segunda-feira, 11 de julho de 2011

Grau de Aprendiz

Escrito por António Telmo






«Na realidade, (...) a verdade é que os elementos não se transformam uns nos outros, aquilo que sucede prende-se antes com o facto de a matéria corporal, por efeito do calor, do frio, da humidade ou da estiagem, vir a passar por todos os estados elementares».

Titus Burckhardt





O AR NÃO É ELEMENTO

Tendo, enquanto aprendiz, a minha estação ou estado no Norte, até o Sul, onde estão os que receberam o grau de companheiro, me está vedado, e aqui cabe lembrar as palavras de Dante no primeiro canto do Purgatório:

«Ó região do Norte, tu que não podes contemplar os astros resplandecentes do Cruzeiro do Sul, como eu te lamento na tua viuvez!».

Será, pois, do ponto de vista do Aprendiz e de acordo com o que lhe foi mostrado durante a iniciação e durante o trabalho na Loja, que reflectirei sobre o que seja para nós o Oriente. Ora acontece que, desse ponto de vista do Aprendiz, que percorreu apenas a três regiões elementares, o quaternário não se lhe pode revelar em toda a sua completude, isto é, como dando origem, no próprio ser e não só especulativamente, à totalidade simbolizada na década por 1+2+3+4=10. No meu grau, o quaternário apresenta-se e representa-se como 3+1. O ar não aparece como elemento, o ar que está em correspondência com o Oriente. Esta observação parece confirmada pelo Mestre Maçon Jean Ursin no seu livro História do Rito Escocês Rectificado, onde esta aparente anomalia de haver no nosso rito de iniciação apenas três regiões elementares é explicada como o que Willermoz terá ele trazido do ensino alquímico de Martins Pascoal. "As provas pelos elementos", escreve Jean Ursin, "às quais o recipiendário é submetido, durante as suas três viagens simbólicas, aquando da sua recepção, mostram que não há senão três elementos, em vez dos quatro habituais, como não há senão três princípios fundamentais:


- O Enxofre que corresponde ao fogo;
- O Sal que corresponde à água;
- O Mercúrio que corresponde à terra".


E mais adiante escreve:

«O ar que alguns colocaram entre os elementos não é um elemento. É-lhes infinitamente superior pela sua natureza. É ele que por uma salutar reacção conserva a vida de todo o ser vivente, vegetal ou animal, como acelera a dissolução daqueles seres que são privados do seu princípio vital. Enfim, embora penetre em todos os corpos, não se amalgama com os Elementos de que eles são compostos e não constitui a forma destes corpos».

Se o ar não é um elemento, o que é que ele é?

Como, enquanto aprendiz, não me é possível sabê-lo por meios operativos, isto é, por um processo efectivo de realização na ordem do ser, recorro ao método filológico, que não só me não afastará desse processo como o pode preparar em estádios ulteriores. Veja-se pois.

A palavra ar é a palavra aor, a palavra hebraica para luz sem o o intermédio, relação esta entre as duas palavras que podemos fundar na intimidade que há entre a propagação da luz e a atmosfera. É certo que se poderá objectar que, sendo ar uma palavra latina e aor uma palavra hebraica, a relação que proponho é, do ponto de vista linguístico, insustentável. Pode ser que seja, mas então é necessário explicar como é que a raiz hebraica aor está presente noutras palavras latinas, todas igualmente conotadas com a luz, como aurum ("ouro"), aurora, aura, auréola.

Por outro lado, há uma relação com o som combinada com a que observámos para com a luz. É Henry Corbin quem chama a atenção para a conotação de aurora com aures, que, como se sabe, significa orelhas ou ouvidos. A atmosfera não é só o meio de propagação da luz, é, ao mesmo tempo, o meio de propagação do som. E o que é espantoso é que a palavra grega atmosfera significa, em concordância com o sânscrito - língua na qual atma é o nome para espírito - a esfera do ar ou do sopro, e que, em inglês, ouvido seja ear que é, por troca das vogais, uma transformação de aer, que é como quem diz ar em latim. É evidente que há uma língua primordial presente na forma de inúmeros vestígios nas diversas línguas e é isso que justifica as relações que se nos vêm mostrando.


