«A propósito do Espiritismo
Factos isolados nada valem e, como se sabe, nem sequer há o facto puro. Todo o ser é unificação de diversidade, em todo o ser se afirma o indivíduo e o mundo, a mónada e o Cosmos.
Eis o que não é lícito ignorar-se depois de Kant.
Quem já viu uma discussão ingénua (quer dizer entre mentalidades vivas e indisciplinadas) sabe bem que é inútil o argumento do facto bruto, porque não é, nem pode ser, recebido. Quando se diz que contra factos não há argumentos, apela-se para aqueles pretendidos factos, que são a realidade comum, produto do mínimo de elaboração científica, que é a elaboração colectiva.
Uma discussão entre filósofos pode ser útil, quando se defrontam dois espíritos livres, pois, sabendo que a realidade é dialéctica, não se oporão factos, mas argumentos.
Pode ser inútil, quando entre eles se erguer a idolatria do facto, porque, falando dialécticas diferentes, já os factos para eles são diferentes: exemplo frisante a discussão sobre o movimento entre o profundo Bergson e o rectilíneo Dantec.
Os sistemas de factos (que os realizam) são as ciências e as artes. O Sistema é a filosofia.
As ciências fazem uma elaboração no sítio, a filosofia uma elaboração ubíqua. As ciências trabalham numa dimensão, a filosofia passa por sobre as dimensões medindo nelas a sombra do ser. Cada ciência dá, à filosofia, conceitos, que são ainda o diverso resistente para o espontâneo íntimo da unificação. Aqui, e só aqui, os pretendidos factos chegam ao sétimo céu ou plena realidade.
O problema do espiritismo deve ser estudado cientificamente e depois entregue ao filósofo.
Cientificamente tem sido estudado, e é de notar o livro severo e escrupuloso do físico Oliver Lodge.
Cientificamente é demonstrada a telepatia e flutuam, mal acomodados na telepatia, fenómenos complexos como os das comunicações cruzadas, etc.
Mas que valeriam estes factos para um materialista sincero?
Sendo de ordem psicológica, seriam meros epifenómenos das vibrações cerebrais dos induzidos.
E não seria maior dificuldade que a de admitir a evolução biológica pela selecção dos acidentes felizes.
E que valem estes factos para um pensador amorfo, simples chapa fotográfica das vibrações do meio?
Valem como factos, autênticos brutos, que terão o fastígio do milagre e o perigo da superstição.
Só num sistema filosófico de idealismo dialéctico, onde a realidade seja o pensamento e o pensamento a realidade, podem tais fenómenos valer, de valor metafísico e real. Só tal Sistema pode serenamente aguardar tais elaborações científicas, sem repúdio cego, nem recepção desonesta. De outra forma, corremos o risco de desperdício de saber e beleza, quer fechando os olhos com os materialistas, quer, com os espiritistas, fazendo o íntimo espontâneo em permanente afirmação em todo o pensamento, depender de contingentes fenómenos, que nada seriam sem ele.
Póvoa, 22 de Abril de 1913.»
Leonardo Coimbra («DISPERSOS, III - FILOSOFIA E METAFÍSICA»).
Selo da Ordem Martinista
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«A descoberta, em 1784, do sonambulismo lúcido pelos mesmeristas, levou Jean-Baptiste Willermoz (1730-1826), um mercador de seda de Lião que, depois da morte do seu mestre, Martines de Pasqually, tinha fundado, em 1778, a Ordem dos Grandes Profetas, Cavaleiros da Cidade Santa (um deles foi Joseph de Maistre, em Chambéry), a constituir uma sociedade de magnetizadores para obter dos sujeitos sob hipnose "oráculos somníloquos", quer dizer, revelações sobre o outro mundo. Em 1785, ele magnetizou Mlle. Rochete, uma doente de 25 anos, vítima de crises convulsivas, e esta, nos sonos, teve visões das regiões do outro mundo, com os seus lugares de expiação, os seus lugares de purificação e de paz percorridos por "seres felizes" [Jean-Baptiste Willermoz, Les Sommeils (Paris, La Connaissance, 1926)]. De seguida, Willermoz entrou em contacto com um príncipe alemão, Carlos de Hesse, que o convidou, em 1790, a deslocar-se a Hamburgo, e o informou dos seus próprios "oráculos luminosos" realizados fazendo uma pergunta nas trevas, sendo a resposta afirmativa uma iluminação súbita: "Os exercícios mais elementares consistiam em fixar o olhar sobre um objecto, na esperança de que ele aparecesse resplandecente ou que ele fosse rodeado por nuvens luminosas. Um outro exercício consistia em fixar, de noite, um ponto escuro do firmamento, na esperança de ver aparecer uma estrela." [Gérard Van Rijnberk, Épisodes de la vie ésotérique (Lião, Paul Derain, 1948)]. Carlos de Hesse possuía um retrato de Cristo, que acreditava ver iluminar-se quando lhe pedia conselhos; em Dezembro de 1791, este retrato deu-lhe "ordem de escrever", e, a partir daí, ditou-lhe diversas mensagens, como explicações do Apocalipse de São João e do calendário egípcio.
