quarta-feira, 4 de maio de 2016

Autos-de-fé «gonçalvistas» destruíram milhares de livros

Do «Jornal Novo», de 13-1-77








« - Na situação de crise em que Portugal se encontra [estava-se então em 1978], fala-se muito dos riscos de uma perda da independência nacional. Há, por um lado, a transferência dos centros de decisão vitais para além-fronteiras, o que em certos casos é já um facto. Mas, para além desse ponto, crê que pode colocar-se, num prazo mais ou menos longo, o perigo dum desaparecimento de Portugal?

- (...) Os perigos, os riscos a que se refere são reais, dolorosamente reais. Há a ideia, segundo parece, de que Portugal, por ter mais de oitocentos anos de existência, é automaticamente eterno. Eu não conheço nenhum decreto que prescreva a eternidade de Portugal; e se o houvesse ainda era preciso que os demais respeitassem esse decreto; e a História mostra-nos países que apareceram e desapareceram, e até em épocas bem próximas de nós o facto se tem dado. Por que seria Portugal uma excepção? E atente nisto: Portugal é hoje um país empobrecido, muito para além da realidade aparente. Abandonámos o Ultramar, simplesmente, sem negociação; e estamos endividados para gerações: Repito: para gerações. Isto basta para nos aterrar, para nos alarmar. Mas há muito mais. Estamos a aplicar os empréstimos em salários e bens de consumo, e muito pouco em equipamentos e investimentos. Perdemos milhares e milhares de quadros - professores, engenheiros, médicos, gestores técnicos, etc. - que foram expulsos, destruídos: e cumpre não esquecer que um homem, sobretudo um homem qualificado, é o bem mais precioso e o investimento mais caro de um país. Depois, por falta de confiança, fugiram de Portugal alguns milhões de contos: não estou a justificar o facto: estou a apontá-lo. É incalculável o que saiu do país em obras de arte, jóias, mobílias, pratas: devem estimar-se em vários milhões de contos também. Embora fossem propriedade privada, pertenciam ao património cultural e artístico do país, e mais tarde ou mais cedo encontrariam o seu lugar em museus portugueses. Muito mais seria possível acrescentar. Parecia-me vantajoso que a massa dos Portugueses tomasse consciência destes aspectos para se aperceber de quanto o país foi e está sendo depauperado. Não são apenas os centos de milhões de contos que devemos e que, é bom não esquecer, temos de pagar. Há que entrar em linha de conta com os prejuízos a que aludi atrás. A vulnerabilidade de Portugal é portanto imensa. Para além de tudo, todavia, o facto decisivo é este: a vontade dos Portugueses. Se essa vontade for vigorosa, e firme, e tenaz, Portugal pode sustentar a sua independência, e retomar a sua autonomia em relação aos centros de decisão hoje exteriores. Recorda-se de que Herculano dizia que somos independentes porque o queremos ser? Eu tenho esperança de que saberemos continuar a querer. Ou seremos então a geração que vai trair todas, todas as gerações anteriores? Eu vejo que na União Soviética se exaltam e veneram as grandes figuras da História, desde Ivan o Terrível a Pedro o Grande, desde Catarina II a Tolstoi. Vejo que os Estados Unidos celebram todos os dias os seus grande vultos, os seus grandes valores. Na Inglaterra, os grandes nomes - Isabel I, Shakespeare, Nelson, Wellington, mil outros - são sagrados, e são apontados diariamente à veneração pública. E é então num momento em que por toda a parte se proclama o nacionalismo, a independência dos povos, que nós vamos abdicar? Temos acaso vergonha de um Nuno Álvares, de um Camões, de um Infante, um D. João II, um Albuquerque? Acho que se impõe um regresso aos valores autênticos, permanentes, e há que proclamá-los mesmo perante os sorrisos sardónicos e benevolentes das mentalidades superiores. Das mentalidades daqueles que têm muitas teses intelectuais mas não sentem nada; e daqueles que por ignorarem tudo julgam saber tudo; e de quantos pensam ter a vida começado com eles sem ao mesmo tempo admitirem, para serem lógicos, que a vida acabará com eles. Ou estará o dinheiro estrangeiro a influenciar a inteligência portuguesa. E a juventude portuguesa? Já não estremece e palpita com Portugal?

(...) - Pensa que é hoje importante o empreendimento do combate cultural pelos sectores mais jovens?

