sábado, 2 de novembro de 2013

Portugal e o Brasil

Entrevista a Miguel Bruno Duarte




Montargil


«... Situada num alto, na margem direita do rio Sor, temos a Vila de Montargil, cuja fundação, atribuída ao rei D. Dinis , aparece posteriormente sob a égide do rei D. Fernando (...).

Em termos geográficos e administrativos, Montargil encontra-se praticamente no ponto de transição entre o Ribatejo e o Alto Alentejo, como mostram os limites do Concelho de Ponte de Sor, ora definidos a Norte, a Oeste e a Sudoeste pelos concelhos ribatejanos de Abrantes, Chamusca e Coruche, ora a Sul e a Este pelos concelhos alentejanos de Mora, Avis, Alter do Chão, Crato e Gavião. Quanto à etimologia da palavra Montargil, diversas têm sido as suas versões ou hipóteses, como as que agora indicamos: a primeira, antes de mais, referindo-se a Monte Argel, que, segundo Pinho Leal, poderia significar Monte do Infeliz, porquanto, no português de antanho, argel significava mofino, infeliz, desgraçado ou até malvado; a segunda versão referindo-se à palavra Montargil como uma espécie de corruptela de Monte Argila, talvez, quem sabe – agora, no nosso entender –, uma alusão ao barro de que teria sido feito o primeiro homem quando Deus criou o Mundo; por fim, a versão que atribui a sua origem a uma cidade francesa chamada Montargis, designação esta que, na sequência da guerra contra os mouros, talvez tivesse chegado até nós por via de algum francês que a teria dado à povoação então existente .

Tudo hipóteses, como dissemos, se bem que a relativa a Monte Argila, ainda hoje, entre as pessoas da terra, continue, no sentido literal da expressão, bem presente na tradição que vai de boca a ouvido. Em todo o caso, sobre as pessoas da terra, José Marinho, acompanhado de Orlando Vitorino, pudera interrogar-se seriamente quando, no destino que levava, ali fizera um ponto de paragem. Foi pelo menos o que Orlando Vitorino, naquele seu jeito peculiar de recordar com agrado alguém muito especial, me contou numa das ocasiões em que Portugal, tema de eleição, era por nós sentido e pensado.

Mas que tipo de interrogação era a de José Marinho sobre as pessoas de Montargil? Interrogação, decerto, acompanhada de espanto e estranheza, segundo o testemunho de quem o acompanhara... Na verdade, confesso não o saber, embora a possa intuir e imaginar segundo a minha vivência pessoal.













Como assim? Viajando na intimidade do tempo em que, pela primeira vez, senti o que uma criança sente quando transita da periferia de um centro urbano para uma terra do interior, onde a vida e a natureza acabam por se combinar sob as mais variadas formas. Assim, aquela sensação de estranheza, por Marinho sentida, também eu a senti quando, caída a noite, deparei comigo, à porta da loja do meu Avô, na Rua do Comércio, vendo quem ali passava numa atitude rústica singular. Na sua maioria, tratava-se, como é óbvio, de homens e mulheres do campo, a eles cabendo, de um modo geral, os típicos chapéus de abas pretas, somente secundados pelas não menos típicas samarras alentejanas, de gola de raposa, ao passo que a elas cabiam, por sua vez, os xailes e os lenços envoltos na cabeça.

A par disto, junte-se-lhe a disposição assimétrica das casas, algumas já seculares, outras construídas sobre as velhas, outras ainda transformadas ou por transformar com vista ao futuro das presentes gerações, assim como as travessas dando acesso às mais variadas ruas da Vila, e que, na altura, segundo as imagens que a minha memória conserva, algumas eram ainda feitas de terra. E não me esqueço, outrossim, da profunda e juvenil impressão que a Igreja paroquial, no ponto mais alto da povoação, sempre despertou em mim pelos mais variados factores: o nascimento de minha Mãe no respectivo largo, onde então residiam os meus Avós; as brincadeiras que, na torre à esquerda, com quatro olhais e remate de coruchéu, bem como na Capela do Senhor dos Passos, levei a bom termo naquele que era, para todos os efeitos, um lugar sagrado capaz de inspirar respeito e recolhimento interior; e, não menos dignas de recordação, estão ainda as procissões que habitualmente se faziam com dezenas de pessoas percorrendo as ruas da Vila, e a que tantas vezes pude assistir da casa dos meus Avós, pois, partindo do adro da Igreja, passavam pela Rua do Comércio, para então, percorrida a Vila, enveredarem pela Rua da Misericórdia onde ficava a antiga sede de freguesia...».