Assim, no fim do século XVIII, a escrita automática sob comando de um Espírito invisível, o interrogatório de um médium em transe, estavam já inventados; foi em 1848 que a família Fox, que vivia numa casa em Hydesville, na Acádia, descobriu o table-moving e o rapping, quer dizer, a arte de fazer girar as mesas e de obter, por batimentos, repostas de além-túmulo a perguntas colocadas. As três irmãs Fox e a sua mãe exploraram comercialmente este procedimento abrindo, em Rochester, um escritório onde se podia, por alguns dólares, conversar com os parentes mortos. Fizeram uma demonstração pública na Universidade de Saint Louis, em 1852, e a epidemia do espiritismo rebentou nesse mesmo ano na América, e atingiu a Europa no ano seguinte. Em França, os seus teóricos mais encarniçados foram, em primeiro lugar, Jules-Eudes de Mirville, que publicou em seis volumes Des Esprits et de leurs manifestations fluidiques (1863-1864), e o barão de Guldenstubbé, autor de uma Pneumatologia, que fundou um círculo de espiritismo composto de "12 pessoas, das quais 6 representam os elementos positivos, e as outras 6 os "elementos negativos ou sensitivos". O médium estava à cabeceira da mesa, completamente isolado, tendo à sua direita as 6 naturezas negativas e à sua esquerda as 6 naturezas positivas: "Para formar a cadeia, é preciso que as 12 pessoas coloquem a mão direita sobre a mesa, e que ponham a mão esquerda do vizinho por cima." [L. Guldenstubbé, Pneumatologie positive et expérimentale (Paris, A. Franck, 1857)]. Seguiam-se certos fenómenos que se atribuíam às almas dos mortos: sacudidelas, batidas misteriosas, visões simultâneas dos participantes, escrita automática, vibrações das cordas de um piano.
Os ocultistas, baseando-se nos textos cristãos que anatemizavam a necromancia, insurgiram-se contra o espiritismo. Consideraram-no mórbido, enquanto divertimento mundano, pretensioso e ineficaz como procedimento de exploração do invisível. Éliphas Lévi atacou-o em La Science des Esprits (1853), opondo, às inépcias proferidas sobre o outro mundo nas sessões espíritas, os ensinamentos da Cabala. Diz que fez, um dia, aparecer por uma conjuração o espectro de Apollonius de Tiane, mas que não tinha dúvidas de que tinha sido uma ilusão devida a "uma verdadeira embriaguez da imaginação". Ridicularizava Guldenstubbé, que colocava folhas de papel branco em diversos locais, e que encontrava neles palavras garatujadas por pretensos espíritos: "Os escritos que obtém não vêm do outro mundo, e é você mesmo quem os traça sem o saber." [Éliphas Lévi, Histoire de la magie (Paris, Germer-Bailler, 1860)]. Éliphas Lévi explicou todos os factos que os espíritos tomavam por intervenções sobrenaturais como efeitos do magnetismo universal.
