade infinita; ao proceder assim procede ela com razão, porque cada ser humano, sendo um centro independente de forças vivas, capaz de realizar uma perfeição infinita, como ser que pode conter a verdade absoluta na sua consciência e na sua vida, possui por esta qualidade uma importância e uma dignidade absolutas, apresenta algo de absolutamente insubstituível, cujo valor nem sequer pode ser apreciado. Tal é a palavra do Evangelho: «Que daria um homem em troca da sua alma?» (Mateus, XVI, 26). Não reconhecer esta importância absoluta da pessoa humana, não a reconhecer em si próprio, equivale para o homem à renúncia de toda a dignidade; é este o erro primordial, o erro pelo qual entra na alma a descrença. Será sempre um pusilânime aquele que nem sequer tiver força de acreditar em si próprio: como poderá acreditar em mais alguém?
A mentira fundamental e o mal do egoísmo não consistem naquela consciência e nesta apreciação absolutas de si próprio; consistem na injusta recusa de cada homem reconhecer aos outros a mesma importância absoluta; lá porque se julga no centro da vida social, com toda a razão, o homem egoísta contacta e contrata com os outros apenas em superfície, porque lhes atribui um valor periférico e relativo.
A razão proclama igualdade completa de todos os direitos humanos, e quem não perde a razão assume consciência da verdade deste princípio; mas no íntimo da sua vida, no seu sentimento interior e no seu procedimento moral, o egoísta afirma uma diferença imensa, a total incomensurabilidade, entre ele e o próximo; tudo para si, nada para os outros.
Ao insistir nesta absolutidade sem reciprocidade, o homem torna impossível a realização do que afirma. O trânsito da potência ao acto depende exactamente de atribuir aos outros a importância que se atribui a si próprio. Deus é tudo, quer dizer, num só acto absoluto possui todo o conteúdo positivo da potência, toda a plenitude da existência. O ente humano, em geral, é cada homem individual, em particular, estando qualificado como uma certa pessoa e não como outra qualquer, pode vir a ser tudo; mas para isso terá de abater na sua consciência e na sua vida os limites que o isolam de outrem. Ao dilatar-se terá que interessar os outros; com todos terá de realizar a sua significação absoluta, a qual consiste em tornar-se uma parte individual e insubstituível do conjunto, um órgão vivo, independente e original de uma vida absoluta.
A verdadeira individualidade é uma certa e determinada imagem de uma unidade geral, um certo modo de recepção e de assimilação do todo. Quando se afirma liberto de todas as coisas, quando diz que se basta a si próprio, o homem renega o princípio da sua própria existência, esvazia de conteúdo a sua verdadeira vida, e transforma a sua individualidade numa forma vã. Assim é que o egoísmo, longe de significar a consciência e a afirmação da individualidade, representa a abnegação e a anulação do verdadeiro ser humano.
As condições metafísicas e físicas, históricas e sociais da existência humana operam sobre o nosso egoísmo, que enfraquecem, opondo-lhe várias e fortes barreiras, ou mostrando-lhe a fealdade dos seus efeitos nocivos. Mas todo este sistema complicado de barreiras e correcções desejado pela Providência, realizado pela natureza e pela história, não fere o egoísmo no seu cerne. O egoísmo permanece sempre ao abrigo das convenções sociais e da moral humana para voltar a manifestar-se claramente, quando a ocasião lhe for propícia. Há só no mundo uma força capaz de extirpar o egoísmo da alma humana, de o secar nas suas raízes, e de o queimar completamente: essa força é o amor, mas principalmente o amor sexual.
A mentira e o mal do egoísmo consistem no reconhecimento da importância absoluta do eu, seguido de um exclusivismo tal que negue e contradiga a mesma importância nos outros; a razão não cessa de mostrar a inanidade, a iniquidade e a injustiça dessa atitude; mas só o amor é capaz de a corrigir e de a abolir, porque contra a nossa vontade nos obriga a reconhecer a importância absoluta que outra pessoa deve ter para nós, não já como tese racional a admitir abstractamente pela consciência, mas como sentimento íntimo e motivo propulsor da nossa vida. Ao reconhecer pelo amor a verdade de outra pessoa, não já abstractamente mas concretamente, essencialmente, ao transferir o centro da vida para além dos limites da individualidade empírica, manifestamos e realizamos a nossa própria verdade, a nossa significação absoluta, que consiste precisamente na aptidão para ultrapassar os limites da existência fenomenal, na capacidade de viver não só em si e para si, mas também em outra e para outra pessoa.
