sexta-feira, 11 de março de 2016

Illuminati (i)

Escrito por Miguel Bruno Duarte




























«É muito apropriado levar os vossos inferiores a acreditarem, sem lhes revelar o verdadeiro estado do caso, que todas as outras sociedades ocultas, particularmente a Maçonaria, são secretamente dirigidas por nós. Ou que, como ocorre realmente em alguns estados, os monarcas poderosos são governados pela nossa ordem. Quando acontecer alguma coisa notável ou importante, mencionem que teve origem na nossa ordem. Se alguém atingir uma reputação elevada pelos seus próprios meios, facultem a todos o conhecimento de se tratar de um dos nossos». 

Adam Weishaupt (in Augustin Barruel, «Memoirs Illustrating the History of Jacobinism»).


«O seu esquema parece ser calculado não tanto pelo facto de unir pessoas com sentimentos semelhantes numa sociedade, mas por seduzir aqueles com inclinações opostas e, pelo processo mais artificioso e detestável, obliterar gradualmente das suas mentes qualquer sentimento moral e religioso. Principalmente, é sob este aspecto que esse plano de sedução desperta a atenção da humanidade, já que desenvolve a política secreta e insidiosa pela qual os agentes da facção e da infidelidade actuam sobre os seus discípulos que ainda albergam ideias próprias, até a mente ficar envolta num erro confuso, ou enredada em armadilhas das quais não há como sair». 

Seth Payson e Benedict Williamson («Proof of the Illuminati»).





Illuminati


É, de facto, praticamente ignorada, do público em geral, a aturada pesquisa histórica de Antony Sutton sobre o influxo da poderosa elite americana nalguns dos principais e marcantes acontecimentos do século XX, tais como: a revolução leninista-trotskista de 1917 na Rússia, a eleição estado-unidense de Franklin Delano Roosevelt em 1933, ou ainda, nesse mesmo ano, a de Adolf Hitler na Alemanha. Logo, deparamo-nos com uma pesquisa que permanece igualmente desconhecida e inexplorada no seio das mais variadas instituições de ensino em Portugal e por esse mundo fora.

No entanto, vem ao lance informar que, relativamente à ascensão de Hitler na Alemanha, coube também a Antony Sutton sublinhar a necessidade de se poder sondar e investigar uma outra faceta da história do século XX de contornos ainda pouco definíveis, ou mesmo insusceptíveis de serem reconhecidos como dignos de crédito pela historiografia dominante. Daí, no dizer de Antony Sutton:

«O papel preponderante da mais poderosa elite americana na ascensão de Hitler deverá ser avaliado em conexão com uma certa faceta do hitlerianismo que só agora começa a ser verdadeiramente estudada: as origens místicas do nazismo e suas relações com a Sociedade Thule e demais sociedades secretas. Não sendo o presente autor um especialista em ocultismo e conspiração, é, apesar de tudo, óbvio que as origens históricas e neopagãs do nazismo, bem como a existência da Sociedade Thule e dos Illuminati da Baviera, são aspectos a serem devidamente considerados por competentes e abalizados inquiridores. Aliás, alguma dessa pesquisa já se encontra realizada em língua francesa, de sorte que convém abordar uma tal questão partindo da tradução inglesa de Hitler et la Tradition Cathare, de autoria de Jean Michel Angebert.












































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Angebert ressalta a cruzada de 1933 levada a cabo por um membro da Shutzstaffle, Otto Rahn, em busca do Santo Graal supostamente localizado numa fortaleza cátara no Sul de França. A hierarquia nazi dos primeiros tempos (Hitler e Himmler, assim como Rosenberg e Rudolf Hess), encontrava-se no poder de uma teologia neopagã, de algum modo associada à Sociedade Thule cujos ideais eram próximos dos preconizados pelos Iluminados da Baviera. Tais ideais constituíam uma força subterrânea influente no nazismo, com uma poderosa mística a envolver o núcleo mais duro e fiel das SS. Os historiadores oficiais raramente mencionam, e muito menos descortinam as raízes ocultas do nazismo, descartando assim um factor não menos importante face àquele que normalmente se reporta às origens financeiras do nacional-socialismo» (1).

Werner Gerson, o autor de um interessante estudo intitulado Le Nazisme Société Secrète, é outro investigador que tem sondado as forças ocultas nos bastidores da história humana. Nesse livro, aborda-se Adam Weishaupt, o fundador da Orden der Illuminaten, uma sociedade secreta originada na Baviera. Weishaupt nasceu a 6 de Fevereiro de 1748 em Ingolstadt, uma cidade do Sul da Alemanha que era também um centro universitário bastante activo em prol da Contra-Reforma. Em 1773, Weishaupt, formado por jesuítas, era já um professor de Direito Natural e Direito Canónico na Universidade de Ingolstadt, donde recrutaria alguns dos seus estudantes para a Ordem ultra-secreta dos Illuminati (2), vista aliás por muitos historiadores como um ramo ou uma ramificação da Maçonaria.

Seja como for, tudo parece indicar que a Ordem de Weishaupt fora, de alguma forma, inspirada nas Constituições maçónicas, a avaliar pelos termos simbólicos e esotéricos usados nessa mesma Ordem, como aprendiz, companheiro, mestre, noviço escocês, cavaleiro escoçês, etc. Ora, a finalidade da Ordem consistira na subversão e destruição de toda a instituição monárquica e de todas as religiões de Estado organizadas na Europa e nas respectivas colónias (3). E isso, naturalmente, exigia uma rede minuciosa e extremamente elaborada de agentes e contra-agentes munidos de relatórios secretos.

Weishaupt tinha a perfeita consciência de como a lojas maçónicas, nomeadamente as lojas azuis constituídas pelos três graus de aprendiz, companheiro e mestre, podiam ser extremamente úteis para a consecução dos verdadeiros objectivos dos Iluminados da Baviera. De resto, tais graus podiam eventualmente surgir como um véu apto a encobrir os graus inferiores da Ordem de Weishaupt. E, de facto, o fundador dos Illuminati usara a sua sociedade secreta de modo a que cada adepto a pudesse ver sob o seu peculiar ponto de vista, ou ainda segundo o seu próprio interesse porventura direccionado para um ramo específico da Maçonaria, um círculo rosacruciano ou uma associação política.

