domingo, 6 de dezembro de 2015

Uma Constituição para Portugal (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte






«Não sei se o regime político salazarista, que esteve instalado entre nós durante cinquenta anos (...) terá sido um regime de inspiração hegeliana. Mas hegelianos foram, decerto, muitos aspectos da sua Constituição Política, plebiscitada em 1933, graças - segundo então se dizia - à intervenção na elaboração do respectivo texto do jurista monárquico Fezas Vital.

Esse ano de 1933 ainda era abrangido pelas comemorações do centenário da morte de Hegel em 1831. E se até à data dessas comemorações as obras de Hegel dificilmente se podiam encontrar na própria Alemanha, depois de então as edições e as traduções multiplicaram-se em muitos países da Europa e América. Em Portugal, nos anos sessenta e por iniciativa do movimento da "filosofia portuguesa" - ou da "escola" de Leonardo Coimbra - e realização da Livraria Guimarães, sempre ligada àquele movimento, editaram-se as primeiras traduções do famoso filósofo: a destes "Princípios da Filosofia do Direito" e a da "Estética". Por aí se ficou quanto a Hegel. A "cultural oficial", centrada nas Universidades do Estado, apontou sobre tais edições as suas armas habituais, sempre destinadas a paralisar a actividade intelectual: quer pela insídia quanto à fidelidade das traduções, quer pela exigência, supra e falsa erudita, segundo a qual a compreensão da obra de Hegel só se obtém nos textos originais (ignorando assim que o próprio Hegel afirmara o contrário), quer sobrepondo àquelas duas obras hegelianas outras, mais "modernas", sobre os mesmos assuntos (um professor universitário chegou a procurar-me para me dissuadir de continuar a tradução da "Estética" - que ele era incapaz de compreender - oferecendo-me, em troca, editor e compradores para uma tradução da "História da Arte" de E. Faure).

Com toda esta poderosíssima e incansável hostilidade, as traduções das duas obras de Hegel foram-se editando e reeditando, sendo esta a 4.ª edição dos "Princípios da Filosofia do Direito".

A escola da "filosofia portuguesa" não é uma escola hegeliana. Longe disso. Hegel é, como todos os pensadores alemães (ou mais e melhor do que todos os pensadores alemães) o filósofo da vontade. A "filosofia portuguesa" ignora a vontade e é uma filosofia do pensamento, quer dizer: conserva e actualiza o primado do pensamento que, na tradição escolástica, os alemães substituíram pelo primado da vontade.

Hegel é, para empregarmos um termo de Santana Dionísio, a culminância da filosofia alemã e a perfeita sistematização da filosofia moderna ou da filosofia que deu origem à ciência moderna ou, ainda, da filosofia que constitui a última possibilidade de a ciência moderna adquirir plena consciência de si no momento em que se esvai conduzindo os homens e o mundo aos limites de uma catástrofe universal e trágica.

Os cientistas - até os mais atentos, preocupados e temerosos da situação a que a ciência moderna conduziu, como Poincaré, A. Whitehead ou Max Born - não se dão conta disto que o hegelianismo constitui para todo o cientismo e seus prolongamentos técnicos. Uns, seguem suas vias muito pessoais. Outros preferem conservar-se eufóricos e inconscientes. Outros ainda preconizam o "regresso a Kant" que é manifestamente, o incondicional apologeta do conhecimento científico, quem o defendeu da crítica demolidora de D. Hume e, no mesmo passo, deu início à filosofia alemã, ou ao "idealismo alemão", que, transitando por Fichte, culminou em Hegel.

O kantismo consiste - como em geral se não ignora - na tentativa de demonstrar que só é cognoscível a realidade dos fenómenos que a ciência moderna se dedica a conhecer. A realidade em que o pensamento (ou a razão pura) se situa será incognoscível. Noutros termos: o pensamento pensa o que se conhece e o conhecimento não resulta do pensamento.



Manuel Kant



Os epígonos de Kant viram bem que esta concepção ficava à margem da filosofia e a tornava inviável, pois só há filosofia onde o conhecimento resulta do pensamento que se pensa a si próprio como o único real de que participa tudo o que se pode dizer real. A sistematização de Hegel destinou-se a restabelecer a filosofia mas dentro da concepção kantiana ou a partir dela preservando-a. Para o conseguir, Hegel situou no início de tudo o que é pensar (e insistindo que tudo o que é pensar depende do seu início) a tese de que o não-ser é e o ser não é, tese que coloca na abertura da sua "Ciência da Lógica". Nesta tese se fundava para salvar o kantismo com a sua ciência moderna. Com efeito: o fenómeno cognoscível, objecto da ciência moderna, pode não possuir fundamento ôntico, pode não-ser, mas isso não o impede de ser, visto que não-ser e ser são o mesmo, e a natureza, o mundo e a sociedade - compostos, como são, de aparentes e transitórios fenómenos ou não-seres - nada são, por um lado, enquanto não-seres mas, por outro lado, são porque o não-ser é o mesmo que o ser. Ou porque o não-ser, nada sendo sem o ser e, no entanto, estando aí (na natureza, na sociedade, no mundo), só aí pode estar graças a essa identificação com o ser. Quem estabelece, quem conhece a identificação é algo de muito diferente, até contrário e oposto, ao fenómeno e à aparência, à natureza e à sociedade, às quais é superior e as domina: o espírito.

O espírito manifesta-se, como não-ser, no fenómeno, e é isso que a ciência moderna conhece. O espírito conhece-se como ser na religião, na arte e na filosofia (Hegel chama, ao espírito que se conhece como ser, espírito absoluto). A religião, a arte e a filosofia têm, cada uma, seu domínio singular e próprio. O domínio da filosofia é o pensamento que introduz o ser no não-ser (para os identificar) impondo, ou aplicando, suas leis à natureza (e é isso a ciência moderna), impondo as suas formas à sociedade (e é isso o Direito).

