quarta-feira, 16 de março de 2016

Illuminati (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte





Oliveira Salazar



«A estreita colaboração entre os povos, que a todos se afigura condição necessária da paz e bem-estar futuro, em que bases assentará? A resposta tem grande valor para nós, cujo nacionalismo económico e político pode encontrar-se por aquele facto fora da linha geral da reorganização do mundo, com a correspondente necessidade de ajustamentos futuros. O facto de as guerras nascerem de conflitos entre nações - e agora lhe começamos a ver aspectos intercontinentais - induz naturalmente muitos espíritos a buscarem remédio para tão grandes catástrofes em formas de organização super-nacional, continental ou mundial. Não está no meu espírito nem é da doutrina da nossa Revolução negar a interdependência e solidariedade dos Estados nem a necessidade de uma fórmula de organização ou trabalho internacional que resolva eficientemente os problemas comuns ou a cooperação a prestar. Digo apenas ser minha sincera convicção que o homem do século XX não está habilitado ainda a ver, a resolver os problemas do mundo senão através das existências nacionais, livres e independentes. Imaginações exaltadas, políticos de gabinete apaixonados das fórmulas abstractas e despreocupados das muitas realidades que entretecem a vida das nações acharão que é possível melhor. Os homens prudentes encontrarão porém que a base nacional será ainda a mais sólida, fácil e isenta de perigos para nela se assentar a colaboração dos povos conducente ao bem-estar comum.

Nesta orientação, assim como quanto mais sólida for a organização familiar, mais coesa e sólida é a própria nação, assim também quanto mais nítida, mais forte e independente for dentro do seu próprio território a autoridade do Estado, quanto mais ordenada e sólida e nacional for a sua autonomia, mais fáceis serão os convénios de interesse internacional, mais prontamente tomados e obedecidos os compromissos ou normas que importem a uma comunidade de nações.

Em política os problemas simplificam-se pela delimitação de fronteiras e de poderes. O princípio é que nem duas soberanias num território nem competência de autoridades para a mesma actuação. A regra aplica-se também aos territórios coloniais, acerca dos quais algumas ideias correntes estão longe de ser claras e inofensivas.

A questão do direito de acesso às matérias-primas (tendo-se em mente sobretudo as de origem colonial) nasceu precisamente quando ninguém se lembrava de recusá-las e o único problema era de facto vendê-las. Apuradas as coisas, viu-se bem que, em tempo de paz, dada a existência de países coloniais não industrializados e de nações grandes produtoras de matérias-primas que anseiam por lançar no mercado mundial, nenhuma dificuldade real pode existir senão a de deficiência de meios de pagamento, ou seja, a da diferença de meios circulantes, no fundo afinal um problema de soberania - que era aonde se queria chegar. Há portanto grandes ilusões em crer que regimes de condomínio, mandato, porta-aberta e semelhantes resolvam qualquer questão, a não ser que o fim a atingir seja apenas complicar os problemas, tirando a uns o que descobriram, conquistaram, administraram e civilizam, para disfarçado trespasse em benefício de terceiros. Por estes motivos e ainda pelo que todos devem à justiça e nós à nossa própria História, e embora a questão não nos respeite, como supomos, prudente se deve afigurar a linha política que, quanto às províncias portuguesas do ultramar, o Acto Colonial definiu e a Revolução incansavelmente defende.

E mais nada».

Oliveira Salazar («Os princípios e a obra da Revolução no momento interno e no momento internacional», na Emissora Nacional em 27 de Abril de 1943, in «Discursos e Notas Políticas», III, 1938-1943).







«O embaixador e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, por seu lado, ao tempo do anterior regime, marcou igualmente uma posição clarividente na análise dos vários problemas da política externa do País, nas assembleias de todo o mundo. A sua inteligência e cultura, o exacto e perfeito conhecimento dos problemas e das situações, o seu espírito realista e acendrado patriotismo - permite considerá-lo, com inteira justiça, uma das individualidades de mais evidência na vida portuguesa [de ontem].

Tal como o Prof. Oliveira Salazar (...), também Franco Nogueira seguiu coerentemente um pensamento político que se inseria profundamente nas coordenadas do interesse nacional. As palavras que vamos transcrever, são exemplo disso e constituem a resposta à pequenez dos que demagogicamente e vazios de alma se apresentaram em 25 de Abril como "salvadores da Pátria"...

Ouçamo-lo:

"... Eu diria, antes de mais, que afirmar a inviabilidade de o homem negro se integrar na sociedade portuguesa constitui uma atitude ou posição racista. Não se pode integrar, porquê? Acaso se considerará que o negro é tão inferior que não pode "atingir" o modo de vida português? Acaso se julgará a sociedade portuguesa tão elevada e tão superior que homens de outras raças não são dignos de se integrarem naquela? A verdade é que, no plano moral como no plano sociológico, as duas sugestões são de repudiar. Não há raças que por definição sejam superiores ou inferiores, e a história diz-nos que só os países formados por raças diferentes e misturadas têm sido criadoras e desempenhado papel de relevo. Por outro lado, reparemos em que a orientação ideológica dos que negam a integração do negro africano na sociedade portuguesa é idêntica à dos que reclamam e defendem, e com razão, a integração do negro americano na sociedade norte-americana, que é de maioria branca. Em que ficamos? Por que motivo essa integração é legítima e viável num caso e não é no outro? E o Brasil: não temos aí um caldeamento de raças? Por que não será praticável conseguir o mesmo em Angola e Moçambique? Por estarem geograficamente separadas? Mas não se conseguiu já aquele objectivo em Cabo Verde? E apesar das ilhas de Hawai e do Alaska serem habitadas por chineses, japoneses, malaios, indonésios, esquimós, não foram todos integrados na sociedade norte-americana? Poderia citar muitos outros exemplos e casos. Por que há-de ser um mito no caso português? Aliás, a democracia racial é uma funda tradição portuguesa".

(...) "Quanto ao 'Dossier' político do Ultramar, é constituído pelas resoluções da ONU contra Portugal e pelas notas, declarações e respostas dos responsáveis portugueses. Tudo tem sido largamente divulgado, em várias línguas, e sempre a Imprensa portuguesa deu publicidade a todos aqueles documentos. A verdade é que a doutrina portuguesa e seus fundamentos tem sido repetida e exposta em refutação dos critérios arbitrários que as Nações Unidas nos pretendem impor, e esses critérios da ONU constam dos textos das resoluções votadas contra nós. Tais textos são bem claros: exigem a retirada imediata de todas as Forças Armadas e de Segurança, a criação de partidos políticos africanos que forem indicados pela Organização da Unidade Africana, o reconhecimento dos chefes terroristas que forem escolhidos pela mesma organização e a entrega do governo aos mesmos, depois de um processo organizado e supervisado pela ONU. Alguém de boa-fé terá dúvidas sobre os resultados inevitáveis a que tudo aquilo conduziria? Mas tudo isto está publicado e republicado, e parece-me inconcebível que possa alegar-se desconhecimento daqueles textos fundamentais. Será inacreditável que alguém possa debater a política ultramarina portuguesa sem haver estudado as resoluções da ONU contra Portugal e como os textos são bem claros teremos de concluir que os que recomendam a nossa anuência às decisões das Nações Unidas aceitam as consequências da aplicação de tais textos: a entrega do Ultramar".



(...) "Ora, o Ultramar não é negociável, e não sei de país que aceite compromisso sobre direitos nacionais. Por outro lado, temos de compreender que a ONU não é um orgão de negociação firme e final. Suponhamos que se chegava a um qualquer arranjo ou acordo com a ONU. Pensar-se-á que era final e definitivo? Seria ingénuo acreditá-lo. Nos termos do regulamento da Assembleia, esta pode "sempre" reabrir todo o qualquer problema por decisão de simples maioria. Um acordo a que chegássemos numa sessão da Assembleia, e desde que a não satisfizesse completamente, seria posto em causa na sessão seguinte; e assim, de compromisso em compromisso e sempre para "apaziguar" a ONU, cederíamos em tudo. Estávamos a praticar a política da organização de Nova Iorque e não a nossa. Tal atitude filia-se numa doentia tendência nacional para pensar que os princípios e as doutrinas "dos outros" é que são bons, e que a eles devemos confiar a protecção dos nossos interesses. Não: com a ONU apenas seria viável negociar o "calendário" da entrega do Ultramar, e mesmo assim sob condição de que a entrega fosse feita num período de meses muito curto". (...) [Que assim era, provou-se com a viagem feita pelo Dr. António de Almeida Santos, no princípio de Dezembro de 1974, às Nações Unidas, levando consigo um "calendário" para as independências da Guiné e Cabo Verde, Angola e Moçambique, a conceder em prazo inferior a um ano. Punha apenas ressalva quanto a Timor que, segundo o ministro da Coordenação Interterritorial, "parece desejar continuar ligado a Portugal". Visão, pois, correcta a de Franco Nogueira]. (...) E não [menos espantosa a revelação feita pelo ministro português (Almeida Santos) de que Portugal havia já contribuído, ou dispenderia, até ao final do ano, 230 milhões de dólares (seis e meio milhões de contos) com a assistência financeira, não reembolsável, para apressar o processo de descolonização...].