Comummente apresentado como um teórico da conspiração, John Robison deu a lume, em 1797, a sua obra intitulada Proofs of a Conspiracy against all the Religions and Governments of Europe, carried on in the secret meetings of Freemasons, Illuminati and Reading Societies. Duma forma ou doutra, o autor providencia informação deveras interessante sobre o modo como os Illuminati iniciaram o processo de subversão que, certos e determinados intérpretes (4), crêem poder ser descoberto e identificado em posteriores organizações dos séculos XIX e XX (5). Aliás, um padre jesuíta francês, de seu nome Augustin Barruel (1741-1820), fez valer um ponto de vista idêntico no que respeita à infiltração dos Illuminati na maçonaria europeia, de que, supostamente, proviria a violência sanguinária da Revolução Francesa historicamente conhecida.























































Mémoires pour servir à l’histoire du Jacobinisme tornou-se o livro publicado por Barruel em 1797-98. Trata-se de um documento fundamental constituído por quatro volumes em que Barruel averba que a Revolução Francesa fora propositadamente delineada para aniquilar a Cristandade segundo um plano maquinado por uma coligação de filósofos, franco-maçons e a própria Ordem dos Illuminati. Por outras palavras, Barruel alegara que a conspiração teria sido levada a cabo por jacobinos com vista a derrubar o Trono e o Altar em nome da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Por outro lado, as acusações de Barruel recaíam no “filosofismo” (6) e no intelectualismo promovidos por alguns representantes do iluminismo, tais como Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu. Barruel afirmava, inclusivamente, que Voltaire, d’Alembert e o rei da Prússia, Frederico II, trabalhavam nos bastidores para assim planear e dirigir o curso dos acontecimentos que acabariam por levar à Revolução Francesa (7).

Entretanto, Edmundo Burke, filósofo e estadista anglo-irlandês, escreveu uma carta ao autor de Mémoires exprimindo-lhe a sua admiração. Nela diz: «Esqueci-me de dizer que também conheci, pessoalmente, cinco dos conspiradores por si mencionados; e, com base no que sei, posso garantir que já se encontravam, em 1773, empenhados na tal conspiração que tão bem descreve, e de acordo com o modo e o princípio com que verdadeiramente os define. E disto falo como testemunha» (8). Por sua vez, José de Maistre, um filósofo francês e uma figura-chave do contra-iluminismo, rejeitou a teoria da conspiração de Barruel, especialmente no que toca à implicação dos Illuminati para derrubar a Igreja Católica e destruir as monarquias europeias.

José de Maistre também repudiara a ideia de que os franco-maçons tivessem estado na origem da Revolução Francesa, pese embora ter sido ele próprio, no período que vai de 1774 a 1790, um membro da Loja Maçónica do Rito Escocês em Chambérry (9). Não obstante a sua interpretação da Revolução Francesa como um acontecimento providencial, Maistre chegara finalmente à conclusão de que os crimes e as barbaridades do Reino de Terror viessem na linha do racionalismo iluminista anticristão, para o qual a monarquia havia igualmente contribuído ao não atender às tensões espirituais, sociais e políticas do Antigo Regime. Logo, em vez de ter conduzido a civilização francesa em benefício da humanidade, a monarquia teria, de algum modo, promovido a corrente ateísta dos filósofos que foram, no século XVIII, intelectualmente responsáveis pela desordem e o banho de sangue provenientes da Revolução Francesa.

De qualquer modo, a influência do pensamento de José de Maistre nos “socialistas utópicos”, notadamente Saint Simon e Augusto Comte, pode e deve ser explicada mediante a análise que o próprio fizera do problema da autoridade e da sua legitimidade. Daí que Augusto Comte houvesse igualmente reconhecido que a monarquia absolutista jamais tivesse sido abruptamente destronada pelos princípios iluministas da igualdade, da cidadania e dos direitos inalienáveis da natureza humana. Ou seja: a monarquia em causa findara à laia de uma transformação gradual no tocante à forma como era regida por entre privilégios feudais, aristocráticos e religiosos contrários à sua perpetuação.

Augusto Comte também houvera admitido que os principais princípios inspiradores do assalto final contra o feudalismo europeu – designadamente o princípio da liberdade de consciência, ou de pensamento, e o princípio da soberania do povo -, não mais seriam úteis perante o culminar do processo revolucionário, por, de facto, já não estarem à altura de uma preconizada sociedade científica que doravante pressuporia uma nova Europa secular. O estádio científico, particularmente concebido para superar quer o descalabro da Revolução Francesa quer a derrota de Napoleão, deveria ser então o ponto de partida organizado por uma ciência-chave, originalmente designada por “física social” (hoje sociologia), e ademais apta a destituir o estádio metafísico (10). Por conseguinte, enquanto os escritos de José de Maistre, postulando uma sociedade hierárquica e um Estado monárquico, acabariam por influenciar não apenas os “socialistas utópicos”, mas também os pensadores políticos conservadores – dentre os quais ressaltam Juan Donoso Cortés e o monárquico francês Charles Maurras na base do seu movimento político contra-revolucionário conhecido por Action Française – Comte, por seu turno, projectaria a sua influência sobre Karl Marx, John Stuart Mill, George Eliot, Harriet Martineau, Herbert Spencer e Émile Durkeim.



Burlington House, onde a Royal Society esteve sediada entre 1873 e 1967.




1952



A Royal Society em Carlton House Terrace (Londres).








Por outro lado, José de Maistre considerara Francisco Bacon como um indubitável precursor do iluminismo. Assim, o fundador do método experimental teria desde logo marcado influentemente inúmeros médicos e filósofos da natureza responsáveis pela criação, em 1660, da Royal Society of London (11). Originalmente conhecida como College for the Promoting of Physico-Mathematical Experimental Learning, essa sociedade começara por ser um grupo de pesquisa de claros propósitos ocultistas, a avaliar por alguns dos insignes membros que a constituíram, nomeadamente o astrólogo e alquimista Sir Isaac Newton, que também se tornara o seu presidente desde 1703 até à sua morte, em 1727.

