domingo, 3 de janeiro de 2016

A sombra

Escrito por António Nobre




As Plêiades ou Constelação Sete-Estrelo




Não tarda a sombra, aí. Vai alto o Sete-Estrelo
São horas dela vir. Minha alma, atende!
Que já a Lua, a sentinela, rende
Na esplanada do céu, às portas do castelo...

Oiço um rumor: talvez... Ei-la, é ela: ao longe, avisto
Seu vulto em flor: postas as mãos no seio,
Com o cabelo separado ao meio,
Todo caído para trás, como o de Cristo!

Sorri. Que linda vem, Jesus! Que bem vestida!
Quantas lembranças deste peito arranco!
Foi assim que primeiro a vi, de branco,
Foi nesse traje que ela sempre andou, em vida!

Que luz projecta! Que esplendor! Parece dia!
Os galos cantam, anunciando a aurora...
Ide deitar-vos que ainda não é a hora,
Dorme teu sono, sossegada, ó cotovia!

Mas vós, ó pedras, afastai-vos, que ela passa!
Silêncio, rouxinóis, eu quero ouvi-la...
Terá ainda a mesma voz tranquila?
Ah! ainda é o mesmo o seu andar, cheio de graça...

Mas ao passar por mim, como dalgum perigo,
Foge. (Talvez já seja tarde...) Ó Clara!
Nuvem! Fantasma! Ouve-me! Pára!...
E oiço a voz dela num murmúrio:
«Anda comigo...»

António Nobre («Só», Coimbra, 1888).




Coimbra































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