Esta sistematização só aparentemente restabelece a filosofia e o primado do pensamento que o kantismo havia abolido. O leitor já facilmente observará que tudo aí reside na vontade, isto é, na sujeição da natureza e da sociedade a leis e formas que são elaboradas, ou "pensadas", fora delas e soberanamente, mas sem a garantia de verdade que só teriam se fossem pensadas dentro delas, conforme o princípio da "filosofia portuguesa" estabelecido por Leonardo Coimbra e que podemos enunciar assim: "toda a realidade é penetrada de pensamento, que a excede". Ou conforme a "teoria do ser e da verdade", de José Marinho, segundo a qual a condição pré-natural, pré-social, até pré-filosófica e, enfim, absolutamente prévia, é a identificação de tudo o que é (e de tudo o que está sendo - o fenómeno - para deixar de ser ou para ser não-ser, como diz Hegel, ou para ser nada, como diz Marinho), a identificação de tudo o que é, repetimos, com a verdade.

A "filosofia portuguesa" está, pois, nos antípodas do hegelianismo e da modernidade. O que há de mais sério na modernidade é o seu início em Santo Agostinho e o seu termo em Hegel. O que há de mais sério na "filosofia portuguesa" é a sua actualização do aristotelismo. "Aristóteles - reconheceu Delfim Santos - é o pensador sempre presente em todos os pensadores portugueses". A filosofia de Leonardo Coimbra é um dramático e até trágico, um emocionante e arrebatador percurso, desde o platonismo e seu prolongamento na modernidade (a de Kant e da ciência moderna), até ao cristianismo e ao aristotelismo: A obra de Álvaro Ribeiro é uma teorização actualizadora da filosofia aristotélica. Na geração actual e actuante, Banha de Andrade dedicou-se ao estudo e reedição dos textos aristotélicos "conimbricenses" e Pinharanda Gomes lançou mãos e talento à tradução do "Organon", a primeira tradução portuguesa, depois da contra-reforma, de um livro de Aristóteles. E esse livro é o "Organon" ou a lógica. A "Ciência da Lógica", de Hegel, é a articulação das teses opostas, pari passu, às teses da lógica aristotélica. Esta começa, tem início, no chamado princípio de não-contradição: "de nada se pode dizer, ao mesmo tempo, que é e que não é"; a de Hegel começa, tem início, no princípio, que se pode chamar de contradição: "de tudo se deve dizer, ao mesmo tempo, que é e que não é".





A atenção da "filosofia portuguesa" ao hegelianismo, termo da modernidade, tem correspondente na atenção que prestou, num espantoso mas não lido livro de Pascoaes, ao agostinianismo, início da modernidade. Esta tradução dos "Princípios da Filosofia do Direito" é um modesto sinal da honestidade com se atende ao hegelianismo, sinal que está longe de sequer ter esboçado a "cultura oficial" com sua inspiração, ou apenas pretensão, num hegelianismo de baixa versão socialista. É também demonstração da sábia seriedade com que prossegue a actualização da filosofia clássica».

Orlando Vitorino (Prefácio do tradutor à 3.ª edição de Hegel, «Princípios da Filosofia do Direito»).


«A Ilustração, ou Aufklärung, dada por finda em Kant e nos Românticos, deixou problemáticas de fundo em aberto. Legou, aliás, uma riquíssima herança ao debate filosófico e teológico, e também científico, que se revestiu de um idealismo absorvente, com três maiores orientações, ou tendências: o Idealismo subjectivo de Fichte, o Idealismo objectivo de Schelling, e o Idealismo absoluto de Hegel. A primeira metade do século XIX, uma vez que Schelling, com suas mutações, faleceu em 1851, pode dizer-se ocupado por este universo tético de pesquisa na conciliação do real e do ideal. É o que se chama assunção do infinito, no trânsito do Idealismo transcendental de Kant para o Idealismo absoluto de Hegel, um filósofo que, em termos de biografia, viaja da Teologia para a Filosofia, uma vez que a sua primeira iniciação é de facto teológica, e foi-lhe deveras útil para atingir a organicidade sistemática, depois de Aristóteles e de Tomás de Aquino raro ou nunca conseguida, mas de algum modo perfeita na obra de Hegel que, por isso, alguns consideram como o "Aristóteles da modernidade"».

Pinharanda Gomes (Introdução à Vida e Obra de Hegel, in G. W. Friedrich Hegel, «Estética»).


«O espírito absoluto opõe-se a si mesmo, na sua comunidade, como espírito finito: só é espírito absoluto quando é reconhecido como tal na comunidade. Como esse é o ponto de vista da arte, considerada na mais alta e verídica dignidade, logo aparece evidente que a arte se situa no mesmo plano da religião e da filosofia. Isto têm de comum a arte, a religião e a filosofia: exercer-se o espírito finito sobre um objecto que é a verdade absoluta. Na religião, o homem eleva-se acima dos seus interesses particulares, acima das suas opiniões, representações, tendências pessoais, acima do saber individual, para a verdade, quer dizer, para o espírito que é em si e para si. A filosofia tem por objecto a verdade; pensa a verdade e o seu único objecto é Deus. A filosofia é, essencialmente, teologia e serviço divino. Poderá ser designada, se assim se quiser, pelo nome de teologia racional, de serviço divino do pensamento. A arte, a religião e a filosofia só diferem quanto à forma; o objecto delas é o mesmo».

G. W. F. Hegel («Estética», tradução de Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino).


«O leitor aprenderá neste livro como Hegel faz da propriedade um dos "Princípios da Filosofia do Direito" e condição indispensável para a harmonia, a prosperidade e a mesma existência da "sociedade civil". Não encontrará, todavia, o conceito de propriedade apresentado como forma da relação entre o homem e as coisas ou entre o homem e o mundo, embora seja essa, já entre os gregos, a forma superior do conceito de propriedade, a que está subjacente a todo o direito romano (que Hegel depreciava), a que, tendo-se evanescido com o industrialismo, conhece, nos últimos tempos, os sinais de um novo ressurgimento.