Considerando a Instauratio magna (12), de Francisco Bacon, convém reconhecer como a mundividência física, lógica e metafísica de Aristóteles fora desvirtuada na época moderna. Assim, tendo em conta o alegado influxo de Bacon no dealbar da era industrial, nada parecia deter a revolução científica praticamente realizada por personalidades que, de um modo geral, pareciam mais interessadas na hermenêutica bíblica e nos estudos ocultistas do que propriamente na ciência matemática. De modo que, quando Isaac Newton concebera a sua teoria da cor mediante a decomposição prismática da luz num variegado espectro de cores (13), ou mesmo quando havia, eventualmente, partilhado com Gottfried Leibniz a descoberta do cálculo diferencial e integral, pudera, enfim, alcançar tudo isso sem jamais renegar o apelo da sua natureza religiosa (14).

Tendo adquirido vários escritos de Newton sobre alquimia, John Maynard Keynes afirmara que «Newton não fora o primeiro a manifestar-se na idade da razão: ele fora, em vez disso, o último dos mágicos». Aliás, por aqui se explicam certamente as ideias herméticas de Newton sobre a atracção e a repulsão afim de revelar a sua teoria corpuscular da luz, ou ainda a ideia da acção à distância sem a qual não teria provavelmente desenvolvido a sua teoria da gravitação (15). Porém, essa mesma teoria, não menos ligada ao estudo, investigação e análise de fenómenos observáveis e manifestos como a mobilidade, a impenetrabilidade, a força dos corpos e as leis do movimento, marcaria igualmente um passo em direcção ao ateísmo tal como largamente promovido pelo movimento iluminista.

Desde que Francisco Bacon se entregara à inquirição científica, que se tornara necessário descobrir os meios pelos quais o seu método pudesse efectivamente singrar. E, de facto, já a Royal Society for Improving Natural Knowledge promovera, a seu modo, aquele método com base nos filósofos da natureza tocados pela Nova Atlântida do experimentalista britânico (16). De resto, é caso para incidirmos no novo método científico em questão, recorrendo ao estudo de José de Maistre intitulado Examen de la philosophie de Bacon (1836).

O autor tratara então de examinar como a nova lógica proposta por Francisco Bacon, tal qual explicitada no Novum Organum, repudiara a velha lógica de Aristóteles. Ora, a suposta superioridade lógica propugnada por Bacon baseava-se no que dizia ser a verdadeira indução confinada à investigação da natureza, e, por isso, oposta ao predomínio da inferência dedutiva. Daí nas próprias palavras do Barão de Verulâmio:

«O silogismo é constituído de proposições, as proposições por palavras, e as palavras são os signos das noções. Logo, se as noções são, por sua vez, confusas, e precipitadamente abstraídas das coisas, nada baseado nelas será sólido e seguro. A única esperança radica, portanto, na verdadeira indução» (I, Aforismo XIV).



José de Maistre








Contudo, perante a indução que o próprio Bacon assegura não proceder por simples enumeração, e, como tal, inteiramente distinta do raciocínio dedutivo firmado em princípios universais, José de Maistre procura argumentar mostrando o outro lado da questão, a saber:

1. O silogismo está tão profunda e intimamente ligado ao homem que, uma vez desvirtuado, altera a sua natureza espiritual;

2. A glória de Aristóteles está em ter descoberto as diferentes espécies de silogismo e suas respectivas leis. Essa descoberta pode, na verdade, ser entendida como uma espécie de “anatomia espiritual” mediante a qual o pensamento do homem se torna potencialmente apto para ser analisado e demonstrado;

3. O raciocínio indutivo contém virtualmente o raciocínio silogístico. Logo, a indução é, de certa forma, um silogismo destituído de termo médio;

4. A natureza triádica do silogismo revela uma funda analogia com o dogma da Santíssima Trindade.

Francisco Bacon opusera, de facto, o seu método científico à lógica de Aristóteles. Aliás, nele vira uma magna reformulação de todo o processo do conhecimento, em que as artes e as ciências – óptica, astronomia, música, ética, política e medicina – dependeriam essencialmente da filosofia natural, ou, se quisermos, da indução rectificadora de opiniões, ídolos e falsas noções. Consequentemente, se o silogismo fora até então aplicado a domínios da Natureza e do Espírito, a indução de Bacon propunha-se agora penetrar nas formas substanciais ocultadas pelo Criador (Livro I, aforismos CXXIV, CXXIX).

O naturalista britânico não diria provavelmente, como Goethe, que a “Natureza oculta Deus”, mas certamente diria que o homem se poderia aproximar de Deus-Todo-Poderoso enquanto “ministro e intérprete da Natureza”. Pelo que, se a Criação de Deus não podia ser repudiada ou negada pelos sentidos, a melhor forma de a contemplar requeria um estudo profundamente científico da luz em trânsito reflexo e vibrante pela matéria.

Com vista a este objectivo, Bacon destrinçara dois tipos de experimentos, em que o primeiro, a que dera o nome de experimento luciferino, era especialmente dirigido à luz difundida por Deus nas partículas elementares da matéria a fim de as conjugar numa múltipla configuração natural. Manifestamente inútil de um ponto de vista materialista, um tal experimento surgia como um princípio do qual parecia depender todo o conhecimento experimental coligido e direccionado para realizações de ordem natural, humana e divina. Finalmente, o experimento frutífero, confinar-se-ia a benefícios específicos à margem de toda a inquirição científica sobre o modus operandi da natureza naturante (Livro I, Aforismos XCIX, CXXI).