O amor é a manifestação desta aptidão. Nem todos os amores a manifestam no mesmo grau, e raros amores conseguem destruir o egoísmo até à raiz. O egoísmo é uma força, não só uma força real mas também fundamental com raízes no centro mais íntimo da nossa existência com ramificações que abraçam e envolvem toda a nossa realidade, enfim, uma força que actua sem cessar sobre todos os pormenores e todas as particularidades da vida humana. Só outra força a pode anular, só outra força que também se apodere de todo o nosso ser e que o penetre até ao cerne, só o amor pode vencer o egoísmo. Ora para redimir ou libertar a nossa individualidade das cadeias do egoísmo, o amor tem de lhe ser comparativo ou proporcional, tem de encarnar num ser tão real, concreto e objectivo como nós próprios, e ao mesmo tempo, de se distinguir de nós como outra realidade, em suma, possuindo completamente o mesmo conteúdo essencial que nós possuímos, possuí-lo de outra forma, de outra maneira ou de outro modo. Cada manifestação do nosso ser, cada acto vital estará em relação com outra manifestação semelhante, o que não quer dizer idêntica; haverá então permuta constante, conformação completa e constante do próprio ser no ser alheio, acção recíproca e comunhão perfeita. Só assim poderá ser extirpado o egoísmo, e depois extinto, não somente em princípio doutrinário mas em toda a realidade concreta. Esta união ou, por assim dizer, esta combinação química de dois seres homogéneos e equivalentes, mas formalmente diferentes em todos os seus caracteres, é que torna possível, tanto na ordem da natureza como na ordem do espírito, a criação de um novo homem, a realização efectiva da verdadeira individualidade humana. Uma união como essa, ou, pelo menos, a sua mais próxima semelhança, é a que observamos no amor sexual. Eis porque lhe atribuímos uma significação e uma importância exclusiva, pois nela vemos o fundamento necessário e insubstituível do aperfeiçoamento ulterior, a sua condição indispensável e constante. Ao realizar esta condição é que o homem pode realmente viver na verdade.
O AMOR E OS SEUS FICTÍCIOS SUBSTITUTOS
Vyasa. Ver aqui |
Um falso espiritualismo e um impotente moralismo desejariam substituir a uma indiferença o amor sexual por outras espécies de amor. Sem desconhecer a maior importância e a alta dignidade de superior vida amativa, que não discutimos no âmbito deste nosso escrito, confessamos parecer-nos que só o amor sexual poderá dar plena satisfação às duas exigências fundamentais que tornam possível a supressão definitiva do egoísmo na comunhão plena da vida com outra pessoa.
Em todas as outras espécies de amor faltam a homogeneidade, a igualdade e a reciprocidade entre o amante e o amado, como faltam também as diferenças multiformes dos traços característicos que mutuamente se completam.
É assim que, no amor místico, o objecto do amor reduz-se finalmente a uma indiferença absoluta que absorve a individualidade humana; neste amor, o egoísmo parece insuficientemente anulado, tanto quanto o parece num sono profundo; é efectivamente com o sono que nos Upanishedas e no Vedanta se compara a união da alma individual com o espírito universal, quando os textos não se referem claramente a uma identificação. Entre o ser humano e o Abismo místico, apesar da heterogeneidade completa e da incomensurabilidade de dimensões, não são possíveis nem a compatibilidade de existências nem a comunhão de vivências: permanece muito mais o objecto do amor do que o sujeito, porque o amante ao perder a sua personalidade, também desaparece, cai num sono profundo sem imagens.
Logo que desperta, desvanece-se o objecto do seu amor; então, em vez da indiferença absoluta, começa a multiplicidade da vida real a projectar-se num fundo de egoísmo pessoal, de egoísmo com laivos de orgulho espiritual. A história relata casos de místicos, e até de completas escolas místicas, em que o objecto de amor já não era visto como indiferença absoluta, mas segundo formas diferenciadas e concretas, que tornavam possível a existência de relações humanas. Observação curiosa é a de que tais relações tendiam para apresentar caracteres evidentes de amor sexual.
