«O De Gaulle disse-me: "Não contem com uma mudança na atitude dos americanos. Procurem novos apoios. Resistam. La France vos aidera"».
«Só tínhamos a França do nosso lado. O De Gaulle».
Marcello Gonçalves Mathias
«Saímos ou não das Nações Unidas? Mor[eira] sim; No[gueira] não».
Diários Pessoais de Franco Nogueira (18 a 20 de Dez. de 1961).
«Hoje, mais do que nunca [...], me parece necessário ter presente que a unidade portuguesa vive mais do sentimento e da razão do que de qualquer das forças materiais que fizeram a grandeza dos impérios desaparecidos do nosso tempo... só o intransigente portuguesismo e fidelidade das populações da mais variada origem, metropolitana ou outra, esteve na base da unidade que se tem mantido».
Adriano Moreira
«Adriano Moreira, uma alta inteligência, era extremamente ambicioso. Em Nova Iorque costumava brincar aos governos, distribuindo as pastas, mas deixando sempre vago o lugar de chefe, para si próprio. Só que o velho Salazar sabia mais daquilo tudo a dormir do que nós acordados».
Franco Nogueira
«Visto como inteligente, enérgico e por vezes brusco, Nogueira é naturalmente uma pessoa afável; contudo, pode indignar-se e ser mordaz quando sente que o seu país está a ser ludibriado».
(Central Intelligence Agency, December 1964. Subject: "Alberto Franco Nogueira").
«Estamos a agredir de ânimo leve os nossos amigos».
«Alienaremos os portugueses. Isto não é forma de se orientar uma aliança. É precisamente a forma errada de o fazer».
Dean Acheson
«Eu era bastante favorável a uma clara e forte posição sobre a questão de Angola nas Nações Unidas. Mas não estava tão ansioso como Adlai Stevenson em cuspir no olho de Salazar».
Averell Harriman
«Não gosto que me tomem por tolo. Os Estados Unidos querem levar-nos docemente, suavemente, a seguir pelo caminho que lhes convém, como se fosse sem dor e não dêssemos por isso! E prometem-nos o seu apoio e o seu auxílio para fazermos a política deles, e não a nossa. Embirro que me tomem por tolo!».
Oliveira Salazar
Continuidade: texto baseado na Conferência proferida no Palácio do Comércio, em Luanda, a 28 de Setembro de 1964, por ocasião do 1.º Centenário da Associação Comercial daquela cidade
Cem anos na vida de qualquer instituição constituem um período muito extenso que só por si afirma uma vitória. Mas quando esse século foi vivido no continente africano, no coração da África ao sul do Sahará, o significado desse centenário é mais rico e mais profundo. Não se trata apenas, com efeito, do triunfo de uma instituição através da sua sobrevivência: estamos perante a documentação de todo um quadro político e sociológico que tornou viável aquele sucesso contra o tempo e ao longo do tempo. Mas é ainda mais complexo o fenómeno, e não podemos delimitá-lo no simplismo daquela fórmula. É que, na verdade, este século de vida profícua de uma instituição só foi possível porque, antes daquele, outros séculos haviam sido vividos no mesmo contexto político-sociológico. Dir-se-á mais: a celebração de um século de vida de um organismo ou instituição, que para mais se encontra em pleno vigor, só é possível porque se acredita que, além daquele, outros séculos virão, e sempre dentro das mesmas coordenadas políticas e humanas. Quer isto dizer que se está em face de um fenómeno muito denso de sentido e tocando muitos aspectos. Teremos, em primeiro lugar, um fenómeno histórico: o presente assenta em raízes que o informam, o sustentam, e o condicionam. Teremos depois um fenómeno de aculturação: estamos transpondo e implantando os dados de uma cultura e de uma civilização que, por outro lado, se expandem ao absorver os elementos novos. Teremos, por último, um fenómeno de fé: no passado e nas nossas virtudes; no presente e nos nossos meios; e no futuro e nos nossos objectivos. Resumir-se-á tudo se se disser que estamos perante um caso que exemplifica e sintetiza a continuidade da Nação Portuguesa, no Ultramar e na Metrópole. E acrescentar-se-á que um centenário, comemorado na terra de Angola, não seria viável nem concebível sem aquela continuidade nacional. Porque não parece que sejam muitas as instituições centenárias em África ao Sul do Sahará, nem se sabe mesmo se haverá alguma outra: mas existem nas províncias portuguesas: e esse fenómeno a um tempo simples e complexo não é, no seu simbolismo, o produto de um acaso; e por outro lado explica também muitos dos problemas que se enfrentam no momento que vivemos. Mas se se fala em continuidade da Nação portuguesa, em Angola ou em Moçambique ou na Metrópole, é para destacar este aspecto: é que é essa continuidade que justamente tem sido atacada e posta em causa. Temos de ver, por isso, como é atacada; e temos de ver quem a ataca, e sob que pretexto o faz.
