segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Aristides de Sousa Mendes: a queda de um mito (i)

Escrito pelo embaixador Carlos Fernandes





Veio finalmente a lume, numa edição de autor, o livro intitulado O cônsul Aristides Sousa Mendes: a Verdade e a Mentira (2013), assinado pelo embaixador Carlos Fernandes. Trata-se, na sua essência, de uma desmitificação da figura de Sousa Mendes enquanto herói salvador de milhares de refugiados no eclodir da Segunda Guerra Mundial, entre os quais um grande número de judeus, bem como da reposição da verdade histórica falsificada no plano de uma campanha interna e internacional que não poupa a pessoa impoluta e aristocrática de Oliveira Salazar, assim como membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros e outras figuras no contexto afim.

Na verdade, não foram os judeus que iniciaram o movimento de mitificação de Sousa Mendes, mas sim os políticos portugueses e americanos com Bessa Lopes, Rui Afonso, Tony Coelho e Jaime Gama à cabeça.

Ainda assim, a mitificação de Sousa Mendes começou por ter o apoio das autoridades israelitas com base numa suposta investigação levada a cabo pelo Centro Vashem de Jerusálem, que concede, em casos alegadamente estudados e provados, «o título de Gentio Justo a todos os não judeus que salvaram judeus durante a guerra» (cf. José-Alain Fralon, Aristides de Sousa Mendes: Um Herói Português, Editorial Presença, 1999, p. 108). Ora, nós não sabemos que investigação foi verdadeiramente realizada para que, a 21 de Fevereiro de 1961, fosse plantada uma árvore no Museu de Yad Vashem – mais particularmente na Álea dos Justos – em memória de Aristides de Sousa Mendes. E também não compreendemos como se poderá sustentar uma campanha internacional que na actualidade se destina a angariar 2000 vistos concedidos por Aristides enquanto cônsul em Antuérpia, visto que, como reconhece o embaixador Carlos Fernandes, tudo aponta para mais uma descarada mentira que oculta o facto de o cônsul de Portugal ter saído «de Antuérpia em meados de 1938, dois anos antes do começo da 2.ª grande guerra no Ocidente, com a invasão da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França, em 10 de Maio de 1940, pelas tropas de Hitler» (cf. Carlos Fernandes, op. cit., 1.ª edição, 2013, p. 323).

Em Portugal, a mitificação de Aristides parece ter começado em 1976 com um diplomata de cinquenta e nove anos, Nuno Álvares Adrião de Bessa Lopes, que teria proposto a reabilitação do cônsul a uma comissão para a reintegração de funcionários do Estado, que a recusou . E é então que entra em cena Melo Antunes que terá ordenado que se estudasse o caso com vista à criação de uma campanha anti-salazarista pós-abrilina. E nisto, o testemunho do embaixador Carlos Fernandes não deixa margem para dúvidas, uma vez que, na qualidade de dirigente dos Serviços Jurídicos do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] no Verão de 1981, deu com Bessa Lopes no seu gabinete nas circunstâncias por ele próprio descritas:

«Trazia o Dr. Bessa Lopes na mão, sem qualquer processo, um papel de informação, em que fazia considerações laudatórias hiperbólicas sobre Aristides, acusando Salazar de o perseguir e de o ter privado de vencimentos, atirando-o para a miséria. Fiquei perplexo, pois isto não condizia com os conhecimentos que eu tinha de Sousa Mendes e do seu último processo, adquiridos muitos anos antes, em 1948. Bessa Lopes não me disse então que o embaixador Medina se tinha recusado a homologar a sua pseudo-informação, mas queria que eu a homologasse. Omitia-me um facto muito importante.





O Dr. Bessa Lopes nunca conhecera nem lidara com Sousa Mendes – pelo menos foi o que então me disseram –, e era considerado no MNE por ser da extrema-direita, sem carreira brilhante mas com boa classificação em Ciências Jurídicas da Universidade de Coimbra. Tinha até apresentado como estudo para o seu concurso de acesso a ministro plenipotenciário, que já era, um trabalho sobre o apartheid na República da África do Sul, onde estivera como cônsul, defendendo esse apartheid, ao contrário da política tradicional do MNE, que era e é contrária à discriminação racial.

Disse-lhe que a sua proposta de informação, que ninguém lhe mandara fazer, sendo assim da sua exclusiva iniciativa – o que não era normal no MNE – me surpreendia de tal maneira que eu iria estudar o processo Sousa Mendes, que não conhecia, e depois o chamaria.

Pedi logo o processo. Estudei-o, verificando que já lhe faltavam algumas peças, e conclui que a proposta de informação de Bessa Lopes era, sobretudo, um tremendo ataque a Salazar, o que voltou a surpreender-me profundamente, vindo de quem sempre me constara ser direitista, e um embuste pretensamente a favor de Sousa Mendes.

Alguns dias depois, chamei Bessa Lopes, e disse-lhe que não lhe homologaria a informação, por considerá-la desonesta, e que o dispensaria imediatamente de trabalhar nos serviços que eu dirigia – vim então a saber que o meu colega Medina já tinha recusado homologar-lhe aquela proposta de informação. Não o despediria formalmente, dado o nosso anterior relacionamento – eu até os tinha recebido na minha Embaixada no México, a ele e à mulher –, mas impunha-lhe que fosse falar de urgência com o Secretário-Geral e lhe pedisse para mudar de serviço, o que aconteceu.

Bessa Lopes, após o 25 de Abril, ele, e mais alguém da sua família, teriam virado comunistas – não sei se assim foi ou não; do que não há dúvida é que mudou radicalmente de orientação política. Terá o ataque a Salazar sido a prova de admissão, ou de confirmação, de Bessa Lopes no partido político extremista de Álvaro Cunhal? Houve no MNE quem me garantisse que sim. Eu, contudo, não sei. Mas, se isto corresponder à verdade, que miséria humana, meu Deus! Como é possível que se baixe tão baixo?

Eu só menciono esta hipótese porque não encontro explicação racional, ou moralmente aceitável, para o que Bessa Lopes fez, e quer tenha sido ele ou não quem voltou a pôr o seu papel no dossier. Do que também não há dúvida é que alguém o colocou lá, de forma irregular e sub-reptícia.

