Museu Maçónico (Rua do Grémio Lusitano, Bairro Alto). |
«Como se sabe, o lema da Franco-Maçonaria é: "Jura, perjura, mas guarda segredo"».
Carlos Aguiar Gomes (in Agência de Informação e Maçonaria).
Encontrei ontem, por acaso, um importante maçon... Mas a história começa antes.
Há, em Portugal, três grandes "sociedades secretas". Não deixam, porém, de dar notícias públicas da sua existência, o que é paradoxal mas me proporcionou ver-me um dia surpreendido com a descrição nos jornais das exéquias de um Grão-Mestre, celebradas numa sala, que imagino vasta como um templo, de um grande casarão do Bairro que todos conhecemos de passagem na rua. Aí esperaram as altas patentes do Estado - Presidente da República, etc. - que se abrissem as portas e desfilasse o cortejo de altos dignitários maçónicos: à frente o novo Grão-Mestre, de nome Adão e Silva, fundador do PSD, logo seguido pelo Presidente do Conselho Geral, de nome José Eduardo Pisany Burnay... O jornal cai-me das mãos. Eu conheço há muito, desde sempre, um José Eduardo Pisany Burnay. Será possível que seja o mesmo? Aquele Burnay loiro, róseo, imenso, gordo, barrigudo, alto, gastrónomo, que colecciona armas, livros raros e outras preciosidades, e guarda suas colecções num belo palácio na estrada do Lumiar? Aquele Burnay que anda (ainda andará?) pelos Teatros, cursou a Escola de Arte Dramática, se dá até por actor profissional, representa de vez em quando, eu mesmo ensaiei num papel da "Triste Viuvinha", de D. João da Câmara, e casou com a Emilinha que era uma boa actriz. Será mesmo ele? O nome ali estava, inteiro, preto no branco. Todavia... Logo no dia seguinte, poderes do acaso, esbarro com ele ao dobrar da esquina. E travámos este diálogo:
Eu - Burnay! Ainda bem que o encontro. Quero fazer-lhe uma pergunta...
Ele - Já sei o que é. A Maçonaria...
Eu - Exactamente. É então Você mesmo?
Ele - Eu mesmo.
Eu - O Presidente do Conselho Geral? a segunda figura da Maçonaria?
Ele - Enquanto os meus "Irmãos" me mandatarem, assim é.
Eu - E diga-me: que é o Conselho Geral?
Ele - Para V. entender facilmente, digo-lhe assim: o Grão-Mestre é como o Presidente da República, o Presidente do Conselho Geral é como o Primeiro-Ministro.
Eu - Nesse caso, é V. quem manda na Maçonaria?
Ele - Exactamente. Enquanto os meus "Irmãos"...
Eu - Vamos lá ver se entendo. O PS e o PSD são os Partidos que andam sempre no Governo e diz-se que ambos estão integrados na Maçonaria.
Ele - É como diz.
Eu - Então é V. quem manda no PS e no PSD?
Ele - De certo modo, é como diz.
Eu - Ora se esses Partidos é que mandam em Portugal, V. é quem manda em Portugal.
Ele - É lógico. Enquanto os meus "Irmãos"...
Eu - Já sei. Enquanto os seus "Irmãos" o mandatarem.
Uns três ou quatro anos passaram, e aqui estou eu candidato a Presidente da República, o que deve ter causado ao Burnay menos surpresa do que me causou a mim a notícia de ser ele um tão alto dignitário da Maçonaria. E eis que novamente o encontro. E logo ele me diz de chofre:
Ele - já sabe? A cisão acaba de se dar.
Eu - Qual cisão?
Ele - A da Maçonaria. Ficamos nós para um lado, com o rito escocês. Ficam eles, os politiqueiros, para outro lado, com o rito francês.
Eu - Não entendo, explique melhor...
Ele - Você compreende, eles são ateus, chegam a rir-se do ritual, só tratam da política, dos Partidos, ignoram tudo da simbologia e da verdade maçónicas. Era preciso acabar com isto. E deu-se a cisão. Você não lê os jornais?
Eu - De facto não leio. Mas... a cisão, como foi? Ficaram metade para cada lado?
Ele - Não. Eles têm uma pequena vantagem. Connosco ficaram sete "lojas". Mais do que esperávamos. É muito significativo. Bem vê, num total de 17 "lojas"...
Eu (sempre avesso a contas) - com quantas lojas ficaram eles?
Ele (também fraco a contas) - Isso não lhe digo. A Maçonaria sempre tem os seus segredos.
Eu - Vejo que está contente?
Ele - Se estou! E olhe que eles vão tramar-se. Porque o rito escocês é dominante em quase todo o mundo. Olhe: os países da CEE. Com excepção da França, são todos do nosso rito. E eles vão tramar-se...
Eu - Então o Jacinto Simões, de que lado ficou?
Ele - Ainda está do outro lado, mas vamos a ver...
Eu - E o António Valdemar?
Ele - Um pé cá, um pé lá. Você sabe, o Valdemar tem dificuldades financeiras... e isso prende muito.
Eu (tentando lembrar-me de mais maçons que porventura conheça, e não conseguindo) - Bom, vou andando. E parabéns. Já agora, não sei se sabe, também tem vindo nos jornais... estou candidato à Presidência da República.
Ele - Pois sei, pois sei. Tenho lido.
Eu - Então veja lá se me dão uma ajuda.
Ele - É muito possível, olhe que é muito possível...
E lá foi, rua acima, grande, pesado, lento, voltando-se ainda uma e outra vez, risonho e satisfeito, a abanar a cabeça e repetindo: "É muito possível, olhe que é muito possível..."
Aviso aos que vêem em tudo maçonarias: nunca mais encontrei o Burnay.