- Sim, sem a menor hesitação. Não acredito que as ideias se combatam com a força, e que sejam vencidas pela violência e pela repressão. As ideias combatem-se e destroem-se com outras ideias. Atrever-me-ia a dizer que, neste ponto, e em certo sentido, muito parece estar simplificado: a falência cultural da esquerda é patente, e não só em Portugal, aliás. Já reparou que as ideias, o vocabulário, os conceitos, até os slogans usados pelos nossos responsáveis de esquerda, são os mesmos, rigorosamente, os mesmos de há trinta, quarenta, cinquenta anos? Não há uma novidade de consequência, não há um pensamento que aponte caminhos além dos já experimentados e que comprovadamente falharam em toda a parte. Sim, o combate cultural é fundamental: nas escolas, nas universidades, nos meios sindicais, em toda a parte, em suma, há que denunciar os sofismas, os erros, os falsos princípios. Não com arrogância, nem como quem quer impor a sua verdade. Esse totalitarismo é apanágio da esquerda, de uma esquerda imaculada, única detentora da verdade, da isenção, do desinteresse, da santidade em suma. Apenas se deve proceder através da análise fria, do exame documentado, das conclusões objectivas já autorizadas pelos factos e pela história. Não importa, penso eu, a especulação ideológica, a criação brilhante das grandes abstracções intelectuais; importa mais demonstrar a inoperância, o não fundamento, as consequências funestas dos ideais de esquerda. O que se disse, o que se afirmou, o que se acusou, o que se tripudiou em Portugal, o que se defendeu, o que se atacou!! Recordo-me de que um jornal, cujo nome não cito, publicou em Maio de 1974 um artigo condenando as touradas, por alienantes, e que terminava assim: "o primeiro fascista português foi Afonso Henriques". Recordo-me de uma emissora dizer que Camões fora um poeta menor ao serviço de imperialistas. Que efeito teria hoje lembrar e documentar tudo isto?».

Franco Nogueira («Juízo Final»).




Estátua de D. Afonso Henriques no Castelo de São Jorge

















«A ingenuidade de Franco Nogueira quanto ao que chegou a designar por "combate cultural" nas escolas, nas universidades e tudo o mais, permite-nos registar, passados quase cerca de quarenta anos, no que deu esse mencionado combate contra a esquerda: um vazio de meter medo ao susto».

Miguel Bruno Duarte


«Se a crise de 1974-78 é porventura a mais dramática de quantas, nos últimos dois ou três séculos, ameaçaram a continuidade da nação, não é apenas porque, crise após crise, se foi dando a erosão das energias e da capacidade de resposta do seu povo, nem é unicamente devido à terrível luta política de que o país foi palco nos últimos anos, é também porque temos de enfrentar, com poucas ou nenhumas armas, adversário bem mais letal do que qualquer inimigo exterior: o próprio português em crescente alienação de identidade, em acelerada dissolução de personalidade, em progressivo agravamento do seu velho complexo de inferioridade, em queda na desilusão e no vazio pela súbita ruptura com o que fora até aqui o elemento original e caracterizador da sua existência histórica, o projecto nacional da expansão ultramarina.

Os portugueses responsáveis teriam podido aceitar uma evolução desse projecto: federação, confederação, "commonwealth" dos povos de expansão lusa, qualquer proposta coerente que assegurasse a continuidade de uma presença em África em conciliação com a independência das novas nações e com os seus sentimentos nacionalistas.

Mas a expulsão, o êxodo, a auto-derrota, a humilhação, a assinatura de acordos desonrosos e o seu desrespeito por parte dos que se sentaram connosco de má fé à mesa das negociações, eis o que constituiu o impulso final para o agravamento de complexos que aliás não eram novos.

Para obviar ao sentimento de frustração e de descrença que se apoderou do país consciente depois desta descolonização viciada, não encontraram os responsáveis melhor solução do que rever a história de Portugal, apresentando-a à mocidade como um romance nefando, em que os heróis de antanho se transformaram em colonialistas e em vilões, em que monarcas esclarecidos, sábios, missionários e navegadores outra coisa não fizeram do que explorar e reprimir os infelizes povos do "terceiro mundo", em que todos eles afinal, foram títeres ou robots ao serviço do imperialismo económico e da ganância de uma aristocracia e de uma alta burguesia sem escrúpulos.