(...) "A nossa História diz-nos que é precisamente em torno do fenómeno ultramarino que se estabeleceu sempre a unidade nacional, e que é o Ultramar que tem suscitado os grandes movimentos colectivos. Há mesmo quem sustente que a preocupação de salvar o Ultramar ajudou a impulsionar a revolução de 1640: a tese é lançada, por exemplo, por Jaime Cortesão. E já neste século [XX] o fenómeno se produziu. Basta ler textos de grandes vultos da I República, Augusto Soares, António José de Almeida, João Chagas, Teixeira Gomes, Brito Camacho, Bernardino Machado, e muitos outros, todos tinham a peito a defesa ou integridade do Ultramar. Não se disse, aliás, que foi para o defender que o País entrou e se bateu na Primeira Grande Guerra? Estes argumentos são de natureza histórica, e são válidos, mas não precisamos de nos socorrer deles para verificar que o Ultramar é a realidade que permite estruturar um autêntico movimento de base nacional - porque o Ultramar é que dá um sentido de destino colectivo e nos autoriza a ter uma ampla visão de progresso e de desenvolvimento" (Entrevista concedida a João Coito, para o "Diário de Notícias", em 1969).

São igualmente do embaixador Franco Nogueira as palavras que se seguem, proferidas em Abril de 1970, na Assembleia Nacional, e que não deixam também de se revestir do maior interesse e actualidade:

"Acaso alguém pensará que, amputados e cingidos ao território europeu, seríamos pelo menos mais prósperos?

A realidade básica da Nação Portuguesa é constituída pelo indissolúvel conjunto de Metrópole e Ultramar. É este conjunto que a todos nos dá a força económica, o potencial estratégico, a dimensão política. Acaso alguém pensará que reduzidos à Metrópole seríamos no Mundo o que realmente somos? E acaso alguém pensará que, amputados e cingidos ao território europeu, seríamos ao menos mais prósperos? Só podem julgar assim os que, há pouco chegados, e impressionáveis perante noções abstractas, e insensíveis a outros valores que não sejam os da sua tecnocracia, e nada vendo para além de horizontes limitados - são por tudo isso incapazes de distinguir o que é artificial e efémero do que é real e permanente, e por isso, no seu deslumbramento perante frases e noções aparentemente novas, não sabem ver quanto as mesmas têm de velhas, ou como são lançadas para servir interesses e objectivos alheios. Ou então só podem julgar assim aqueles que, sem coragem para explicar o seu pensamento integral, procuram na realidade propagar e fazer aceitar opções económicas que antecipadamente sabem conduzir depois a opções políticas que se tornavam então inevitáveis: e assim, através do pretexto de um progresso e de um desenvolvimento que por essa via não conseguiríamos, se frustrariam, os sentimentos e a vontade que ainda em Outubro último a Nação bem exprimiu por sufrágio".






(...) o Povo Português [não se] apercebera completamente do ocorrido a 25 de Abril e logo no dia seguinte se faziam distribuir pelos militantes do CDE panfletos incendiados a clamar vinganças, a convidar ao atropelo e à violência revolucionária, apontando que "o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua".

Quando se fizer a história miúda do 25 de Abril da traição, hão-de surgir à superfície os responsáveis, os que consentiram, com a sua pusilanimidade, na destruição do País. A demagogia delirante dos chefes socialistas e comunistas, orquestrada ao nível dos orgãos de comunicação social - levaram rapidamente a uma rotação de 180 graus do corpo social da Nação. As contestações de rua, os plenários nos locais de trabalho, os saneamentos selvagens nas empresas e nos próprios organismos públicos, a desarticulação nos orgãos administrativos do poder local, o retraimento das forças de segurança pública, a quebra de autoridade e do respeito da lei - teriam fatalmente que gerar o caos, a desordem institucional, as reivindicações irrealistas, a agressividade dos trabalhadores, numa palavra: o pandemónio da desorganização total. Teimava-se chamar a isto uma revolução. Mas revolução de quê? Revolução da vergonha, dos ódios, das vinganças, das ambições desmedidas de certos homens pela inversão completa dos valores supremos. Apoucam-se os símbolos da Pátria na pessoa dos seus heróis, dos seus santos, dos seus grandes poetas e escritores, dos seus homens de arte, dos seus estadistas eméritos, que a História projecta no tempo, na dimensão que só o tempo dá!

Qualquer cáca-rala vindo de exílios equívocos, entre políticos e homens de letras e de ciência, de cambolhada com desertores, refractários, salteadores de bancos - os "grandes cérebros" de que falava Mário Soares, arrogava-se falar de alto sobre complexos problemas da vida nacional, com tamanho desgarro e atrevimento, que as pessoas de bem quedavam-se perplexas e aturdidas. Foi a essa ralé, a essa escória entornada do esgoto de uma Europa em crise, que se fez presente do País que éramos em Abril de 1974!

(...) Efectivamente (...), em solene comunicação ao País, amplamente divulgada, o presidente Spínola, a 27 de Julho [de 1974], fazia perante milhões de portugueses, emocionados e estupefactos, o seu "hara-kiri" político. Cedendo definitivamente a pressões internas e externas, acabava de proceder por esse modo brutal à entrega pura e simples do Ultramar aos inimigos da pátria portuguesa, com grave atropelo ao estabelecido no Programa do MFA e no decreto-lei n.º 203/74. Satisfazia-se, desse modo, a aspiração máxima de socialistas e comunistas, de Soares e de Cunhal: deixar, por qualquer preço, os territórios, com vidas e haveres de milhões de negros e de brancos portugueses, à voracidade de interesses neo-colonialistas estranhos a Portugal, com todas as suas dolorosas consequências. Seria o começo da descolonização exemplar.

A Lei constitucional n.º 7/74 decretada pelo Conselho de Estado, promulgada na véspera, havia criado o quadro de legitimidade constitucional à perpetração deste crime de lesa-Pátria [assinaram pelo Conselho de Estado, sem qualquer declaração de voto, o dr. Azeredo Perdigão, Professora Magalhães Colaço, Prof. Freitas do Amaral (CDS), entre outros, dando assim o seu acordo tácito a tão brutal e arbitrária decisão...».

João M. da Costa Figueira («25 de Abril: A Revolução da Vergonha»).







O ilustre pensador que, em Portugal, mais chamou a atenção para o facto de as traduções e os comentários aos textos de Aristóteles terem sido expulsos do ensino público em consequência da reforma pombalina da Universidade de Coimbra (1772), foi, sem dúvida, Álvaro Ribeiro. Daí a inexistência de pensamento filosófico nas instituições académicas oriundas das duas últimas centúrias. E daí também o positivismo, o marxismo e recíprocas formas de infiltração materialista no meio universitário, e, como não podia deixar de ser, em todo o ensino dele dependente.

Aristotélico, Álvaro Ribeiro foi ainda o filósofo capaz de ver como a Organização das Nações Unidas é politica e filosoficamente incompatível com o ideal civilizador dos portugueses. Ademais, o filósofo portuense visara sobretudo a UNESCO enquanto agência especializada das Nações Unidas para a cultura, ciência e educação, porquanto impregnada de uma abstracta sociologia internacionalista. Logo, a Organização das Nações Unidas, particularmente criada para o estabelecimento de uma nova ordem mundial, deveria ser eticamente repelida por todos os pensadores espiritualistas.

No lance, o problema passa sobretudo pela tradição aristotélica dos portugueses, e, desse modo, pela salvaguarda e perpetuação da filosofia portuguesa. Aliás, Álvaro Ribeiro incidira nesse mesmo problema em Espelho do Pensamento, dedicado a Fernando Sylvan, autor de «Filosofia e Política no Destino de Portugal». Dissera ele:

«Ante a crise da Pátria, revelada a 6 de Janeiro de 1961 pelo ataque à província de Angola, e a 18 de Dezembro do mesmo ano pela invasão de Goa, assumiram especial preponderância os problemas de acção política, quer de acção militar nas fronteiras invadidas, quer de defesa diplomática perante as organizações internacionais, ficando os problemas pedagógicos e os problemas filosóficos reconduzidos à sua habitual subordinação. Mas será preciso dizer que os problemas pedagógicos e os problemas filosóficos continuavam a ser confiados a especialistas de informação estrangeira, se não de formação estrangeira, pelo que mais uma vez o patriotismo e o nacionalismo se cingiram à legitimação na prática da administração pública. Ante a indeterminação doutrinária que o jornalismo militante e o conferencismo aberrante não logravam esconder, surgiu em 20 de Junho de 1961 a série de conferências sobre o Ideal Português: (na filosofia, na pedagogia e na política), efectuando assim um protesto cultural sem comparação com os discursos contemporâneos, mas aproveitado e imitado por mais felizes oradores de cerimónias públicas» (27).