O amor paternal, e mais ainda o amor maternal, assemelham-se ao amor sexual, tanto pela intensidade do sentimento como pelo carácter concreto do objecto; mas, por outros motivos, não podem oferecer ao ente humano um valor tão alto como o do amor conjugal. O amor dos pais está condicionado pela repartição entre os filhos e pela lei das sucessivas gerações, o que também é dominante na vida animal, mas que não tem – ou, pelo menos, não deve ter –, tal importância na vida humana. Nos animais, a geração seguinte suprime directa e rapidamente os seus predecessores, cuja existência considera absurda aos olhos dos sucessores. A mulher realiza por vezes o amor maternal em grau tão elevado de sacrifício pessoal que não logra semelhante entre as aves e os mamíferos superiores, o que significa certamente um estádio necessário na ordem das coisas. Seja como for, o que é certo é que no amor maternal não pode haver completa reciprocidade, nem comunhão de vida pela simples razão de pertencerem a gerações diferentes aquela que ama e aqueles que são amados. A vida tem preparada, para estes casos, novos interesses e tarefas independentes; projecta-se no futuro; por isso eles não podem ver nos representantes do passado mais do que sombras movediças e estranhas. Temos de nos convencer de que os filhos não vivem para a realização da felicidade dos pais. A mãe, ao dedicar-se de alma inteira aos filhos, sacrifica o seu egoísmo, mas também perde ao mesmo tempo a sua individualidade. Não assim quanto aos filhos, porque ainda quando correspondem amorosamente ao amor maternal, conservam o seu egoísmo que vão a pouco e pouco reforçando. Além disso, o amor maternal, a dizer a verdade, não reconhece a importância absoluta do ente amado, nem lhe respeita a personalidade. A mãe preza acima de tudo o seu filho, porque é seu, porque lhe é próprio e propriedade – tal como acontece em todas as espécies animais. Nisto vemos a prova de que, para admitir, reconhecer e respeitar o valor absoluto da pessoa humana, é indispensável que esta apareça revestida de exteriores condições fisiológicas.
É assim que, no amor místico, o objecto do amor reduz-se finalmente a uma indiferença absoluta que absorve a individualidade humana; neste amor, o egoísmo parece insuficientemente anulado, tanto quanto o parece num sono profundo; é efectivamente com o sono que nos Upanishedas e no Vedanta se compara a união da alma individual com o espírito universal, quando os textos não se referem claramente a uma identificação. Entre o ser humano e o Abismo místico, apesar da heterogeneidade completa e da incomensurabilidade de dimensões, não são possíveis nem a compatibilidade de existências nem a comunhão de vivências: permanece muito mais o objecto do amor do que o sujeito, porque o amante ao perder a sua personalidade, também desaparece, cai num sono profundo sem imagens.
Logo que desperta, desvanece-se o objecto do seu amor; então, em vez da indiferença absoluta, começa a multiplicidade da vida real a projectar-se num fundo de egoísmo pessoal, de egoísmo com laivos de orgulho espiritual. A história relata casos de místicos, e até de completas escolas místicas, em que o objecto de amor já não era visto como indiferença absoluta, mas segundo formas diferenciadas e concretas, que tornavam possível a existência de relações humanas. Observação curiosa é a de que tais relações tendiam para apresentar caracteres evidentes de amor sexual.
O amor paternal, e mais ainda o amor maternal, assemelham-se ao amor sexual, tanto pela intensidade do sentimento como pelo carácter concreto do objecto; mas, por outros motivos, não podem oferecer ao ente humano um valor tão alto como o do amor conjugal. O amor dos pais está condicionado pela repartição entre os filhos e pela lei das sucessivas gerações, o que também é dominante na vida animal, mas que não tem – ou, pelo menos, não deve ter –, tal importância na vida humana. Nos animais, a geração seguinte suprime directa e rapidamente os seus predecessores, cuja existência considera absurda aos olhos dos sucessores. A mulher realiza por vezes o amor maternal em grau tão elevado de sacrifício pessoal que não logra semelhante entre as aves e os mamíferos superiores, o que significa certamente um estádio necessário na ordem das coisas. Seja como for, o que é certo é que no amor maternal não pode haver completa reciprocidade, nem comunhão de vida pela simples razão de pertencerem a gerações diferentes aquela que ama e aqueles que são amados. A vida tem preparada, para estes casos, novos interesses e tarefas independentes; projecta-se no futuro; por isso eles não podem ver nos representantes do passado mais do que sombras movediças e estranhas. Temos de nos convencer de que os filhos não vivem para a realização da felicidade dos pais. A mãe, ao dedicar-se de alma inteira aos filhos, sacrifica o seu egoísmo, mas também perde ao mesmo tempo a sua individualidade. Não assim quanto aos filhos, porque ainda quando correspondem amorosamente ao amor maternal, conservam o seu egoísmo que vão a pouco e pouco reforçando. Além disso, o amor maternal, a dizer a verdade, não reconhece a importância absoluta do ente amado, nem lhe respeita a personalidade. A mãe preza acima de tudo o seu filho, porque é seu, porque lhe é próprio e propriedade – tal como acontece em todas as espécies animais. Nisto vemos a prova de que, para admitir, reconhecer e respeitar o valor absoluto da pessoa humana, é indispensável que esta apareça revestida de exteriores condições fisiológicas.