Desde logo, ao mais sóbrio exame, temos de assentar nesta conclusão: a primeira arma utilizada pelo inimigo, seja este qual for, consiste em tentar disseminar a dúvida no âmago da Nação, e em suscitar hesitações quanto a nós próprios e aos outros. Multiplicam-se as interrogações, e pelas formas mais aliciantes são apresentadas à opinião pública questões e problemas que têm apenas por objectivo criar perplexidade, destruir o ânimo dos mais fracos e pelo menos impressionar os mais fortes. E surgem as perguntas: seremos capazes de enfrentar o ataque? Teremos os recursos para garantir a vitória? Mas não comportará riscos esta política? Que dizem os estrangeiros de nós? Com que aliados ou amigos poderemos contar? Não seria preferível não ter problemas? Não seria viável comprar com transigência no acessório a tranquilidade no essencial? Todas estas interrogações e outras análogas apresentam os adversários de Portugal quase quotidianamente, insinuando-as na nossa vida colectiva, e introduzindo-as subtilmente na nossa vida de relação social. E a sua primeira grande vitória surgiria no dia em que se suspendesse o esforço comum e se afrouxasse a solidariedade nacional para nos concentrarmos somente naquelas perguntas; para equacionarmos as dúvidas com as múltiplas respostas possíveis; e para confrontarmos uma política, cuja realidade momentânea por vezes dura nos faz subestimar a sua própria validade e o seu longo alcance, com outras políticas que nos são apontadas num invólucro de ilusões e de promessas tão tentadoras no presente quanto vãs no futuro. E quando tudo isto acontecesse ter-se-ia instalado a dúvida entre nós; desta passaríamos à hesitação; daqui à paralisia e à transigência iria um passo curto; e estaríamos no campo do adversário, à sua mercê, já dentro dos seus princípios e fora dos nossos, e agindo em função dos seus objectivos e contra os nossos. Porque a experiência diz-nos que não podemos ser ingénuos, nem pautar o nosso procedimento pelos mitos a que procuram atrair-nos. Temos de atentar em que todos os compromissos, todas as transigências, todos os apaziguamentos jogam contra nós: nunca seriam satisfatórios nem finais, e a cada reabertura do problema ceder-se-ia mais e mais. Devemos ter sempre presente que não há meias soluções; e que quando alguns nos dizem que, para salvarmos os interesses ou alguns valores de espírito e de cultura, deveríamos adoptar uma política sem os riscos da actual, esses sabem e estão seguros de que adulteram e mascaram a realidade e de que nos aconselham o impossível: pretendem apenas anestesiar-nos para que demos um primeiro arranque num caminho que conduz aonde os outros querem e não onde nós queremos. É evidente que a política da Nação comporta riscos, mas não se sabe de política que os não tenha. É evidente que devemos pôr os problemas que enfrentamos e examiná-los e discuti-los, mas em função do nosso objectivo. Se apenas agirmos depois de escutar todas as vozes alheias, e em conformidade com os seus ditames; se aguardarmos continuamente o momento ideal em que se possa actuar sem perigos ou inconvenientes; se resolvermos esperar o acordo dos outros ou da maioria para o que queremos fazer – então ficaremos imóveis e inertes: e isto porque as vozes exteriores precisamente não querem ou algumas não têm até agora querido o que nós desejamos; e a preocupação excessiva com as possíveis reacções e dificuldades retarda e entrava a decisão, e entrega-nos tolhidos ao adversário.
Desfile de tropas portuguesas em Luanda (1961). |
E agora atentemos nisto: se acolhemos a dúvida e lhe damos livre curso, então seremos inevitavelmente levados a encarar, para a política actual, uma política alternativa. E assim temos de pôr, corajosamente, o problema: qual ou quais são as políticas alternativas possíveis? Desde logo havemos de fazer uma restrição importante: uma política alternativa, para que houvesse lógica na sua adopção pelos insatisfeitos da actual, teria de eliminar todas as críticas que se dirigem à que se tem praticado. De contrário, os que condenam ou duvidam desta não teriam justificação em preconizar e adoptar uma outra. Assim, qualquer política alternativa, para evitar o que se alega serem os defeitos da actual, não deverá comportar riscos, nem suscitar agitação política no plano externo, nem implicar a mobilização do nosso potencial humano, nem onerar os recursos da nação, nem exigir sacrifício de vidas, nem malquistar-nos com amigos ou aliados, nem afrontar as Nações Unidas ou suscitar ataques noutras organizações internacionais; e além do mais deve ser fácil, cómoda, sem atritos nem problemas. Esta política ideal deverá ainda, como é óbvio, manter a continuidade e a unidade de toda a Nação. Se isto for possível, então decerto nenhumas objecções se suscitariam; mas até hoje ninguém, dentro ou fora das nossas fronteiras, conseguiu definir as linhas mestras dessa política ideal. E nem alguém será capaz de o fazer. Porque nós temos de assentar em que não podemos abarcar todas as realidades a um só tempo, nem podemos do mesmo passo seguir caminhos que se contradizem ou divergem. Quer isto dizer que havemos de fazer opções: não se podem fruir simultaneamente os benefícios da política seguida e de uma política que lhe for contrária. Constitui objectivo da política seguida manter a continuidade e a integridade da Nação: não constitui objectivo da política que atravessemos incólumes as sessões da ONU, sem debates que podem ser incómodos mas são inofensivos e sem a votação de resoluções que podem ser desagradáveis mas são ineficazes. Alguns pensam que são conciliáveis os dois objectivos, sem transigências de fundo ou mesmo de forma: e julgam ou fingem julgar que se explicássemos melhor as nossas razões, e se fizéssemos umas singelas declarações de princípios, e se aceitássemos uma colaboração disfarçada que nos é por vezes oferecida no plano económico em troca da quebra ou afrouxamento dos vínculos políticos, então encontraríamos aí a política ideal que tudo salva e nada sacrifica. São ingénuos esses que assim pensam; mas podem crer que o adversário não o é; e uma política alternativa que queira conciliar o oposto conduz directamente a uma só política: à dos adversários. Porque a declaração de princípios que se nos tem sugerido é uma declaração dos princípios alheios, não dos nossos; e afrouxados ou desfeitos os vínculos políticos, outros se substituíram nesses e em todos os demais vínculos, fossem políticos ou económicos. E não se pense que se pode tentar a experiência e depois, consoante os resultados, suspendê-la ou anulá-la: porque essa experiência é verdadeiramente irreversível: e não admite paragem, regresso ou reconversão. E daqui temos de concluir que não há, para a política actual, uma política alternativa válida e ideal, que não seja a de outros e que tudo concilie e mantenha, e nada perca. Caímos, por consequência, nas alternativas que são oferecidas correntemente no plano internacional: a linha preconizada pelas Nações Unidas, as sugestões particulares ou públicas de alguns países que por um motivo ou outro têm interesse ou querem intervir no assunto.