Ou seja: ante a crise da Pátria em que movimentos revolucionários armados atacaram Angola – e consequentemente Moçambique e a Guiné portuguesa –, Álvaro Ribeiro apresentou, de facto, fortes razões para preconizar que a defesa da Pátria não pode nem deve dispensar aquele superno grau de consciência que só a filosofia pode realmente proporcionar. Porém, tal não implica que, do nosso ponto de vista, Portugal não tenha procedido adequadamente na defesa militar dos seus territórios ultramarinos contra os desmandos da guerrilha internacionalmente financiada, instruída, armada e catequizada. E, de facto, também não implica que Portugal não tivesse procedido correctamente na dura resistência à Organização das Nações Unidas, organização essa que, face à civilização plurirracial e pluricontinental portuguesa, agiu de uma forma manifestamente criminosa e irresponsável em nome dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos.

Numa época prenunciadora da Segunda Guerra Mundial, já Oliveira Salazar estava perfeitamente consciente da possibilidade de um governo mundial, pelo que, nessa medida, estavam realmente em perigo as nações soberanas do Ocidente, principalmente Portugal. Com o aparecimento da Organização das Nações Unidas, essa possibilidade tornou-se numa realidade cada vez mais visível, a começar pelo carácter parlamentarista da Assembleia da ONU, e a culminar numa intervenção internacionalmente abusiva e, de facto, ilegítima em domínios de ordem política e administrativa que só a nações soberanas, como Portugal, diziam respeito. E assim temos a razão por que, a par do desentendimento jurídico e diplomático ocorrido entre Portugal e a ONU, surgem igualmente focos de terrorismo dirigidos contra o Ultramar português, que, de resto, era um dos pilares estratégicos de defesa e consolidação da civilização europeia e transatlântica. Em suma: do Ocidente.

Na verdade, Oliveira Salazar, precavido contra as ciladas do internacionalismo invasor, registara por escrito as numerosas variantes da presença portuguesa na África, Ásia e Oceania, mormente susceptíveis de nos revelarem o segredo daquela que realmente fora a verdadeira obra colonizadora dos Portugueses. Seguem-se, por isso, algumas notas altamente significativas de Salazar que permitem ao leitor culto e inteligente avaliar do seu génio, assim como entrever por que razão as grandes potências temiam o sábio Estadista no concerto dos interesses mundiais.


Quanto à Nação Portuguesa euro-africana e euro-asiática: 


«Quando a Nação portuguesa se foi estruturando e estendendo pelos outros continentes, em geral por espaços livres ou desaproveitados, levou consigo e pretendeu imprimir aos povos com quem entrara em contacto conceitos muito diversos dos que mais tarde caracterizaram outras formas de colonização. As populações que não tinham alcançado a noção de pátria, ofereceu-lhes uma; aos que se dispersavam e desentendiam em seus dialectos, punha-lhes ao alcance uma forma superior de expressão – a língua; aos que se digladiavam em mortíferas lutas, assegurava a paz; os estádios inferiores da pobreza iriam sendo progressivamente vencidos pela própria ordem e pela organização da economia, sem desarticular a sua forma peculiar de vida. A ideia da superioridade racial não é nossa; a da fraternidade humana, sim, bem como a da igualdade perante a lei, partindo da igualdade de méritos, como é próprio de sociedades progressivas.

Em todos esses territórios a mistura de populações auxiliaria o processo de formação de uma sociedade plurirracial; mas o mais importante, o verdadeiramente essencial estava no espírito de convivência familiar com os elementos locais; nas possibilidades reconhecidas de acesso na vida económica e social; nos princípios de uma cultura mais avançada e de uma moral superior que, mesmo quando violada, era a regra do comportamento público e privado. Se através destes meios, de acção forçosamente lenta, conseguia formar-se uma comunidade com certo grau de coesão, pode dizer-se que a tarefa estava vingada: a independência e a igualdade dos povos integrados com seus territórios numa unidade nacional.


Mais de 300 anos trabalhámos no Brasil pelo mesmo ideal, e o que ali passou a observar-se é verdadeiramente extraordinário: o Brasil tem as portas abertas a gente de quase todo o mundo; caldeia-a na variedade dos seus elementos demográficos, absorve-a, assimila-a e não diminui em lusitanidade. Entre os países para cuja formação contribuíram raças diferentes, nenhum como ele apresenta tão completa ausência de traços racistas na legislação, na organização política, na conduta social. Ele é a maior experiência moderna de uma sociedade plurirracial, ao mesmo tempo que exemplo magnífico de transposição da civilização ocidental nos trópicos e no Continente americano. Pacífico, estável, dinamicamente progressivo, o Brasil, mesmo ao rever-se nas suas criações próprias, não tem que maldizer das origens nem renegar a sua pátria.

A sociedade plurirracial é portanto possível e tanto de cepa luso-americana como de base luso-asiática, segundo se vê em Goa, ou luso-africana, em Angola e Moçambique. Nada há, nada tem havido que nos leve a conclusão contrária. Simplesmente essa sociedade exclui toda a manifestação de racismo – branco ou preto ou amarelo e demanda uma longa evolução e trabalho de séculos, dentro dos princípios que estão na base do povoamento português. Mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro.

Estamos em África há 400 anos, o que é pouco mais que ter chegado ontem. Levámos uma doutrina, o que é diferente de ser levados por um interesse. Estamos com uma política que a autoridade vai executando e defendendo, o que é distinto de abandonar aos chamados “ventos da história” os destinos humanos. Podemos admitir que a muitos custe compreender uma atitude tão estranha e diversa da usual; mas não podemos sacrificar a essa dificuldade de compreensão populações portuguesas cujos interesses na comunidade nacional consideramos sagrados.

É possível encontrar muitas deficiências no nosso trabalho, e somos os primeiros a lamentar que a limitação dos recursos não nos tenha permitido ir mais além. Especialmente nas comunicações, na divulgação da instrução, na organização sanitária temos diante de nós largos caminhos a percorrer. Mas, mesmo nesses como em muitos outros domínios, quando nos comparamos, não temos de que envergonhar-nos. As nossas cidades e vilas, os nossos caminhos de ferro, os portos, os aproveitamentos hidroeléctricos, a preparação e distribuição de terras irrigadas por brancos e pretos, a exploração das riquezas do subsolo, as instalações dos serviços têm seu mérito. Mas o ambiente de segurança, de paz e de fraternal convívio entre os muito diversos elementos da população – caso único na África de hoje – é a maior obra, porque a outra quem quer a podia fazer com dinheiro e esta não.

O trato familiar de sucessivas gerações foi forjando e consolidando a unidade entrevista no começo. Esta unidade não é por isso uma ficção política ou jurídica mas uma realidade social e histórica traduzida nas Constituições, e levanta obstáculos muito sérios aos que pensam dedicar-se agora à tarefa de emancipar a África portuguesa. Vêm tarde: já está. É que essa unidade não comporta alienações, cedências ou abandonos; as figuras jurídicas do plebiscito, do referendum, da autodeterminação tão-pouco se quadram na sua estrutura.

Lourenço Marques (Moçambique).



Praça Mouzinho de Albuquerque em Lourenço Marques (anos 1960).



Avenida da República em Lourenço Marques (anos 1960).



Hotel Polana em Lourenço Marques (anos 60/70).



A Avenida Pinheiro Chagas e o Hospital Central Miguel Bombarda em Lourenço Marques (anos 1960).



Vista aérea da Beira (anos 1960).



Os Boeing 707 da TAP asseguraram as ligações entre Lisboa e Moçambique nos anos 60 e 70.



O Boeing 707 "Lourenço Marques" foi retirado para o Museu Aéreo de Sintra.




Ver aqui



Aos inclinados a supor que teorizamos, opomos as espontâneas e vibrantes reacções da consciência nacional, ao pressentir o mais leve perigo. Aqui e no Ultramar, em território nacional ou estrangeiro, o Português de qualquer cor ou raça sente essa unidade tão vivamente que toma as discussões como ameaças e as ameaças como golpes que lhe retalham a carne. De modo que não há mais a fazer do que proclamá-la a todos os ventos e, na medida do possível, vigiá-la em todas as fronteiras.

Aliás a ligeireza com que temos visto falarem uns, calarem-se outros sobre problemas desta transcendência – o destino de milhões de seres humanos – faz-me crer que não foi ainda devidamente apreciada a gravidade das implicações possíveis de tão grandes desvarios. No domínio do direito internacional, das realidades práticas, das relações convencionais e dos interesses em jogo há ainda, pelo que nos toca, muita matéria a esclarecer no debate» (28).