Miguel Bruno DuarteNoemas de Filosofia Portuguesa»).


«... Montargil, terra avoenga do autor destas linhas, sugere, por ascendência materna, um admirável exemplo de como pode o particular espelhar, abraçar e incarnar o universal. Por outras palavras, Montargil, em suas íntimas e abscônditas raízes no subconsciente do autor, não só remete para a memória submersa, secreta e mediúnica da Mátria, como também permite antever a Pátria do Espírito a que todo o homem de génio aspira no exercício clarividente das suas faculdades supranormais. “MonteArgil” ou Monte de Argila, eis, de facto, duas possíveis versões referentes ao topónimo de Montargil, que ora nos faz lembrar o barro da Serra que abraça a vila pelo lado Oeste, ora rememorar simbolicamente o barro originário com que teria sido moldado o homem-Adão de que todos somos mais directa ou longiquamente partícipes. 


D. Afonso Henriques



Já então se vê e compreende porque Montargil perdurava aquando dos primórdios da Nacionalidade, não obstante o seu nome lendário ter sido forjado no elemento ígneo em virtude da presença catalisadora do Rei-Fundador de Portugal:

"Um dia D. Afonso Henriques 'passou' por Montargil e foi ao ferreiro para ferrar o cavalo (o ferreiro chamar-se-ia Gil). Feitas as ferraduras, Afonso terá agarrado numa e tê-la-á dobrado só com as mãos. Em resposta, o ferreiro Gil terá dobrado também só com as mãos uma moeda/libra? de ouro. Na continuação D. Afonso, o Primeiro, ter-lhe-á dado a célebre ordem: 'Montar, Gil' e, segui-lo, claro!".

Montargil, terra dos cajados, é também expressão que acusa "antiga fama de gente rija para a cajadada; nada que envergonhe!". Mas o que mais profundamente enleva é a serena hora do dia em que se dá o adeus do crepúsculo, e que o próprio Leonardo Coimbra, em A Alegria, a Dor e a Graça, pressentira como "a hora da dúvida, dos encantamentos e das bruxas". Sim, aquela mesma hora que precede o acender dos candeeiros cuja fulgência eléctrica, preluzida num bege-rosado artificial, atenua o mistério da noite em que o Invisível abriu as suas portas.

Uma tal ambiência pode, eventualmente, sugerir o retrair dormente do homem na vida do espírito, ou até um sono profundo em que os sentidos, a despeito de certos estímulos como o som, o toque e a luz, se recluem numa percepção assaz diminuída. É como se de um primeiro nível de consciência se tratasse, como o característico das plantas e das árvores, ou o peculiarmente latente no sono dos homens que a literatura de antanho dera por comparável com a morte. De sorte que, ante aquela fulgência proveniente do dispêndio de energia eléctrica terrestre, há ainda quem, penetrando nos arcanos da vidência humana, vise a correspondente analogia com o mundo vegetal por contrapartida ao que no homem prenuncia a cor de âmbar e suas variantes na consciência intrínseca do mesmo.

Perante o horizonte fantasmático da incerteza nocturna e sublunar, a iluminação eléctrica impõe-se cada vez mais à vida espirituada por efeito da 'manipulação' da luz, nomeadamente por via televisiva e tecnológica afim. No fundo, trata-se de um artifício prodigioso de Lúcifer, deveras visível nas grandes cidades em que predomina a produção servil e a consequente perda da beleza natural, das tradições étnicas e do valor da pessoa humana. No ínterim, Montargil é ainda, por intermédio e Graça de Deus, um paraíso perdido no abismo do nada, uma porta para o Infinito em que o lugar da sensação e da razão podem confluir para o lugar do conhecimento silencioso, especialmente presente no declinar da luz crepuscular...».

Miguel Bruno Duarte



Portugal e o Brasil






A entrevista que se segue foi publicada num site brasileiro – “No Mundo e nos Livros” – a propósito da publicação do primeiro livro de Miguel Bruno Duarte no Brasil, intitulado Noemas de Filosofia Portuguesa.

Quem é Miguel Bruno Duarte

Isso, espiritualmente falando, é um mistério! Todavia, não me considero um escritor, embora escreva, nem muito menos um intelectual, embora predisposto à intelecção. Sou, porventura, um filósofo inquieto e atraído pela percepção que vai da realidade vivida à esfera inteligível e abscôndita do Espírito. Percepção é, pois, a palavra-chave.