Teve azar em dar com o embaixador Medina e comigo. De contrário, teríamos um documento oficial do MNE a consagrar as maiores barbaridades a respeito de Salazar, de quem é legítimo gostar ou não gostar, concordar ou não com a sua política, mas já não é legítimo atacá-lo injustamente.

Mandei retirar o papel do processo (dossier), porém, ou não o retiraram, o que duvido, dada a confiança que os meus colaboradores administrativos me mereciam, designadamente, a arquivista, a competente e moralmente impecável Alice, ou alguém voltou a colocá-lo lá, pois assisti, há anos, à invocação dessa pseudo-informação por um dos netos de Aristides, como fundamento indiscutível do martírio sofrido por este cônsul às mãos ditatoriais de Salazar.

E assim se faz a história!» (Carlos Fernandes, op. cit., pp. 64-67).




Tony Coelho



Mas há mais: esta campanha interna e internacional em prol de Aristides não somente teve e continua a ter motivações de índole política, mas também de ordem económico-financeira. Temos, pois, o caso da filha Joana, que tentou, durante mais de 20 anos, «obter uma indemnização, por causa da injustiça que Salazar teria praticado contra o pai, e, o que é certo é que, depois de mover céus e terra, conseguiu-a, embora não a viesse a receber directamente» (ibidem, p. 263). Há também o caso de um dos filhos mais novos de Aristides, João Paulo, que «acabou por ser o factor decisivo do início internacional de apoio à tese da salvação dos judeus, levando Tony Coelho, que então dominava a Câmara dos Representantes nos USA, a encabeçar, a sério, ali, uma campanha entusiasta a favor do protector, se não salvador, de milhares de judeus, em perigo de vida.

E porquê este apoio delirante de Tony Coelho?

Porque queria o suporte do poderosíssimo lobby judaico nos USA para as suas ambições políticas, que terminaram na Câmara dos Representantes porque, politicamente, morreu cedo. Meteu-se em aventuras financeiras, e, como consequência, morreu politicamente, embora continue fisicamente vivo» (ibidem, p. 263).

E como se não bastasse, uma vaga de procedimentos maioritariamente ilegais se sucederiam para estabelecer uma das maiores mentiras impostas ao mundo em geral, e ao povo português em particular, a saber:

1. A primeira cerimónia oficial de reabilitação de Aristides levada a cabo por Mário Soares, então Presidente da República Portuguesa, na Embaixada de Portugal em Washington (24 de Maio de 1987), condecorando-o, a título póstumo, com a Ordem da Liberdade. E tudo sob a pressão dos «lobbies políticos, português e americano (Tony Coelho e as suas delegações do Congresso Americano)» (ibidem, p. 253);

2. A reintegração de Sousa Mendes como ministro plenipotenciário de 2.ª classe que a Assembleia da República votou por unanimidade a 13 de Março de 1988;

3. A homenagem em Bordéus, num Domingo, a 29 de Maio de 1994, rendida a Sousa Mendes pelo Presidente da República, Mário Soares, e pela esposa Maria Barroso em conjunto com as autoridades da cidade: o prefeito Landouzy, Claudine Geissmann, co-presidente do B’nay Brith na capital girondina, Alexis Banayan, presidente do consistório, Dmitri Lavroff, adjunto do presidente da Câmara, e os embaixadores de Portugal e de Israel (cf. José-Alain Fralon, op. cit., p. 113);

4. A indemnização aos filhos de Aristides baseada numa suposta demissão ou aposentação compulsiva. No fundo, um falso humanitarismo destinado a encobrir interesses particulares à custa de uma substancial verba obtida pelo Estado a título de indemnização, quando, na realidade, «o Governo de Salazar agiu na mais perfeita legalidade» (cf. Carlos Fernandes, op. cit., p. 252).






Consequentemente, a mentira é tão vasta e traiçoeira que até foi criada uma banda desenhada – Bordeaux dans la tourmente, de Jocelyn Gille – com várias páginas consagradas a Aristides de Sousa Mendes . Por outro lado, em Outubro de 1996, a companhia do Teatro de Portalegre foi ao ponto de representar em Bordéus a peça Aristides, O Cônsul que Desobedeceu, da autoria de António de Moncada de Sousa Mendes, neto de Aristides. E «no Neguev, há uma mata com 10 000 árvores [alusão ao número de judeus supostamente salvos pelo cônsul] que tem o nome de Sousa Mendes, o mesmo acontecendo com uma praça em Telavive. Em Portugal há agora oito ruas Sousa Mendes e uma escola secundária, na Póvoa de Santa Iria, nos arredores de Lisboa. Parece até que se pensou em dar o seu nome à nova ponte sobre o Tejo [Ponte Vasco da Gama], inaugurada em 1998. Em Montreal, num parque infantil, há uma placa que conta a história deste grande homem» (cf. José-Alain Fralon, op. cit., p. 112).

Neste contexto assaz delirante, até o universitário Adriano Moreira, em entrevista directa a José-Alain Fralon, afirmou que Sousa Mendes «atacou um princípio até então absoluto: a legitimidade de origem tem de ser obedecida. O Tribunal de Nuremberga estabeleceu que somos responsáveis perante os princípios e que não podemos ir contra os valores humanos. A grandeza de Sousa Mendes foi ter obedecido aos valores da humanidade» (cf. José-Alain Fralon, op. cit., p. 116). E não menos delirante foi o facto de José Miguel Júdice ter propalado uma grandíssima atoarda, para não dizer uma inaudita judiaria quando entendeu, no âmbito do programa televisivo da RTP1 - «Os Grandes Portugueses» (2006/2007) –, defender levianamente o «Wallenberg português» sem apresentar as documentadas provas dos supostos factos aventados. Logo, caso nos venham dizer que o Grande Português escolhido se explica com base num protesto da maioria dos Portugueses quanto à situação de calamidade a que os políticos do pós-25 de Abril conduziram Portugal, diremos, por contrapartida, que a principal razão encontra-se plenamente explícita nas palavras do embaixador Carlos Fernandes: «EleOliveira Salazarvia as consequências das consequências das consequências» (cf. Carlos Fernandes, op. cit., p. 290).

Miguel Bruno Duarte





A Invenção dos 30.000 Vistos dos quais 10.000 para Judeus (i)


Os textos que ora apresentamos - extraídos do livro do embaixador Carlos Fernandes - são apenas um aperitivo sobre o assunto em questão. Por conseguinte, aconselha-se vivamente a aquisição e a leitura do livro.


