quarta-feira, 13 de março de 2013

O universo da alma

Escrito por Farid al-Din 'Attar 



Alexandre e Aristóteles


«(...) Aristóteles viajou para a Macedónia, para a corte de Filipe, que lhe entregou o preceptorado de seu filho Alexandre. Solicitou deste príncipe relevasse a sua pátria destruída por Filipe, e logrou a causa. Elaborou leis para os seus compatriotas. À imitação de Xenócrates, deu também um regulamento à sua escola, decidindo que um chefe escolar seria nomeado de dez em dez dias. Logo que achou já ter passado muito tempo junto de Alexandre, Aristóteles regressou a Atenas, depois de haver recomendado o seu familiar Calísteno de Olinto ao príncipe. Acerca deste personagem, diz-se que Aristóteles o censurou por usar perante o monarca de uma grande liberdade de linguagem, e que, em vista de Calísteno não aceitar o seu conselho, o repreendeu nos seguintes termos:


Depressa morrerás, meu filho, se falares como falas.


O que deveras aconteceu. Foi acusado de participação na conjura de Hermolau contra Alexandre, encerrado numa gaiola de ferro, abandonado aos bichos e, por fim, lançado aos leões, que limparam os restos».

Diógenes Laércio («Vida, Doutrina e Sentenças dos Filósofos Ilustres», V, 1).


«Um general competente mas impiedoso seria, em Atenas, considerado um soldado virtuoso. Na verdade, a palavra grega que se traduz por virtude, arete, derivava de Ares, o deus da guerra. O nosso termo virtude procede da tradução latina de arete - virtus, que significa a qualidade de varão. Uma pessoa virtuosa, na filosofia de Aristóteles, era uma pessoa que possuísse coragem física, competência técnica e virtuosidade mental. A essas três qualidades, acrescenta agora, Aristóteles, um quarto requisito para a felicidade - a nobreza moral. Essa excelência completa, portanto, era preciosa ao «guerreiro feliz» de Aristóteles no campo da batalha da vida.

(...) O homem ideal, o cavalheiro aristotélico, «não se expõe necessariamente ao perigo mas está preparado, por ocasião das grandes crises, para dar a própria vida, se preciso for. Sente prazer em fazer favores a outros homens, mas envergonha-se quando outros homens lhe fazem favores, pois, como é indício de superioridade prestar um obséquio, assim o é de inferioridade recebê-lo.


Estátua de Aristóteles



(...) O retrato do cavalheiro ateniense é, na realidade, o auto-retrato de Aristóteles. Delicado, imperturbável e sábio, continuou a apontar aos seus semelhantes o caminho médio da segurança, situado entre a temeridade da conquista, de um lado, e a covardia da submissão, do outro. Mas os tempos não se encontravam predispostos a prestar ouvidos à sabedoria. Acusaram Aristóteles de ser um espião a favor dos Macedónios. Não lhes esquecera o facto de ter sido o preceptor de Alexandre. Quanto ao próprio Alexandre, também se tornara hostil a Aristóteles. A sabedoria e a guerra eram dois inimigos irreconciliáveis. A moderação, a calma - uma doutrina perigosa de mais para ser ouvida entre os estrondos das armas conquistadoras. Alexandre já matara Calístenes, sobrinho de Aristóteles. Seria mais seguro para Alexandre, se Aristóteles também pudesse ser posto fora do caminho».

Henry Thomas e Dana Lee Thomas («Vidas de Grandes Filósofos»).







Alexandre, o Grande, atingira o auge da glória.

Rei da Macedónia, submetera os gregos e vencera os persas, dobrara o Egipto, transpusera o Eufrates, atravessara o Tigre e chegara ao Indo, tomara Persépolis e a Babilónia, sem nunca enfraquecer nem submeter-se.

A sua reputação estendia-se do Oriente ao Ocidente, mundos do seu duplo poder. As suas legiões haviam enfrentado e vencido muitos povos, e a sua ominipotência estava solidamente estabelecida na Terra. Ele conhecera tudo: das maiores vitórias às mais imensas riquezas.

E como fora aluno de Aristóteles, estava impregnado de educação e inteligência.

Um dia, numa das suas marchas, atingiu o pôr-do-sol, parou e montou acampamento. De seguida, pediu então que chamassem um sábio para o instruir ainda mais. Mandou procurar um mestre que pudesse transmitir-lhe o conhecimento que ele, embora imperador, ainda não possuía. Pois era só com saber que ele poderia continuar a ser Alexandre, o Grande.

Alguns dos seus homens, indicaram-lhe um mestre de sabedoria superior, um eremita que vivia nos confins das falésias. Outros afirmavam que ele era louco.

Alexandre, que só acreditava nas suas obras, quis tirar as suas próprias conclusões e mandou chamá-lo. Mas o eremita não pretendia sair da sua gruta.

O mensageiro insistiu, chegou mesmo a ameaçá-lo lembrando que o grande Alexandre tinha o poder supremo, pois era o rei dos dois mundos.




O sábio, porém, não se impressionou, e respondeu que não precisava de obedecer àquele imperador do qual não dependia, acrescentando ainda que ele era o senhor daquele de quem o rei Alexandre era servidor. E como ele era o senhor, não pretendia ser incomodado por um servidor

Quando o rei Alexandre ouviu tais palavras reproduzidas pelo mensageiro, ficou deveras enfurecido, e achou que o homem era no mínimo louco ou ignorante. Como ousava dizer que ele era servidor e recusar-se a falar com ele, que era amigo de Deus? Ninguém jamais tivera a insolência de chamá-lo servidor. Nenhum poderoso, rei ou sultão, nem mesmo um simples súbdito tivera a inconsciência de tratá-lo deste modo:

- Ilustre Majestade, Imperador supremo, correste os dois mundos em busca de imortalidade por causa de um desejo violento, do qual te tornaste escravo, servidor.

Com todas as tuas legiões e os teus exércitos valentes, venceste todos os continentes por desejo de poder e por cupidez. Agora queres também encontrar a fonte da vida. O teu coração só se satisfaz com a cupidez e o desejo: não passas de um servidor, pois temes perder a vida e os teus tesouros. Mas, para ganhar os mistérios da vida, os bens materiais não te servirão. É o universo que precisas ganhar, mas acima de tudo, o universo da alma.

Por fim, Alexandre, o Grande, entendeu então que o homem não era louco, que era sábio, entre os sábios e imperador entre eles. E que tê-lo encontrado era, para Alexandre, naquela nova viagem, uma das suas maiores vitórias (in Karl Schmit, «O Elogio da Sabedoria», Padrões Culturais Editora, 2010, pp. 44-46).







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