Por que escrever o livro Noemas

O termo Noema está etimologicamente ligado ao termo grego noesis, que pressupõe o domínio intuitivo do pensamento não apenas distinto do raciocínio discursivo, mas também da sensação propriamente dita. E quando dizemos distinto não queremos dizer separado, como se de uma cisão se tratasse. Deste modo, o noema sugere a vera percepção da natureza das coisas, e por isso está fora do alcance dos homens que confiam apenas e demasiadamente nos sentidos e na opinião enganosa. Ora, por sua vez, Noemas de Filosofia Portuguesa implica precisamente a percepção de problemas, segredos e mistérios que transcendem a erudição bem-pensante das academias, universidades, institutos e fundações afins.

Cita com frequência Orlando Vitorino em seu livro Noemas de Filosofia Portuguesa. De quem se trata e qual a sua contribuição para este livro? 

Orlando Vitorino foi um filósofo português (1922-2003) com quem, tendo o privilégio de travar funda e grata amizade, pude conviver durante cerca de sete anos, numa fase já adiantada da sua vida. Conheci o Orlando num colóquio dedicado a António Quadros, em 1995. Depois disso, passei a frequentar a tertúlia orlandina às quintas-feiras, no Snooker Club perto do Parque Mayer, em Lisboa.

De resto, a tertúlia da filosofia portuguesa é já uma tradição cultivada no meio Olisiponense desde os tempos de Álvaro Ribeiro e José Marinho, mais particularmente desde meados do século passado. Hoje, a tertúlia lança as suas raízes em Miraflores com o autor destas linhas, Luís Furtado, João Seabra Botelho e demais interessados. Trata-se, no fundo, de uma tertúlia onde o pensamento especulativo não queda condicionado pelas limitações mentais e ideológicas do establishment universitário.

Quanto à contribuição aludida, digamos que a mesma é apenas o reflexo de uma amizade permeada por um mestrado filosófico já de si fiel ao culto, à cultura e à civilização de expressão profundamente portuguesa.



Oliveira Salazar



Consta que é especialista em "terrorismo comunista"? Pode-nos explicar melhor? 

Ora bem! O meu primeiro contacto com as questões relativas às destruições morais, materiais e espirituais do comunismo deu-se com a leitura e a compreensão empática dos escritos de Oliveira Salazar, cuja intuição política fez dele o maior Estadista do século XX. A par disso decorre ainda o rol de informações colhidas num contexto familiar, isto é, num contexto determinado pelo facto de o meu pai ter trabalhado na Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), sediada em plena baixa lisboeta, na Rua dos Fanqueiros. Daí até ao que se passou no Ultramar português antes e depois da revolução comunista do 25 de Abril de 1974 - mormente no que respeita aos aspectos relacionados com o financiamento e o armamento de movimentos terroristas ditos independentistas -, tudo isso levou a que deveras me interessasse pelos poderes e organizações internacionais cujo propósito é a criação de uma Nova Ordem Mundial assente em estruturas mega-capitalistas e neocomunistas afins.

Entretanto, também tive o privilégio de conhecer personalidades relevantes da vida portuguesa anterior à revolução comunista de 74, entre as quais destaco, entre outras, Silvino Silvério Marques, Governador de Cabo Verde (1958-62) e de Angola (1962-66), sendo mais tarde convidado pelo general António de Spínola para novamente ocupar o cargo de Governador de Angola, em 1974; Kaúlza de Arriaga, Subsecretário e Secretário de Estado da Aeronáutica (1955-62), bem como Comandante-Chefe das Forças Armadas em Moçambique (1970-73); por fim, Henrique Veiga de Macedo, Subsecretário de Estado da Educação Nacional (1949-55), assim como Ministro das Corporações e Previdência Social (1955-61), com quem convivi e travei a mais profunda amizade.

A revolução comunista de 74 foi, na sua natureza destruidora, um crime de Lesa-Pátria de proporções gigantescas e incalculáveis não só para o Ultramar Português em termos de perda de investimentos, equipamentos, quadros de professores, engenheiros, médicos e gestores técnicos praticamente expulsos e destruídos, como também para a Metrópole confrontada com a fuga massiva de refugiados e o desbaratar de milhões de contos por via da saída de jóias, pratas, tapeçarias, loiças, quadros, livros, obras de arte, mobílias, enfim, um sem número de bens privados que fizeram a fortuna de antiquários ingleses e franceses que se deslocaram ao Brasil para adquirirem o que no fundo constituía património cultural e artístico de Portugal.