No visto a Spett, que vem reproduzido na capa do livro de Rui Afonso que estamos comentando, e que foi concedido em 18 de Junho de 1940 - num dos dias da ira -, e com a taxa de 180.80 francos, não se vê o respectivo número. Pelo menos eu não consigo descortiná-lo. O número que lá se vê (630 e tal) é certamente do Consulado do Haiti, que primeiro lhe dera visto. Não pode ser o do português porque, já em 17 de Maio de 1940, Aristides dera, com os números, respectivamente, de 816 e 817, vistos a Jacques Osterreicher e à mulher Kaethe (...).

E, com o número 2.245, temos o visto a Fredrich (Kantor) Torberg em 19 de Junho, portanto, no último dia de Aristides como cônsul efectivo em Bordéus, e último dos três dias da ira em Bordéus.

Assim, o número do visto dado a Spett, regularmente pago, tem de estar entre 2.000 e 2.100, mais ou menos. Não precisou de consulta a Lisboa, porque já tinha visto do Haiti.

Quer dizer que, desde o princípio do ano até ao fim do dia 19 de Junho, não se chegaram a dar 2.500 vistos no Consulado de Bordéus.






Quem só ler Rui Afonso e acreditar em tudo o que ele diz ou insinua, ficará provavelmente com a ideia de que só Bordéus e, depois, Bayonne, é que deram vistos consulares para Portugal nos começos da 2.ª grande guerra.

Ora, isto é completamente errado, estando muitíssimo longe de ser assim.

De facto, no caminho do avanço das tropas alemãs, nós tínhamos em funcionamento ( e ainda temos), entre outros em França, os seguintes postos consulares:

a) dois na Holanda: um em Roterdão, e outro na Secção Consular da Legação da Haia;
b) um na Bélgica, em Antuérpia;
c) um em Paris.

Tudo isto muito antes de se chegar a Bordéus ou Bayonne. Todos estes postos consulares deram muitos vistos, como qualquer pessoa normal perceberá que terão de ter dado, pois não há qualquer razão para os refugiados só estarem à espera de obterem vistos em Bordéus e Bayonne (ainda não se sabia que Aristides facilitava vistos).

Portanto, a grande vaga de refugiados que procura Portugal através da França não engloba apenas os que obtiveram vistos em Bordéus e Bayonne, longe disso.

Por outro lado, se atendermos ao número de telegramas do MNE para Bayonne (1.999 até 25 de Junho de 1940), concluiremos que também aproximadamente esse número de vistos sob consulta a Lisboa ali foi dado. Isto é, um número muito próximo dos vistos dados em Bordéus em igual período (cerca de 2.500, entre regulares e irregulares).

Os números avançados pelos panegiristas de Aristides, e não por ele, não só são impossíveis materialmente como não têm nada que ver com o número de vistos dados até ao de Torberg, em 19 de Junho de 1940, com o número de 2.245, último dos três dias da ira, em Bordéus, como já referimos.

Portanto, e resumindo, a 17 de Maio de 1940, Bordéus ainda só ia no número 847. Em 18 de Junho concede-se visto a Spett, de que não sabemos o número exacto. E, em 19 de Junho, dá-se visto a Torberg, com o número 2.245. Estamos apenas a repetir a situação já analisada no capítulo anterior, porque é um ponto muito importante, relativamente à aldrabice dos 30.000 vistos.

Então, como se explica o mito dos supostos 30.000 vistos dos quais 10.000 a judeus, uma vez que Aristides nunca os mencionou?

Muito simplesmente, como vamos ver.

O mito dos 10.000 judeus tem por base uma carta do judeu Ilja Dijour, e nasceu em 1960, 20 anos depois dos factos ocorridos em Bordéus. Os mitos são assim. Levam tempo a nascer.




Como temos reiterado, quanto ao caso Sousa Mendes, tem-se praticado o método de transpor o futuro para o passado, sem o menor pudor, o que, além de ser manifestamente abusivo, induz em erro, o que, antes de mais, é vergonhoso. O que Hitler fez dois anos depois, Aristides já o sabia e vivia em Junho de 1940!

Rui Afonso diz-nos que Ilja Dijour e a mulher terão recebido vistos de Aristides em Bordéus, não indicando a data, mas admitamos que sim. Ora, numa carta de Ilja para Robert Magidoff, datada de 19 de Maio de 1960, aquele dirá que 10.000 judeus terão assim obtido refúgio em Portugal. Parece querer insinuar~se que Aristides teria dado este número de vistos a judeus. Mas isto não é verdade. Nem poderia sê-lo.

Esta carta virá reproduzida na edição de 1968 do livro de Sebastião Mendes, Flight Through Hell (v. RA., p. 199 e nota a esta página). Claro, tinha que ser Sebastião!

Parte daqui, e sobretudo de Sebastião, o aproveitamento do número de 10.000 judeus, salvos por Sousa Mendes! É que eu conheci Sebastião, e posso avaliá-lo.

Ora nós já vimos estar provado que Aristides, em Bordéus, nem sequer chegou aos 2.500 vistos durante todo o meio ano de 1940, até ser destituído em 23 de Junho, incluindo os três dias da ira.

Eu não vi a carta nem o livro de Sebastião Mendes, nem posso ver, e, por isso, não sei se Dijour mente descaradamente, ou se, mais ou menos correctamente, se refere aos judeus que, procedentes de França, chegaram a Portugal em 1940.

Nesta tarefa de mitificação de Sousa Mendes, toda a gente se esquece de provar a veracidade do que diz, dando lugar a uma dúvida razoável quanto a tudo o que a seu respeito se propala. Por exemplo, o número de 30.000 vistos em Bordéus, além de ser uma impossibilidade material e estar completamente desmentido pelo número de vistos registados até à destituição de Aristides, continua a propalar-se como axioma. São persistentes, e a mentira não os impressiona. Mentem descaradamente.

Mas, então, como nasceu esta magna falácia? Vamos dizê-lo, desde já.







O Prof. Francisco Leite Pinto introduziu em Portugal, através de Espanha, pelo Sud Express, com a conivência dos espanhóis, cerca de 30.000 refugiados, provindo da fronteira franco-espanhola.

Ouvi-lhe contar esta linda peripécia da segunda grande guerra várias vezes, uma delas na presença de Sam Levy, durante um dos nossos almoços das 4.ªs feiras no Círculo Eça de Queiroz.