A partir de 1890, Papus, então chefe do laboratório de hipnoterapia dos hospitais da Caridade, decidiu combater o espiritismo substituindo-o por verdadeiras experiências mediúnicas, com o coronel Alberto de Rochas, administrador da escola politécnica, e o dr. Luys. Eles não se preocupavam com fazer rodar as mesas, com evocar os mortos, mas com o estudo da exteriorização da sensibilidade nos estados profundos da hipnose. Papus desejava aprofundar a noção de astral, que é base do ocultismo. Segundo "a doutrina da Tri-Unidade", o homem tem um corpo astral semelhante ao seu corpo físico: "Os três princípios designados pela ciência oculta como formando o homem são: 1.º, o corpo; 2.º, o mediador plástico (corpo astral); 3.º, a alma. O ocultismo diferencia-se, pois, dos teólogos, por admitir um novo princípio intermediário entre o corpo e a alma. Diferencia-se dos materialistas por ensinar a existência de dois princípios que escapam, no homem, às leis da matéria." [Papus, Traité méthodique de science occulte (Paris, Garré, 1891)]. O corpo astral (que os ocultistas chamam também aerosome, forma fluídica, corpo vital fluídico), une o corpo físico ao espírito; ele é o "obreiro escondido" que realiza as funções da vida vegetativa; radia por vezes em torno do indivíduo, formando uma espécie de atmosfera invisível nomeada aura astral. Pode-se mesmo, graças a um treino pelo regime alimentar e pela respiração, "obter a saída consciente e progressiva do duplo astral para fora do corpo físico" [Papus, Qu'est-ce que l'occultisme? (Paris, Leymarie, 1929)]. Estas diversas propriedades do corpo astral motivam os sonhos, a loucura, o êxtase profético, as visões e a acção à distância.
Gérard Anaclet Vincent Encausse (Papus).
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A nova atitude adoptada por Papus e o seu Círculo de Estudos Esotéricos baseava-se na seguinte fórmula: "O sobrenatural não existe… Tudo o que há na Natureza é bem natural." [Considérations sur les phénomènes du spiritisme]. Organizaram "sessões obscuras", assim intituladas porque se passavam na sombra, a fim de ajudar o médium a ver a luz astral: "Essa força vital só pode deslocar-se convenientemente ao abrigo dos raios amarelos e, sobretudo, dos raios vermelhos do espectro solar, que agem sobre ela como a água sobre o açúcar. Eis porque será sempre necessário que seja unicamente iluminado por uma luz onde os raios violetas dominem." Verifica-se, em primeiro lugar, se o médium era receptivo, através de diferentes testes, como a atracção à retaguarda: "Coloquem o sujeito de pé, os dois pés unidos. Coloquem em seguida as vossas duas mãos sobre as omoplatas do sujeito, por detrás dele, e tirem as mãos, suavemente, ao fim de alguns instantes. Se se tratar de uma pessoa muito sensível, os seus ombros seguirão o movimento das vossas mãos e ela, contra a sua vontade, cairá."
Para adormecer o sujeito com o seu olhar, Papus fazia-o sentar diante de si, de costas viradas para a luz. Tomava-lhe as suas mãos, das quais apertava os pulsos, e olhava fixamente a pupila do seu olho direito. Em seguida, reunindo os dois pulsos do sujeito na sua mão esquerda, Papus fazia-lhe com a outra mão passes de alto a baixo, descendo até ao estômago. Largava-lhe os pulsos e continuava os passes com as duas mãos. O sujeito, adormecido, atravessava três fases, a letargia, a catalepsia, e, quando lhe batiam ligeiramente na testa, o sonambulismo lúcido, em que falava e trocava por vezes de personalidade. Para o acordar, usavam-se diversos procedimentos, sendo o mais usual o de lhe soprar fortemente entre os olhos, fazendo simultaneamente passes com as duas mãos, primeiro ao nível do estômago, depois ao nível da cabeça. Noutras "sessões obscuras", o médium, sentado numa poltrona, a cabeça apoiada, adormecia fixando um espelho rotativo durante cerca de meia hora. Estas experiências mediúnicas permitiram a Papus concluir: "os factos atribuídos pelos espíritos aos Espíritos são, para os ocultistas, unicamente os resultados das forças emanadas pelo médium e, algumas vezes, intensificados pela ajuda dos elementais."