Barragem de Montargil




































Não me esqueço também do facto de os meus avós maternos, originários de Montargil – terra que já existia nos alvores da Nacionalidade -, terem o seu nome numa lista que, no seguimento das nacionalizações de Março de 1975 atinentes à Banca e às principais empresas e unidades industriais – que, aliás, precipitaram as ocupações de terras do Alentejo -, continha – segundo se dizia - os nomes daqueles que, por ordem de Moscovo, deviam ser mortos em nome da revolução comunista internacional. Ora, os meus avós não tinham relações políticas de qualquer espécie, procurando tão-só salvaguardar um património que era apenas o fruto de uma vida de trabalho e nada mais. Montargil foi, infelizmente, uma terra assolada pelo comunismo, perante cujo flagelo os meus avós acabaram, como muito boa gente, por superar com determinação e sucesso. O mesmo não se pode dizer de Portugal que ficou doravante reduzido à socialização pela miséria por via de uma tributação progressiva para a extorsão compulsiva de bens, propriedades e recursos resultantes da iniciativa dos particulares. Demais, todo este processo prossegue agora com a conivência da comunicação social e das instituições universitárias que perfazem e estendem a falsificação da história às escolas do ensino médio e primário.

Coube-lhe afirmar que os portugueses perderam tudo como Nação. E, em grande medida, atribui a culpa às políticas de esquerda. Porquê? 

Bem. O que eu digo nos Noemas é que o povo português perdeu praticamente tudo, isto é, quase tudo. Aqui, estou pensando obviamente na presença política e histórica que Portugal manteve em África, na Ásia e na Oceania até ao movimento revolucionário e antipatriótico do 25 de Abril, o qual foi, sem sombra de dúvida, um factor deveras decisivo para o incremento do internacionalismo atentatório das soberanias nacionais. Por conseguinte, um tal processo revolucionário acabou por enfeudar Portugal às Internacionais socialista e capitalista, tal como, aliás, fora previsto por Álvaro Ribeiro para quem a Pátria era uma ideia que transcende uma política baseada na defesa militar do território ameaçado por potências inimigas. Mas nisto, o problema subjaz no sempre difícil equilíbrio entre o transcendente e o imanente, visto que até o nosso grande Poeta, Fernando Pessoa, dissera que não se importava que invadissem Portugal desde que o não incomodassem pessoalmente.






Na verdade, Portugal perdeu efectivamente a independência política e económica com a revolução comunista de 1974, doravante consagrada na Constituição socialista de 76. E, de facto, é essa mesma Constituição que até hoje delimita e condiciona os partidos do arco da governação, incluindo os ditos partidos de direita, tais como o Partido Popular (PP) e o Partido Social-Democrata (PSD). Mais: estes partidos, conjuntamente com os partidos de centro e extrema-esquerda, entregaram Portugal aos poderes internacionais que eliminaram a nossa moeda e, desse modo, tornaram os Portugueses reféns da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional (“Troika”).

Perante esta encruzilhada, o que será de nós? É difícil de prever, dada a iminência do Governo Mundial. Portugal pode ainda tentar reaproximar-se dos seus antigos territórios ultramarinos que puderam historicamente crescer e subsistir sob a frondosa árvore lusitana. No entanto, não é algo capaz de, por si mesmo, fazer frente aos desafios do globalismo invasor que, de resto, exige uma autêntica cooperação internacional entre nações e pátrias que queiram e saibam resistir ao incêndio mundial. Neste sentido, não deixa de ser interessante e oportuna a iniciativa de Edward Griffin na projecção do movimento Freedom Force International.

Com base no seu conhecimento, seria possível traçar um comparativo político-filosófico entre o Brasil e Portugal? 

Sim, os dois aspectos, o político e o filosófico, por vezes se cruzam, pese embora raramente se entendam na esfera de quem os protagoniza. No respeitante ao Brasil, tenho acompanhado o que Olavo de Carvalho tem dito e escrito sobre o marxismo cultural nas universidades, na comunicação social, no mercado livreiro e na engenharia política de baixo e aviltante coturno. Daí ressalta como, no período que se seguiu ao regime militar de 1964, se deu a infiltração comunista nos sectores académicos, culturais e jornalísticos perante a apatia e a passividade dos militares que não sabiam como isso levaria, mediante a estratégia gramsciana, à conquista do poder dirigido e coordenado, a partir dos anos 90, pelo Foro de São Paulo, que é, no fundo, uma plataforma continental constituída por partidos esquerdistas e organizações de sequestro e narcotráfico, como as FARC e o MIR chileno. Em Portugal, também no decénio de 60, o salazarismo, não obstante a defesa diplomática e militar dos interesses portugueses no Ultramar e nas tribunas e areópagos da cena internacional, pouco fez para impedir a infiltração comunista nos meios literários e universitários, ainda que resistisse à ingerência da UNESCO no plano do ensino nacional até 1965. De resto, as universidades estavam praticamente infiltradas por estudantes e dirigentes associativos controlados pelo Partido Comunista, o qual, mediante manifestações contra a guerra no Ultramar, trabalhava na retaguarda em prol de forças subterrâneas internacionais contra a independência e a soberania de Portugal. Aliás, tudo isso decorrera um pouco à semelhança do que acontecera nas universidades americanas (Berkeley e Kent) contra a guerra no Vietname, ou em Maio de 1968, em Paris, quando estudantes e activistas universitários protestaram contra o governo de Charles de Gaulle.