O Novum Organum, redigido em latim e dado à estampa em 1620, fora, efectivamente, uma obra em que Francisco Bacon proclamara a finalidade de conquistar poder e conhecimento sobre a natureza. Ainda assim, a formulação do método científico centrado na pesquisa experimental não pode nem deve ser reduzido a uma concepção materialista e anti-religiosa. Do que resulta ser um erro crasso rotular Bacon, pura e simplesmente, de empirista, sobretudo quando se encontram em primeiro plano os seguintes aspectos da sua preconizada ratio:

1. O fim do conhecimento humano é descobrir os primeiros princípios universais respeitantes às formas naturais ocultas, que o mesmo é dizer às leis da natureza naturante enquanto fontes de emanação da natureza naturada. Realizado o conhecimento das formas, o fito do poder humano passa a incidir na produção de novas naturezas, propriedades ou qualidades predicáveis em corpos transformados noutros corpos dentro dos limites possíveis. Daí o processo latente relativo às operações internas da Natureza que em boa parte escapam aos nossos sentidos, assim como o esquematismo latente dos corpos confinados à estrutura atómica já antecipada por Demócrito na Antiguidade (Livro II, aforismos I, V, VI, VII);

2. O processo operativo da Natureza revela-se pouco dado à utilidade na medida em que existem recessos naturais e abscônditos perante os quais o homem é impotente para agir e reproduzir;

3. A interacção das formas, da matéria e do movimento são, na maioria dos casos, sensorialmente imperceptíveis (17). Mudanças e alterações naturais são sempre precedidas e seguidas por toda a espécie de movimentos internos e translactos em nada explicáveis com base na pesquisa anatómica. Como tal, todo o corpo natural implica o que nele corresponde ao espírito, ou, em última instância, ao que nele diz respeito à sua própria essência.






Ao invés de Platão, para quem o mundo imutável das formas realiza o mundo sensível captado pelos sentidos, Bacon encarava as formas como as próprias leis do acto sob pena de permanecerem simples ilusões do espírito humano (Livro I, aforismo LI). A forma de uma dada natureza consiste, portanto, no acto que faz dessa mesma natureza ser aquilo que é. Nesse sentido, a forma resulta sempre presente numa determinada e manifesta natureza, permitindo assim a revelação de casos idênticos ou distintos entre si. Logo, caso a forma se não manifeste, a respectiva natureza esvai-se ou, simplesmente, propende a desaparecer (18).

Considerando as quatro causas de Aristóteles – eficiente, material, formal e final -, Francisco Bacon adiantara ainda que só a causa formal poderia levar a novas descobertas, bem como a transpor os segredos da natureza. Daí o relevo atribuído às formas pelo autor do Novum Organum:

«Quando falo em formas, refiro-me acima de tudo àquelas leis e determinações de perene actualidade que regem e constituem qualquer natureza simples, nomeadamente o calor, a luz e o peso numa qualquer espécie de matéria ou receptáculo afim. Deste modo, a forma do calor ou a forma da luz são a mesma coisa que a lei do calor ou a lei da luz» (Livro II, aforismo XVII).

Além disso, Francisco Bacon também recusara os conceitos propriamente aristotélicos de acto e potência em associação com os de matéria e forma. De resto, para o filósofo grego, os universais pareciam passíveis de predicação por oportuna e adequada revelação do mundo sensível. Mas se, em Aristóteles, a causa final surge implicada no trânsito da potencialidade à actualidade, como poderia Bacon, atento aos dogmas e descaminhos da abstracção especulativa, admitir uma tal causa excepto no que particularmente se relaciona com as vicissitudes da acção humana?

Já conhecida a pontual divergência de Aristóteles em relação às formas platónicas na sua transcendência ao mundo sensível, Bacon fora então bastante explícito ao repudiar a procura de causas últimas no decorrer da investigação científica da Natureza. E assim se opunha a Aristóteles que, a par das demais causas já mencionadas, considerava a causa final numa escala de perfeição inerente aos três Reinos da Natureza. Aliás, o Estagirita deixara antever que a perfeição de uma criatura provinha essencialmente da sua forma, embora não por ela predestinada.



Para Aristóteles, o movimento natural é intrinsecamente dotado, ao passo que a deslocação mecânica é externamente determinada em termos de gravidade, fricção, contacto, etc. Ora, com a ciência moderna, a natureza tornara-se cada vez mais subordinada à matemática, e, portanto, confinada ao movimento uniforme e linearmente expresso, tal como preconizado na alegada experimentação galilaica atinente à queda dos graves. Por outras palavras, Galileu afirmara que as leis do universo estavam matematicamente determinadas, afirmação essa claramente expressa em Il Saggiatore, publicado em Roma em 1623:

«A Filosofia está escrita neste vasto livro que está sempre aberto perante os nossos olhos: refiro-me ao universo; mas este não pode ser lido até que tenhamos aprendido a sua linguagem e nos tenhamos familiarizado com as letras em que está escrito. Está escrito em linguagem matemática, e as letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível entender uma só palavra» (19).

Descartes influíra igualmente no domínio matemático no que especialmente toca à geometria analítica. Mais: o geómetra francês chegara ao ponto de sugerir que o corpo procede à semelhança de uma máquina, definindo a glândula pineal como “o lugar da alma” em funda interacção com o corpo. Porém, Aristóteles fora quem, numa concepção mais profunda, radicara a alma racional no coração, e não no cérebro.

Aliás, quem decerto não tinha um coração humano era Sebastião José de Carvalho e Melo, dada a sua violência e tamanha crueldade exibidas no reinado de D. José I, entre 1750 e 1777. O Marquês de Pombal fora, ademais, um poderoso instrumento no avanço do movimento iluminista que dele fez um “déspota esclarecido”. Por conseguinte, Sebastião José estabelecera a censura por um lado, quebrara o poder da aristocracia por outro, de maneira a consolidar um poder absoluto em nome de uma nova organização económica, educativa e eclesiástica.

Tendo permanecido em Londres e Viena cujas cidades foram importantes centros difusores do iluminismo (20), Sebastião José chegara mesmo a imputar aos próprios jesuítas um código de instruções secretas (21). Ora, essa imputação inseria-se numa campanha à escala europeia e internacional (22) que queria a supressão da Congregação dos Jesuítas, e na qual o ministro de D. José I, o Reformador, fora, entre nós, o agente instigador de traduções relativas a inúmeros pareceres, leis, cartas e libelos dirigidos contra a Ordem de Santo Inácio (23). Logo, os jesuítas, forçados e compelidos ao desterro pela Coroa Portuguesa em 1759 (24), ver-se-iam brevemente expulsos da maioria das cortes europeias pretensamente cultas, como em França (1764), e na Espanha, Áustria, Parma, Nápoles e nas Duas Sicílias (1767).