Quanto ao comunismo e à desintegração euro-africana: 


«O comunismo soviético, multiforme na sua identidade doutrinal, perfilha o nacionalismo na Ásia e o internacionalismo na Europa. Os vastos movimentos que no Extremo Oriente irrompem em altas labaredas podem atribuir-se a causas diversas, e certamente as têm na sua eclosão, mas encontram na Rússia, por sistema, simpatia, auxílio, protecção. Se ali triunfa, não tardará muito que deite o fogo à África.

No entanto na Europa, a concepção orgânica russa em relação à sociedade internacional não vai por ora além da existência de uma suzerania tão absorvente que as autonomias nacionais, em teórica cooperação, desfalecem, e com elas se vai sumindo no nivelamento geral o que as nações representavam de cultura, vida criadora e espírito próprio. As destruições morais do comunismo, mesmo no seio dos países que não domina, com a ideia capciosa de debelar as guerras e de firmar a paz, ideia aceite por espíritos simplistas ou inteligências comprometidas, são já tão grandes que podem fazer vacilar o Ocidente. O comunismo faz a defesa, mais que a defesa, a apologia do anti-nacionalismo, mas incoerentemente subordina os interesses da comunidade nacional aos de uma soberania estrangeira que lhes é hostil.

Este doce país que é Portugal, pequeno na Europa, grande e dilatado nos outros continentes, como árvore que, alimentando-se da seiva lusitana, espalhasse longos ramos a sóis diferentes e à sua sombra abrigasse as populações mais diversas, todas igualmente portuguesas – este pequeno país não pode, no 9.º século da sua história, duvidar da sua realidade de Nação. Esta realidade em que englobamos a independência, a unidade orgânica e a missão civilizadora é um pressuposto ou ponto de partida e foge a toda a discussão. E daqui este corolário: quem não é patriota, não pode ser considerado português. Gostaria de saber se da Oposição o problema pode ser definido em iguais termos» (29).



«Na campanha [anticolonialista] concorrem duas forças não forçosamente solidárias, salvo quanto ao objectivo final. O comunismo, na sua luta contra o Ocidente, previu, estudou, montou toda a máquina com que espera diminuí-lo ou vencê-lo, desintegrando a África e subtraindo-a à sua direcção e influência. Não lhe importam quaisquer outras consequências, exactamente porque sobre o caos construirá melhor.

Por outro lado, aqui e além, pequenas mas activas minorias, agitando as massas, parecem esforçar-se por dar uma pátria a povos que a não tinham; mas os novos nacionalismos, ao abandonarem as antigas dependências, correm de mãos dadas atrás de uma esperança vã – a de que, sendo da mesma cor, podem sustentar-se mutuamente ou entender-se melhor. Que ilusão! Os interesses não têm a mesma cor dos homens. A solidariedade que se revela na actual frente de ataque não é uma solidariedade de fundo; ela empenha-se na destruição das actuais estruturas mas é incapaz de construir outras novas. A unidade de África é afirmação gratuita que a geografia e a sociologia desmentem. E, ao contrário do que aconteceu na América, a Europa não se deu o tempo de definir mais racionalmente fronteiras, pacificar em definitivo raças e tribos, formar nações que fossem verdadeiros substractos de Estados. Quem serão então os futuros organizadores? Façamos uma pergunta mais directa: quem serão os futuros colonizadores? Esta a incógnita que pesa sobre grande parte de África» (30).

«Na confusão de ideias em que vivemos hoje, já admitem alguns que só um grande Estado se arrogue o direito de estruturar uma nação; os mais Estados e as mais Nações haviam de dissolver-se ou diminuir-se no reconhecimento dessa unidade, subordinando-se-lhe inteiramente e submetendo-se à sua direcção. Daqui vem que no credo comunista o nacionalismo é para todos nós um pecado e para a Rússia uma virtude que se deve venerar. A forma porém como se previu e verifica a evolução dos acontecimentos tem variado na mente dos dirigentes e na prática das coisas: a cada momento são as circunstâncias que indicam o melhor caminho a seguir. Como se conclui pela impossibilidade na Europa da guerra de fronteiras, anunciam as duas maiores potências da Terra ter acordado e ir propor aos mais a luta contra a guerra, contra a propaganda belicista, contra o armamento convencional ou não. Entendamos bem os termos da combinação: proíbem-se as guerras que não haverá, mas estimular-se-ão as guerras que continuará a haver. A França não invadirá a Alemanha, a Bélgica não se baterá com a Holanda, a Espanha respeitará Portugal; mas os mesmos que tão convictamente se hão-de vangloriar duma paz já consolidada por força dos acontecimentos e da vontade dos povos, continuarão a reivindicar o direito de interferência ideológica, de apoio político e financeiro, de fornecimento de armas, de preparação de núcleos subversivos em territórios estrangeiros, por cima e sem embargo das relações diplomáticas, das declarações de amizade e dos desejos de boa vizinhança. E o fundamento desta política contraditória está em que não se trata de guerras de conquista mas de guerras de “libertação”, tal qual a efectuada em Goa, com desprezo dos direitos soberanos de Portugal e dos interesses dos goeses, não considerados no conflito nem havidos para nada, senão por nós mesmo, antes e depois da ocupação.

Sendo pois que na Europa vão diminuir as possibilidades de guerra externa, mas aumentarão noutros continentes as de tipo diverso, por efeito das contradições em que as nações ocidentais se vão deixando enlear, é para a África sobretudo que têm de dirigir-se os nossos esforços, porque não temos motivos para diferençar os territórios e muito menos para abandonar os portugueses de além-mar. É desde há séculos pluricontinental e plurirracial a nação portuguesa, e isso sem prejuízo da sua unidade, nem das largas autonomias locais; e as guerras que ali nos são impostas desconhecem tanto a história como o direito como os verdadeiros interesses dos povos que para elas são arrastados. Os que nos defendemos em África defendemos de facto a África, e fazemos uma experiência histórica, permitindo confrontar os efeitos duma obra conduzida para benefício geral por nações portadoras duma cultura e os resultados do abandono, ainda que largamente subsidiado, a que serão votados muitos povos africanos. A invasão de Goa no que representa de desmentido ao apregoado pacifismo da União Indiana, os actos terroristas de Angola no começo do último ano, a defesa da Província apoiada na população branca e de cor que se reconhece tão portuguesa uma como a outra, o êxito militar, a sucessiva expulsão dos terroristas para além fronteiras e a recuperação das populações deslocadas são factos que começam a pesar nos juízos dos homens em muitas nações e confio em que chamarão os mais à evidência das coisas. É certo que fazemos ali uma guerra difícil e custosa, e que a fazemos sozinhos (não digo sem alianças, digo sem aliados); mas é igualmente certo que cumprimos um dever para connosco e para com um continente que deve sobretudo a Portugal os seus primeiros contactos com a civilização.


A reconsideração geral dos factos e dos conceitos que se encontram na base da política africana e da política do Mundo Ocidental em relação à África, pensamos que se fará a tempo de evitar as últimas derrocadas; e, embora o nosso povo seja muito atreito a afinar os seus juízos pelo veredicto estrangeiro, neste particular a barreira oposta pela consciência da Nação às campanhas vindas de todos os quadrantes não pôde ser vencida nem abalada sequer; e seria bem importante que o fosse, para os que trabalham na desintegração europeia, tanto aqui como no Continente Africano. O povo não pode ter o conhecimento em pormenor destes problemas; tem porém a acuidade do instinto que, tendo-o feito Nação há muitos séculos, o mantém atento às exigências da sua identidade e da sua própria sobrevivência. E do que se trata afinal é de sobreviver e de continuar igual a si mesmo.

Tempos pois a unidade e coesão das forças armadas e quase seria uma traição aos mortos que houvesse o mais pequeno dissídio; temos a consciência da Nação firme e bem formada acerca deste problema fundamental. Pergunto a mim mesmo o que pode valer, em face deste bloco, a agitação e as lucubrações, mesmo que inspiradas do estrangeiro, dos que infelizmente perderam a sua alma de portugueses e não sentem já Portugal» (31).


Quanto ao racismo negro propagado pelos novos Estados africanos: 


«Os novos Estados africanos discriminam contra o branco, e isso o podem fazer nos territórios em que a obra colonizadora obedeceu a moldes diferentes e o branco, se trabalhava para viver, não estava instalado para ficar. Ora nós estamos precisamente no limite do racismo negro que vem estendendo-se até ao Zaire e que pelo Tanganica e pela Niassalândia atinge o Norte e Noroeste de Moçambique. Esse racismo tem-se revelado de tal modo violento e exclusivista que as sociedades mistas existentes ao sul se lhe não podem confiar. Pode-se, matando ou expulsando o branco, eliminar o problema, mas este não o pode resolver o racismo, se o branco, porque tem ao menos os mesmos títulos e goza de pelo menos igual legitimidade, pretende ficar naquela terra que é também a sua» (32).