É por demais conhecida a orientação que as Nações Unidas procuram imprimir e em muitos casos têm imposto no que toca à evolução política e sociológica do continente africano. Caracteriza-se, antes de mais, pela sua tendência para a uniformidade. Acontece que além das três grandes zonas ou áreas político-económicas de África, a que já se chamou as três Áfricas, encontravam-se ainda no continente, dentro de cada área, territórios com estatutos extremamente diversos: países independentes como a Etiópia ou a República da África do Sul ou a Libéria; protectorados como a Tunísia ou Marrocos; colónias individualizadas ou federadas; territórios em regime de tutela ou fideicomisso como Tanganica, ou Togo, ou os Camarões; departamentos como a Argélia; praças de soberania como Ceuta; e províncias integradas em pé de igualdade numa Nação unitária. Não terá sido por acaso que surgiram tantos e tão diversos estatutos: estes correspondiam a acidentes da história, a condições específicas e próprias de cada território, tendo em atenção o estádio político-sociológico respectivo. Quer isto dizer que os problemas de cada território não deviam nem podiam ser medidos ou solucionados por uma única bitola, nem pela aplicação cega dos mesmos preceitos. Mas de tudo as Nações Unidas fizeram tábua rasa: e entenderam que, sob o mito do anticolonialismo indiscriminado, todos os territórios se haveriam de subordinar aos mesmos princípios. E aqui mergulhamos no simplismo doutrinal da ONU: para esta, são «colónias» todos os territórios geograficamente separados do território onde está a sede do Governo, habitados por grupos étnicos ou culturais diferentes, e em estádios diversos de evolução económica e política. Choca-se esta definição, pelo seu primarismo, com as realidades mais gritantes, mas nem por isso a têm abandonado as Nações Unidas. E do absurdo da definição têm saltado para a irresponsabilidade da sua aplicação. Proclama-se que a independência é o objectivo a atingir, a que tudo o mais se deve subordinar, por que se entende que sem aquela não evoluem as comunidades. Quer isto dizer que a independência, baseada em motivos de ordem ocasional exclusivamente política, nos é apresentada como método de desenvolvimento sociológico, suficiente em si mesmo para sustentar e fazer viver uma sociedade desprovida de outros meios ou sustentáculos. Na filosofia da ONU, ou pelo menos na sua prática, a independência é a caução dos direitos humanos, constitui defesa das liberdades individuais, garante o rápido progresso económico, assegura a formação acelerada dos quadros humanos, consubstancia em suma a estrutura do Estado, do Governo e da administração, e consegue implantar uma nação mesmo onde não exista. Na vida das colectividades humanas não se processam assim as coisas, e por isso apenas tem conduzido ao desastre e à tragédia a actuação da ONU no continente africano. Falam bem alto, com efeito, os resultados obtidos. E bastaria um pouco de honestidade mental e alguma integridade moral para que, com base além do mais numa ou noutra experiência, se ter há muito concluído pelo erro do caminho apontado. Na verdade, a política da ONU não tem garantido os direitos humanos nem defendido em África as liberdades individuais de qualquer grupo étnico. Não tem assegurado a democracia das instituições. Não tem constituído os quadros humanos indispensáveis: e isto porque poderemos talvez formar aceleradamente um operário não-especializado: mas já será mais difícil fazê-lo quanto a um médico ou a um engenheiro; e será de todo impossível aplicar o método à formação de um administrador, de um político, de um homem de Estado. E não têm as Nações Unidas tão pouco estimulado ou fomentado o desenvolvimento industrial e económico: por toda a parte assistimos a um retrocesso, a uma estagnação, a uma caminhada para trás. E não têm estruturado Estados ou Nações: o poder político tem sido entregue e está nas mãos de uma minoria que ao mesmo tempo se apoia em interesses estrangeiros e os serve, mas que de nenhum modo se identifica com a colectividade nem a representa. Daqui o carácter precário, e quase mítico, das estruturas estaduais africanas: dois batalhões decididos podem tomar conta de um país, derrubar um Governo ou fazer mesmo desaparecer toda uma nação para a anexar a outra. Tomam-se por independência os simples sinais exteriores e simbólicos do fenómeno da independência: uma bandeira, um hino, e a admissão nas Nações Unidas. Mas se esses sinais não corresponderem a uma realidade sociológica, e não forem apoiados por uma sólida estrutura humana e política, coesa e solidária, aquela independência será fictícia, e fica enfeudada às Nações Unidas. E como estas, por si, são incapazes de defender o novo Estado, este a breve trecho se tornará presa de interesses e de blocos políticos e ideológicos. Pois bem: tudo isto está sucedendo em África, e os resultados são patentes. Instalou-se o caos no continente, e deste partiu-se para um novo colonialismo, de base económica ou ideológica, que já vai dominando áreas sucessivamente mais amplas. E temos assim uma das alternativas que o actual contexto internacional nos oferece: a sua rejeição pura e simples constitui um imperativo histórico, político e sobretudo humano.