Por fim, cedendo às fortes e maquiavélicas pressões das cortes europeias na extinção da Ordem dos Jesuítas, o Papa Clemente XIV assina, a 21 de Julho de 1773, a bula Dominus ac Redemptor que a suprime de uma forma aparentemente irrevogável. Entretanto, dera-se o caso de nações não-católicas, como a Prússia e a Rússia, terem ostensivamente ignorado a bula pontifícia. Porém, é um facto de que a perseguição política que levara à supressão dos jesuítas não só acabaria por inspirar o regalismo, como ainda dar azo a posteriores movimentos anticlericais promovidos pela Franco-Maçonaria e por positivistas de índole monárquica e republicana.

Totalmente destituído de escrúpulos na prossecução dos seus fins, Sebastião José manteve ainda, por algum tempo, a Inquisição com a ajuda do seu irmão Paulo de Carvalho, que fora precisamente quem preservara os antigos métodos de tortura em nome da razão de Estado. De modo que, ao longo dos vinte e sete anos que perfizeram o consulado do Marquês de Pombal, os calabouços da Inquisição continuaram a funcionar a par de outras prisões como a do Bugio, Foz, Pedrouços, outras mais. Assim, perante este cenário aterrador, nem o próprio Duque de Choiseul pudera acreditar como, de facto, o Marquês de Pombal ousara manter um tribunal inquisitorial à margem da autoridade papal.



Execução dos Távoras





Execução do Duque de Aveiro










A estátua plúmbea do Marquês de Pombal ensombrando a cidade de Lisboa (levantada pela Maçonaria em 1934 em homenagem à liberdade e à democracia).



No mais, a reforma pombalina da educação (25), acrescida de novos tributos, tivera apenas um objectivo a cumprir: a centralização de toda a estrutura de ensino público e privado a fim de mentalmente moldar e subordinar o professorado. Numa palavra, os professores das primeiras letras, assim como os do ensino médio e universitário, passaram a ser regidos, ou, mais propriamente, arregimentados por uma teia burocrática e económica de interesses políticos ditados por uma mão de ferro. Nessa medida, a reforma pombalina abolira a neo-escolástica conimbricense já ampla e profundamente firmada na tradição aristotélica, por ser, desde o último quartel do século XVI, a tradição que, em termos intelectivos, garantia a superior orientação do pensamento católico (26).

O Marquês de Pombal desconsiderava Aristóteles ao ponto de o dar por abominável. Mas, na realidade, o seu verdadeiro inimigo não era o filósofo grego, como, aliás, ele próprio tão-bem sabia. Era antes São Tomás de Aquino e Francisco Suarez cuja doutrina, perfilhada por jesuítas e dominicanos, admitia, em circunstâncias muito particulares, o tiranicídio.

Renato Descartes conhecera certamente os Commentarii dos Conimbres aquando da sua passagem no Collège Royal Henri-Le-Grand de la Flèche, de orientação inaciana. Descartes fora ainda aluno do padre Estevão Noel que, além dos Commentarii, lia, nas suas aulas de lógica, as Instituições Dialécticas de Pedro da Fonseca. Por outro lado, o Meteoros constituíra um estudo cartesiano inspirado na teoria aristotélica dos meteoros, tal como devidamente exposta no compêndio de Manuel de Góis (In Libros Meteororum Aristotelis Stagirite, 1593).

Também Manuel Kant desenvolvera o seu ideal de razão pura ao estudar os compêndios dos escolásticos portugueses. Nesse sentido, a arquitectónica transcendental de Kant é o indício revelador de como a neo-escolástica conimbricense, tal como ensinada nas universidades europeias, se tornara largamente insuficiente para elaborar um sistema filosófico em que fé e razão, vencendo o espírito de contradição, resultam numa profunda relação de complementaridade. É por isso perfeitamente compreensível que Étienne Gilson, um “membro imortal” da academia francesa, tivesse considerado São Tomás de Aquino o primeiro dos filósofos modernos e Descartes o último dos escolásticos.


Notas:

(1) Antony Sutton, Wall Street and the Rise of Hitler, Clairview, 2010, p. 14.

(2) A Ordem dos Illuminati foi fundada a 1 de Maio de 1776 como a “Ordem dos Perfeitos”. Tendo adoptado o nome simbólico de “Irmão Spartacus”, Weishaupt recrutara em Weimar o duque Charles August (Eschylus), Goethe (Abaris), Herder (Damasus pontifex), Schardt (Apollonius) e von Fritsch (Werner). De resto, outros mais viriam à baila como o barão Dalberg, o duque Ferdinand de Brunswick, o conde e futuro príncipe de Metternich, e last but not least, o duque Ernest II de Saxe-Cobourg e Gotha.

(3) O plano de Weishaupt tivera sempre por alvo a sociedade germânica e o mundo inteiro. Para o efeito, desenvolvera uma visão gnóstica do mundo para, desse modo, promover o “século das luzes” baseado na razão natural. Daí a necessidade de uma reforma vindoura com base numa reeducação deística dirigida à “perfeição moral da natureza humana”.





































Emma Goldman







Winston Churchill







(4) É o caso de Nesta Helen Webster, uma escritora inglesa feminista para quem os Protocolos dos Sábios de Sião permaneciam uma “questão aberta”. A sua versão sobre a conspiração dos Illuminati encontra-se no livro intitulado French Revolution: a Study in Democracy, em que diz o seguinte: «As lojas dos Illuminati e dos franco-mações alemães foram a fonte donde provieram todas as congeminações anárquicas que levaram ao Terror, o que também explica que, três anos antes da Revolução Francesa, tenha sido no grande encontro realizado entre os franco-mações em Frankfurt-am-Main que se planearam as mortes de Luís XVI e Gustavo III da Suécia». Entretanto, corria o ano de 1920 quando Winston Churchill, elogiando Nesta H. Webster, publicava um artigo intitulado Zionism versus Bolshevism: A Struggle for the Soul of the Jewish People, onde retrata o seguinte: «Este movimento não é inédito entre os judeus. Aliás, desde os dias de Spartacus-Weishaupt até aos dias de Karl Marx, passando pelos de Trotsky (Rússia), Bela Kun (Hungria), Rosa Luxemburgo (Alemanha) e Emma Goldman (Estados-Unidos), que a conspiração mundial, dirigida ao colapso da civilização e à reconstrução da sociedade com base no retrocesso, na intriga malevolente e na igualdade utópica, tem poderosamente crescido. E esse movimento, consoante já demonstrado pela moderna escritora Mrs. Webster, tivera igualmente um papel decisivo e assaz reconhecido na trágica Revolução Francesa» (Illustrated Sunday Herald, 8 de Fevereiro de 1920).