Ora bem, o que é que aconteceu?

Francisco Leite Pinto era Presidente da Companhia de Caminhos de Ferro da Beira Alta, onde circulava o Sud Express, a cujo conselho de administração também pertencia o Doutor Mário de Figueiredo.

A certa altura, havia elevado número de refugiados na fronteira franco-espanhola a quererem chegar a Portugal através de Espanha.

Os espanhóis, por razão política, não queriam dar-lhes passagem pública, e muito menos vistos para o fazerem tranquilamente por qualquer meio de transporte, à vontade de cada um, por onde quisesse.

Perante isto, como estavam fortemente pressionados na fronteira franco-espanhola e não se importavam nada que toda aquela pobre gente viesse para Portugal, ponto de partida eventual para outros destinos, os espanhóis abordaram o Governo português, a fim de saberem se aqueles refugiados poderiam viajar clandestinamente no Sud Express até Portugal. O Governo português, não precisando de Aristides para o fazer, concordou, passando o problema e a sua resolução prática a Leite Pinto, de quem Salazar gostava muito. Este, casado com uma russa que conhecera em Paris quando ali se especializava, e que era refugiada da URSS comunista, era particularmente sensível a estas misérias humanas.

Foi assim como ele combinou com os seus colegas espanhóis o transporte clandestino de toda aquela gente no Sud Express, a qual não podia sequer exibir-se nas estações de caminho de ferro espanholas. Viajavam mesmo clandestinamente.

Como o número redondo destes refugiados se aproximava dos 30.000, logo os mitologistas de Aristides, quando o conheceram, se aproveitaram dele, sem sequer se darem ao trabalho de verificar se tal número era compatível com o número de vistos registados por Aristides (já vimos que esse número nem a 2.500 chegou).


(...) É provável, se não mesmo certo, que as críticas duras que alguns refugiados fizeram ao transporte de comboio para Portugal, e que Rui Afonso refere, tenham por base a forma clandestina e certamente muito espartana, não em 1.ª classe com cama, como Leite Pinto, gratuitamente, os transportou até Portugal (v. RA., p. 196).

É de notar que na fronteira franco-espanhola se juntara gente vinda da Holanda, Bélgica, Luxemburgo, e sobretudo de França. Os que viajavam normalmente tinham as boas comodidades habituais, como é óbvio.

Leite Pinto, um dos meus melhores amigos, que visitei no Estoril quase até morrer, alegrando-me com a sua conversação, era um homem de altíssimo gabarito intelectual, cultural e moral. Lia e lia tudo quanto há, e até achava gosto em ler as minhas deduções jurídicas! Não era homem de boatos ou de vaidadezinhas. tinha um pensamento robusto e uma cultura invulgar, de carácter humanista. Era a nossa alegria no Círculo Eça de Queiroz, tendo sempre coisas curiosas e agradáveis para contar. Senti muito a sua morte, mesmo muito.

Nunca quis averiguar quem era judeu dentre a multidão de refugiados que transportou para Portugal, e, portanto, nunca soube qual a percentagem de judeus e não judeus incluída naquelas cerca de 30.000 pessoas, de cujo número os panegiristas de Sousa Mendes se apropriaram logo que o conheceram, inventando também, como vimos, 10.000 judeus.

A história tem coisas muito curiosas e esta é uma delas. Como se faz perdurar uma mentira do tamanho do Everest?!

Como é difícil ater-se à verdade histórica! (in O cônsul Aristides Sousa Mendes: a Verdade e a Mentira, edição de autor, 2013, pp. 117-124).

Continua


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (ii)

Escrito por Oliveira Salazar








«Para nós, Portugueses, nascidos no século XII, iniciadores, com os Descobrimentos, no século XV, da Idade Moderna, universalizadores conscientes da civilização ocidental (até aí reduzida aos limites europeus) - para nós, Portugueses, discriminação racial, descolonização e autodeterminação são, portanto, palavras cínicas, injuriosas, que afrontam a nossa inteligência e magoam profundamente a alma desta velha e nobre Nação cuja carne e cujo sangue se fundiram, amorosamente, cristãmente, nas cinco partes do mundo, como todas as raças e cores, naquela liberdade, igualdade e fraternidade que só o tálamo conjugal realiza e a família consagra a sublima.

Suprema hipocrisia! Monstruosa afronta - ouvirem, calados, injuriar e difamar Portugal, países que nunca deixaram os pretos e os vermelhos entrar onde estivessem brancos e que os conservaram, até hoje, isolados, como gado!

(...) Isto, quanto à discriminação e à descolonização. Mas o espectáculo é mais degradante ainda no que toca à chamada autodeterminação, porque na África negra nunca houve Nações nem Estados subjugados por forças estrangeiras como sucede, por exemplo, em nossos dias, na Hungria e na Roménia; quando lá estávamos, no século XV, havia apenas vastíssimos territórios despovoados, aves do céu e animais do mato e, nalguns pontos, tribos selvagens coabitando com os gados, submersas na mais triste barbaria, sem a menor ideia de Estado ou de Nação.

E é, por isso, espantosa a hipocrisia e o cinismo com que hoje, volvidos cinco séculos, se finge que os Portugueses interromperam, em Angola e Moçambique, o curso histórico de duas Nações de pretos que é preciso deixar, agora, autodeterminarem-se democraticamente, pela via do sufrágio universal, libertando-lhes a Pátria oprimida e enriquecendo o Mundo e a ONU com mais duas Nações livres...

Mas ainda quando se abstivesse, para efeitos de discussão, da nossa franca política de assimilação que faz dos pretos e brancos de Angola e Moçambique portugueses tão lídimos como os da Europa, ficaria lugar à pergunta decisiva: onde está a Nação? No conjunto das tribos rivais, que lá fomos encontrar, há quinhentos anos, guerreando-se, por natureza, mutuamente, como está sucedendo, ainda agora, no chamado Congo Belga? Na diversidade infinda de línguas, dialectos, feiticismos e raças?

Não, meus senhores! A única noção de território nacional, unidade de língua e religião, de Estado e de Nação, que existe em Angola e Moçambique é aquela que nessas Províncias criaram, no decurso de cinco séculos, tal qual como em todas as outras, os Portugueses de sempre. De modo que quando os nossos inimigos falam em libertar as Nações de Angola e Moçambique pretendem, apenas, esbulhar Portugal, com a colaboração de meia dúzia de pretos assoldadados no estrangeiro, de duas das suas Províncias ultramarinas.