Mas além da política demarcada pela ONU nós encontramos ainda, no plano internacional, outras políticas alternativas que são aliás simples reflexos ou desenvolvimentos daquela. Nuns casos, temos a política da ONU, em forma mais violenta; noutros casos, têmo-la em forma aparentemente mais mitigada. Não mencionarei, entre os primeiros, o anticolonialismo do bloco socialista, porque já ninguém tem dúvidas sobre o seu verdadeiro carácter. As liberdades e os nacionalismos apoiados e subsidiados ou mesmo pagos pelo bloco comunista são aqueles que possam prejudicar o Ocidente e hostilizá-lo. Não será admitido o nacionalismo da Lituânia, ou da Ucrânia; mas proferir-se-ão ameaças de guerra, se necessário, para defender o nacionalismo do Zanzibar. Na luta pelo fortalecimento do poder nacional, no desejo do contínuo alargamento das esferas de influência, na procura de posições estratégicas, na ânsia de matérias-primas e mercados, na vontade de dilatar o âmbito da revolução mundial, encontraremos a justificação para o vigoroso anticolonialismo dos soviéticos. Seria erro ver nas acções e na política do bloco comunista exemplos de simples demagogia e irresponsabilidade: por detrás de eloquentes declarações, sempre carregadas de princípios generosos e de emoção, esconde-se a mais calculada, a mais fria das decisões. E seria irrisório pensar que têm em qualquer conta os interesses, os direitos, a felicidade, o bem comum dos povos que pertencem ao terceiro mundo. Mas o terceiro mundo não parece ter a noção exacta daquele facto, e por isso se deixa manipular de forma crescente pelo bloco socialista. Mas nesta política do bloco socialista há clareza e nitidez, e há uma lógica implacável que lhe tem conquistado sucessivos êxitos. Por isso, quando os comunistas nos escolhem por alvo, e se ocupam de nós com uma atenção pertinaz, estão na linha da sua coerência: atingindo-nos, atingiriam a Europa, e o Ocidente, e a África na sua área mais sólida, desmoronando de um só golpe várias posições. E por isso temos de ficar perplexos quando vemos alguns no Ocidente, e até entre os nossos aliados e amigos, seguirem ou recomendarem uma política que é paralela da do bloco socialista. Para tanto têm-nos sido apresentadas razões que há anos se ponderam sem se entender. Alegam em primeiro lugar a sua adesão a princípios ideológicos, a defesa dos direitos humanos e da liberdade individual, e a propagação das instituições democráticas. Mas nós assistimos todos os dias, como resultado da política que recomendam, à derrota desses princípios. Progride na África o trabalho forçado e a escravatura; os Governos fecham os parlamentos, suprimem os tribunais, destroem pelo terror qualquer discordância; e a noção dos direitos individuais é substituída pela da segurança do Estado, entendendo-se por esta, como se anotou, a segurança de uma só tribo e a do seu chefe. Alegam-se depois, em favor do anticolonialismo, razões de conveniência ou expediente político: e isso consistiria em procurar não deixar o bloco comunista aparecer como o único campeão do nacionalismo e da liberdade do terceiro mundo, e assim obter o apoio deste; e para isso seria necessário defender também o que o bloco comunista defende, e até com mais ardor e extremismo. Não se vê claramente a lógica desta atitude, a não ser que fosse levada às últimas consequências e se condenasse também o colonialismo comunista: mas para isso não se afigura haver no Ocidente a precisa coragem. Por outro lado, ao admitir-se uma tal posição, temos de confessar que se cai numa atitude pragmática: já não seremos guiados por ideais mas por interesses. Quer isto dizer que o Ocidente, bem vistas as coisas, não apoia o nacionalismo do terceiro mundo para defender a liberdade individual e os direitos humanos mas simplesmente para conquistar a simpatia daquele, entendendo-se por simpatia, neste caso, a cedência de posições do terceiro mundo, as suas matérias-primas, os seus mercados, e o seu apoio político no plano do parlamento da ONU. Friamente, poderia conceber-se uma política firmada em puros valores e interesses materiais: mas então, despidos de toda a roupagem ideológica, teremos de medir essa política pelos seus resultados: e estes são bem limitados, e apontar a sua falência total é o mínimo que se pode fazer. Não se vê, na verdade, que o Ocidente haja obtido apoio político do terceiro mundo em qualquer dos grandes problemas que interessam ao mundo livre: nem a propósito de Berlim, ou do Vietname, ou de Cuba, ou de Chipre. E isto explica que nunca estes e outros problemas hajam sido debatidos no vasto pretório político das Nações Unidas: porque o Ocidente não está seguro dos votos daqueles que precisamente tanto corteja e procura disputar ao bloco comunista. E não se vê que no plano económico, dos mercados e das matérias-primas, sejam maiores os benefícios: em Genebra e depois em Nova Deli, na Conferência Mundial do Comércio, tudo foi exigido do mundo livre, sem compensação nem pagamento. Mas constituindo esta política uma falência no plano dos princípios e dos interesses, caberá perguntar se há eventuais beneficiários, e se ao fim e ao cabo os novos países do terceiro mundo não estarão lucrando com o regime de licitação política conduzida ou praticada pelas grandes forças mundiais. Ainda aqui teremos de responder pela