Respeitamos o amor místico e o amor por consaguinidade, que não podem ter a pretensão de substituir o amor sexual, mas ainda menos do que eles podem ter tal propósito os outros sentimentos simpáticos de que vamos falar.
Falta à amizade entre pessoas do mesmo sexo a distinção formal das qualidades que se completam mutuamente. Quando a amizade se torna por demais intensa e expressiva, logo se transforma num sucedâneo de amor sexual, e tende para vícios contrários à natureza.
Quanto ao patriotismo e ao humanitarismo, que são muito mais ideologias do que sentimentos, não lhes negamos a existência de factores da vida afectiva, mas afirmamos que não podem extirpar de modo concreto e completo o egoísmo do ente humano, porque a tal não é propícia a incomensurabilidade entre o amante e o amado. Por muito que pareçam personificadas a Pátria e a Humanidade, certo é que elas não podem constituir um objecto capaz de ser concretamente cingido pelos braços humanos. Se é certo que um homem pode morrer para se sacrificar pela Pátria ou pela Humanidade, e se também lhe pode dedicar a vida inteira, o que já é mais difícil, não é verdade que tal amor tenha por consequência a procriação de um novo ente humano, nem a sublimação do egoísmo para manifestar e realizar a liberdade da pessoa humana. O velho eu, permanece no centro da alma, não morre para deixar nascer o novo homem, porque o patriotismo e o humanitarismo são repelidos para a periferia da consciência, como ideias, ideais ou ideologias, simbolizadas pelas palavras Pátria ou Humanidade.
Crítica análoga se poderia fazer às expressões erróneas do amor da ciência, da arte e de outras entidades paralelas.
O verdadeiro amor é o amor sexual, e caracteriza-se pela superioridade em relação aos sentimentos do mesmo género, e por contraste com as falsas e fictícias expressões do amor… (in ob. cit., pp. 54-65).
Falta à amizade entre pessoas do mesmo sexo a distinção formal das qualidades que se completam mutuamente. Quando a amizade se torna por demais intensa e expressiva, logo se transforma num sucedâneo de amor sexual, e tende para vícios contrários à natureza.
Quanto ao patriotismo e ao humanitarismo, que são muito mais ideologias do que sentimentos, não lhes negamos a existência de factores da vida afectiva, mas afirmamos que não podem extirpar de modo concreto e completo o egoísmo do ente humano, porque a tal não é propícia a incomensurabilidade entre o amante e o amado. Por muito que pareçam personificadas a Pátria e a Humanidade, certo é que elas não podem constituir um objecto capaz de ser concretamente cingido pelos braços humanos. Se é certo que um homem pode morrer para se sacrificar pela Pátria ou pela Humanidade, e se também lhe pode dedicar a vida inteira, o que já é mais difícil, não é verdade que tal amor tenha por consequência a procriação de um novo ente humano, nem a sublimação do egoísmo para manifestar e realizar a liberdade da pessoa humana. O velho eu, permanece no centro da alma, não morre para deixar nascer o novo homem, porque o patriotismo e o humanitarismo são repelidos para a periferia da consciência, como ideias, ideais ou ideologias, simbolizadas pelas palavras Pátria ou Humanidade.
Crítica análoga se poderia fazer às expressões erróneas do amor da ciência, da arte e de outras entidades paralelas.
O verdadeiro amor é o amor sexual, e caracteriza-se pela superioridade em relação aos sentimentos do mesmo género, e por contraste com as falsas e fictícias expressões do amor… (in ob. cit., pp. 54-65).