No início, as "sessões obscuras" do Círculo de Estudos Esotéricos assemelhavam-se demasiadamente às "investigações psíquicas" de William Crookes, que, em Londres, se fazia mistificar por médiuns fraudulentos como Douglas Home. O sujeito preferido de Papus, Mme. Hannecart, era especialista das levitações e das materializações: quando entrava em transe, os instrumentos de música planavam sobre os assistentes, os objectos mexiam-se sobre a mesa, e mãos luminosas apareciam na escuridão. Um outro sujeito, Corcol, era um "médium de encarnação", tomando sob hipnose a personalidade de um insurrecto fuzilado durante a Comuna. Mas estas experiências duvidosas foram abandonadas pelo estudo da aura astral do médium, o que levou a uma prática curiosa: a fotografia do invisível. O dr. Hippolyte Baraduc, que queria encontrar "um método que mostrasse o invisível fluídico, como o microscópio mostra os materiais infinitamente pequenos", foi um dos seus mais espantosos especialistas. A sua "iconografia do invisível" compreendia psicoícones (imagens fluido-psíquicas que saíam da testa ou da ponta dos dedos de um sujeito em estado de tensão criativa), e numerosas chapas onde o corpo astral se destacava do corpo físico sob a forma de nimbo, vórtice ou linhas irradiantes. Para fotografar as "emanações passionais", colocou uma placa sensível entre os corações de dois amantes abraçados: isso deu "pontos fluídicos" sobre fundo negro. Fotografou também "as vibrações do cosmos, em harmonia com as nossas", a fim de verificar como reagia o plano astral às emoções humanas. Esta actividade experimental do grupo de Papus foi violentamente contestada por René Guénon, em nome do esoterismo, que é um saber tirado da iniciação e não do científico.
Mas isso não impede que, no fim do século XIX, a concepção do invisível se tenha modificado sob o impulso dos ocultistas franceses que combatiam os espíritos anglo-saxónicos. A teoria dos espectros enriqueceu-se com uma nova noção: o fantasma dos vivos, ou forma fluídica saída momentaneamente para o astral. O mundo preternatural é o plano astral, onde evoluem as larvas e toda a espécie de espíritos que não são unicamente almas, como diz Papus: "Eis o que se encontra no mundo invisível com olhos naturais, visível no estado mediúnico: 1) as correntes fluídicas de luz astral carregado; 2) os elementais, forças inconscientes dos elementos; 3) os elementares, restos dos defuntos espíritos dos espíritas; 4) as Ideias tornadas Seres, seres colectivos; 5) os Corpos fluídicos dos médiuns e dos adeptos. Os fantasmas são apenas, para Estanislau de Guaita, "coagulações perfumadas, resíduos mortos ou moribundos de carcaças astrais em via de se desintegrarem no oceano fluídico" e permanecem de preferência "em torno das sepulturas, dos matadouros, dos anfiteatros ou ainda dos esgotos e das solfataras" [Estanislau de Guaita, Clé de la magie noire]. Enfim, admite-se que o corpo astral é capaz, por ascese, de abandonar o corpo físico e de regressar após ter viajado no plano astral: "Os principiantes e os ignorantes são os únicos que podem acreditar que o desdobramento é uma coisa diferente da prática de uma ginástica psíquica."»
Alexandrian («História da Filosofia Oculta»).
«Por volta dos anos 30 foi noticiado que mulheres alemãs hipnotizadas tinham estado em contacto com os mortos. Supostamente, os espíritos dos mortos utilizavam o "magnetismo animal" sobre certos seres vivos - "sensitivos", ou médiuns - para efectivar estas entrevistas, uma explicação popularizada pelo Jornal do Magnetismo, de 1836, por exemplo. O interesse no mesmerismo e no seu potencial espiritualista estava bastante acentuado nos anos 30 e 40, tanto na Europa, como na América.