negativa. Como em relação à política preconizada ou imposta pela ONU, já vimos que também aquela recomendada ou executada pelo Ocidente tem conduzido os territórios e as populações ao caos e ao retrocesso. Nenhum grupo étnico tem beneficiado: e o prosseguimento da actual política, se não conduzir à destruição de algumas etnias, conduzirá pelo menos à sua dominação por povos e interesses totalmente estranhos à África. Mas não antecipemos. De tudo isto, contudo, haveremos de extrair para Portugal uma conclusão importante, e que será esta: não são válidas, no que respeita à Nação portuguesa, as políticas alternativas no plano dos princípios, nem dos interesses legítimos de todos quantos são portugueses, nem do ponto de vista dos objectivos gerais do Ocidente. Essas políticas são opostas à continuidade dos interesses da Nação portuguesa. Mas começa a verificar-se que são também contrárias aos interesses reais dos próprios que as têm advogado: parece que daqui devemos concluir pela inevitabilidade de uma mudança radical, se se quiser evitar um desastre de proporções mundiais.
Muitos dos factos apontados pretendem esconder-se por detrás daquilo que há anos se convencionou chamar os ventos da mudança ou os ventos da história. São estas umas expressões literárias sem conteúdo ideológico substancial: apenas traduziram, quando foram utilizadas, o oportunismo de um momento político. Mas ao longo do tempo tem-se procurado erigir sobre aquelas frases uma construção doutrinal para justificar a insistência com que se fala nos ventos da história e no respeito que os mesmos deveriam merecer. Para tanto idearam-se alguns dos mais clamorosos e irresponsáveis mitos políticos do nosso tempo. Sobre eles repousam muitas das críticas que nos são dirigidas; procura-se envolver toda a Nação Portuguesa nesses mitos; e por isso haverá alguma vantagem em referir e analisar os principais. E o primeiro que convém sublinhar, por estar na origem dos demais, será este: alega-se que não há administração ou Governo legítimo se não se fundar no princípio de que a cada homem tem de corresponder um voto. No plano abstracto não poderá o princípio suscitar objecção, mas deverá desde logo acrescentar-se que na vida real não se sabe de circunstância ou sociedade em que o mesmo haja sido integralmente executado. Quando se estabelece o princípio de «um homem-um voto» está-se a pressupor uma colectividade humana perfeita, como se se produzisse e funcionasse num laboratório, e onde houvessem sido resolvidos todos os problemas que normalmente se põem a uma comunidade humana. A afirmação de que a cada homem corresponde prática e efectivamente um voto supõe que se consideram solucionados os problemas de educação, de transportes, de administração, de desenvolvimento económico, industrial ou agrícola; que estão montados e em funcionamento todos os serviços públicos; e que, finalmente, todos os homens têm na vida da comunidade igual interesse, possuem igual capacidade, apresentam igual título de intervenção, e estão igualmente habilitados e desejosos de participar nos vários níveis de administração, desde o Governo local ao Governo nacional. Mais grave e importante: o princípio de um homem–um voto não implica apenas a concessão de voto a todos os homens: supõe sobretudo que cada homem está educado de modo a reconhecer, respeitar, e a aceitar que o voto de outro homem é igual e tem o mesmo valor do que o seu, pelo que o deve acatar tão cegamente como deseja que o seu o seja. Só assim nos inclinamos e se admite a legitimidade de uma maioria […] sem que se desça ao plano revolucionário. Ora todos sabem, mesmo os autores e defensores do princípio, que na realidade da vida social o fenómeno político é inteiramente outro, quer se trate de país altamente evoluído ou de presente formação. Há cerca de duzentos milhões de norte-americanos; mas apenas 60 a 80 milhões participam normalmente nas eleições presidenciais. E há pouco, num país de África, uma nova constituição foi aprovada por cento e quarenta mil votantes, não obstante a respectiva população ser superior a uma dezena de milhões. E em todo o mundo, com percentagens variáveis, as coisas se processam de forma idêntica. Mal se compreendem, ou compreendem-se demasiado bem, as exigências que na ONU e noutros meios se fazem quanto ao nosso sistema orgânico de eleições e à forma de assegurar efectivamente a participação de todos na vida administrativa e política da Nação. Mas não se limita a esses aspectos a ficção do princípio de «um homem–um voto». Porque se formos levar o sistema ao seu extremo, e tirar mesmo todas as consequências lógicas, teríamos de alterar a representação internacional dos países e modificar por completo a estrutura das próprias Nações Unidas. Se com efeito partirmos daquele princípio não se explica que o continente asiático, com mais de um bilião de habitantes, esteja representado por 14 ou 15 votos na ONU; que trezentos e cinquenta milhões de americanos do norte e do sul disponham de 22 votos; que a trezentos e cinquenta milhões de europeus correspondam 18 votos; e que o continente africano, com duzentos e cinquenta milhões de habitantes, esteja representado por cerca de 40 votos. Será caso para perguntar se a doutrina de «um homem–um voto» é a mais vantajosa para a representação dos países africanos na ONU.