«A independência das nações africanas tem-se processado, na generalidade dos casos, sobre dois erros que as prejudicarão: o racismo contra o branco e a suposta unidade dos seus povos naquele continente. Esta última suposição tenderá a subordinar o negro ao árabe; o racismo negro tenderá a prescindir de tudo quanto o branco mais progressivo pode levar-lhe em capital, trabalho e cultura. Seria mais assisado substituir o exclusivismo rácico pela colaboração que vimos ser imprescindível. É por isso que nós entendemos que o progresso económico, social e político daqueles territórios só será possível numa base multirracial em que as responsabilidades de direcção em todos os domínios caibam aos mais qualificados e não ao desta ou daquela cor.

Sei sermos acusados de, com esta doutrina, estarmos tentando assegurar o predomínio da raça branca em África, com base, sobretudo, no facto de o nosso multirracialismo não ter ainda reflexo bastante lato na distribuição de responsabilidades nas províncias ultramarinas de África. É certo que estamos ainda longe de atingir o ponto em que poderíamos estar plenamente satisfeitos com as nossas realizações. Mas não pode negar-se que não só é o mais seguro o caminho que trilhamos como o progresso dos territórios tende a cobrir a totalidade das respectivas populações, e não sectores privilegiados. Esse progresso é impossível negá-lo, pois que as realizações podem comparar-se, e com vantagem em muitos pontos, às dos outros países africanos. E se os nossos críticos estão seguros de que não é assim, mal se compreende que não tenham aceite a ideia de ser feito um estudo por individualidades de relevo internacional, e sob a égide da Organização das Nações Unidas. Foram infelizmente preferidos os discursos ao exame desapaixonado das realidades em debate, que tinha o nosso apoio» (33).


Quanto ao terrorismo em Angola:



















































Cabeças decepadas pela UPA (União dos Povos de Angola).


























Tropas portuguesas desfilam em Luanda















Cerimónias fúnebres das vítimas do 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda.



«Se me perguntam se a guerra acabou de facto em Angola, responderei que, nos precisos termos em que foi lançada, isto é, para domínio exclusivo de uma parte restrita do território aonde não pudesse chegar a afirmação e actuação do poder português – sim, a guerra pode dizer-se que acabou, sem embargo de ataques esporádicos como podem suceder em Lisboa ou em Paris, na Venezuela ou na Colômbia. Trata-se de um fio de água, nascido além-fronteiras, protegido até elas, que se infiltra através de ínvias picadas das florestas para reaparecer no interior do nosso território. Por mais estranho que pareça, esse pequeno fio que nasce no Congo, em Conakry ou em Accra, ou ainda mais longe, poderia no entanto ser estancado e enxuto nalgumas grandes capitais como Washington ou Londres. Mas a política não é aí compreendida da mesma forma.

É nossa convicção que estamos a defender a Europa nos últimos redutos em que ainda pode ser defendida. Se esta tese não é unanimemente acolhida porque se entreveja como possível a defesa ocidental nos pequenos espaços europeus ou por força de espúrias combinações diplomáticas, um aspecto há que muito particularmente nos respeita e em que não pode ser-nos negada competência nem legitimidade de juízo – é que estamos ali a defender Portugal.

Só não se ter em conta o que representam na história e nos direitos de um povo a descoberta e a ocupação de territórios praticamente desabitados; só o desconhecimento das possibilidades dos povos de África de elevarem-se por si sós a níveis de civilização; só o desprezo da obra do branco, mau grado as suas imperfeições e deficiências, em relação a outras etnias ou culturas, empreendida nos continentes onde trabalhou ou se estabeleceu; só a incongruência, o ilogismo, a confusão em que vivemos podem explicar os discursos proferidos em altas assembleias contra os direitos de Portugal, em línguas puras da Europa, em termos clássicos de formação europeia, se bem que infelizmente rescendendo a teorias de mestres também nossos transviados.

O apoio assim tão claramente dado aos movimentos subversivos e o seu poder contagiante podem facilmente dar origem a novos surtos terroristas. Isto quer dizer que, enquanto persistir a actual desorientação da vida do mundo, a guerra, essa guerra que mal sopita sob as cinzas pode recomeçar, em Angola ou algures, e não já filha das mesmas forças subversivas mas até de outras que se organizem, instruem e equipem além-fronteiras, com a clara aparência de autênticas forças invasoras. Nesse momento, se o facto vier a verificar-se, novos problemas estarão criados não exclusivamente para nós mas para muitos outros povos que pensam erradamente serem as jovens independências o fim da evolução africana, quando marcam apenas o princípio da reestruturação de todo um Continente a fazer-se em guerras seculares. São estas dúvidas ou sombrias perspectivas que sobretudo impedem o trabalho de reconversão das nossas forças militares em forças de paz, de trabalho, de educação das populações em que mais utilmente se empregariam. E neste contexto têm razão os que fazem depender sobretudo da política mundial, e não da nossa política ultramarina, o termo de operações de guerra no Ultramar Português» (34).


«A Imprensa internacional tem, na verdade, publicado notícias de que as organizações estrangeiras responsáveis pelo terrorismo ao Norte de Angola, e que, por não haver encontrado ambiente propício, pôde ser dominado, estariam agora recrutando reforços entre efectivos da FLN ou teriam enviado para a Argélia alguns dos seus sequazes para ali se treinarem e depois se infiltrarem em Angola através da fronteira do norte. Apareceu até, há tempo, uma fotografia num grande jornal americano, mostrando no treino esses recrutas argelinos. Não sabemos se tais informações são ou não verdadeiras mas, para além das precauções que se impõem, retiramos daí dois pontos dignos de reparo. O primeiro é que certos sectores de opinião, que teimosamente se recusaram e ainda recusam a acreditar na nossa afirmação de que o terrorismo em Angola foi preparado, dirigido e lançado do exterior, são agora os primeiros a confirmar que a chamada “rebelião nacionalista” angolana depende exclusivamente da iniciativa estrangeira e é alimentada em fundos, material e pessoal, do exterior. Quer-nos parecer que tal confissão deveria ser acompanhada por firme reprovação, em nome dos princípios tão candidamente proclamados por esses sectores, da não intervenção nos negócios internos de cada país e da coexistência pacífica. Mas assim não acontece, e afigura-se que oficiais ou soldados argelinos serão considerados em tais sectores como “nacionalistas angolanos”. Li há dias num jornal inglês de responsabilidade a notícia de que a Polónia estava procurando polacos que falassem português a fim de os enviar para Angola. Deverão também esses considerar-se “nacionalistas africanos”?

Em segundo lugar, e confrontando essas informações com outras que todos os dias agora são publicadas acerca das recriminações e rivalidades entre os dirigentes e os membros das referidas organizações, verifica-se que os responsáveis pelo terrorismo perderam a esperança de levar a pacífica população angolana a aderir ao seu movimento, não obstante as crueldades sobre ela praticadas com vista a engrossar, pela intimidação, as suas fileiras, para criar a aparência de se tratar de movimento interno. Falhado esse objectivo, restava o recurso que agora parece seduzi-los – pelo que a notícia, se nos põe de sobreaviso, não nos surpreende. Mas será curioso notar: o mundo considera os estrangeiros alistados nas forças catanguesas como “mercenários”, cuja acção há que proibir; mas os estrangeiros que lançam o terror no Norte de Angola devem ser tidos como “nacionalistas angolanos”» (35).

«Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino dos elementos estrangeiros que através de Estados limítrofes penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje, pelo que acima disse, o principal obstáculo ao progresso e bem estar do continente africano» (36).







Quanto à Organização das Nações Unidas: 


«Temos de dizer uma palavra acerca do quadro em que vem desenvolvendo-se a campanha contra Portugal e os seus territórios de além-mar- Esta foi por assim dizer oficializada nas Nações Unidas, mas dispõe fora delas dos seus orgãos de divulgação e de acção subversiva.

Afigura-se-me que as Nações Unidas se encontram num passo crucial da sua vida, não porque tenham avançado no sentido da universalidade – foram criadas para albergar em seu seio todos os Estados independentes – mas porque se vão afastando do espírito que presidiu à sua criação, ao mesmo tempo que substituem os processos de trabalho. É visível a tendência para converterem-se em parlamento internacional, a que não faltam mesmo sessões tempestuosas, partidos ideológicos e rácicos, arranjos de corredores. Para que a solução por que alguns anseiam se completasse, seria no entanto necessário sobrepor-lhe um executivo responsável da confiança da Assembleia, o que oferece dificuldades, na medida em que os Estados Unidos se não disponham a custear a política aventurosa de alguns novos Estados ou a Rússia não esteja resolvida a trabalhar com um parlamento que não seja inteiramente seu, e esse não é ainda o caso. Mesmo sem governo e sem capacidade de impor normas obrigatórias para os Estados membros, esse parlamento pode criar – está já criando – através das suas tribunas e da ressonância que emprestam às afirmações produzidas, vagas de agitação, ambientes subversivos, estados de espírito que funcionam como meios de pressão sobre as nações estranhas aos grandes clãs da Assembleia. E tendo sido instituídas para a paz, já ali se ouvem em demasia vozes que a não pressagiam.