Por outro lado, há ainda o caso de William James Guy Carr, também ele fortemente influenciado pelos escritos de Nesta H. Webster e autores como Léo Taxil, o abade Augustin Barruel e John Robison. Carr sustentara assim uma teoria da conspiração mundial apoiada no comunismo e no capitalismo internacionais, de que os Illuminati e os banqueiros da alta-roda internacional, mormente representados pelas famílias dos Rothschild e dos Rockefeller, seriam as figuras de proa. Ademais, Carr alude ainda a um alegado plano relativo a três guerras mundiais, supostamente inspiradas pelo Soberano Grande Comendador da Jurisdição do Sul do Rito Escocês, Albert Pike. De resto, os livros de William G. Carr, tais como Pawns in the Game (1955), The Red Fog over America (1955) e Satan, Prince of This World (1959), marcaram profundamente alguns teóricos da conspiração, entre os quais sobressaem Dan Smoot (The Invisible Government, 1962), Gary Allen (The Rockefeller File, 1976; Kissinger: The Secret Side of the Secretary of State, 1976; Say "No!" to the New World Order, 1987), Richard T. Osborne (The Great International Conspiracy, 1974; The Coming of World War III, 2006), Myron C. Fagan (Audio Document (LP) : The Illuminati and The Council on Foreign Relations, gravado em 1967-1968).

(5) No livro de Carroll Quigley, Tragedy and Hope: A History of the World in Our Time (1966), é-nos de alguma forma descrito como a Nova Ordem Mundial tem vindo a ser discretamente preparada, a começar pelo sistema financeiro global dominado pela Reserva Federal dos Estados Unidos, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial. Aliás, no seu livro intitulado The Anglo-American Establishment: from Rhodes to Cliveden – redigido em 1949 mas só publicado em 1981 –, Quigley faz questão de salientar que uma sociedade secreta, formalmente criada em 1891 por Cecil Rhodes e Alfred Milner, tem estado na origem dos principais acontecimentos da nossa história recente. Curiosamente, é também referido que esta mesma sociedade, sem nenhum nome ou designação passível de indicar ou pressupor a sua existência, fora simultaneamente inspirada nas ordens maçónica e jesuíta, por, de algum modo, terem influido na sua complexa hierarquia constituída por um círculo interno (“A Sociedade dos Eleitos”) e um círculo externo (“A Associação dos Obreiros”). De acordo com o Professor Quigley, o círculo externo tornara-se, por iniciativa de Lord Milner, na organização da Távola Redonda Britânica, já de si profundamente ligada a muitos acontecimentos históricos tais como: a Incursão Jameson (1896), a Segunda Guerra Boer (1899-1902), a criação da União Sul-Africana (1910), a transformação do Império Britânico na Comunidade das Nações fundada em 1926, a condução da política externa do “Governo de Sua Majestade” em todo o século XX, etc.

Mais: o historiador americano também afirma, em Tragedy and Hope, de que esteve em contacto com esta organização praticamente imperceptível a uma direita crente na conspiração comunista. Daí nas suas palavras: «Este conto de fadas da direita radical, tida como um mito popular em vários sectores da América, fez da história recente dos Estados Unidos, no que particularmente respeita à sua reorganização interna e à sua política externa, uma cabala especialmente organizada por elementos da extrema-esquerda... O referido mito, tal como toda e qualquer fábula, encerra, apesar de tudo, alguma verdade. Existe, de facto, desde há pelo menos uma geração, uma rede anglófila internacional que, até certo ponto, opera naquele sentido em que a direita radical crê agirem os próprios comunistas. Esta rede, de algum modo identificada com os Grupos da Tavóla Redonda, não tem qualquer problema em cooperar com os comunistas, ou qualquer outro grupo, como amiúde o faz. Conheço o modus operandi desta rede porque estudei-a durante vinte anos, e porque, nos princípios dos anos 60, fui autorizado, num espaço de dois anos, a examinar os seus documentos e registos secretos. Não lhe guardo qualquer aversão, o mesmo se aplicando à maioria dos seus objectivos, pelo que tenho estado, grande parte da minha vida, familiarizado com ela e com muitos dos seus instrumentos. Tenho, entretanto, discordado, no passado e no presente, com algumas das suas políticas... Contudo, em termos gerais, a minha divergência de opinião vai contra o facto de uma tal rede persistir em permanecer incógnita, pois acho que o seu papel determinante na história é assaz significativo para ser finalmente conhecido».
















































Por seu turno, Antony Sutton retomara a questão em Wall Street and the Rise of Hitler: «Quigley percorre um longo caminho demonstrando a existência de uma poderosa elite, embora desconheça os seus verdadeiros propósitos. Provavelmente, a documentação usada por Quigley fora-lhe parcialmente facultada para não deixar transparecer o papel manobrador daquela elite em acontecimentos tão importantes como a Revolução Russa, a ascensão de Hitler ao poder e a eleição de Roosevelt em 1933. O mais provável é que a acção implícita nesses acontecimentos políticos não constituísse matéria de registo nos arquivos de grupos implantados no poder. Pode até ser que essa acção não-arquivada fosse obra de um pequeno círculo no interior da própria elite. Ainda assim, convém notar que a documentação usada por Quigley proviera de fontes governamentais respeitantes às acções diárias de Trotsky, Lenine, Roosevelt, Hitler, J. P. Morgan, além das relativas a várias firmas e bancos envolvidos».