Mas a verificação destes factos conduz-nos a um outro dos mitos políticos actuais: o de que são sempre válidas as decisões tomadas pela maioria. É este o critério das Nações Unidas, mesmo quando a maioria se pronuncia para além da Carta ou contra a Carta; e depois, em nome dessa maioria, são os países solicitados, e Portugal tem-no sido desde há anos, a cumprir as decisões que a maioria votou. Mas nós já vimos que essa maioria é fictícia e sofre de um vício irremediável de origem: é que as maiorias que se pronunciam no plano parlamentar da ONU não são proporcionais às populações nos territórios, e sobretudo não traduzem nem representam as forças reais no mundo nem os interesses bilaterais verdadeiros no plano dos Governos. Os Estados Unidos, com todo o seu poderio e os seus recursos podem ser batidos em votos no plano da ONU, e já o têm sido muitas vezes, mesmo em assuntos de interesse vital e directo para a América; mas o que a ONU não pode é impor e fazer executar a sua decisão contra a vontade dos Estados Unidos. E no que nos toca já temos experimentado situação análoga numerosas vezes: desde há anos que por "larga maioria" são aprovadas resoluções contra nós. Pois bem: nenhuma foi jamais aplicada e executada; e isso porque as forças reais do mundo, muito embora possam ter votado em favor dessas resoluções, não desejam no fundo das coisas que as mesmas sejam cumpridas, ou não estão dispostas a pôr os seus recursos e os seus meios à disposição daqueles outros que, efectivamente, desejariam executar as deliberações da Assembleia, mas que, por si mesmos, não têm meios de o conseguir. Por isso já tem sido dito e repetido que não se deve Portugal impressionar excessivamente com as votações da Assembleia da ONU ou do Conselho de Segurança, nem atribuir-lhes uma importância ou significado para além da que tenham.
Mas este problema das maiorias no plano das Nações Unidas relaciona-se directamente com o problema da legitimidade da ordem jurídica nacional e internacional. As maiorias, com efeito, arrogam-se o poder de ditar a lei à comunidade das nações; e arrogam-se a faculdade de sobrepor essa lei à lei interna dos Estados. Daqui emanam as mais graves consequências. Em primeiro lugar, como as maiorias podem votar sucessivamente medidas contraditórias, nunca se sabe onde está a legalidade, e isso tem emprestado à vida internacional um sentimento de insegurança que muito tem agravado a convulsão geral do mundo. Depois, o desrespeito pelas ordens jurídicas internas dos países, procurando que se subordinem à legalidade ditada pelas votações maioritárias, leva por um lado à internacionalização de todos os problemas e, por outro, a conflitos entre as duas espécies de ordens jurídicas; e como esses conflitos só são resolúveis por acto de força, teremos de concluir que, não obstante toda a aparência em contrário e todos os mitos legalistas, se vive hoje num estado de facto, sendo o recurso à violência afinal legitimado por aqueles mesmos que pretendem criar um estado mundial de direito. A União Indiana usou a força contra Goa, e colocou-se portanto contra a lei do momento; mas logo a ONU votou contra a lei para legitimar aquele acto de força. Finalmente, o desrespeito pela ordem jurídica nacional e a faculdade que as maiorias se arrogam de criar e ditar lei nova põem em causa a legitimidade das estruturas dos estados e das próprias fronteiras. No fundo, o que se procura será um novo revisionismo mundial, e sob a capa das autodeterminações procede-se a uma redistribuição de esferas de influência nos vários continentes. Mas aqui abre-se um problema fundamental: se as Nações Unidas consideram ilegítimo o que está e o que existe há muito, e pretendem refazer o mundo dentro de um critério de perfeita legitimidade, então temos de definir um padrão para aferir a legitimidade das novas ordens jurídicas internas e externas, que se devem conformar portanto com tal padrão. E então põe-se a questão de saber como e em que época estava o mundo validamente organizado, a fim de tudo se reconduzir a essa época. Teria sido no século XIX? Parece que não: porque é contra esse período que se levantam os maiores clamores. Seria então nos séculos XVI ou XVII? Dificilmente seria aceitável a ideia pelos países latino-americanos, por exemplo, e por muitos outros. E estas interrogações já por si mostram o absurdo da orientação que se procura seguir na ONU, e a impossibilidade prática de a executar dentro da legalidade.