Autodeterminação! Mas autodeterminação de quem? De uma dúzia de negros, mais ou menos bacharéis, "membros do Partido", "democratas" sem concidadãos? Deixemo-nos de hipocrisias: noventa e tantos por cento dos pretos de toda a África não estão em condições de se autodeterminarem e nem sequer pensam nisso. Sucede-lhes precisamente o mesmo que acontece aos índios americanos e aos párias da Índia do Sr. Nehru, sem que ninguém tenha visto, até agora, sinais de que os filantropos, tão preocupados com os negros de África, estejam dispostos a deixá-los autodeterminarem-se, organizando-se em Nações independentes...

(...) Descolonização e autodeterminação são expressões políticas que tanto o grupo de Nações ocidentais como o das que alinham com a Rússia proclamam por sinónimos de libertação de todos os povos e estados oprimidos pela força imperialista das Nações colonizadoras. Posta assim a questão, não há homem bem formado nem país civilizado que não adira logo à beleza do princípio e à justiça dos seus objectivos. Mas como tanto do lado da Rússia como entre nações ocidentais há práticas e factos que desmentem, na realidade e em absoluto, conforme atrás dissemos, a exactidão dos princípios, segue-se que temos de procurar, para além das aparências ilusórias, o fio condutor das realidades dolorosas. E essas conduzem-nos à conclusão de que descolonização e autodeterminação são apenas a cínica e hipócrita cobertura doutrinária do pavoroso neocolonialismo materialista e económico, que se propõe partilhar o Mundo à sombra da bomba atómica...».

Costa Brochado («Teoria da Unidade Nacional e realidades da África Portuguesa», conferência proferida no salão nobre da Câmara Municipal de Braga, na noite de 30 de Novembro de 1961, a convite daquele Município e da delegação bracarense da Sociedade Histórica da Independência).



«Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto do trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo -  a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a ONU», Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente do Conselho na sessão extraordinária da Assembleia Nacional, em 30 de Junho de 1961).


«Se entre americanos e russos existe vocação comum, é ela, por certo, a de exploradores, caçadores ou colonos que uns e outros obstinadamente manifestaram desde o princípio da sua história. Desbravadores e migradores, os dois povos sempre foram impelidos a conquistar novos territórios. Se não fosse essa espontânea tendência, explicar-se-ia mal a rapidez com que foram exploradas e colonizadas as imensas regiões da Sibéria e da América.

(...) Existem muitas outras semelhanças entre os Estados Unidos e a Rússia, semelhanças que os escritores alemães muitas vezes sublinharam. Para Spengler há em primeiro lugar "a mesma vasta extensão que exclui a possibilidade de ataques eficazes dos inimigos; há depois o socialismo de Estado, ou antes o capitalismo de Estado, quase semelhante à fórmula existente na Rússia, representado pelo conjunto dos trusts que dirigem e regulam toda a produção e o seu escoamento, até aos mais ínfimos pormenores, correspondente às organizações económicas russas. O lema dos sovietes: A Ásia para os asiáticos, corresponde exactamente nos seus pontos essenciais à concepção da doutrina de Moroë: Toda a América para o potencial dos Estados Unidos".

Quanto a Keyserlig, depois de notar que a"atmosfera psíquica da América se parece com a da Rússia e com a da Ásia setentrional", observa: "A psicologia de um Gengis Can, que devastou o mundo num furacão, de um Pedro o Grande ou de um Lenine, que ditaram a sua vontade pessoal a milhões de homens, ou a de um presidente de trust americano, que considera 'sem Deus' toda e qualquer nação que não lhe compra o seu petróleo, são, neste particular, absolutamente idênticas"».

Henri Massis («A Nova Rússia»).




Winston Churchill com uma pistola-metralhadora "Thompson".



«(...) As enormes quantidades de armamento apreendidas pelas nossas Forças Armadas nas três frentes da Guiné, Moçambique e Angola, são na sua esmagadora maioria provenientes da URSS. Com elas, poderíamos já equipar alguns batalhões de infantaria e apontam a origem comum dos tão falados nacionalismos. E não se pense que são armas antiquadas ou excessos de armamento da segunda guerra mundial. A par da tão espalhada pistola-metralhadora "Thompson", de origem americana e tornada célebre pelos "gangsters" de Chicago, e que a própria China já fabrica sem respeito pelo "copy right", aparecem as mais modernas armas que equipam o exército russo, desde a pistola "Tokarev" à espingarda automática "Kalashnikov" e desde as granadas F-1 aos canhões sem recuo de 57 milímetros.

Este enorme arsenal que mostra bem quão vinculadas estão às ideologias comunistas, os chamados movimentos libertadores das nossas Províncias, é pago, pelo menos em parte - oh! Santa ingenuidade - pelos bons dólares com que os EUA inundam os pseudo-nacionalistas, mormente os da Frelimo, tanto da simpatia americana, já porque o sr. Mondlane foi professor numa universidade estadunidense, já porque é casado com uma senhora natural da grande potência ocidental. E não seria nada "shocking" ter como primeira presidente dum hipotético Moçambique independente uma "american lady" (...)».

Alpoim Calvão («Reflexões sobre o Tempo Presente», in Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa, Alpoim Calvão, Honra e Dever, Uma Quase Biografia»).




Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric




Lyndon B. Johnson



d) Assume o mais alto interesse o ponto que em seguida levantou o Príncipe Radziwill: a intenção em que o Presidente Johnson ou o Secretário de Estado Rusk estariam de pronunciar um discurso em que se inserisse uma referência ou parágrafo sobre política portuguesa, de modo que nos fosse possível transcrever e usar tal referência ou parágrafo com utilidade política. Depois de quanto se tem passado, não oculto a V. Excia. que os termos a usar são da maior importância, e terão de ser ricos de significado em favor de Portugal porque de contrário será preferível que nada seja dito. Chamo a atenção de V. Excia., neste particular, para alguns factos. Há dias o New York Times publicou um artigo em que lançava uma luz de alguma forma optimista sobre a actual situação portuguesa. Não podia comprometer o Governo Americano, pois a crónica era assinada pelo correspondente do jornal em Lisboa. Mas para destruir o valor do artigo logo «alguns funcionários» do Departamento de Estado fizeram declarações transmitidas pelas agências internacionais em que se procurava destruir o efeito favorável a Portugal que acaso aquele artigo pudesse ter produzido. No dia 18 do corrente (mês de Março de 1965), de novo o Sr. Mennen Williams pronunciou um discurso onde afirmou, entre outras coisas, que os Estados Unidos estavam usando toda a sua «força de persuasão», que é como quem diz, pressão sobre Portugal, com o fim de levar este a aceitar imediatamente os princípios referentes a autodeterminação, independência, etc. Notamos assim a persistência do desagrado oficial perante notícias favoráveis a Portugal que acaso surgem na imprensa dos Estados Unidos: mas antes havia-nos sido dito que o Governo Americano sentia dificuldade em nos apoiar porque tal apoio suscitaria críticas na imprensa. Eu menciono estas circunstâncias apenas para sublinhar de novo a importância do que for dito pelo Presidente Johnson ou pelo Secretário de Estado Rusk e neste ponto limitar-me-ei a algumas sugestões. Nós sabemos que os Estados Unidos perfilham de longa data alguns princípios, que aliás basicamente também nós partilhamos, e de modo algum pretenderíamos que o Governo Americano os negasse. Mas o governo pelo consentimento dos governados pode ser realizado por mais de uma forma, e decerto nos territórios portugueses muitos factores o confirmam; multirracialismo incontestável da política portuguesa pode sem embaraço ser apoiado pelos Estados Unidos; o valor da posição anticomunista de Portugal em África deve poder ser aceite pelo Governo Americano; e reconhecer os direitos humanos, promover a educação e o desenvolvimento económico, político e social são outros tantos elementos incontroversos que, em conjunto com os demais, podem também ser considerados. O princípio de reconhecer incondicionalmente a cada cabeça um voto, reclamado pelos povos africanos, não é aceite em nenhum país civilizado; mas quem pode negar que as províncias ultramarinas têm o direito de participar e participam efectivamente na constituição dos orgãos superiores do Estado - na eleição do Presidente da República, dos deputados à Assembleia Nacional, dos procuradores à Câmara Corporativa, em perfeita igualdade com os cidadãos de qualquer outra região do País? No entanto, em documentos recentes se apelidavam de «pequenas reformas» as regras jurídicas que entre nós há muito regulam estas matérias. Eu creio que nem o Presidente Johnson nem o Secretário de Estado terão dificuldade em encontrar uma fórmula comummente satisfatória para apresentar a política ultramarina portuguesa, e levá-la ao conhecimento da opinião pública americana. e) Por último, o Príncipe Radziwill informou-me de que, se o Governo Português fizesse a concessão respeitante ao Loran-C, o Governo dos Estados Unidos passaria a apoiar incondicionalmente a posição portuguesa na ONU. Não neguemos a importância desta promessa. Somos lógicos: consideramos muito grave e importante o facto de os Estados Unidos votarem contra Portugal: igual importância atribuímos ao facto de os Estados Unidos passarem a votar a favor de Portugal. Mas temos de ver que as Nações Unidas não têm hoje a importância que tinham há dois ou três anos: estão desprestigiadas e desvalorizadas: e assim tudo que nelas se passa se encontra igualmente diminuído. E pelo que respeita a agências especializadas daquela organização já os Estados Unidos e outras nações ocidentais têm seguido a linha de defesa dos direitos de Portugal. Mas nem por isso, sobretudo tendo em conta a eventual reorganização das Nações Unidas, deixa de ter o maior interesse a sugestão transmitida pelo Príncipe Radziwill. Tenho de acentuar, porém, a gravidade da concessão do Loran-C: se a fizer, aumentam muito os riscos e a vulnerabilidade de Portugal, que decerto se torna alvo ainda mais importante das armas comunistas em caso de crise séria ou de guerra. E daí não tira Portugal qualquer benefício substancial directo. Nestas circunstâncias, ocorre-me se procure noutros campos uma contrapartida material da nossa concessão à instalação do Loran-C. Estes os problemas de que se ocupou o Príncipe de Radziwill. Não me falou o Príncipe no problema da base dos Açores, cuja utilização pelos Estados Unidos sem qualquer contrapartida na actual conjuntura e desde há muitos anos provoca na opinião pública portuguesa perplexidade e impaciência. Não se tornará possível em tal matéria prolongar indefinidamente a situação actual, sendo indispensável a negociação de um arranjo pelo qual a contribuição dada pela base dos Açores e pela instalação do Loran-C para a segurança dos Estados Unidos encontre uma razoável compensação em meios que nos permitam prover à nossa própria segurança em territórios que são objecto de ataque.






Acrescentarei ainda mais dois ou três pontos dentre os mais recentes. Um cidadão americano ilustre, da maior integridade e cultura, e do mais puro patriotismo, visitou Angola não há muito, e demorou-se longamente na província. Visitou depois, como era natural, os funcionários consulares do seu país. E um destes disse-lhe que a situação em Angola era muito tensa, e que se estava ali à beira de um colapso, que podia sobrevir de um dia para o outro. Perante a incredulidade do referido americano, o funcionário consular dos Estados Unidos especificou alguns dos factos que julga prováveis e que provocarão o colapso de Angola: uma iminente revolta do Exército, a inflação na Metrópole, a «repressão sangrenta» de uma próxima revolta de estudantes. Acrescentou o funcionário americano, muito naturalmente, que tem informado Washington da situação. Não desejo fazer comentários: mas ocorre-me a observação que V. Excia. fez, quando aqui esteve, de que reparara não eram fidedignos os relatos dos funcionários consulares americanos em Angola e Moçambique. Pergunto se não será perigoso os próprios Estados Unidos tomar decisões com base em situações irreais e em juízos nascidos apenas de sentimentos hostis e de ideias feitas. Na semana última passou por Lisboa um grupo de funcionários norte-americanos, que vinham de uma longa digressão por Angola e Moçambique, empreendida, segundo nos foi dito, para se informarem das realidades. Em reunião no Ministério dos Estrangeiros, com o respectivo Ministro, e perguntados acerca das suas impressões, só um desses funcionários falou para limitar-se a dizer que ficara impressionado com o muito que ainda havia a fazer em Angola e Moçambique. Sem dúvida; mas foi tudo. Aqueles funcionários nada mais viram, nada mais encontraram que fosse digno de elogio ou crítica. Na troca de impressões que se seguiu foi patente a hostilidade de muitos, e sobretudo foi visível que se deslocaram a África com ideias já assentes e inteiramente cegos para realidades que não se conformem com as suas teorias. A Portugal é dito com frequência que nem tudo o que por nossa parte dizemos ou fazemos será inteiramente exacto; mas àqueles funcionários parece não ocorrer que o mesmo se poderá e deverá dizer quanto ao que sustentam e defendem, sobretudo em face de desastres sucessivos que temos presenciado.