Esperavam deste modo que os portugueses acabassem por olhar a descolonização precipitada e manipulada que se fez, não como o descrédito irreparável que acabou por constituir para a nação inteira e para os revolucionários e políticos que a impuseram, mas como uma epopeia de generosidade e de heroísmo! Chegou a dizer-se, sem receio de cair no ridículo, que foi uma gesta mais honrosa do que a dos descobrimentos e houve quem, no delírio de uma patética auto-hipnose, tivesse comparado os versos de Agostinho Neto com os de Camões (Esta comparação foi estabelecida, através dos microfones da então Emissora Nacional, alguns meses depois do 25 de Abril, por alguém com nome e responsabilidades na nossa literatura contemporânea).

O que sucedeu posteriormente nas ex-províncias ultramarinas, desde a ditadura de Moçambique até à guerra civil de Angola e à invasão dos sul-africanos e dos cubanos, desde as vergonhas de Timor até à ocupação indonésia, e desde as prisões e humilhações de toda a ordem inflingidas aos portugueses que quiseram ficar, até ao seu êxodo, acabou por emudecer essas vozes desvairadas ou ditadas. Aliás, um acto político que aniquila irresponsavelmente o destino de algumas centenas de milhares de seres humanos, não pode representar a justiça, nem a liberdade, nem a honra.

O que se conseguiu com as campanhas de dinamização cultural, com as revisões e com as campanhas jornalísticas tendentes a apagar do passado português precisamente aquilo que constituiu a sua grandeza e a sua personalidade para justificar a irresponsabilidade de um momento de desvario, foi mais uma aceleração no processo masoquista e auto-destrutivo em que caímos...».

António Quadros («A Arte de Continuar Português»).






«Nenhum povo é, voluntariamente, comunista. Mostrem-me um que o seja. Sem cortinas de ferro ou de água. Sem muros de vergonha, sem aparelhos policiais e militares essencialmente repressivos, sem ditaduras, sem uma classe política opressora e monolítica.

O comunismo é aberrante e antinatural. Portanto, antipopular. Falo do Povo, não das massas alienadas por slogans e lavagens ao cérebro. Falo do Povo, não de populações controladas, vigiadas, sem alma e sem carácter próprios. Falo do Povo e não de rebanhos. Falo do Povo, portanto de Autenticidade e de Verdade, nas suas glórias e misérias. Falo do Povo, daquele Povo que revela na sua espontaneidade natural a sabedoria de séculos, que é a expressão de uma vontade projectada para o futuro. Falo do Povo e não de uma sociedade mecanizada pela ditadura burocrática. Falo do Povo e não de massas embalsamadas, museu de cera de personagens míticas ou artificiais que nos contam uma História que não foi nem será nunca. Falo do Povo - alma e essência - e não de quantidades-número apenas expressas e contabilizadas em função limitada da matéria, somatório do consumo e da produção».

Vera Lagoa («A Cambada»).


«Subordinado ao imperativo de homogeneização da existência social do homem e da mulher, do pai e da mãe, o socialismo leva o Estado a instituir, para as crianças entre os 3 e 5 anos, aquilo a que chama o ensino pré-primário destinado a substituir a educação que as mães estão impedidas de dar aos filhos pela sua ocupação no emprego a que, como os pais, se vêem obrigadas. Depois, guiando-se por uma demagogia alimentada de ressentimentos e atavismos sociais e pela sua radical tendência para diminuir as faculdades intelectuais dos seres humanos, o socialismo procura alargar ao ensino da escola primária os "entretenimentos" da escola pré-primária. Nesta fase, diz que os filhos dos proletários não "gozaram" desse ensino pré-primário e será portanto necessário compensá-los de tal falta, embora em idade já tardia e imprópria. Os governos comunistas de 1974 e 1975 fizeram dos entretenimentos pré-primários matéria de ensino nos primeiros anos da escola primária. Adequados a crianças entre os 3 e os 5 anos de idade, esses entretenimentos foram assim impostos a crianças de 6, 7 e 8 anos, já abertas para o verdadeiro ensino. Os resultados, alguns já dramáticos, conduzirão, num prazo mais ou menos breve, ao aparecimento de uma geração de adolescentes com deformações e atrasos mentais talvez irrecuperáveis.