Orlando Vitorino


Com a economia política, que surgiu com o industrialismo, a propriedade foi reduzida a uma forma económica. Também Hegel a situa ou limita no sistema da economia a que chama, de acordo com o conceito de economia, "o sistema das carências humanas". Mas a economia é um sector do real e, como todo o real, contém uma razão. Mais uma vez, Hegel não deixa de insistir: "no sistema das carências humanas há uma racionalidade imanente que o constitui num todo orgânico de elementos diferenciados" (parág. 200).

Não há racionalidade sem categorias, e as categorias são, aqui, os "elementos diferenciados" que se "constituem num todo orgânico". Entre as categorias económicas, a primeira é a propriedade. Hegel mostra que, "antes da actividade e do trabalho", é "nas coisas exteriores que são também propriedade" que reside "o meio de satisfação das carências" (parág. 189); e vê que a terra é, por excelência, a "coisa exterior" susceptível de propriedade, acrescentando: "o solo agrícola só pode ser, em rigor, propriedade privada" (parág. 203). Presta homenagem à economia política - "uma das ciências que nos tempos modernos surgiram como em terreno próprio" - por procurar "descobrir no domínio das carências a racionalidade que pela natureza das coisas existe e actua", mas não deixa de observar e prevenir: "esse é também o domínio onde o intelecto subjectivo e as opiniões da moral abstracta desafogam sua insatisfação e seu azedume" (parág. 189).

Depois de Hegel, a economia política orientou-se definitivamente para o abandono da "racionalidade imanente ao sistema das carências" deixando-se guiar, precisamente, pelo "intelecto subjectivo e as opiniões da moral abstracta": as categorias foram criticadas e repudiadas e, em consequência, a racionalidade foi substituída pelo intelectualismo abstracto das "planificações económicas" que, ditadas pelos ideais vazios de igualdade dos homens e da distribuição da riqueza, se combinaram na designação - ignorada de Hegel - de socialismo. No decurso de uma experiência ainda não terminada a que tem sido sujeita a capacidade de sofrimento de muitos povos, os homens, ou aqueles que os comandam, parecem ainda longe de aceitar que, como sempre se soube, a igualdade dos homens é um absurdo e as doutrinas dela derivadas são, nos termos de Hegel, "doutrinas vis e trapaçadas do livre arbítrio", que, como a ciência económica anterior e posterior às sucessivas fases da economia política demonstrou (Walras Pareto, von Mises, Schumpeter, etc.), a "planificação económica" é - na ausência das categorias, sobretudo as da propriedade e do mercado - a pura irracionalidade, e que o domínio do irreal não encontra melhor exemplo do que a inviabilidade da igual distribuição da riqueza».

Orlando Vitorino (Prefácio do tradutor à 2.ª edição de Hegel, «Princípios da Filosofia do Direito»).




Socialismo e internacionalismo



Mário Soares



Já cá mora o testemunho insuspeito de quem, à semelhança de Sá-Carneiro, se sentiu atraído pelo sistema socialista nórdico, ou, se quisermos, pela social-democracia dos países escandinavos. Falamos, pois, de Rui Mateus cujo livro Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido, constitui a revelação de como o socialismo, designadamente o soarista, logrou amordaçar a existência política, económica e cultural dos Portugueses. No mais, tudo se processa a par de um provincianismo que caracteriza o próprio autor e os seus compagnons de route, pois o modo como, por entre peripécias em que sobressaem os planos de controlo e subversão do Estado, partidos, fundações e comunicação social, se alude, num misto de inocência e desfaçatez, às férias passadas na Áustria a fazer esqui, ou ao contacto, no Japão, com «a componente da Trilateral» – de que, aliás, Rui Mateus fora membro entre 1987 e 1992, «juntamente com António Vasco de Mello, Francisco Pinto Balsemão, Ilídio Pinho e Jorge Braga de Macedo» –, não pode deixar cair no esquecimento aquela distinção que já Frederico Hayek preconizara nos seguintes termos: «no capitalismo, só os ricos são poderosos; no socialismo só os poderosos são ricos».

Nesse aspecto, o contraste com Oliveira Salazar permanece profundamente revelador se, para o efeito e a título de exemplo, atentarmos no que Franco Nogueira assentou a respeito da perda de Goa:

«(...) Salazar tem no coração e na alma todas as dores de Portugal. Mas o chefe do governo vê e sente com clareza, sobretudo, a aridez da sua vida, a desolação de toda uma existência. Sente-o quando uma mulher ignorada lhe oferece, como dádiva moral pela perda de Goa, um pequeno cofre, rico exemplo de arte luso-indiana, com um emblema e uma chave de cristal e oiro. É objecto de preço, segundo Salazar julga, e não pode aceitá-lo. Para quê? Quem o cuidaria? Quem o estimaria? Na carta em que o devolve, Salazar diz: “Eu não tenho ninguém e depois de mim tudo se dispersará e perderá significado e valor”. Apenas “gostaria de encontrá-la um dia e agradecer-lhe de viva voz tanta dedicação e tão elevado patriotismo”» (14).

Um contraste, portanto, altamente significativo se procurarmos atender ao facto de, uma vez implantado o regime comuno-socialista em Portugal, ter conseguido Mário Soares, apoiado em organizações políticas e financeiras internacionais, organizar «uma "poderosa rede de influências" sobre o aparelho de Estado através da colocação de amigos fiéis em postos-chave». Assim, desde a «conta especial do Mário» no Bank fur Gemeinwirtschaft em Francforte, que, segundo Rui Mateus, «movimentaria somas consideráveis», passando pelos banquetes socialistas como aquele em que, na América Latina, o autor também participara com caviar do Irão servido «em quantidades incompatíveis com a miséria que se sentia por toda a parte daquele país [Peru]», até ao memorável repasto que, aquando da cerimónia do presidente recém-eleito (Mário Soares) na Assembleia da República, trouxera a Portugal Frank Carlucci, George Bush, François Mitterrand, Lionnel Jospin, Felipe González, Betino Craxi e Willy Brandt -, eis, pois, como os Portugueses foram cabalmente traídos sem que disso tivessem a menor e a mais funda consciência.