Quero por último sublinhar a V. Excia. as minhas preocupações com os perigos em África. Temo-nos cansado a vincar a infiltração comunista em África, e hoje parece que todos partilham do mesmo modo de ver. Mas parece que alguns se conduzem ainda como se tudo corresse em África no melhor dos mundos. Há dias, o Sr. Rusk disse que era do interesse de todo o mundo livre deter a agressão no Vietname. Não o será também em África? Ou continuará a julgar-se que destruir Portugal em África contribui para deter a agressão comunista naquele continente? Ou também que Portugal, destruído em África com o assentimento e até o apoio do Ocidente, estará disposto a continuar a cooperar na defesa do mesmo Ocidente, se verifica que no fundo esta é só a defesa de alguns? Peço-lhe que me desculpe, meu caro Senhor Gilpatric, a franqueza desta carta, mas pensei que, se não houvesse de escrever francamente, não mereceria a pena ocupar o seu tempo com uma carta tão longa. Aliás julgo que só com absoluta franqueza seria viável chegar a resultados positivos nas relações entre os nossos dois países (ibidem, pp. 26-29).








segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (i)

Escrito por Oliveira Salazar




Henry Ford recebe a Grã-Cruz da Águia Germânica em 1938.


Reportava o New York Times, a 20 de Dezembro de 1922, que Henry Ford, o célebre fundador da Ford Motor Company, estava a financiar na Baviera o movimento revolucionário anti-semita de Hitler. Aliás, a composição do Mein Kampf fora igualmente baseada em diversas passagens do livro de Henry Ford, O Judeu Internacional. De resto, não fora por acaso que o empreendedor estadunidense chegara a ser condecorado pelos nazis com a Grã-Cruz da Águia Germânica, especialmente consagrada a estrangeiros ilustres.

Uma das eventuais razões do anti-semitismo de Henry Ford parece ter radicado no facto de certos círculos financeiros judaicos poderem sacar proveito financeiro com a guerra. Deste modo, é perfeitamente possível que círculos industriais anti-semitas, onde pontificavam os Morgan e os Ford, tivessem igualmente tirado os seus dividendos do maior conflito bélico do século XX. Curiosamente, a Ford Company também criara, em 1930, uma instalação moderna de fabrico automóvel na União Soviética, localizada em Gorki, a qual produzira, nos anos 50 e 60, camiões para os norte-vietnamitas transportarem armas e munições com destino ao conflito armado ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 1975.

Entretanto, se a condenação dos industriais nazis fora categoricamente decretada no Tribunal de Nuremberga, porque também não foram condenados os seus colaboradores mais próximos, como a família Ford? Seria por estarem directa ou indirectamente ligados à elite financeira de Wall Street? Seja como for, tudo aponta para o facto de muitos industriais alemães, mormente os que financiaram Hitler, terem sido directores de cartéis com participação, associação e direito de propriedade americana. Logo, uma considerável percentagem de multinacionais a operar na Alemanha tinham já sido construídas com empréstimos americanos que remontavam aos anos 20.

Convém ainda notar que o livro de Antony Sutton não é uma acusação contra toda a indústria financeira americana, mas tão-só contra um conjunto de firmas controladas por certas e determinadas casas financeiras, como o Sistema da Reserva Federal, o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) e as correspondentes ramificações ou extensões financeiras. Aliás, a maior ajuda americana dada aos nazis viria da Opel, uma subsidiária da General Motors, controlada pela firma de J. P. Morgan, tal como viria da Ford A. G. enquanto subsidiária da Ford Motor Company de Detroit . Mais: a I. G. Farben, que saíra da fusão das maiores companhias químicas da Alemanha – Badische Anilin, Bayer, Agfa, Hoechst, Weiler-te-Meer e Griesheim-Elektron –, tivera ainda forte influência no Estado hitleriano por via do capital de Wall Street, sem o qual não teria, por certo, deflagrado a Segunda Guerra Mundial.

Miguel Bruno Duarte







«(...) Para o Departamento de Estado não pode ser outra a interpretação: Oliveira Salazar prepara o terreno, no plano interno, para mudar de política e aceitar o conceito de autodeterminação, tal como imposto pelas Nações Unidas. Com brandura e serenidade, há que acentuar as pressões sobre Lisboa. E impõem-se também que os funcionários americanos na África continuem a agir junto dos revolucionários. Neste particular, os representantes portugueses em alguns países africanos colhem numerosos indícios sobre os contactos entre uns e outros. Está particularmente bem esclarecida neste ponto a embaixada portuguesa em Léopoldville. Através de meios congoleses, obtém numerosos documentos do mais alto interesse para o Governo português, e que envia para Lisboa. Entre todos, dois prendem a atenção de Oliveira Salazar: uma acta ou protocolo de um entendimento ou acordo político entre o encarregado de negócios americano em Léopoldville e o chefe do movimento terrorista, Holden Roberto, que ataca no Norte de Angola, discriminando subsídios financeiros e fornecimento de armas; e o original do passaporte emitido pelo ministério do Interior da Tunísia, a favor de Joe Gilmore, nome de guerra de Holden e em que estão apostos vistos de vários países, entre os quais e antes de todos o dos Estados Unidos. Oliveira Salazar considera os documentos, medita, e diz: "Guardamo-los como se de nada soubéssemos, para os usarmos na altura própria. Que bela coisa!"».

Franco Nogueira («Salazar», V).