(6) Barruel definira “filosofismo” como «o erro cometido por todo o homem que, judicando na precisa medida da sua razão, repudia, em matéria religiosa, toda a autoridade que não resulte da luz natural...» (cf. Mémoires pour servir à l’histoire du Jacobinisme, Vol. I, cap. 1, 4).

(7) Franco-mação, Condorcet destacara-se como figura de topo no seu apoio à Revolução Francesa. Outros mais conspiraram no mesmo sentido, como, por exemplo, o Barão d'Holbach, Buffon, La Mettrie, Raynal, Abade Yvon, Abade de Prades, Abade Morrelet, La Harpe, Marmontel, Bergier e Duclos. De resto, os indivíduos que desempenharam um papel decisivo no iluminismo e, em grande medida, conspiraram contra a Cristandade, usaram nomes a que atribuíram um simbolismo secreto, nomeadamente os de “Raton”, “Protágoras, “Luc” e “Platão", respectivamente usados por Voltaire, d’Alembert, Frederico II e Diderot. Aliás, também não é por acaso que a Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, fora, no âmbito do iluminismo francês, um projecto essencialmente maçónico.

(8) Carta de Edmundo Burke para o Abade Barruel, 1 de Maio de 1797, in Thomas W. Copeland, ed., The Correspondence of Edmund Burke, 10 Vols. (Chicago and Cambridge, 1958–1978), 9: 319–320. 

(9) Por seu lado, Gérard Encausse, um doutor parisiense mais conhecido pelo pseudónimo esotérico de Papus, dissera que o Sistema Escocês instituído por Ramsay estivera na génese maçónica da Revolução Francesa e dos princípios do materialismo ateu (cf. Martinesismo, Willermosismo, Martinismo e Franco-Maçonaria, Hugin, 1989, pp. 57-58). Assim, o Sistema ou Rito Escocês, propondo-se vingar a destruição da Ordem do Templo ocorrida em 1314, não só dera azo à subversão revolucionária no espírito de inúmeros ritos e altos graus da maçonaria, como ainda impusera à sociedade moderna a Constituição dos Maçons Livres, também conhecida por Constituição de Anderson. Porém, volta e meia, adveio uma forte oposição a todo esse movimento tendencialmente político e revolucionário – nele incluído os Illuminati de Adam Weishaupt – levada a cabo por Louis Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz, ambos iniciados no “iluminismo cristão” por via do português Pascoal Martins, que fora quem, na qualidade de taumaturgo ibérico, fundara a Ordem dos Eleitos Cohen em cidades francesas como Paris, Lião, Montpellier, Marselha, Bordéus e Toulouse.

(10) Augusto Comte concebera a evolução social baseada na lei dos “três estados”: o teológico, o metafísico e o científico. E assim é porque a linha sucessiva dos “três estados” encontra-se profundamente relacionada com a classificação comteana das ciências, a começar da mais simples para a mais complexa: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Há, contudo, nessa escala hierárquica das ciências, uma sétima para além da sociologia: a antropologia.

(11) Neste contexto, a influência de Francisco Bacon pode, eventualmente, provir da sua obra intitulada “Nova Atlântida”, visto que a designada “Sociedade da Casa de Salomão” parece ter inspirado o intento que levou à criação, em 1667, de um “Colégio” para a Royal Society of London. Ademais, Frances Yeats, em The Rosicrucian Enlightenment (1972), refere que a Royal Society começara por ser uma organização maçónica profundamente influenciada por Rosacruzes tais como Elias Ashmole (1617-1692) e Robert Fludd (1574-1637). Logo, a historiadora inglesa não somente realça o modo como a Tradição Hermética e o pensamento mágico tiveram um papel incontornável no aparecimento da ciência e da filosofia modernas, como também se propôs revelar como o “Colégio Invisível”, já de si implícito nos manifestos rosacrucianos postos a circular na Europa dos princípios do século XVII, acabara por se transformar na Royal Society.

Presentemente, a Real Sociedade de Londres actua na qualidade de Assessora Científica do Governo britânico, além de funcionar como Academia das Ciências do Reino Unido. Mais: a Royal Society ocupa ainda, em termos científicos, o papel de Conselheira da Comissão Europeia e das Nações Unidas.



Francisco Bacon










(12) Biblicamente inspirada na proclamada Obra dos Seis Dias da Criação, a “Grande Restauração” incide essencialmente na reorganização universal do conhecimento científico. O seu fim é, pois, alcançar o Sabat ou o Sétimo Dia de Descanso propício à reintegração adâmica.

(13) Aliás, Isaac Newton, com base numa lente e num segundo prisma, fora igualmente capaz de recompor o espectro da luz policromática em luz branca. E, nisto, concluíra que a cor, não sendo um dado inerente aos objectos, seria antes o resultado da interacção entre estes e a infinidade de cores infusas no meio envolvente.

(14) É sabido que Newton rejeitara o Dogma da Santíssima Trindade em que Deus se nos revela mediante três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por outras palavras, Newton parecia partilhar da heresia de Ário para quem o Pai e o Filho não eram unos nem consubstanciais. De resto, em An Historical Account of Two Notable Corruptions of Scripture, perfilam-se os estudos de Isaac Newton relativos à Bíblia e aos Padres da Igreja, onde, expressamente repudiando as “piedosas fraudes” da Santa Madre Igreja Apostólica Romana, procura reconstituir, a partir de fontes antigas e da versão bíblica do rei James, o verdadeiro sentido de duas passagens relativas ao Evangelho de São João e às Epístolas de S. Paulo Apóstolo a Timóteo.

(15) Convém notar que Isaac Newton não fizera um uso particularmente científico do termo inércia. Daí que, não obstante a definição de inércia já entretanto formulada por Kepler em termos de resistência ao movimento, Newton pusesse a tónica numa “força íntima da matéria” que ora explicasse a preservação da natureza em repouso, ora da natureza em movimento rectilíneo. Logo, fora sobretudo com Galileu e Descartes que os princípios aristotélicos de repouso e movimento quedariam inoperantes em prol de uma visão mecanista e matematizante do mundo.

