«Nascido num país onde é intenso o diálogo entre a alma e a paisagem, mas educado em circunstâncias que prescreviam o método hipotético-construtivo como legítimo caminho para a universalidade, Leonardo Coimbra procurou ultrapassar a contradição mortal do pensamento português. Se esse esforço solidificou numa obra imperfeita, mas por muitos aspectos valiosa, não ficou perdida a inspiração originária que reconhecemos vivente nalgumas páginas admiráveis.
A personalidade de Leonardo Coimbra, pelo que denota de singular na sociedade portuguesa, aparece como digna de exaustivo estudo; mais do que estudar essa personalidade, urge revelar o perene valor cultural e nacional da obra filosófica que realizou; importa iluminá-la e avaliá-la para que o seu conteúdo perdurável entre definitivamente na tradição espiritual da Pátria».
Álvaro Ribeiro («Leonardo Coimbra. Apontamentos de biografia e de bibliografia»).
O homem vive em Deus, quando é instrumento da vontade de amar que atravessa as almas. Duas almas se elevam nas alturas, obedecendo em seu ritmo ao bater ansioso do coração da Pátria! Voam em pleno espaço e, cá em baixo, as nossas orações são, brancura de espuma, o sulco da sua glória!...
As nações, como os homens, valem pela sua contribuição para o progresso espiritual da humanidade. Assim, um povo pequeno e sem grandes relações internacionais pode valer muito pela harmonia da vida social que saiba realizar e seja exemplo para os outros povos; assim, um povo pequeno e até de vida interna pouco perfeita pode muito valer pela grandeza das suas criações filosóficas, religiosas e científicas, que para os outros povos ficam a marcar como estrela polar dos seus rumos de progresso espiritual.
Assim, e dum certo modo, está no primeiro caso a Suíça de hoje; como no segundo estiveram Atenas e Israel. A Bélgica de ontem, frente à Alemanha, deu seu corpo ao sofrimento e à morte, para dar seu espírito ao dever e à lealdade.
Renasceu em beleza; mas, ainda que morta, fosse no espaço da sua geografia e no tempo da sua história, teria, para viver, todo o espaço e todo o tempo em que vivesse a actividade do Espírito.
Portugal foi dos pequenos povos ao serviço do progresso espiritual do homem.
Como chama brotando do coração duma árvore e correndo a incendiar a floresta, brotou uma fé no coração de alguns homens e Portugal foi a dilatação dessa fé, a chama daquele incêndio espiritual.
Ardeu até à beira-mar e, refervendo de encontro às águas do mar salgado, traçou no seu verde corpo os novos caminhos do homem: e a cruz das caravelas foi marcando os caminhos do solo pátrio.
Portugal deu o planeta à humanidade, e, como Bartolomeu, Gama, Cabral e Magalhães, cinturou o planeta num abraço, unindo mais e mais os homens, entreabrindo-lhes os segredos da terra e do céu, alargando as asas da nova imaginação científica.
Tem, pois, a Pátria portuguesa esta glória efectiva de ter contribuído, como o fizeram Atenas, Israel, Roma, Paris, etc., para o progresso espiritual da humanidade.
Esta, a sua Tradição de valor e, perguntar se o presente é digno do passado, é simplesmente querer saber se os esforços espirituais que fizeram o passado ainda existem no presente.
As forças espirituais, e não os moldes em que se informaram, porque continuar a Tradição da audácia marítima não é navegar nas velhas naus das Descobertas, mas foi antes conquistar o submersível e os novos elementos de domínio dos mares.
A Tradição não é a carga inerte das obras do passado, mas o espírito vivo que as criou e que, por isso mesmo que já as criou, terá hoje de criar diferentemente.
É esta Tradição viva, que hoje ergue nas asas da glória os heróis portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, fazendo que o povo, que à humanidade dera um maior convívio pela travessia dos oceanos, aumente infinitamente esse convívio pela descoberta do caminho dos ares.
E a mesma cruz que à frente dos guerreiros lusíadas demarcou o solo da Pátria e riscou o caminho dos ares é a que, mais alta que nunca, procurou, por entre os outros, o caminho das alturas.
Sobre o mar, livro aberto rezando as oitavas da nossa glória, Coutinho e Cabral uniram, pelo céu e numa viagem da Saudade, os corações de duas pátrias que só têm as mesmas palavras para cantar a nova Esperança!
Para Coutinho e Cabral, que levaram o coração da Pátria ao beijo mais próximo do Sol e da Glória, a comovida gratidão do nosso Amor!
(in Leonardo Coimbra, «Dispersos. V. FILOSOFIA E POLÍTICA», Editorial Verbo, 1994, pp. 275-277).
Gago Coutinho e Sacadura Cabral antes de partirem.
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Gago Coutinho e Sacadura Cabral a bordo do Lusitânia (1922). |
Rota da Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul. |
Ao amarar na Baía de Guanabara faz as salvas de ordenança. |
Baía de Guanabara vista de satélite da NASA. Baía localizada no estado do Rio de Janeiro, no sudeste do Brasil. |
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