Devemos, de seguida, considerar o que se segue da observação de Jean Ursin sobre a mediação do ar na conservação da vida, o qual, penetrando embora em todos os corpos vegetais e animais, não se amalgama com os elementos de que eles são compostos e não constitui a forma destes corpos. Assim, no que diz respeito ao corpo humano - que mais fundamentalmente nos interessa por ser o nosso e constituir o primeiro suporte do nosso trabalho -, vemos que sem o ar não há respiração e, portanto, vida, não haveria também audição nem visão e nem sequer a possibilidade de cheirar. O ar é, por excelência, um intermediário, não é um elemento estrutural do corpo. Observe-se de passagem que a palavra aroma tem por raiz a palavra ar.

O que se verificou para com os três sentidos superiores, cuja actividade depende da mediação do ar, é menos evidente para com os restantes dois sentidos, o do paladar e o do tacto, embora aí também pela mistura dos sopros no amor, pela sua recíproca conversão durante o beijo, ao mesmo tempo que se dá o contacto dos corpos, vê-se a mesma verdade.

Há, depois, a palavra. A fala está intimamente ligada à respiração.

Dado tudo isto, o que é que tudo tem a ver com o Oriente, com o seu conceito e com a sua realidade, tal como aparece do ponto de vista do Aprendiz?

Não é difícil observar que a palavra Oriente tem como raiz a mesma palavra hebraica aôr. Ex Oriente Lux.

Nós voltamo-nos para o Oriente, para donde nasce o Sol, mas, na verdade, não é pela vista, mas pelo ouvido que temos o sentido das direcções do espaço. É em plena treva que somos conduzidos junto do altar oriental. Nada vemos, mas ouvimos quem nos conduz.

Fora, porém, deste quadro simbólico, sabemos pela medicina da outiva que no ouvido reside o sentido da orientação e a base do nosso equilíbrio na vertical. Todavia, muito antes de a ciência médica ocidental, já a doutrina hindu ensinava que o ar, sem o qual não há vibração sonora, é "o que produz e determina as direcções e o movimento". É, na tradição ocidental, o que está bem manifesto no símbolo sintético das direcções do espaço. Refiro-me, evidentemente, à Rosa dos Ventos.











Os ventos vêm. Vêm das regiões marcadas por oito pontos no horizonte. O símbolo inverte a perspectiva natural. Nele, as direcções dos ventos têm origem no ponto central da Rosa, donde irradiam para todas as partes do Universo. Não é ainda a rosa perfeita, porque essa é, para lá do mundo subtil, a rosa de treze pétalas, como nos ensina um nosso Irmão, autor do Portugal Iluminado.

Tal ponto, enrolado no centro como uma pétala, é que é a verdadeira origem ou o verdadeiro Oriente, produtor dos ventos ou das energias subtis. Ele mesmo é que situa, sendo insituado, porque presente em toda a parte e iluminando todo o homem, consoante o ensino de São João sobre o Espírito Santo.

Nós prestámos o nosso compromisso sobre o Evangelho de São João, com a Bíblia aberta na primeira página desse Evangelho.


SOBRE OS PONTOS CARDEAIS

As palavras portuguesas para os pontos cardeais (Norte, Sul, Este e Oeste), como não se lhes encontra nenhum étimo latino, são pelos linguistas explicadas pelo inglês North, South, East e West, com ulterior passagem pelo francês antes de serem adoptadas em Portugal. Com efeito, pelo latim, seriam setentrião, meridião, Oriente e Ocidente. Esta origem anglo-saxónica dos nomes dos pontos cardeais foi o que os linguistas acharam para explicar o que não sabem. E, no entanto, é interessante verificar que por este caminho não se está longe de imaginar uma origem celta para aqueles nomes.

Independentemente do rigor linguístico, mas não do rigor lógico, o Norte é explicável como non ortus, isto é, sem origem ou nascimento, já que ortus é particípio passado de orior, nascer. Por esta falsa etimologia (falso é o que imita o verdadeiro e dele participa em certa maneira), está significado o principial, o que por si mesmo é, não sendo produzido por outro, assim como se diz de Melchisedec que não tem genealogia. Ao Norte, com efeito, é referida a tradição primordial e eterna, donde derivam por adaptação e por imitação as outras tradições regulares.