(16) Há quem, curiosamente, atribua a Francisco Bacon um conhecimento inspirado nos ensinamentos dos Rosacruzes. É o caso de António Monteiro, que, além do mais, adianta o seguinte: «Em A Nova Atlântida, de Bacon, escrito nos princípios do século XVII (e, tal como Crítias, de Platão, inacabado), podemos encontrar muito do que a ciência dos séculos XIX e XX inventou ou aperfeiçoou, como o telefone, o telégrafo, as máquinas automóveis, os aeroplanos, o telescópio, o microscópio, o submarino, a rádio e, até, a televisão, o que confirma a epígrafe da sua obra: “Com o tempo, a verdade escondida aparecerá”. Bacon, além de chanceler de Jaime I de Inglaterra, foi um sábio e um filósofo eminente, que procurou destruir o silogismo estéril medieval e restaurar, ou, melhor, regenerar e instaurar as ciências através do método experimental, conforme preconizou no seu célebre Novum Organum» (in A Ordem Rosacruz, Publicações Europa-América, pp. 78-79). 

(17) Porventura inspirado no atomismo de Demócrito, para quem os sentidos não alcançam a estrutura atómica do universo, Bacon não se coibe de afirmar que os instrumentos destinados a ampliar a percepção sensorial são de pouca valia quando usados à revelia das instâncias e experimentos adequados à verdadeira interpretação da natureza (cf. Livro I, Aforismo L).

(18) Daí nas palavras de Francisco Bacon: «Pois sendo a forma de uma coisa a coisa em si mesma, e posto que a coisa difere da forma tanto quanto o aparente difere do real, ou o exterior do interior, ou o relativo ao homem do relativo ao universo, segue-se necessariamente que se não pode tomar uma natureza pela verdadeira forma, a não ser que sempre decresça quando decresce a referida natureza, e, do mesmo modo, sempre aumente quando aumenta a referida natureza» (Livro II, Aforismo XIII).

(19) Aliás, Galileu Galilei, em Il Saggiatore, visara sobretudo o ponto de vista astronómico de Orazio Grassi, um jesuíta italiano que, amparado no raciocínio matemático, concluíra que os cometas se confinam ao mundo sublunar. Galileu, porém, contra-argumentara que os cometas eram apenas uma ilusão de óptica.



Fresco de Giuseppe Bertini: Galileu mostrando ao Doge de Veneza como utilizar o telescópio.




(20) Enquanto embaixador de Portugal na Inglaterra, o futuro Marquês de Pombal chegara a familiarizar-se com a tradição antijesuítica inglesa. E uma vez em Viena fizera amizade com Gerhard van Swieten, um confidente de Maria Teresa de Áustria, além de um impetuoso adversário da ascendência dos jesuítas na Casa de Habsburgo.

(21) Note-se que Sebastião José se inspirara nos Monita secreta para, em termos conspirativos, imputar aos jesuítas a autoria de numerosos crimes, iniquidades e homicídios na conquista do poder. Ora, em termos historiográficos, consta que as Instruções secretas dos Jesuítas tenham sido forjadas por um polaco, de seu nome Jerome Zahorowski, depois de ter sido expulso, em 1611, dos Padres da Companhia de Jesus. Em todo o caso, fora precisamente em Cracóvia, em 1612, que, na forma de manuscrito, surgem, pela primeira vez, as Instruções secretas em língua castelhana, também impressas na mesma cidade em 1614. Neste comenos, entre os que consideraram os Monita secreta como uma mistificação, estão o Bispo Lipski de Cracóvia (1616), Fra Paolo Sarpi (o historiador do Concílio de Trento), o jansenista Henri de Saint-Ignace e Blaise Pascal.

(22) Étienne Pasquier, um advogado francês, fora, aliás, no âmbito desta mesma campanha, um dos primeiros a hostilizar os Padres da Companhia. Em 1565 tornara-se célebre por haver, em nome da Universidade de Paris, processado com êxito os jesuítas. Mais tarde, Pasquier publicaria ainda o Catecismo dos Jesuítas (1602), o qual seria traduzido em pelo menos sete línguas.

(23) Muitos destes trabalhos, traduzidos na sua maioria para francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, latim e até chinês, encontram-se depositados nas grandes bibliotecas europeias.

(24) No seguimento do atentado ao rei D. José I, ocorrido a 3 de Setembro de 1758, Sebastião José ordenara providências contra os jesuítas que, presumivelmente, teriam tido um prévio conhecimento do sucedido. Entre os que foram detidos encontrava-se o jesuíta Gabriel Malagrida, o malogrado confessor da marquesa de Távora, D. Leonor. Aliás, ela e o seu marido, o duque de Alvor, assim como o duque de Aveiro, o marquês de Alorna e o conde de Atouguia, foram injustamente supliciados por, directa ou indirectamente, se contarem entre os maiores inimigos de Sebastião José.

(25) Um dos principais inspiradores da reforma pombalina fora um representante do iluminismo: Luís António Verney (1713-1792). Ora, na sequência do seu perfil antijesuítico, viria para Portugal um número considerável de estrangeirados versados em álgebra, astronomia, cirurgia e filosofia natural. 

(26) A neo-escolástica coninbricense publicara, entre 1592 e 1601, oito Comentários relativos aos escritos de Aristóteles, geralmente conhecidos por Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu. Estes teriam sido, inicialmente, fruto do ditado dos mestres, pelo que não se destinariam ao prelo. Só depois, por iniciativa do escriturista e teólogo Jerónimo Nadal, é que os Commentarii passariam a constituir, na forma de um curso de filosofia, uma obra de cunho colegial.

Redigidos em latim, os Commentarii incluíam todos os escoliastas do Estagirita, nomeadamente Porfírio (232-304) e Ibn Rush (1126-1198), também conhecido por Averroes, ilustre médico e comentador árabe do filósofo grego, ulteriormente condenado pela Universidade de Paris e, depois, pela Santa Sé. De resto, os Commentarii igualmente expunham todos os comentadores greco-romanos e medievais do aristotelismo para, assim, mestres e discípulos se consagrarem à explanação, discussão e sistematização da filosofia lógica, física e teológica de Aristóteles. Daí a respectiva tradução em muitas nações europeias, como na Alemanha, França e Itália, além da respectiva impressão em colégios jesuítas fora da Europa, designadamente na Baía, Goa e China.




Continua


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