Muitos Estados recém-vindos às Nações Unidas mostram-se convencidos de que só ali podem ter apoio e defesa. O resultado é que, junta a essa convicção a deficiência natural das suas representações diplomáticas, a via bilateral para a solução dos problemas vai sendo abandonada e é fatal nas Comissões e na Assembleia a tendência para a internacionalização de todas as questões e conflitos, mesmo que em nada interessem ao resto do mundo.

A distância que vai do direito de voto à capacidade de decisão, ou de uma maioria votante à força efectiva das nações, faz que soem um pouco a falso as grandes objurgatórias, mas não anula o seu perigo. Revela em todo o caso um desequilíbrio que ou desaparecerá ou de alguma forma terá de ser compensado.

Para mim, sem o dom da profecia, o carácter parlamentarista, excessivamente intervencionista e internacionalizante das Nações Unidas marcará o próximo futuro, até uma crise grave que as porá à prova. Temos de tê-lo presente, visto que não nos dispomos a aceitar a intervenção abusiva de terceiros na nossa vida interna.

Todos os nossos territórios estão abertos à observação de quem quer e o Governo e os Serviços publicam dados suficientes para se saber em cada momento como marcha a administração. A posição que havemos tomado, e manteremos, não vem pois de pretendermos ocultar seja o que for mas de que nos é impossível aceitar para as nossas províncias ultramarinas que fazem parte da Nação, situação equivalente à de territórios tutelados pela ONU e destinados a subsequente secessão, bem como prestar contas ali de como os Portugueses entendem governar-se na sua própria casa. É ilegítimo da parte das Nações Unidas resolver discriminatoriamente contra Portugal; a Assembleia Geral não tem competência para declarar não autónomos territórios de qualquer potência. Esta é a interpretação juridicamente correcta e que sempre foi dada aos princípios da Carta. Nesses termos fomos admitidos e, se outro fosse o entendimento dos textos, é certo que não nos teríamos apresentado a fazer parte da Organização.

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Qualquer pessoa de boa-fé pode verificar existirem paz e inteira tranquilidade nos nossos territórios ultramarinos, sem emprego da força e apenas pelo hábito da convivência pacífica. Mas fora delas, no Congo, na Guiné, no Ghana e nalguns outros, não falando já dos países comunistas ou sob a sua direcção, sabemos que se organizam comités, ligas, partidos contra a unidade portuguesa, ao mesmo tempo que emissões radiofónicas de vários lados e servindo-lhes de apoio, tentam perturbar o viver da nossa gente. Estes agitadores dispõem, ao que parece, de fundos importantes e de protecções especiais, e com uns e outras se explicam ainda manifestos e pequenos jornais para exploração da credulidade pública. A gente é pouca mas desdobra-se, para parecer muita, mudando de nome; em todo o caso apresenta-se mesmo em capitais qualificadas e consegue meter pé em imprensa de categoria mundial e considerada responsável. Este ponto é digno de atenção, tanto mais quanto a essa grande imprensa lhe era fácil mandar informar-se localmente da verdade dos factos.

As coisas mudaram muito e mudaram muito em pouco tempo. Havia dantes certo número de regras que pautavam a conduta dos Estados e de certo modo condicionavam a sua admissão na Comunidade internacional. Era admissível asilar políticos em desgraça, mas não se admitia organizar bandos de guerrilheiros, para intervir em território alheio, alimentar programas de difamação, financiar a sublevação de populações pacíficas, fornecer armamento, preparar cientificamente revolucionários. Pois tudo se faz hoje e se apregoa com altiva segurança de estar servindo grandes causas, ao mesmo tempo que se tem como norma sagrada a boa vizinhança e a não intervenção nos negócios internos dos Estados. Está a abusar-se da hipocrisia e do cinismo; com eles desaparece na sociedade internacional o mínimo de confiança e de respeito mútuo, indispensável à vida. Mas é esta a vida que vamos viver alguns anos» (37).

«A surpresa ante o ressentimento do povo português e a reacção que por toda a parte se verificou contra as atitudes e resoluções da ONU, levam-me a crer que os Estados Unidos, cuja política tem sido sempre de inteira compreensão e amizade, se encontraram diante de uma realidade diversa da que tinham pressuposto. Houve manifestamente grave equívoco em considerar o Ultramar português como território de pura expressão colonial; equívoco em pensar que a nossa Constituição Política podia integrar territórios dispersos sem a existência de uma comunidade de sentimentos suficientemente expressiva da unidade da Nação; equívoco em convencer-se de que Angola, por exemplo, se manteria operosa e calma, sem polícia, sem tropa europeia e com a força de 5000 africanos, comandados e enquadrados por dois mil e poucos brancos, se a convivência pacífica na amizade e no trabalho não fosse a maior realidade do território. E, havendo boa-fé, todo o equívoco havia de desfazer-se em face da atitude de homens brancos e de cor que, vítimas de um terrorismo indiscriminado, clamam que não abandonarão a sua terra e que a sua terra é Portugal.

Alguns oradores da ONU, sem bem cuidarem dos termos da Carta, deram a entender não desejar outra coisa senão que as populações exprimam claramente a sua opção por Portugal, embora esta esteja feita desde recuados tempos, e constitucionalmente admitida e consolidada. Isso se chama a autodeterminação, princípio genial de caos político nas sociedades humanas.



Edifício das Nações Unidas em Nova Iorque








(...) sempre que as Nações Unidas advogam a autodeterminação como acesso possível a soluções diversas, só podem de facto chegar à independência dos territórios, e, quando conseguissem a independência destes, ser-lhes-ia vedado querer coisa diferente da sua integração noutros Estados, isto é, a transferência da soberania para algumas delas. Ora, sendo esta a questão, devo dizer, sem arriscar confrontos desagradáveis, que em qualquer das hipóteses não podemos ser considerados nem menos dignos, nem menos aptos para o Governo, nem menos predispostos que outros para a influência civilizadora sobre os povos de raças diferentes que constituem as Províncias de além-mar. Tentar despojar-nos dessa soberania seria pois um acto injusto, e, além de injusto, desprovido de inteligência prática. E explico porquê.

Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto o trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo – a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional.

(...) Ouço às vezes falar de soluções políticas, diferentes da nossa solução constitucional e possivelmente inteligíveis em séculos vindouros. Não desperdicemos tempo a apreciá-las, porque o essencial agora é o presente e o presente é tão simples como isto: o que seria de Angola na actual crise, se Angola não fosse Portugal?

Isto vem a dizer que a estrutura actual da Nação portuguesa é apta a salvar de um irredentismo suicida as parcelas que a constituem e que outra qualquer as poria em risco de perder-se não só para nós mas para a civilização.

A estrutura constitucional não tem aliás nada que ver, como já uma vez notei, com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias ou descentralizações, nem com a organização e competência dos poderes locais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos orgãos da Administração, nem com a participação de uns ou de outros na formação dos orgãos de soberania, nem com alterações profundas que tencionamos introduzir no regime do indigenato. Só tem que ver com a natureza e a solidez dos laços que fazem das várias parcelas o Todo nacional.

Abusei demasiado da vossa paciência mas vou terminar já.

Deve ter-se notado que me ocupei do que era essencial na atitude da ONU para connosco mas não do teor das suas deliberações. Achei que não valia a pena. Toda a gente terá reparado no que aquelas contêm de abusivo em relação aos termos expressos da Carta e falho de razão em relação aos factos e comportamento que perante eles deve ter um governo responsável.









A insistência em menosprezar o princípio fundamental da não intervenção nos assuntos internos dos Estados membros mereceu tais reparos e causa tais apreensões aos que ainda depositam alguma confiança no futuro da Organização que é de prever esta venha a alterar a sua conduta, no caso de desejar sobreviver.

O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida, tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações, e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia. Mas quando intervém a autoridade cuja obrigação é garantir a vida, o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida selvagem.

A consideração de que a situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns dos votantes decidam a passar do auxílio político e financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da Instituição.

Muitas pessoas, em face dos votos contrários a Portugal e das abstenções, inferem do seu número um isolamento perigoso para o nosso país no convívio internacional. Espero que não nos intimidemos os que estamos seguros de ter razão e estamos convencidos de poder demonstrá-la. A vida internacional não é toda feita na ONU e os votos são mais o resultado de um processo competitivo que ali se estabeleceu do que a expressão de um juízo válido sobre questões internacionais ou ultramarinas. Verifica-se – é certo isso – em muitos países como que uma onda de pânico e de intimidação, correlativa da falta de fé nos princípios, que continuo a considerar válidos, da civilização ocidental. Agora quem parece ter razão são os Estados afro-asiáticos. Mas com um pouco de coragem da nossa parte, eles acabariam por compreender que há limites a não ultrapassar.