Noutro aspecto, ao lado da introdução de numerosas "inovações" pedagógicas de carácter marxista, acentuaram-se e aceleraram-se aquelas que, com o mesmo carácter, haviam sido introduzidas durante os governos de Caetano e até de Salazar. Foi assim que um "princípio fundamental" da pedagogia veiga-simonista, o de "evitar a clássica concepção épica da história" e "não dar relevo às figuras, das quais se fazia depender o curso dos acontecimentos", foi adoptado pelos governos comunistas e socialistas durante os últimos três anos. Apenas negativo na sua versão veiga-simonista, aquele "princípio pedagógico" foi buscar o seu aspecto afirmativo à teoria da história do marxismo. Em consequência, as faculdades mitogénicas, que são nas crianças o motor da inteligência, viram-se desse modo esmagadas tanto no ensino secundário como no primário, e os professores foram obrigados a explicar o "curso dos acontecimentos" por incompreensíveis e abstractas razões economistas de mais do que discutível cientificidade. Aliás, os conceitos do economismo intervencionista passaram a presidir à generalidade do ensino, desde o da história até ao de português. Assim se satisfaz a grotesca reivindicação daquele ministro caetanista que, numa mesa-redonda do semanário "Expresso", explicava pouco antes de 25 de Abril: "ensine-se, com o leite (sic), economia às crianças" e nos livros de estudo como nos exercícios escolares, as crianças deparam hoje com noções como "mais-valia" e expressões deste teor: "o helenismo foi um produto da burguesia"».

Orlando Vitorino («Exaltação da Filosofia Derrotada»).



«...Todos somos filhos da Inquisição...».

António Telmo («A Terra Prometida. Maçonaria, Kabbalah, Martinismo e Quinto Império»).







AUTOS-DE-FÉ «GONÇALVISTAS» DESTRUÍRAM MILHARES DE LIVROS


Ao contrário do que o ex-secretário «gonçalvista» da Orientação Pedagógica Rui Grácio afirmava ontem no «Diário Popular», verificaram-se, após o «25 de Abril», destruições pelo fogo de um número incalculável de livros existentes em bibliotecas de estabelecimentos de Ensino.

Esses autos-de-fé foram desencadeados por um despacho de 17 de Outubro de 1974, que reproduzimos. É do seguinte teor: Tendo sido informado de que nas bibliotecas dos estabelecimentos de Ensino existe quantidade apreciável de livros e de revistas de índole fascista, determino que seja elaborada uma circular ordenando a destruição das publicações com esse carácter, depois de arquivados um exemplar, pelo menos, de cada revista e alguns livros a seleccionar, que fiquem como documento ou testemunho de um regime.

Na sequência deste despacho, a directora-geral da Educação Permanente, Maria Justina Sepúlveda da Fonseca, que igualmente tenta limpar a face no «Diário Popular», apresentou propostas ao secretário de Estado Freitas Branco, «revolucionário» também ontem entrevistado por aquele nosso prezado colega, no sentido de serem «vendidos a peso, depois de inutilizados» livros em número de várias dezenas da «Colecção Educativa».

Nestas propostas da dr.ª Sepúlveda, Freitas Branco exarou pelo seu próprio punho, logo no dia seguinte à sua apresentação (31 de Dezembro de 1974), este simples despacho:

«Concordo».

Mais tarde (26 de Março de 1975), a mesma dr.ª Sepúlveda assinava a circular n.º 1/75 (que fizera até aí durante o trimestre?), do seguinte teor:

«Exmo. sr. encarregado da Biblioteca: É chegada a oportunidade de, numa primeira fase, proceder nessa biblioteca ao saneamento dos livros que não reúnam condições ideológicas, literárias ou técnicas para continuarem a ser dados à leitura.

«Nesta conformidade deve V. Ex.ª seguir, com toda a urgência, as instruções seguintes:

a) retirar da biblioteca e inutilizar pela forma que achar mais conveniente e perante duas testemunhas, todas as obras que constam da lista «A» anexa a esta circular;

b) lavrar auto dessa destruição, em duplicado, onde conste o nome de todas as obras inutilizadas e o modo como foram, arquivando um exemplar no processo da biblioteca e enviando o outro a esta Direcção-Geral;

c) cortar a página que contém uma frase dos ex-Presidentes de Conselho em todos os livros constantes da lista «B», anexa a esta circular, livros estes que continuam, depois disso, a figurar na biblioteca.

«Deve ainda V. Ex.ª aguardar que oportunamente se lhe envie segunda lista de mais obras a destruir numa segunda fase».



Uma página maldita...