Católicos na política
[«... um homem de grande saber e excepcional inteligência, confundia, num artigo publicado na revista Laikos, liberalismo, maçonaria, militarismo e anti-clericalismo. Pinharanda Gomes representa, sem dúvida, aquele sector, ou ordem, do pensamento eclesiástico que fica a meio do caminho que separa os católicos progressistas, ou socialistas, como o Cardeal Suenens, dos católicos tradicionalistas, ou tridentinos, como Monsenhor Lefebvre, e, ao alimentar aquela confusão, não faz mais do que igualmente servir o que há de errado nas duas posições extremas, a dos socialistas e a dos tridentinos»].Orlando Vitorino («O Neo-Liberalismo», in Escola Formal, 1978, n.º 6, pp. 6-7).
Não, não é para entender.
Segundo a palavra dos Papas, a incompatibilidade entre o catolicismo e o marxismo é irredutível. Segundo os cânones da Igreja, a simples concordância com o marxismo é motivo de excomunhão. Mas leio nos jornais que o Arcebispo de Braga fez o elogio de uma mulher [Maria de Lurdes Pintasilgo] que, candidata a Presidente da República, afirma publicamente e por escrito: "professo o marxismo".
Não, não é para entender.
Dando-lhe, com a filosofia portuguesa, uma dimensão que ela não possui nos seus mais famosos teorizadores estrangeiros, situámos a doutrina da nossa candidatura no signo do neo-liberalismo. Valeu-nos isso que os meios intelectuais católicos a revertessem para domínios que não são propriamente os políticos e contra ela tivessem manifestado, de vários modos, uma franca hostilidade. Primeiro, foi a hierarquia: sucessivas pastorais condenaram, de uma só penada, liberalismo e comunismo. Depois, foram as organizações de leigos: o boletim de uma delas, "A Voz da Verdade", com sede no Palácio Patriarcal, publica uma espécie de aviso contra a "revivescência" do liberalismo - o maçónico, anti-clerical, novecentista - em termos que revelam claramente sermos nós os visados. Por fim, são os lefebvristas: escrevem-nos uma carta repudiando o liberalismo que defendemos como se nós não soubéssemos o que ele é e nada tem a ver com maçons, luteranos e mata-frades do século passado.
Vamos tentando... como dizer?... corrigir? esclarecer? distinguir?... Enviamos uma carta ao lefebvristas, mandamos uma nota ao boletim dos leigos, apelamos para os hierarcas junto de quem temos amigável acesso. Tudo em vão. As pastorais dos Bispos continuam a condenar o liberalismo, o boletim dos leigos insere uma nota à nossa carta como se dissesse que eles, leigos, não se deixam levar; e os lefebvristas guardam silêncio talvez desdenhoso.
Como poderei eu dizer, com inequívoco respeito e natural delicadeza, o que vou dizer? O caso é que, em certo sector de católicos, o liberalismo é abominado por ser o oposto do socialismo, o oposto sem concessões, e por aí se tender a aproximar do socialismo a "doutrina social da Igreja" apurada pelo Vaticano II; noutro sector, porque o liberalismo abre feridas de má consciência; num terceiro sector, porque é aí muito reduzida a actualização cultural e se ignora tudo o que ao neo-liberalismo se refere, até o facto de o seu principal e mais polémico teorizador actual ter sido nomeado consultor do Papa; num último sector, por fidelidade ao Syllabus, mas fidelidade tal que dispensa de reler o documento pontifício que tanto escandalizou os progressistas da época, católicos e não-católicos (Guerra Junqueiro, por exemplo); se o relessem, verificariam, primeiro, que o Syllabus, condenando radicalmente todo o socialismo e todo o comunismo como intrinsecamente maus, apenas condena quatro erros daquilo a que chama (sinal de uma sabedoria que os católicos parecem ter perdido) "0 liberalismo contemporâneo", o de 1869; verificariam, depois, que o reaccionarismo da época é quase um modelo de tolerância e compreensão se comparado com a mentalidade e a prática do "progressismo contemporâneo", este de 1985.
Motivo de ironia na sanha de certos campeões católicos contra o liberalismo é que não tenham eles perdoado ainda, ao liberalismo do século passado, as "nacionalizações" (então chamadas "confiscações") dos bens da Igreja e já tenham esquecido as "nacionalizações" que o socialismo fez, há uns dez anos [1975], dos bens particulares. O que torna o caso mais divertido é que muitos desses campeões devem os prazeres da vida que usufruem ao avó liberal de quem herdaram a fortuna obtida com aquelas confiscações inesquecíveis e imperdoáveis. É, então, de suspeitar que, assim como o avó se instalou no tal liberalismo para roubar a Igreja, assim eles se instalam agora no socialismo... para quê?
Amigos meus da "democracia cristã" abordam-me com incontestável simpatia pela minha candidatura. Em certo momento da conversa, aludo ao individualismo e logo eles: "Individualismo, nunca!"
Os santos estão por mim. Ao serão enfio-me na biblioteca sem outra finalidade que não seja a de escapar ao hipnotismo da televisão. Percorro com os olhos uma prateleira de livros e, sempre sem finalidade, retiro a famosa obra de Heimsoeth, "Os Seis Grandes Temas da Metafísica Ocidental". Um dos temas é, precisamente, "O Indivíduo". E logo leio: "Só com o cristianismo se tornou possível conceber o indivíduo sem o absorver, como valor secundário, no conceito de universal..." Em que mundo andam os meus amigos da democracia cristã?
Meditação interrogativa:
Poderá haver católicos que confiem a perduração da Igreja à sua adaptação aos sucessivos e diversos senhores do mundo do que à palavra de Cristo que lhe assegurou a perpetuidade? (in O processo das Presidenciais 86, pp. 59-62).
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