Embora sob a acção de uma intensa campanha de difamação internacional, muito bem dirigida pela Rússia comunista que aliás nos obsequiou declarando a sua posição, vemos que a mesma não conseguiu obscurecer muitas das melhores inteligências nem arrastar consigo a opinião dos países representados. Veja-se, por exemplo, como tem reagido o escol intelectual do Brasil, em face do ataque a Angola, a província africana que, por várias vicissitudes da história comum, quase considera como fazendo parte do seu património moral. Veja-se, por exemplo, se a Espanha que nesta crise nos tem acompanhado momento a momento com a vivacidade do seu temperamento e o fervor da sua afeição fraternal, veja-se se ela não compreende bem que o ataque a Portugal foi apenas o aproveitar de uma oportunidade e tanto podia ser contra nós como contra ela, ou será uma vez contra ela e outra contra nós. Até que os europeus compreendam, contra este sudoeste da Europa continuarão a desferir-se golpes sob todos os pretextos, porque é necessário fazê-lo ruir para cair tudo o mais.

Sejam quais forem as dificuldades que se nos deparem no nosso caminho e os sacrifícios que se nos imponham para vencê-las, não vejo outra atitude que não seja a decisão de continuar. Esta decisão é imperativo da consciência nacional que eu sinto em uníssono com os encarregados de defender lá longe pelas armas a terra da Pátria. Esta decisão é-nos imposta por todos quantos, brancos, pretos ou mestiços, mourejando, lutando, morrendo ou vendo espedaçar os seus, autenticam pelo seu mesmo martírio que Angola é terra de Portugal» (38).

Posto isto, é óbvio que o ataque à existência multirracial e pluricontinental de Portugal constituíra, no fundo, uma etapa indispensável para o predomínio de uma Europa inimiga das soberanias nacionais, consoante, aliás, convém ao governo mundial que aí se avizinha. Ora, sobre o governo mundial, já o jornalista americano Constantine Brown, em conversa com Franco Nogueira, afirmara, em 16 de Maio de 1962, o seguinte:

a) O Presidente Kennedy era um «fraco sem personalidade», dominado por um grupo «composto por uma meia dúzia de pessoas, como os Srs. Rostow, Schlesinger, Bundy, sendo o primeiro o mais influente»;

b) Esse grupo tinha «como ideal supremo: 1) apaziguar a Rússia por todos os meios; 2) sacrificar, se necessário, toda a Europa Ocidental; 3) abolir as soberanias, incluindo a dos Estados Unidos; 4) criar “um só mundo” governado pelas Nações Unidas»;

c) Para o efeito, o Governo Kennedy já estava, em relação à Europa Ocidental, a tentar «destruir os Governos do chanceler Adenauer, do presidente De Gaulle, do presidente Salazar e do general Franco» (39).

Bastam, pois, estas três primeiras alíneas, a que o jornalista americano aditara outras mais directa ou indirectamente relacionadas com o governo mundial, para irmos ao encontro de quem, em entrevista conduzida por Fernando Pereira e publicada no Novo Século a 1 de Agosto de 1982, dissera que António de Spínola, comportando-se como um completo ignorante político, destruíra o futuro dos portugueses. E muito mais dissera Pierre de Villemarest na sua Autópsia do «25 de Abril», conforme esclarece Fernando Pereira:

«O caso do Ultramar português, bem como a revolução abrilina, estão para ele na sequência da cimeira dos Açores, entre Pompidou, Nixon e Marcello Caetano. Aí foram oferecidos muitos milhões de dólares ao Presidente do Conselho português, em troca da independência dos territórios ultramarinos. Mas a intriga internacional estava em curso e as cobiças capitalistas e marxistas precipitaram-se.






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A reunião de Megève foi decisiva. Em 19, 20 e 21 de Abril de 1974, no Hotel du Mont d’Arbois, propriedade de Edmond Rothschild, reuniram-se muitos dos “grandes da “Trilateral”; participaram entre outros Joseph Luns, Nelson Rockefeller, General Goodpaster, Helmut Schmidt, Giovanni Agnelli, A. Chalandon, enviado por Giscar, E. Faure, Stoleru, enviado por Mitterrand, A. Fontaine e foi tomada a decisão de desencadear a revolução portuguesa de 25 de Abril, anulando ainda a parte atlântica das manobras aeronavais da “Dawn Patrol”, marcadas pela NATO para o dia 26.

Foi assim possível à Marinha de Guerra portuguesa estar em Lisboa no dia 24 de Abril, para assestar os seus canhões, o que, na opinião de alguns, foi decisivo para a demissão do Governo de Marcello Caetano.

Ano e meio mais tarde, Joseph Luns, Secretário-Geral da NATO, reconheceu que a revolução que tinha favorecido, estava dominada pelos comunistas, traindo o mais fiel aliado Atlântico.

Tudo isto foi suficientemente bem explicado por Villemarest na sua História Secreta das Organizações Terroristas, no tomo IV, inteiramente dedicado ao caso português.

Mas foi bastante mais longe na nossa conversa.

Sabíamos que o general tinha consultado Villemarest, bastante antes da revolução, daí a curiosidade natural de procurar saber o que entre ambos se tinha passado.

Villemarest não ficou surpreendido, sabia da nossa curiosidade e não se fez rogado:

Avisei-o do fracasso a que estava destinada a revolução em perspectiva. Eram muitos e vários os quadrantes políticos interessados no desmembramento da última potência colonial. Portugal era o alvo a atingir, morto que estava o dr. Salazar, escolho intransponível, dado o seu inquebrantável nacionalismo. 

Por um lado a “maçonaria” africana, por outro lado a “Trilateral” e ainda os comunistas estacionados em Praga. 

Um golpe de estado em Portugal condenava a independência da nação. Bastante antes da data prevista para o “golpe” acedi a um encontro com o general Spínola, a pedido deste, e aí lhe transmiti todos os meus receios. Ele ficou consciente de que condenava o Ultramar português ao ferrete comunista, mas confiava no seu arrogante e impertinente “ego”, convencido que não seria ultrapassado pelos seus inferiores. 

Hoje, necessariamente que a classificação a dar-lhe, poderá ser de traidor ou idiota. Prefiro a última, por mais verdadeira.






Mas Villemarest foi bastante mais longe. Conhecedor como é da política internacional e dos múltiplos interesses dos mundialistas da tenebrosa “Trilateral” e da famigerada “Maçonaria”, adiantou ainda:

- Todos sabem que Portugal sem as províncias ultramarinas tem vida difícil e de problemática recuperação. Com o dr. Salazar, e a sua intransigente política nacionalista, era completamente impossível o domínio da África Austral. Salazar era temido pelas grandes potências, pela sua superior visão dos problemas mundiais. Só fomentando uma mudança de regime seria possível vencer o nacionalismo português.

Tenho até dúvidas, bastante mesmo, sobre se no pseudo-liberalismo de Marcello Caetano não estaria já o “vírus” da “Maçonaria” e da “Trilateral”.

É de entender que a “Trilateral” é uma força em expansão, controlada pelos grandes capitalistas da Europa, Japão e Estados Unidos, que não hesitam em pactuar com os comunistas e afins para auferir melhores proventos.

Daí o verificarem-se enquadramentos de personalidades diversas, credos e convicções políticas.

Neste momento, Japoneses e Americanos lutam pelo domínio da Europa. Apenas é visado o lucro, mesmo que isso implique a perda de dignidade nacional, qualquer que seja.

Como é evidente isso não está explicitado nos seus “estatutos”.

(....) Colocámos a Villemarest a possibilidade de Spínola estar ligado a alguma destas organizações, mas nas listas que são conhecidas o seu nome não figura.

Procurámos ainda saber se existiriam nomes secretos:

- Certamente que existem, como é natural. Mas, numa segunda vez que o general Spínola me procurou, em Paris, no hotel Sheraton, o ridículo ultrapassou tudo o que se possa imaginar. Agora procurava razões para uma possível contra-revolução, já que se sentia suficientemente apoiado.

Vinha rodeado de um mini-exército e de um aparato espantoso, mas incrivelmente ridículo.

Limitei-me a confirmar tudo o que anteriormente já lhe tinha dito, assegurando-lhe que tinha destruído a nação portuguesa no seu conjunto, entregando à cobiça moscovita as colónias e lançando na miséria e na fome os pobres africanos, impreparados para se assumirem como independentes.

Para além de tudo isso, destruiu as economias dos milhares de europeus a quem tudo tiraram.

Hoje, queiram ou não, o mundo ocidental já entendeu que a política do dr. Salazar estava certa.