Mas todas estas construções políticas constituem apenas a aparência das coisas. São inteiramente outras as realidades que se abrigam por detrás daquelas construções. Produto de um clima de guerra fria, de uma atmosfera de conflito ideológico em escala mundial, de choque de interesses das grandes forças internacionais, aqueles mitos políticos são próprios de um período revolucionário. Está-se processando, com efeito, uma revolução mundial: daí a crise de legalidade, a crise de instituições, a crise de ordem pública internacional, a crise de valores morais como sucede em todos os períodos revolucionários. Até que as forças que impulsionam a revolução se considerem pletóricas e satisfeitas, ou vejam que não podem ir mais além, continuará a crise. Essas forças, no fundo, são os novos imperialismos que se procuram erguer das ruínas de outros. Quando essas forças atingirem os seus objectivos, e os novos impérios estiverem firmados, poderemos ter a certeza de que se transformarão em forças tenazmente conservadoras: e a vida da comunidade das nações processar-se-á de harmonia com a nova ordem, e será restabelecida a ordem pública internacional, sustentada e policiada pelos novos impérios. Esta é a realidade das coisas, e os direitos humanos, a liberdade individual, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção nos negócios internos, são apenas acidentes verbais nos caminhos e no jogo dos grandes interesses mundiais. Se tivermos este condicionalismo bem presente no nosso espírito, será desde logo diferente a nossa visão do contexto internacional. Deveremos ter a certeza, em primeiro lugar, de que o bem-estar das populações, o seu progresso real, a sua efectiva participação na vida do Estado em que se integrem, são problemas perfeitamente secundários que não preocupam as Nações Unidas nem os que as manipulam. E deveremos tomar consciência, em segundo lugar, de que o único processo de atravessar uma revolução e de lhe sobreviver consiste em resistir, oferecendo-lhe uma vontade firme e uma frente solidária. É isto que a Nação portuguesa tem feito, e parece que este comportamento tem contribuído para desmascarar muitos mitos e convencer alguns de que não é fácil destruir a realidade portuguesa, e de que nem será talvez conveniente prosseguir na tentativa porque, no fim de tudo, será preferível obter a sua colaboração e não uma hostilidade que se tornaria inevitável.
A estrutura da Nação portuguesa, a sua continuidade, os seus valores têm sido atacados. Atacados pela dúvida capciosa, pela propaganda tendenciosa, pela agitação internacional, pela ameaça, pelos massacres indiscriminados, pelo terrorismo, pelas pressões políticas. São estes os métodos empregados. E temos sido atacados pelas Nações Unidas, pelo bloco afro-asiático, e por muitos do bloco ocidental. Lembraremos que de início os ataques se fundamentavam em razões legalistas – o pretenso não-cumprimento por parte de Portugal de algumas disposições da Carta da ONU – e em críticas quanto ao que se alegava ser a situação interna nas províncias ultramarinas. Mas a Carta da ONU foi postergada, e depois já nem mesmo um simulacro de legalidade se procurou respeitar na forma de ataque. Pelo que respeita à situação e às condições internas das províncias, conseguiu Portugal trazer o assunto à luz do dia, e hoje admite-se, embora com relutância, que Angola e Moçambique, tudo ponderado, estão mais avançados em todos os campos do que a maioria, se não a totalidade dos países da África ao Sul do Sahará. Podemos afirmar que os adversários, nos seus ataques verbais contra nós, não dispõem de argumentos nem invocam razões. Quando defendemos a igualdade das raças e a sua integração não podem levantar objecções. Quando defendemos a construção e o progresso de sociedades multirraciais, não sentem que lhes seja lícito fazer algum reparo. Quando defendemos o desenvolvimento económico, social e educativo de todas as etnias, não encontram motivo para crítica. Quando demonstramos a crescente participação paritária de todos na administração e na nossa vida colectiva, não estamos ofendendo nenhum princípio mas apenas executando os princípios que os próprios adversários dizem considerar sagrados. Porque somos então atacados? Precisamente pelas virtudes da nossa estrutura, pelo êxito da nossa grande experiência humana e sociológica, e sobretudo porque embaraçamos o caminho de muitos interesses e constituímos obstáculo à expansão de muitos desígnios, alguns aliás já tradicionais e bem anteriores aos ventos da mudança ou da história. E do que precede haveremos de concluir que não há uma política alternativa, a não ser que se aceite uma alternativa para a existência da Nação. E daqui parto para a consideração de um ponto da mais alta importância. Quando a Argélia, pela voz de Ben Bella, declarou que constituía seu indeclinável dever «libertar» Angola, não se podia compreender a afirmação porque não se sabia que entidade humana ou divina havia conferido esse mandato àquele país. Quando o Presidente Sekou Touré diz que é sua responsabilidade «libertar» toda a África portuguesa, não se entende a declaração porque se ignora quem lhe atribuiu tão grave responsabilidade. Quando de modo genérico se ataca Portugal em África apenas com o objectivo de atacar, mas sem apresentar razões, nem invocar argumentos, nem indicar factos, temos de nos perguntar o que estará por detrás e para além dos ataques. Se não se refuta a essência dos nossos princípios; se não se nega a validade dos nossos