Deste modo, deveras pertinente é o testemunho dado por Rui Mateus em livro que, desde logo subtraído do mercado livreiro, nos revela o que foi e continua sendo a mais poderosa organização socialista largamente responsável pelo descalabro político, económico e espiritual dos Portugueses. De resto, o testemunho de Rui Mateus vale sobretudo pela forma como nos relata, com base no seu papel enquanto agente de “relações internacionais” ao serviço de «instruções superiores», nomeadamente as de Mário Soares (15), o que verdadeiramente caracteriza o perfil alegadamente democrático do Partido Socialista Português. Logo, não obstante o que se afigura ser um ajuste de contas do autor com o ex-secretário-geral do Partido Socialista, a verdade é que, deduzidas as suas esperanças sobre o que chama de «generosa revolução», ou descartada a sua crença no «socialismo democrático», o relato de Rui Mateus é, ainda assim, a maior e a mais evidente prova que um socialista nos poderia facultar sobre os meios e os instrumentos que o socialismo dispõe para destruir, como efectivamente destruiu, Portugal.

De resto, alguns aspectos inerentes ao socialismo do pós-25-de Abril também se devem, de certa forma, aos erros e contradições em que se deixara envolver o Estado Novo, quanto mais não fosse por ter alimentado, nas palavras de Álvaro Ribeiro, a «esperança de quantos pensavam que o equilíbrio financeiro antecedia o planeamento económico, precursor do socialismo» (16). Porém, não menos alarmante era o que já então sobressaía na forma atentatória de um internacionalismo dirigido contra a presença portuguesa em África, na Ásia e na Oceania. E, como tal, de um internacionalismo que, uma vez destruída a estrutura multirracial e pluri-continental da Nação portuguesa, passaria pelo apoio ideológico e financeiro da Internacional Socialista ao Partido Socialista Português, bem como pelo correspondente aval das sucessivas administrações americanas.

Quanto à ingerência dos EUA, é por demais conhecido o papel desempenhado por Frank Carlucci, que chegou a Portugal em Janeiro de 1975 para substituir, na Embaixada americana em Lisboa, o embaixador Stuart Nash Scott. Não fora, portanto, pequena a sua acção em prol da implantação do socialismo em Portugal, pois, se bem que um antigo embaixador do nosso País em Washington, João Hall Themido, tivesse afirmado, em seu livro de memórias, Dez Anos em Washington, «que Carlucci terminou a sua missão em Portugal em finais de 1978 quando foi designado director adjunto da CIA», a verdade é que, consoante assinala Rui Mateus, «Carlucci seria de longe mais útil a Soares depois da sua nomeação para a CIA do que seria, de qualquer modo, a partir de 1978, à frente da embaixada de Lisboa».





Porém, quanto à ingerência da Internacional Socialista, atentamente seguida pela política externa americana, convém relembrar aquele episódio em que Mário Soares e demais camaradas procuravam contribuir para a propagação do socialismo à escala internacional. Ora, um tal episódio, contado por Rui Mateus, consiste no seguinte: Mário Soares, designado em 1978 para chefe de várias missões da Internacional Socialista na América Latina, fora à República Dominicana para intervir no processo eleitoral a favor do candidato presidencial do Partido Revolucionário Dominicano, António Guzman, que teria sido convencido pelo secretário-geral do partido, José Francisco Peña Gomez, a candidatar-se contra Balaguer que, no mais, era um admirador de Salazar; nisto, Mário Soares, acompanhado de Rui Mateus e pelos delegados da Internacional Socialista, incluindo o seu secretário-geral, seria recebido no aeroporto pelo «Presidente da República com todo o seu governo e corpo diplomático ao fundo de uma carpete encarnada»; ora, Mário Soares, que aterrara como um agente da Internacional Socialista, via-se agora «tratado como primeiro-ministro de Portugal e a visita subitamente transformada numa visita oficial», sendo ainda recebido no palácio presidencial onde o presidente Balaguer «falaria do seu País, do apoio que o seu governo tinha dado na ONU ao governo de Portugal sobre a questão colonial, a troco da exportação de açucar para o nosso País»; de resto, Balaguer nunca perguntaria pelo propósito da visita de Soares e seus correligionários à República Dominicana, mesmo depois de lhe terem dito que estavam ali para apoiar o PRD, o partido que o pretendia derrubar.

Além do mais, uma parte significativa do relato dessa visita surge um pouco à semelhança do que já Aristóteles, relativamente à comédia, traduzira nos termos daquela espécie de vícios que, por defeito, assinalam o ridículo cuja natureza é ser apenas torpeza anódina e inocente:

«O entusiasmo era tanto que Soares "regressou" aos tempos do PREC [Processo Revolucionário em Curso] e, perante o espanto do general do exército que Balaguer tinha colocado às suas ordens, tomou conta da situação, ordenando ao tímido António Guzman que erguesse o punho e gritasse as palavras de ordem. A principal, recordo-me como se fosse hoje, era "Peña, timón de la revolución", ou Peña, timoneiro da revolução. O grande comício, que duraria praticamente todo o dia, iria acabar num anfiteatro apinhado de gente em que foram produzidos os discursos mais revolucionários e mais cómicos que eu ouvira até então. O entusiasmo era indescritível e a desorganização também. No discurso final, Peña Gomez decidiu chamar os delegados internacionais, um por um, entregando-lhes medalhas e certificados do seu Partido agradecendo a nossa solidariedade. Cada um era recebido com tanto entusiasmo e barulho que o teatro parecia em risco de desmoronamento. Seria um acontecimento inesquecível e os membros da delegação não sabiam se acabariam por morrer esmagados pelo entusiasmo popular ou de riso. Ao sermos mencionados pelo orador, os nossos cargos políticos seriam todos inflacionados de tal maneira que era impossível conter as gargalhadas, que durariam todo o resto da viagem. Quando anunciaram Volkmar Gabert, deputado do SPD da Bavária, chamaram-lhe primeiro-ministro da Bavária, despromovendo completamente o conservador Franz Josef Strauss e nem o assessor diplomático de Soares escaparia, quando foi chamado à tribuna em último lugar para receber o seu diploma como “Francisco Knopfli, secretário-geral da juventude socialista portuguesa"! Diplomata de carreira que era, ia morrendo de susto e deu graças a Deus por não ter aparecido na TV portuguesa, quando timidamente retribuiu o estrondoso aplauso com o punho esquerdo no ar!».