(…) O lado oculto do mesmerismo, por outro lado, iria ascender e cair na estima popular durante o século XIX. Como foi dito, em meados do século muitos esperavam descobrir nos seus segredos a prova da imortalidade e até o jornal Zoist de Elliotson (fundado em 1843), tendia a inclinar-se para estes problemas mais profundos. Os americanos parece terem sido entusiastas do mesmerismo como um laço com o outro mundo, especialmente na década, mais ou menos, antes de 1848. A meio dos anos 40 Poe publicou o seu Revelação Mesmérica e o terrível Os Factos no Caso de M. Valdemar (no qual a alma de um moribundo fica presa através do mesmerismo), enquanto em 1853 se proclamava que mais de 300 "círculos magnéticos", na cidade de Filadélfia, recebiam mensagens dos mortos. Como de costume, estas sessões ocorriam, supostamente, em casa de "famílias altamente respeitáveis".
O mesmerismo, portanto, ajudava a explicar como funcionava a comunicação espírita e ao mesmo tempo encorajava a crença no sobrenatural. Uma ainda mais forte fonte de inspiração para os indecisos, assim como para os crentes fiéis, no entanto, foi o famoso caso dos Batimentos de Rochester, de 1848. Se bem que por vezes se diga que o moderno movimento espiritualista data de 1848, houve, claramente, "movimentos" antecedentes no século XIX - para não falar em períodos anteriores.
No entanto, graças à propaganda americana, Rochester cativou as imaginações daqueles que procuravam provas daquilo em que queriam acreditar. Da América a febre alastrou ao Continente e à Inglaterra.»
R. C. Finucane («FANTASMAS. Aparições dos Mortos e Transformação Cultural»).
OS FENÓMENOS ESPIRITÓIDES, A SOBREVIVÊNCIA E A IMORTALIDADE
O termo é de Boirac: espiritóide quer dizer semelhante a espírito, que na apresentação imediata tem o aspecto de espírito.
Isto assim não envolve na própria linguagem a confusão duma hipótese implícita, deixa a liberdade de pesquisa absolutamente necessária em ciência e marca o aspecto singular desses fenómenos na sua imediata apresentação.
Uma vez explicada a nomenclatura dirá o autor destas linhas que está pessoalmente, isto é, experimental e directamente, a par das pesquisas espiritóides.
Mas como sempre mais ou menos lhe pareceu assistir a um equívoco perigoso, é desse equívoco que pretende tratar.
Vem a consistir esse equívoco no fácil transporte de conclusões de sobrevivência para conclusões de imortalidade.
Ora tal transporte constitui um erro de lógica científica dos mais elementares e graves.
A sobrevivência é de ordem experimental, a imortalidade não o pode ser.
Assim se compreende que os membros duma Igreja, os partidários duma fé revelada, apareçam tantas vezes como ligando medíocre importância às pesquisas espiritóides.
A sobrevivência é um prolongamento no tempo das manifestações actuais duma consciência.
Assim a consciência dum escritor vive na sua obra, mas esta obra é apenas a manifestação do tempo dessa consciência que é o da criação da sua obra. Um escritor morto, que, sem possíveis subterfúgios, desse, no momento A, provas da presença da sua consciência, faria, para esse momento, uma manifestação actual da sua vida consciente, seja, da sua sobrevivência.
A imortalidade ou é uma forma de vida intemporal e não pode cair directamente na experiência temporal, ou é uma presença em todo o tempo e menos ainda poderá ser apreendida pela experiência, que é sempre deste ou daquele tempo.
É lícito, pois, ao pesquisador experimentalista tentar provas de sobrevivência; jamais dará, como simples experimentador, uma só que seja da imortalidade.
E isto vale para o experimentador da fenomenologia espiritóide, como para o real ou pretendido iniciado teosófico, tendo atingido percepções de natureza transensorial.
A um limita-o o tempo da experiência, a outro o tempo da observação.
Assim terá o experimentador de limitar-se, e não é pouco, ao simples problema de sobrevivência.
O problema da sobrevivência
Teoricamente pode e é uma prova de estúpido orgulho o de tantos homens de cultura de hoje, afirmando tal preocupação como própria apenas do estado de pensamento primitivo dos povos animistas
Praticamente é o problema um dos mais complexos, pois que a experimentação crucial é muito difícil.
A complexidade dos fenómenos espiritóides é tamanha que, pondo já de parte as fraudes voluntárias e involuntárias, são muitíssimas as hipóteses explicativas, que os factos vão sugerindo.