O maior derrotado, para além da infeliz Nação Lusitana, foi o Ocidente!» (40).




















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Por consequência, os portugueses de hoje permanecem reféns de uma campanha que, ideologicamente atreita ao 25 de Abril de 1974, lhes turva a percepção do futuro em razão da sua indiferença ou desconhecimento do passado. E, de facto, tendo em linha de conta a esmagadora maioria de jornalistas, universitários, politólogos e engenheiros sociais, assim como toda uma indústria do show business envolta em chavões revolucionários proclamados nos últimos quarenta anos, eis senão o vil e triste espectáculo que se nos oferece diariamente em nome de uma suposta democracia que só apraz e aproveita aos poderosos do mundo. Assim, um desses chavões mais difundidos pela comunicação social é o de que, sem o 25 de Abril, não teria havido lugar para termos uma televisão, uma imprensa, um cinema e um teatro afins de um regime alegadamente livre e democrático. Mas é precisamente aqui que está o cerne da questão, posto que, mais directa ou indirectamente, consciente ou inconscientemente, se omitem factos, dados e informações de que não se fala e a que muito menos se atenta no devido e proporcional contexto.

Ora, foi há cerca de quarenta anos que desabou um regime que se propunha firme e autoritário perante a conjuntura demasiadamente conturbada da época, mas, ainda assim, indubitavelmente patriótico na contínua e cuidada preservação da herança histórica e patrimonial, sobretudo se posteriormente comparado com a anarquia comunista e a consequente oligarquia partidocrática mandatada por poderes e organizações internacionais. Hoje, tudo isso é cada vez mais visível, muito embora a generalidade das pessoas não se aperceba e muito menos compreenda os ardis e os estratagemas políticos e financeiros com que um tal processo tem sido triunfalmente conduzido. Logo, se a censura no tempo de Salazar operava num contexto em que poderes, forças e organizações internas e internacionais procuravam e, de facto, conseguiram desferir um golpe mortal no destino e na vida de centenas de milhares de portugueses, a desinformação hoje produzida é, por seu lado, tanto mais eficaz quanto mais idónea aparenta ser, e, nessa medida, tudo dispõe no mais perfeito acordo com quem usa e abusa dos actuais meios de comunicação social.

Senão vejamos: considere-se que um ou mais indivíduos estudiosos do tema em apreço se oferecem, frontal e corajosamente, para expor e dar a conhecer o resultado das suas investigações em fundações, jornais, televisões, bibliotecas municipais e em todos os espaços diária e predominantemente destinados aos agentes políticos, universitários e partidários da nossa praça. Considere-se, pois, que alguém, nesses mesmos lugares, pudesse pôr em causa, por meio de factos, provas, documentos e instrumentos afins, o que se propala sobre as supostas virtudes da Revolução dos Cravos de 1974. Considere-se, enfim, essa possibilidade num regime que se diz livremente democrático e, desse modo, formal e nominalmente aberto ao debate e ao conflito de ideias. Seria uma tal coisa possível? É óbvio que não, porque os meios e os dispositivos da hodierna censura sem rosto jamais permitiriam que factos, provas ou documentos devidamente articulados ou sistematizados entre si, passassem para o domínio público a ponto de suscitar a análise e a reflexão do que está na base puramente ideológica de uma historiografia de cunho marcadamente jornalístico e universitário.

De modo que a suposta democracia e a nominal liberdade se dão por assentes se e quando oficialmente consagradas. Logo, neste sentido, a indagação da verdade ou está de acordo com a história dos vencedores, ou simplesmente passa por inexistente. Aliás, uma tal imposição carece de todo o sentido quando confrontada com a verdade histórica pacientemente estudada, honrada e patrioticamente intuída.


Por outro lado, existe actualmente um movimento liderado pela John Birch Society, fundada em Indianapolis, Indiana, a 9 de Dezembro de 1958, por um grupo de doze personalidades chefiadas por Robert Welch, Jr. (1899-1985). Uma das primeiras iniciativas públicas levadas a cabo por essa sociedade, profundamente imbuída de princípios cristãos e conservadores, foi a campanha que, em 1959, acusava a ONU de ter uma agenda mundialista para a instauração do já designado “One World Government”. Ou melhor: o slogan da referida campanha, fazendo um forte apelo para que os Estados Unidos deixassem de pertencer às Nações Unidas, era simples e directo: “Get US Out!”.

Neste contexto, Robert Welch revelara que os governos dos Estados Unidos e da União Soviética permaneciam controlados por uma elite internacionalista composta por banqueiros e políticos ao serviço dos Illuminati. E, tudo isto, não obstante ter ele ainda reconhecido quão difícil se afigura detectar e rastrear a teia conspirativa dos Iluminados desde o momento em que foram suprimidos por agentes governamentais de Charles Theodore, com vista a neutralizar as sociedades secretas hostis à monarquia na Baviera e à sua religião de Estado, nomeadamente o catolicismo romano. “The Insiders” fora, portanto, a expressão escolhida por Robert Welch para se referir aos actuais conspiradores, relacionando-os, por um lado, com as célebres famílias de financeiros internacionais, entre eles os Rothschild e os Rockefeller, e, por outro, com organizações cujos fins permanecem desconhecidos do público em geral, entre as quais se contam o Clube de Bilderberg, o Council on Foreign Relations e a Comissão Trilateral. Enfim, tudo organizações que se articulam e são, na verdade, a testa de ferro de um governo sombra (41).

Nos dias que correm, parece cada vez mais incerta e longínqua a existência de um mundo fraterno e tão livre quanto possível. Porém, outras dúvidas de teor não menos inquietante permitem-nos questionar se, de facto, foram ou não suprimidos os Illuminati em 1784. Em todo o caso, o nosso coração palpita e bate ao ritmo de uma certeza inabalável: os conspiradores, sejam eles quem forem, não triunfarão, até porque o maior conspirador de todos é, em última instância, Deus Todo-Poderoso, omnisciente e omnipresente.


Notas:

(27) Álvaro Ribeiro, «Espelho do Pensamento», in As Portas do Conhecimento – Dispersos e Escolhidos, IAC, Lisboa, 1987, pp. 316-317.

(28) Cf. Oliveira Salazar, Portugal e a Campanha Anticolonialista, 4.ª Edição, SNI, 1960, pp. 11-14.

(29) Oliveira Salazar, O Meu Depoimento, SNI, 1949, p. 9.

(30) Oliveira Salazar, Portugal e a Campanha Anticolonialista, pp. 9-10.

(31) Oliveira Salazar, Unidade das Forças Armadas e Consciência Nacional, SNI, 1962, pp. 4-6.

(32) Oliveira Salazar, O Ultramar Português e a ONU, SNI, 1961, p. 19.

(33) Oliveira Salazar, Realidades da Política Portuguesa, SNI, 1963, pp. 21-22.

(34) Oliveira Salazar, Defesa de Angola – Defesa da Europa, SNI, 1962, pp. 4-6.

(35) Oliveira Salazar, Problemas Portugueses em África, versão completa da entrevista concedida pelo Presidente do Conselho de Portugal à revista norte-americana «Life» e a única que esta revista estava autorizada a publicar, SNI, 1962, pp. 9-10.

(36) Oliveira Salazar, Realidades da Política Portuguesa, p. 22.

(37) Oliveira Salazar, Portugal e a Campanha Anticolonialista, pp. 15-18.

(38) Oliveira Salazar, O Ultramar Português e a ONU, pp. 8, 13-14 e 20-23.

(39) Cf. Franco Nogueira, Diálogos Interditos, Intervenção, 1979, Vol. I, pp. 119-120.







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(40) In José Dias de Almeida da Fonseca, Livro Negro do «25 de Abril». Selecção de tópicos essenciais: a verdade sobre o ’25 de Abril’ e suas consequências e responsáveis; ULTRAMAR – A descolonização exemplar; METRÓPOLE – a Negra Democracia; a fatal derrocada; o Fim Histórico de Portugal, Edições Fernando Pereira, pp. 127-133.

(41) Robert Welch incluíra ainda, na conspiração global, as agências governamentais, tipo o Federal Reserve System e o Internal Revenue Service (IRS). Nisto, Welch não poupara igualmente algumas fraternidades de índole universitária, como a Skul and Bones, ou até clubes de cavalheiros, designadamente o Bohemian Club, conquanto directa ou indirectamente associados à “Nova Ordem Mundial”. Aliás, a John Birch Society sustentara e ampliara a percepção de Robert Welch ao denunciar acordos já estabelecidos no domínio da globalização político-económica, também contrária aos princípios defendidos e consagrados pela Constituição dos Estados Unidos. Ora, tais acordos são, por exemplo, o North American Free Trade Agreement (NAFTA), o Central America Free Trade Agreement (CAFTA) e o Free Trade Area of the Americas (FTAA).




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