Mas a surpresa não se faria esperar, quando, «nessa madrugada, os militares dominicanos tomariam conta do poder, começando por prender dirigentes do PRD em todo o país», e, por isso, a considerar a «delegação soarista» como «persona non grata» na República Dominicana. Moral da história: Mário Soares, que andara mais de 24 horas de punho no ar a dar vivas ao PRD e a gritar «abaixo a ditadura», concluíra, com os seus compagnons de route, que o mais indicado era deixarem a República Dominicana, onde, uma vez chegados ao aeroporto, os esperava o avião do presidente da Venezuela, Carlos Andréz Perez, e o «presidente Balaguer, o Governo, os militares e o corpo diplomático a apresentar cumprimentos de despedida!».






Contudo, o mais espantoso é que António Guzman, no espaço de duas semanas, ganhara as eleições presidenciais, pese embora repudiadas pelos militares dominicanos. E se não fosse a intervenção favorável do presidente Jimmy Carter à revelia da política externa dos EUA no seu tradicional apoio às ditaduras sul-americanas, António Guzman nunca teria chegado a presidente da República Dominicana.

De facto, o socialismo, sob pena de trazer a ruína e a miséria aos diferentes povos e nações do mundo, não se afigura «uma opção política válida» tal como António Quadros admitira num horizonte teoricamente democrático, até porque, em certos e determinados casos, o socialismo só aparentemente surge desprovido de sua expressão totalitária e revolucionária (17). Logo, enveredar pelo socialismo equivale a uma dolorosa ilusão largamente exposta no livro de Rui Mateus que, segundo consta, «não aparece desde 28 de Janeiro de 1996» – «uns dão-no na Suécia, outros no Brasil – vendeu 30 mil livros num só dia. A quem? Nunca se saberá, porque a editora nunca o disse e nunca publicou nova edição. Hoje a Internet já disponibiliza o seu livro gratuitamente» (18).

Por outro lado, Portugal Amordaçado é o título de um livro que Mário Soares premeditou em São Tomé para atacar o regime de Salazar, e que, entre nós, só seria publicado em 1974 com o advento do comunismo. Entretanto, sabemos hoje o que Mário Soares e seus camaradas socialistas fizeram ao longo dos últimos quarenta anos para instaurar uma ditadura política e económica no extremo ocidental da Península Ibérica. Basta, aliás, olhar para a situação deplorável a que os Portugueses chegaram, e, de permeio, aproveitar para recordar Franco Nogueira que já, em 1978, discorria sobre as enormes dificuldades que Portugal enfrentaria num futuro obscuro:

«Li há pouco, afirmado por um responsável português, que não há perigo em pedir dinheiro emprestado porque não há memória de um país ir para a bancarrota. Fica-se aturdido perante esta irresponsabilidade. Dir-se-á que se procura criar o sebastianismo do empréstimo externo. Acredite-se que os credores apresentarão a sua factura; esta será política, e traduzir-se-á na perda da independência nacional, ou será económica, e o país transformar-se-á numa colónia do estrangeiro. Aliás, uma coisa equivale à outra, e esta situação está já a produzir-se. Ninguém o diz com mais amargura do que eu, mas a verdade é que Portugal não é hoje um país que se possa determinar com autonomia, nem de momento está em posição de escolher livremente as opções ou alternativas que mais convenham aos seus interesses. Acha que estou a exagerar? Veja: há pouco a revista francesa Express publicou um artigo sobre Portugal cujo título era: "Novo governo em Lisboa, o do Fundo Monetário Internacional". E perante o descalabro em que o país continua, não nos devemos surpreender se amanhã o FMI, que decerto já controla as nossas instituições financeiras, exigir ainda a instalação de técnicos seus em Lisboa para fiscalizar e determinar como se gastam os fundos que pedimos emprestados…» (19).


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European Central Bank (ECB).




Sede do Banco Central Europeu em Frankfurt am Main, Alemanha.







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Ora, o FMI, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu e toda essa sucessão de instituições internacionais especializadas no controlo e na transferência de poderes nacionais para centros de decisão supranacional, representam hoje em dia um facto incontornável. Estamos assim perante uma realidade em que se combinam organizações burocráticas e meta-capitalistas que, por um lado, alargam e estendem os seus tentáculos políticos, jurídicos e tributários a um nível local, regional e global, e, por outro, criam e financiam movimentos terroristas espalhados por zonas e pontos estratégicos do planeta. Tal é, por consequência, o que permite explicar, em Portugal, a sistemática aplicação de uma política fiscal que, progressivamente taxada sobre os rendimentos das empresas e dos particulares, parte de estratagemas contabilísticos que ora reforçam o poder da oligarquia política, ora tornam os portugueses inteiramente dependentes do crédito estrangeiro devido à baixa produtividade totalmente absorvida por taxas, tributos e contribuições ilimitadas.

Por conseguinte, o que se tem passado à volta do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata integra-se perfeitamente no esquema acima delineado. E assim é porque ao longo dos últimos quarenta anos estes dois partidos endividaram, saquearam e venderam Portugal. Mais: esses mesmos partidos têm ainda ao seu dispor um rol de analistas, universitários e jornalistas que, aparando a perpetuação do crime, se repetem, desdizem e contradizem num cenário de loucura generalizada.

De resto, o socialismo é aqui o denominador comum, de modo que, ao vermos partidos de extrema-esquerda condenarem o que denominam por "política de direita”, é coisa absurda e patética. Antes de mais, é preciso não esquecer que toda a “classe política” é, entre nós, um nado-morto oriundo da revolução comunista de 1974. Agora sim, é que temos o “Portugal Amordaçado” mercê de quem, acompanhado por Almeida Santos e outros agentes do socialismo destruidor, desempenhara papel de relevo no chamado processo da “descolonização” que tão útil fora para o poderio político-financeiro global.