objectivos; se não ameaçamos nem afrontamos ninguém; se trabalhamos na paz e pelo progresso; se estamos prontos a colaborar com todos os de boa-fé – porquê, então os ataques, a agitação, as campanhas internacionais? Por uma razão que os adversários não se atrevem a admitir nem confessam: é que não querem que exista qualquer vínculo entre uma parcela de território africano e um território não-africano. Veladamente, já o proclamaram ao dizer que a África inteira não era livre nem se sentia em segurança enquanto alguma área estivesse ligada às áreas não-africanas. Mas nós temos o direito de perguntar por que é isto assim. Não se compreende nem se pode admitir que a liberdade de um país ou de um povo seja afectada ou dependa da estrutura interna de outras áreas ou povos que são pacíficos e não perturbam ninguém. Não se vê com clareza que Angola, província de uma Nação e nesta integrada em pé de igualdade, esteja por esse facto a ameaçar ou a comprometer a segurança e a liberdade do Tanganica ou do Tchad ou do Ghana. Não se vê também que ameaças à segurança ou peias à liberdade de outros possam advir do facto das estruturas internas de um território e da sua organização política e social serem diversas das de outros territórios. Numa época em que tanto se proclama a co-existência seria lícito esperar que nesse desejo de co-existência se encontrassem as possibilidades de respeito para com os sistemas de outros. Se apenas se admite a co-existência de estruturas idênticas ou paralelas, destrói-se a própria ética da ONU, que assenta na pluralidade das ordens jurídicas e económicas e se destina a proporcionar-lhes um ponto de encontro, e anula-se a própria comunidade internacional, que se funda na diversidade. E não se sabe até que extremos poderemos chegar: porque as monarquias não se sentirão seguras enquanto existirem repúblicas; e os Estados capitalistas não estarão tranquilos enquanto existirem países socialistas; e a breve trecho caminharemos para o mais horroroso dos antagonismos, que é o antagonismo das culturas e das raças. Estes são os perigos de ordem geral. Mas não respondem à pergunta concreta formulada atrás: porque somos atacados e por que motivo não está segura a África, nem independente, enquanto Angola e Moçambique e a Guiné tiverem vínculos e outros com o Portugal europeu? Porquê uma tão absurda doutrina? É simples a explicação: é que a execução ou aplicação daquela teoria leva necessariamente à destruição do que Angola e as outras províncias são hoje e das possibilidades de futuro. Quer-se destruir o ocidentalismo do ultramar, a igualdade das raças, e a sua integração, e o multirracialismo como forma de convivência e de estrutura sociológica; e querem-se criar condições que permitam dominar Angola e as demais províncias em nome e para benefício de interesses não-angolanos. Ao dizer isto, não se está fazendo simples especulação: expõem-se factos, que todos devem ter sempre presentes no espírito, como um aviso e como uma lição. Sem o apoio de um Portugal unido e solidário, sem firmes vínculos ligando toda a Nação, não é viável manter-se em África uma sociedade multirracial, nem qualquer das etnias que a compõem deverá julgar que subsistiria na paz e no progresso uma vez quebrados aqueles vínculos. É pelo menos ingénua, para não a classificar de outro modo, a atitude daqueles que acaso julguem poder assegurar a sobrevivência dos seus negócios mediante uma discreta cooperação financeira e até política com grupos de subversão. Nada os pouparia: nem esses grupos, que desconhecem a gratidão e que aliás logo seriam substituídos por outros, nem os interesses estrangeiros que imediatamente se apossariam de todas as posições, mostrariam qualquer tolerância. Por que a haviam de ter? E também não seria menos irreflectida e ingénua a atitude do grupo étnico mais numeroso se acaso pensasse que, na adesão aos princípios da ONU, estava um caminho de mais rápido desenvolvimento, de maior responsabilidade: os múltiplos exemplos ante os nossos olhos garantem-nos, sem traço de dúvida, que esse caminho conduz à pulverização social, à luta, à miséria, à privação dos direitos básicos, ao retrocesso, quando não conduz ao retalhamento territorial e ao massacre e genocídio de raças como tem sucedido na Nigéria, em Zanzibar, no Ruanda e no Burundi, entre outros. Não devemos por isso emprestar a miragens e a promessas um valor que não possuem. Quando nos dizem que a nossa presença, a nossa influência, os nossos interesses ficariam assegurados se aceitássemos partes de compromissos e bocados de transigências, verificamos que se nos recomenda precisamente o que os adversários pretendem que nós façamos, e que de uma forma tão suave quanto possível iniciemos o caminho que leva à negação total dos nossos princípios e valores, e à supressão total da nossa presença, dos nossos interesses e da nossa influência. Todos sentem por vezes impaciências perante atrasos administrativos, e se enervam em face de incompreensões ou peias burocráticas, e se exasperam com a lentidão de processos e a multiplicidade de intermediários. Tudo isso é natural, e é humano. Mas tudo isso é preço bem pequeno para a alternativa única que, no contexto internacional actual, só poderia ser a perda total de direitos, de haveres, de interesses, para muitos até de vidas, e isto em relação a qualquer das várias etnias que compõem a população das províncias portuguesas ultramarinas (in ob. cit., pp. 137-171).
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