Mas contrariamente às afirmações e aos prejuízos dos ignaros é nessa mesma complexidade que reside a possibilidade das experiências cruciais.
Na opinião do notável físico Duhem, a experiência crucial não é possível em física, opinião que recebe também a confirmação do genial matemático e físico H. Poincaré.
Não há uma experiência crucial, mas pode haver um conjunto de experiências tais que a velha hipótese as não suporte e uma nova hipótese as coordene, explique e acrescente de previsões a seguir verificadas.
O caso é patente quando a velha hipótese fica como uma aproximação da nova, como na teoria de relatividade, que é apenas um formulário onde uma constante suposta infinita na velha teoria tem na nova teoria o valor de 3x10 elevado a 10, valor que, para as nossas medidas, é quase sempre praticamente infinitamente grande.
Leonardo Coimbra
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Nestes fenómenos não se trata de arranjos elementares que a análise encontre para recompor em apertadas sínteses explicativas; são estes fenómenos já de si sistemas orgânicos que a análise não pode desdobrar para além de certos limites. Esses limites marcam em cada caso o grau de riqueza da hipótese que os há-de explicar.
Deste modo, mesmo praticamente, é, pelo menos assimptoticamente, possível chegar à hipótese da sobrevivência, como a única capaz de certos casos, indesdobráveis, irredutíveis à apreensão das outras hipóteses.
Postas de parte as fraudes, as hipóteses mais viáveis são as das simples subconsciências critomnésicas ou até pantomnésicas e as das subconsciências metagnómicas.
É claro que estas hipóteses são por vezes mais complicadas que a simples hipótese da sobrevivência, pois uma pantomnésia ou uma pantognomia são o puro indeterminado.
Limitando, pois, estas hipóteses ao que a experiência tornou verosímil, possível é que fiquem casos aos quais caiba, como nenhuma, a hipótese da sobrevivência.
É o que, por exemplo, tenta mostrar Bozzano no seu livro de crítica às explicações de toda a fenomenologia por Sudre.
As explicações por animismo (não confundir com o animismo dos etnólogos, nem com a doutrina escolástico-tomista) entram nas personalidades múltiplas metagnómicas, abrangendo estas, como é natural, as metamnésicas, etc.
Mas, se é demonstrável a sobrevivência, estará ela demonstrada?
É outro problema a que, no entanto, o precioso livro de Bozzano procura responder.
Quanto a nós, a demonstração será sempre apenas a duma maior ou menor probabilidade, como são todas as demonstrações que tratem de realidades e não duma simples simbólica do real, feita a partir de definições basilares mais ou menos feitas com seres de razão, como nas matemáticas. Mas essa probabilidade pode ir crescendo indefinidamente e é a nossa certeza.
Este o valor dos trabalhos modernos da parapsicologia e, quando mais não desse, motivo de sobra teria já a gratidão dos que acima de tudo querem viver conscientemente, compreendendo e progredindo. Mas de aí à imortalidade o salto é do finito para o infinito e nada poderá dar-nos a experiência.
Se, no entanto, uma Crítica da Ciência nos demonstrar que a sua existência, a da Ciência, implica uma actividade dominadora do tempo e do espaço, que chamaremos actividade espiritual, é então valiosa a visão experimental da sobrevivência como uma confirmação por consequências experimentais nas alturas árduas, severas e quase inacessíveis da reflexão filosófica.
E, desta feita, ficaria arredado também um outro perigo muito vulgar nos teóricos da parapsicologia, qual o de confundir a actividade espiritual com os seus instrumentos e com os seus produtos o que, por vezes, dá ao chamado espiritismo um melancólico aspecto de mitigado materialismo, de ser uma como anemia materialista.
Por vezes, em troca da actividade espiritual servem-nos apenas fantasmas e ectoplasmias, que lembram o desejo de Aquiles de ser moço de lavoura na vida terrena, de preferência a ser rei no triste, apagado, sumido e nevoento reino das sombras (in «DISPERSOS, III - FILOSOFIA E METAFÍSICA», Editorial VERBO, 1988, pp. 177-181).
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