A lista «A» referindo despacho (livros «a inutilizar, pela forma que achar mais conveniente, perante duas testemunhas») inclui cerca de cem volumes.

A lista «B» (relação dos livros da «colecção Educativa», a que se deve «cortar a folha que contém uma frase dos ex-Presidentes do Conselho») inclui obras de autores como Urbano Tavares Rodrigues (!), Henrique Barrilaro Ruas, Manuel Maria Calvet de Magalhães, José Hermano Saraiva, José Régio, Maria de Lourdes Belchior, Vitorino Nemésio, Ana Hatherly e Tomás Ribas, entre outros.

As instruções da dr.ª Sepúlveda foram escrupulosamente cumpridas. Temos em nossa posse a acta de um auto-de-fé, que começa assim:

Conforme o disposto na circular n.º..., alíneas A e B, procedeu-se, na Escola Mista de Runa, Conselho de Torres Vedras, à escolha dos livros da «Colecção Educativa» nela existentes e sua destruição por meio do fogo.

Foram testemunhas a professora agregada X ... e a auxiliar de limpeza Y...

Assim foram queimados os seguintes livros que constam da lista anexa àquela circular. (Segue-se uma relação de 31 volumes). Por motivos compreensíveis, não publicamos os nomes das «testemunhas»...


40 toneladas de livros «saneados»

Finalmente, transcrevemos um documento que consideramos exemplar de um período que a História poderá designar de várias formas: «gonçalvismo», «fascismo gonçalvista», «neo-fascismo», «social-fascismo», etc.

Intitula-se «Saneamento das bibliotecas dependentes da Educação Geral da Educação Permanente», tem a data de 13 de Dezembro de 1975 (!) e é assinado pelo encarregado da «Secção da Escolha de Livros».

Ei-lo:

1 - Pouco tempo após o «25 de Abril» - talvez em Julho -, foi constituído, por decisão dos trabalhadores da Direcção-Geral reunidos em assembleia geral, um «colégio de leitores» para saneamento dos fundos das bibliotecas populares dependentes da Direcção-Geral (cerca de 32 000 distribuídas pelo continente e ilhas adjacentes, constituídas, em grande parte, por livros infantis e juvenis e instaladas, na sua quase totalidade, em escolas primárias) e também das chamadas «colecções educativas» (pequenas bibliotecas, em número aproximado de 3 000, constituídas unicamente pelos volumes da Colecção Educativa editada pela Direcção-Geral e funcionando em escolas primárias). O colégio trabalhou até fins de Outubro, e foi constituído em média por dez membros (a sua composição foi variando ao longo do tempo) tendo participado nele funcionários das mais diversas categorias (desde técnicos de 1.ª, a serventes).

O trabalho do colégio pode resumir-se do modo seguinte:



As decisões do colégio eram tomadas em comum sobre os relatórios elaborados pelos leitores. Juntam-se, por fotocópia, alguns desses pareceres (os originais encontram-se apensos aos processos). Vão assinalados com um A e respeitam aos livros:


- «História de Portugal» (de João Ameal)
- «Santos de Portugal»
- «Os Navios que Descobriram o Mundo»
-«A Capoeira de Joaninha»


2 - Após a tomada de posse da dr.ª Maria Justina Fonseca como Directora-Geral, foi obtida, a partir de 30-1-74, a colaboração da dr.ª Maria Feliciana Torres, professora do Liceu D. Pedro V, que veio prestar serviço nesta Direcção-Geral, na situação de destacada, e a quem foi cometida verbalmente a tarefa de escolher, em definitivo e com urgência, os livros a sanear.

A dr.ª Maria Feliciana iniciou o seu trabalho com a apreciação da Colecção Educativa - no que terá tido em conta, eventualmente, os pareceres do colégio de leitores. Em 2-12-74 apresentou uma informação sobre essa colecção (...).

Dentro dos princípios expostos nesse parecer foram aprovados 49 livros da Colecção Educativa e reprovados 41; ficaram por apreciar, dado o seu carácter técnico, 22 livros que têm vindo a ser lidos por departamentos oficiais especializados (Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, Direcção-Geral dos Serviços Pecuniários, etc.) tendo sido aprovados até agora quatro e reprovados seis.

Salvo raras excepções - caso de «Os Navios que Descobriram o Mundo» (...), a dr.ª Maria Feliciana não fundamentou caso a caso a sua escolha, limitando-se ao parecer genérico já aludido (...).