No fundo, como bem vira Franco Nogueira, todo este processo fora programado, coordenado e aproveitado por forças internacionais que passaram completamente despercebidas ao povo português. Hoje, esse povo está claramente sofrendo e pagando as consequências de uma tragédia abominável, quanto mais não seja por ver o seu futuro hipotecado nas mãos de quem faz do Estado e das instituições uma permanente revolução contra a fisionomia espiritual da Pátria portuguesa.

No lance, está igualmente a Universidade, mais poderosa ainda que os partidos políticos e a Maçonaria. É, pois, dela que saem os intelectuais versados nas mais variadas correntes revolucionárias, pese embora nem sempre conscientes do processo pelo qual foram ideologicamente formatados. E é da universidade que também sai a "classe jornalística" prontamente comprometida com os dogmas, os sofismas e os paralogismos do socialismo triunfante, e à qual se vem juntar o professorado do ensino elementar e médio, assim como a esmagadora maioria dos economistas, políticos e tribunos de orientação antinacional.

Depois, convém ainda relembrar que a nossa moeda perdurou até princípios de 2002, data em que o escudo português, na sequência da taxa de conversão estabelecida em 31 de Dezembro de 1998, fora preterido pelo euro. Ora, uma vez que Portugal perdia assim um instrumento de liberdade, é natural que o câmbio até então operante entre as diferentes moedas recuasse perante o novo sistema monetário europeu. Todavia, Orlando Vitorino chegara a descrever e a sistematizar todo um processo que, anterior à moeda única europeia, permite entrever o papel essencial das várias entidades nacionais para o livre funcionamento do sistema da economia. E é precisamente neste ponto, ignorado, senão mesmo desprezado pela maioria dos teorizadores da ciência económica, que o dinheiro ganha um outro significado se especialmente considerado na qualidade de mercadoria entre as demais.

Daí a questão fundamental do padrão-ouro tão ostensivamente descurada pelos economistas catedráticos de renome, como Miguel Beleza, Braga de Macedo e Pina Moura. O primeiro deles chegou mesmo a minorar, num debate televisivo, a importância e a virtude do padrão-ouro no sistema monetário internacional, escudando-se em Keynes que via no ouro o «remanescente de uma era de barbárie». E note-se ainda que Miguel Beleza fora um dos principais responsáveis pelo processo de adesão de Portugal à União Económica e Monetária.














Outro facto é a total ou parcial incapacidade de jornalistas, politólogos e economistas para seriamente verem, de uma vez por todas, que Portugal se encontra totalmente dependente de organizações internacionais, e, por isso mesmo, sem nenhuma margem de manobra para actuar, livre e soberanamente, no plano político, financeiro e económico. Aliás, Pina Moura, que também teve a sua quota-parte de responsabilidade no já longo processo de desagregação nacional, disse mesmo na televisão que a nossa soberania só é susceptível de ser entendida na forma de uma «soberania partilhada». Enfim, esta geração foi, juntamente com a anterior, uma das piores gerações que Portugal já teve ao longo da sua História.

No século XX, várias foram as ilustres personalidades da alta cultura portuguesa que se revelaram perfeitamente conscientes dos malefícios atribuíveis ao universalismo abstracto. É o caso de Álvaro Ribeiro que, no Diário da Manhã de 13 de Janeiro de 1964, declarara, em o ideal civilizador dos Portugueses é imensamente superior (incomparavelmente superior) àquele que tem sido proclamado na ONU, ter feito o possível para formar um escol de nacionalistas autênticos dotados de pensamento filosófico. Por outras palavras, não havia, na sequência do ataque à província de Angola (15 de Março de 1961), assim como da invasão de Goa a 18 de Dezembro do mesmo ano, uma especial atenção ao que já de si transcendia os problemas de acção política e militar nas fronteiras invadidas.

«Era na burocracia – dizia Álvaro Ribeiro – que Oliveira Salazar enquadrava a democracia orgânica mas representativa, mediante a qual alcançavam posições relevantes os homens gradualmente diplomados pelos serviços de Estado. A mentalidade dominante nas instituições públicas era a de certeza e rotina, em detrimento da imaginação inventiva e da pesquisa da verdade. As escolas recebiam o apoio financeiro do Estado Novo; os arquivos, as bibliotecas, os museus, as fábricas indispensáveis de cultura superior, gozavam de legislação decente; mas a vida do pensamento espontâneo, inspirado e livre, reflectido nas artes da palavra ou nas artes gráficas, era desdenhada pelo empirismo positivista que não sabia intuir nos movimentos as forças que os pressupõem, nem ver nas obras as consequências que se desenvolveriam em actos» (20).

É significativo notar que, com o fim da II Guerra Mundial e a consequente afirmação das potências vencedoras que davam por findo o nacionalismo político e filosófico, viria a maré alta do falso universalismo baseado numa cultura unificada para suposta defesa e salvaguarda da paz mundial. E, nisto, quem, de facto, a impunha era a Organização das Nações Unidas, mormente por intermédio da Unesco que tão logo se apresentara como instituição filosófica (21). Quer dizer: doravante, a filosofia deixaria de ser entendida como pensamento especulativo para virar «uma secção da Educação» ao serviço de uma ideologia propagadora da “democracia” e do “progresso”, uma vez que os problemas sociais, os únicos nominalmente concretos, passariam a constituir a preocupação dominante.







Há aqui, portanto, um propósito de ordem sociológica que visa fazer da filosofia um instrumento dependente do poder político, como, aliás, parece resultar do teor da seguinte passagem:

«É certo que os filósofos dificilmente suportam ver o seu pensamento subordinado às vicissitudes da política. Nós não exigiremos da sua parte que intervenham nas questões políticas, mas somente que se pronunciem sobre questões morais e de filosofia social».

Ora, perante isto, já Álvaro Ribeiro sabia que:

«A proliferação de estudos sociais e de estudos sociológicos em todo o hemisfério designado por ocidental, com a multiplicação de gabinetes, centros, institutos, faculdades e outras escolas, acusa uma tendência doutrinária que me parece perigosa na medida em que tende a minimizar ou a minorar os estudos de psicologia. A sociologia sem psicologia conduz à inversão, e portanto à falsificação, dos métodos explicativos e racionais. Ora a UNESCO está impregnada deste sociologismo tão internacionalista como abstracto, contra o qual não podem deixar de opor-se todos os intelectuais religiosos e todos os intelectuais espiritualistas que meditem sobre o destino transcendente da humanidade» (22).