Todavia, a tradição esotérica hebraica dá o Norte como "o outro lado", como a região de onde vem o mal, o que não deixa de ser uma estranha contradição com a afirmação daqueles que no Norte vêem o lugar imutável da presença divina, à volta do qual todo o Universo gira.

Na Maçonaria, diz-se que não deve haver porta no lado norte da loja e é, nesse mesmo lado, que se realiza a prova pela água e onde se sentam os Aprendizes, a quem foi apenas dado um pequeníssimo raio de luz. Tal facto está de acordo com o ensino de Dante, Irmão Kadosh na Ordem da Fé Santa, no primeiro canto do Purgatório:

«Ó região do Norte, que não podes contemplar as estrelas fulgurantes do Cruzeiro do Sul, como te lamento a tua viuvez!».

Na verdade, do ponto de vista cosmológico, no Norte se determina o solstício de Inverno, ele é a região do Capricórnio, o ponto em que é mínima a luz do ano. É o lugar das trevas e da Lua Nova e o seu mínimo de luminiscência. Todavia, é aí que, ao mesmo tempo, os dias começam a crescer. Ao Capricórnio está referido o nascimento na terra dos Avatares. Jesus Cristo nasceu no dia 24 de Dezembro, no Capricórnio, signo que Homero diz ser a porta dos Deuses.

Em ciência sagrada, sempre que deparamos com uma evidente contradição, evidente ou aparente, julgo dever pensar que há uma coisa muito importante e muito decisiva que se esconde à nossa compreensão e que, uma vez aprendida, se faz no nosso espírito uma luz inesperada. A ciência sagrada não pode enganar-se a si mesma. Posto isto, posso passar adiante.

Os pontos cardeais têm a sua representação sensível no horizonte terrestre. O lugar onde todos os dias nasce o Sol recebe o nome de Oriente. Nasce e faz depois o seu percurso pelo Sul, antes de mergulhar na noite a Ocidente.

Mosteiro dos Jerónimos



Torre de Belém











Há, porém, um ensinamento profético ou iniciático, segundo o qual, no termo do ciclo, o Sol nascerá a Ocidente por uma mutação brusca, simultânea com a inversão dos pólos. É o que se representa no lado sul do claustro dos Jerónimos. Os nautas, consumada a viagem, contemplam um sol de dezasseis raios, nascendo a Ocidente. Então, no fim do ciclo ou no início de outro, o Ocidente é que será o Oriente, porque ali terá lugar a origem da luz.

No nosso rito, ao contrário do Rito Escocês Antigo e Aceite, como de muitos outros, durante as três viagens iniciáticas não se ascende da terra, pela água e pelo ar até ao fogo. Não há o elemento ar, e desce-se do fogo no Sul, pela água no Norte, até à terra no Ocidente. Descemos até ao fundo terroso de nós mesmos e é lá, vencida a prova, que começa a despontar a luz do Oriente.

Esta descida que, por mais de um aspecto, é análoga à descida de Dante pelas esferas tenebrosas, donde, atingindo o ponto mais baixo, sai e vê as estrelas, deve ser interpretada como uma descida no poço do nosso próprio ser, no qual são reais, e não uma mera aparência sensível, o Norte, o Sul, o Este e o Oeste.

O Ocidente de mim é esta minha pessoa física, terrestre e grosseira, fundada nos meus preconceitos e nas minhas paixões. Queimados e ardidos os preconceitos pela prova do fogo, dissolvidas as minhas paixões pela prova da água, fui depois tocado pela lama que é o meu corpo. É como se ensina no catecismo do grau do Aprendiz, os elementos não regeneram, mas corrompem o que está corrompido e isto nos três planos do ser terrestre que somos, os preconceitos no plano mental, as paixões no plano emocional, e os conglomerados energéticos no plano físico.

O que regenera e dá vida é o ar e o Oriente, desde que não fiquemos presos à ideia de que o primeiro é apenas um elemento como os outros e o segundo apenas uma determinação espacial análoga às outras determinações.

Tal é a minha visão de Aprendiz. Espero que, no grau de Companheiro e no grau de Mestre, se alguma vez porventura lá chegar, uma maior luz a torne perfeita (in A Aventura Maçónica, Zéfiro, 2011, pp. 35-41).


António Telmo no Mosteiro dos Jerónimos



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