3 - Concluída a apreciação da Colecção Educativa, a dr.ª Maria Feliciana, auxiliada agora pela directora do Serviço de Escolha de Livros (Maria Irene) e pela leitora Filomena Guerra, iniciou a leitura dos restantes livros existentes nas bibliotecas populares, tendo apreciado 186 obras com os resultados seguintes:








Rui Grácio. Ver aqui







4 - Feita a escolha dos livros da Colecção Educativa foi apresentada superiormente, pela directora-geral, dr.ª Maria Justina Fonseca, em 30 de Dezembro, a proposta que constitui o documento E (atrás referida).

Essa proposta mereceu no dia imediato o despacho de «Concordo» do secretário de Estado da Cultura e Educação Permanente, dr. Freitas Banco. Com fundamento nesse despacho e mediante consulta à Direcção-Geral da Fazenda Pública, procedeu-se à venda, a peso, de cerca de 40 toneladas de livros reprovados que tínhamos em depósito.

Na sequência dessas medidas providenciou-se, também, para que fossem retirados e inutilizados, nas bibliotecas populares e «colecções educativas», os livros reprovados, tendo-se expedido para o efeito as circulares números 1/75 e 2/75, acompanhadas das relações dos livros a abater.

5 - A leitura de livros foi praticamente suspensa quando, em Fevereiro de 1975, foi pedida à dr.ª Maria Feliciana e às suas auxiliares a execução de outras tarefas, relacionadas com a campanha de alfabetização e consideradas prioritárias.

Continuou-se porém, a tentar que fossem apreciados por serviços públicos com especialização adequada os livros da Colecção Educativa de carácter técnico (conforme n.º 2 da presente informação). Por vezes os livros tinham sido já apreciados sob o ponto de vista ideológico, faltando apenas ajuizar do seu interesse como obras de informação e divulgação. Juntam-se fotocópias dos pareceres obtidos em relação aos livros «A Capoeira da Joaninha» e «O Livro do Caçador». Embora a reprovação de qualquer livro se possa considerar «coberta» pelo despacho do secretário de Estado da Cultura e Educação Permanente de 31-12-74 - ainda que posterior a esse despacho -, tendo em atenção a parte final da proposta apresentada pela directora-geral, tem havido a preocupação de sujeitar a despacho superior, caso a caso, os livros que desde então, e em razão dos pareceres técnicos aludidos, se entende que não devem continuar nas bibliotecas.

6 - Actualmente, tendo a dr.ª Maria Feliciana Torres regressado ao Liceu, encontrando-se a desempenhar funções burocráticas - serviço em que, aliás, desejaria continuar -, a directora do Serviço de Escolha de Livros, está completamente paralisado o serviço de leituras.

Há, no entanto, para apreciar, cerca de 500 obras, algumas das quais em armazém, cuja expedição para as bibliotecas não poderá fazer-se até que sejam aprovadas.

7 - Para terminar, uma referência às críticas que de há tempos a esta parte vêm a ser feitas na Imprensa, ao ministério, por motivo destes saneamentos.

É patente a má intenção da generalidade dessas críticas. Com efeito, se não custa a admitir que seja discutível a decisão tomada em relação a uma ou outra obra, não pode conceber-se que, seriamente, se ponha em causa a decisão de expurgar as bibliotecas dos livros mais directamente relacionados com o ideário do regime deposto, e daqueles outros que, por definitivamente desactualizados (caso dos livros técnicos) ou por aflitiva carência de qualidade literária, em nada podem aproveitar aos utentes das bibliotecas.

Importa sublinhar ainda, que, ao contrário do que a maior parte das críticas insinua, a selecção das obras não obedeceu a temas - não poderia haver a intenção de «sanear» Santo António ou a História de Portugal - tendo tido por objecto os textos com as suas qualidades e defeitos e não os assuntos. Simplesmente, a vida de um santo, ou a História Pátria, podem ser contadas de muitas maneiras, nem todas objectivas nem sequer isentas nas suas intenções» (in 25 de Abril: A Revolução da Vergonha, Literal, 1977, pp. 263-268).


















Destruição da sede do Partido Comunista em Braga, a 11 de Agosto de 1975. 









Ver aqui



Retrato do actual regime comuno-socialista (25 de Abril de 2016).



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NÃO APAGUEM A MEMÓRIA


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