Deste modo, de nada vale objectar que a Unesco declare a filosofia como estando num plano superior ao das outras disciplinas, ou que os filósofos, jamais substituindo os especialistas de outros domínios, devam, ainda assim, dar uma «unidade intelectual» aos fins doutrinários daquela instituição. Caso contrário, teremos a vulgarização de uma cultura filosófica internacional segundo as directrizes e a nomenclatura do programa da Unesco, tal como expressamente delineado pela Comissão preparatória de 24 de Junho de 1946. Por conseguinte, este programa, profundamente adverso ao princípio das nacionalidades, representa apenas uma ideologia propensa a impor medidas, declarações e regulamentos globalmente consagrados.










Quartel-General da Unesco em Paris.



Daí que, se já Álvaro Ribeiro, no seu tempo, afirmara estarem os problemas pedagógicos e filosóficos confiados a especialistas de informação estrangeira, o que hoje não diria perante o lamentável espectáculo de uma disciplina que, no meio escolar, abdica da filosofia para promover a idolatria do cidadão. Logo, muito dificilmente se poderá escapar a uma cultura globalmente unificada onde tudo conspira para extinguir a realidade nacional na ordem da abstracção supranacional. Basta, aliás, ver como estão planificados os programas mediante os quais, desde o ensino «básico» ao ensino universitário, se cumprem as «normas» e «sugestões» internacionais relativas às «disciplinas de humanidades e de letras», bem como tudo o que possa induzir ao positivismo e à tecnolatria.

Entretanto, se o nacionalismo português culminou igualmente numa fundamentação de ordem histórico-geográfica, é sinal de que podemos e devemos reconhecer «o portuguesismo e a consciência patriótica de Salazar e dos seus colaboradores mais sinceros», como já assim o reconhecera António Quadros na sua obra A Arte de Continuar Português. De resto, no tocante à ONU, a coisa é por demais indubitável, se, para o efeito, prestarmos a devida atenção a esta nota escrita e correctamente lida por Oliveira Salazar:

«Afigura-se-me que as Nações Unidas se encontram num passo crucial da sua vida, não porque tenham avançado no sentido da universalidade – foram criadas para albergar em seu seio todos os estados independentes – mas porque se vão afastando do espírito que presidiu à sua criação, ao mesmo tempo que substituem os processos de trabalho. É visível a tendência para converterem-se em parlamento internacional, a que não faltam mesmo sessões tempestuosas, partidos ideológicos e rácicos, arranjos de corredores. Para que a solução por que alguns anseiam se completasse, seria no entanto necessário sobrepor-lhe um executivo da confiança da Assembleia, o que oferece dificuldades, na medida em que os Estados Unidos se não disponham a custear a política aventurosa de alguns novos Estados ou a Rússia não esteja resolvida a trabalhar com um parlamento que não seja inteiramente seu, e esse não é ainda o caso. Mesmo sem governo e sem capacidade de impor normas obrigatórias para os Estados membros, esse parlamento pode criar – está já criando – através das suas tribunas e da ressonância que emprestam às afirmações produzidas, vagas de agitação, ambientes subversivos, estados de espírito que funcionam como meios de pressão sobre as nações estranhas aos grandes clãs da Assembleia. E tendo sido instituída para a paz, já ali se ouvem em demasia vozes que a não pressagiam» (23).

Ora, perante este cenário internacional patente no paralelismo das políticas de Washington e Moscovo contra Portugal, compreende-se que Álvaro Ribeiro – numa outra linha política que não a de Oliveira Salazar – pusesse a tónica nas razões da independência política do povo português, que eram, a seu ver, razões de ordem filosófica, posto que as únicas susceptíveis de legitimar a sua autonomia cultural. Nesse sentido, aclara:

«Nos termos vulgares da oratória parlamentar, de submissão a preconceitos, não é possível uma argumentação de valor transcendente, pelo que só resta à defesa o recurso de apelar reiteradamente para a energia moral».

Nisto, como que a confirmar o sobredito, vejamos, aquando da votação na ONU de um projecto de resolução apresentado pelo Ghana contra Portugal, estas palavras do delegado português:

«Pura e simplesmente, rejeito esta resolução: é um texto moralmente errado: e o que está moralmente errado não pode estar politicamente certo» (24).

No ensejo, António Quadros, de quem Orlando Vitorino referira o seu «inesgotável talento, aparentemente conciliador mas intimamente revulsivo» (25), também atentara no internacionalismo invasor. A obra em que melhor o exprime intitula-se Franco-Atirador, porque é justamente nela que o autor traça a dialéctica entre uma ideologia unificadora supranacional e a coexistência legítima de comunidades nacionais e patrióticas. Logo, mostrara-se particularmente sensível ao eventual surgimento de uma supranacionalidade federativa ou imperial, viesse ela da ONU ou das sucessivas Internacionais de ordem capitalista ou socialista.

Aliás, António Quadros propusera-se explicitar como uma tal ideologia utópica e totalitária seria ultrapassada pela própria realidade, não obstante a perpetuação de guerras, divisões e toda a espécie de conflitos internos e externos. Porém, a verdade é que, sem prejuízo da lúcida percepção que o autor manifestara sobre a relação de forças entre as potências mundiais, não vira até que ponto a dialéctica entre tais potências resultaria no que já hoje vários e distintos autores designam por Nova Ordem Mundial. Em poucas palavras, António Quadros não se apercebera da aliança oculta entre banqueiros internacionais e socialistas revolucionários com vista a reforçarem interesses e benefícios mútuos.