Quanto ao aspecto filosófico, subtraído pelo meio universitário, transcrevo aqui o que já tive oportunidade de dar a conhecer no blogue Liceu Aristotélico:

Já sobre a chamada filosofia luso-brasileira, João Seabra Botelho dissera o que a Universidade omite e o Professor Doutor Braz Teixeira, como bom universitário que é, também omite, mais particularmente no seu livro Diálogos e Perfis. Ora, o Doctus cum libro, consagrando pontes, confluências, afinidades e convergências entre estudiosos e pensadores portugueses e brasileiros, refere «dois momentos ou dois ciclos, o primeiro correspondente ao período que vai da criação do Instituto Brasileiro de Filosofia (1949) até à revolução portuguesa de 1974, o segundo ao quarto de século decorrido desde então até hoje». Assim, se o diálogo especulativo se caracterizara no primeiro desses ciclos por figuras tutelares e únicas como Miguel Reale, Vicente Ferreira da Silva, Luís Washington Vita, Agostinho da Silva, Eudoro de Sousa, Delfim Santos e António Brandão (a chamada "Escola de São Paulo"), no segundo ciclo, mercê de graves circunstâncias e perturbações revolucionárias no meio universitário de aquém-Atlântico, eis a saga dos professores portugueses acolhidos em Terras de Vera Cruz, entre os quais pontificam Eduardo Abranches de Soveral e Francisco da Gama Caeiro.

No ínterim, Braz Teixeira delicia-se a sobrevalorizar os cursos de mestrado e doutoramento em "Pensamento luso-brasileiro" na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro (década de 80), ou a acentuar as relações institucionais entre universidades portuguesas e brasileiras, e, no entanto, em tudo dissertando com esforçada erudição, omite escandalosamente duas personalidades que, em termos verdadeiramente especulativos, mais contribuíram para a alta cultura luso-brasílica, quais sejam Mário Ferreira dos Santos e Olavo de Carvalho. Parece mentira mas é verdade: omite dois pensadores que, na já longa noite revolucionária, permitem reabilitar a filosofia clássica sob a égide de filósofos milenares como Pitágoras, Platão, Aristóteles, outros ainda. Braz Teixeira confunde assim - ou permite confundir - a actividade filosófica propriamente dita com o bem-pensantismo universitário, já de si inútil para suster as ideologias materialistas, socialistas e globalistas à laia de um formalismo coloquial e conferencista maquinado na doutorice endémica.






António Quadros, sem embargo do que aprendera na filosofia portuguesa quanto ao saber erudito e simulado das instituições universitárias, também, de certo modo, se deixou embalar por uma certa sedução mais literária do que académica no seu percurso intelectual. Por conseguinte, a sua ambição como escritor e homem protagonista de cultura deixa entrever, de quando em quando, uma coquetterie como a que exibira a propósito da digressão efectuada em várias cidades brasileiras, academias e centros culturais em Novembro de 1985 (cf. «A Filosofia Portuguesa de Bruno à Geração do 57, seguido de O Brasil Mental Revisitado», Instituto Amaro da Costa, Lisboa). Nisto, António Quadros ostentava a imagem do homem de mil compromissos, - seminários, ensaios, obras, prefácios, aulas quase diárias, a par de honras e homenagens entretanto prestadas no Brasil por entre almoços, chazinhos, concertos, guitarradas e Escolas de Samba locais. Isto para não falar na ênfase posta na «grande sala, alcatifada e com 3 bibliotecárias ao seu serviço, onde está instalada a Biblioteca por Marcello Caetano legada à Universidade [Gama Filho] que o amparara em momento tão difícil da sua vida: 24 000 volumes, impecavelmente arquivados e arrumados, com especial incidência em obras de Direito e sobre o antigo Ultramar português».

Em suma: a verdadeira missão recai, por contrapartida, no Aristóteles Luso-Brasileiro. E nisso importa certamente o indispensável contributo de Olavo de Carvalho e Mário Ferreira dos Santos para um mestrado que há-de ser, se a Deus aprouver, simultaneamente atlântico e universal.


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