O caso, rigorosamente falando, radica no sistema monetário internacional, que já hoje reúne todas as condições indispensáveis para controlar as finanças, os mercados, a educação, os recursos naturais e a população mundial. Não há, pois, uma divisão rígida entre capitalismo e socialismo, ou entre o capital e o alegado sistema de distribuição da riqueza. Existe sim – conforme já demonstrado por Antony Sutton no seu livro Wall Street and the Bolshevik Revolution (26) – uma oligarquia financeira internacional que dispõe do socialismo para, mediante o seu potencial destrutivo, neutralizar toda e qualquer resistência aos seus planos de dominação mundial.

Acentuemos ainda que fora António Quadros quem apelara para uma «revolução» criadora na Universidade, ou, se quisermos, para uma renovação da criatividade intelectual no âmago do ensino superior. Pode, enfim, parecer uma ilusão alimentada pelo autor, dado o grau de consciência que sempre manifestara perante a grave situação de um ensino comandado pelas grandes culturas imperiais, quando não pelas máquinas político-ideológicas que introduziram entre nós o cientismo, o marxismo, o estruturalismo, etc. Além disso, o positivismo universitário ou académico seria, para António Quadros, um do seus alvos preferidos, como atesta o seguinte fragmento:

«Até certo ponto, é este o período que ainda vivemos - com repúdio da teologia ou da metafísica, relutantemente ensinadas como história -, e com todo um aparato de ensino positivo, dentro do qual o estudante tem de vencer os terríveis trabalhos de Hércules da aprendizagem mnemónica, da fixação de nomes, datas, factos. O ensino positivista tem sido mesmo definido como de predomínio do facto e do documento. O professor não é o que sabe melhor ou o que se distingue pela inteligência, pelo espírito inventivo, pelas qualidades didácticas, é o que sabe mais factos e conhece mais documentos. A bola de neve do ensino positivista foi crescendo, com a sobrecarga cada vez maior dos programas e com a obrigação para o estudante de aprender de cor, o que é verificado regularmente através de testes-exames ou testes-julgamentos, um sem-fim de factos frequentemente insignificantes, parcelados nas diferentes disciplinas, não unidos por qualquer concepção filosófica esclarecedora da unidade do saber, e que, passado o período crítico, logo são alegremente esquecidos. Perderam-se anos e anos de vida, atravessaram-se anos e anos de adolescência dolorosa, sofreram-se anos e anos de emoções, de humilhações, de angústias, de impedimentos à natural expansão da juventude, e ainda por cima para se chegar ao fim de um curso superior, talvez com um diploma de acesso ao estatuto social de sr. dr. ou sr. eng.º mas com algumas lacunas verdadeiramente dramáticas.






Em primeiro lugar o estudante, anestesiado por este ensino sem alma, sai, regra geral, do seu curso, sem ter uma consciência-vivência do que é e do que significa ser homem, do que é e do que significa a existência, de quais as relações entre o ser e a verdade, de que ideal de vida vai ser o seu, de como pode ser ele próprio, de como deve desenvolver realmente a sua personalidade ou de como contribuirá fecundamente para a sociedade onde vai viver e que desconhece nos seus fundamentos reais.

Consequências: o adormecimento, a integração passiva no meio social, a busca egoísta do dinheiro, do poder ou da glória -, ou, por outro lado, a entrega a mestrados extra-universitários, prontos a preencher o vazio do ensino sem alma e sem espírito, concretamente o regresso quase sempre tardio a uma fé religiosa capaz de dar respostas onde a Universidade se calou ou a uma outra espécie de fé, uma fé ideológica-política, mas que também tem respostas prontas para as interrogações humanas.

Mas em qualquer destes casos - e seja qual for a valorização que se lhe dê -, o certo é que a adesão é mais um alistamento, do que um empenhamento criador. Passou a hora em que o intelecto estava disponível para o exercício da liberdade de pensamento, passou a hora do dinamismo mental. Entrar-se-á no sossego do proselitismo como retardada compensação. O perdido na Universidade sem alma jamais se recuperará, tal como a juventude é uma idade que não volta» (27).

Enfim, é, de facto, na Universidade que o globalismo encontra o seu melhor aliado. E não é, pois, por acaso que vários jornalistas, economistas e intelectuais sejam constantemente solicitados por órgãos de Comunicação Social para assim inculcarem nos mais desprevenidos a crença no globalismo invasor. Seja como for, mal sabia ainda António Quadros qual é, na verdade, o maior intento das forças e das potências do mal que pairam nos bastidores da Nova Ordem Mundial.



Notas:

(14) Franco Nogueira, Salazar, A Resistência (1958-1964), Vol. V, Livraria Civilização Editora, 1984, pp. 380-381.

(15) Cf. Rui Mateus, Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido, Publicações Dom Quixote, 1996, p. 115.

(16) Álvaro Ribeiro, Memórias de Um Letrado, III, Guimarães Editores, 1980, p. 30.

(17) Cf. António Quadros, A Arte de Continuar Português, Edições do Templo, 1978, p. 35.

(18) «A censura democrática proíbe livros, pressiona editores e afasta incómodos», in O Diabo, 8 de Setembro de 2009.

(19) Franco Nogueira, Juízo Final, Livraria Civilização Editora, 2000, pp. 26-27.

(20) Álvaro Ribeiro, Memórias de Um Letrado, III, Guimarães Editores, 1980, p. 31.

(21) Cf. Philosophie et démocratie dans le monde, enquête de L'UNESCO, Éditions UNESCO, 1945, p. 35.

(22) Álvaro Ribeiro, O ideal dos Portugueses é imensamente superior (incomparavelmente superior) àquele que tem sido proclamado na ONU, in Diário da Manhã, 13.1.1964.

(23) Oliveira Salazar, Portugal e a Campanha Anticolonialista, SNI, 1960, pp. 15-16.

(24) In Franco Nogueira, Salazar, A Resistência (1958-1964), Vol. V, 1984, pp. 502-503.

(25) Orlando Vitorino, O processo das Presidenciais 86, p. 62.

(26) Este livro faz parte de uma trilogia na qual se incluem Wall Street and FDR e Wall Street and the Rise of Hitler.







(27) António Quadros, Franco-Atirador, Espiral, 1970, pp. 224-225.

Continua


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