«Desde a origem, a sua acção colonizadora [de Portugal] reveste-se de absoluta legitimidade e, o que mais vale ainda, tem sido exercida com mais tolerância racial e mais compreensão humana que a dos outros países, em especial os Estados Unidos da América do Norte, a Rússia czarista ou bolchevista e os próprios Estados africanos, agora surgidos na ribalta da vida internacional, sem se terem libertado ainda do veso das lutas tribais e de crudelíssimas práticas de colonialismo interno, fundado no esclavagismo, quando não no canibalismo. O esforço, que - repito - Portugal está desenvolvendo na actualidade para o progresso das suas províncias de além-mar, através de sucessivos Planos de Fomento, é absolutamente meritório. Está ensaiando nos vales do Limpopo e do Cunene uma colonização intensiva de trabalhadores rurais metropolitanos, que não vão arvorar-se em meros exploradores de mão-de-obra indígena, mas sim em seus iguais, igualdade revelada no exercício directo de tarefas similares e em perfeita camaradagem com os aborígenes instalados na sua vizinhança. São coisas que os homens do Kremlin, da Casa Branca e do n.º 10 da Downing Street jamais poderão conceber, mas que nós compreendemos às mil maravilhas, porquanto foi precisamente assim que conseguimos fazer o portentoso Brasil. Como já se disse anteriormente, Portugal vai abalançar-se em todos os recantos dos seus territórios ultramarinos a uma obra de instrução técnica e de educação intelectual e moral, adaptada às peculiaridades regionais, divisando-se já, em prazo não muito distante, a instalação do próprio ensino superior. Às teóricas congeminências de uma ONU displicente oporemos a fórmula portuguesa de uma trajectória talvez mais lenta, mas visceralmente mais segura. Gerámos o Brasil com suor nosso, mas sem sangue e lágrimas naturais. Eles, os da ONU (...) nada mais sabem gerar do que confusionismo, destemperos e vítimas.

Em suma, não deixaremos que nos expulsem das nossas colónias a pontapés no traseiro, como se verificou com os desnorteados belgas: preferimos - não me canso de afirmá-lo - defender-nos a tiro, deixando lá talvez o nosso sangue e as nossas almas doloridas e enraivecidas, se os grandes luminares do mundo civilizado quiserem cometer a vileza de nos trocarem à viva força por Lumumbas desconcertados e desconcertantes».

Cunha Leal («O Colonialismo dos Anticolonialistas»).




«(...) chega a Lisboa, a título particular, o príncipe de Radziwill, muito próximo da Casa Branca e da família Kennedy. Ostensivamente, vem tratar de negócios, de investimentos. Mas é outra a sua missão, e secreta: traz uma mensagem verbal de Roswell Gilpatric. Este mantém na administração Johnson os contactos e a influência de que desfrutava na administração Kennedy. Salazar, em 2 de Março de 1965, recebe longamente Radziwill: de que recado é portador? Aparecem como fundamentais estes pontos: o governo dos Estados Unidos está pronto a recomeçar o fornecimento de material de guerra a Portugal, e desde já serão enviadas as peças sobressalentes que estão encomendadas; todo o auxílio a chefes terroristas de Angola ou Moçambique, feito por instituições privadas norte-americanas, designadamente a Fundação Ford, cessará imediatamente; se satisfeitos os desejos de Washington quanto à questão técnica de instalação do Loran-C [sistema de alta tecnologia que permite a localização de submarinos no alto mar], os Estados Unidos apoiariam na ONU a posição portuguesa; e o presidente Johnson ou o secretário de Estado Dean Rusk pronunciariam em pouco um discurso que inseriria um parágrafo favorável à política portuguesa e que todos interpretariam como apoio dos Estados Unidos. Esta mensagem de Gilpatric afigura-se de alto significado, e Radziwill aconselha Salazar a escrever àquele uma longa carta sobre os pontos suscitados, e outros que o chefe do governo queira sublinhar. Oliveira Salazar sente neste particular algumas hesitações: o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Godley, dissera há dias ao Arquiduque Otão de Habsburgo, de passagem por Léopoldville, que insistira com o Departamento de Estado para que fosse recomeçado o auxílio americano a Holden Roberto; o Arquiduque, que acaba de proferir uma conferência na Sociedade de Geografia em Lisboa, repete-o ao chefe do governo português; e alguns funcionários do Departamento de Estado não escondem a sua hostilidade a Portugal, e procuram contrariar na imprensa americana os artigos favoráveis à política portuguesa que aquela publica. Neste quadro de incerteza e de atitudes contraditórias, valerá a pena escrever a Gilpatric?

(...) Na segunda quinzena de Março de 1965, Salazar sente-se por momentos "liberto" da política interna, e é com alívio que volta aos problemas da Defesa do ultramar, da política externa. No domingo, dia 28, recebe longamente o jornalista e escritor francês Saint-Paulien, que ficou de preparar um texto para a Revue des Deux Mondes. Depois, na semana que entra, surge um incidente inusitado: o governo alemão comprometera-se, em contrato escrito, a vender a Portugal uma partida de aviões de combate F-86: de súbito, declara não puder cumprir a obrigação porque, havendo sido adquiridos pela Alemanha ao Canadá, este os vendera sob condição de que o governo de Bona não disporia dos aparelhos a favor de terceiros sem aprovação prévia do governo de Otava: e este acaba de informar de que não a dá em favor de Portugal. Lisboa apura desde logo que a atitude canadiana é assumida por pressão de Washington, e tira daí as suas conclusões políticas. Mas não importa: há uma responsabilidade contratual que vincula o governo de Bona: como vai este desonerar-se? Sentem grande embaraço os alemães, que estavam obviamente de boa-fé e querem honrar a sua assinatura; enviam a Lisboa, de propósito, o secretário de Estado Lahr, que dá todas as explicações e promete encontrar uma solução; e Oliveira Salazar escreve ao chanceler Ehrard uma carta pessoal, em tom cordato, para reclamar a execução de acordo firmado. Desobriga-se a República Federal da forma mais fidalga, e benéfica para Portugal: em troca dos aviões F-86, de segunda mão e muito usados, adquire em Itália uma partida de aviões de combate equivalentes, inteiramente novos, e cede-os a Portugal por preço inferior ao ajustado para os primeiros. Este caso resolve-se a contento, mas leva Oliveira Salazar a escrever a Gilpatric, como sugerido por Radziwill. É extensa a carta, e rude, e trata com franqueza brutal os pontos que são objecto da mensagem de Gilpatric: traça um quadro que é um vasto fresco das relações luso-americanas na altura, e das queixas portuguesas: e admite a hipótese de compensações materiais, financeiras ou outras, pela base que nos Açores utilizam os americanos».

Franco Nogueira («Salazar», VI).





Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric




Oliveira Salazar




Em princípios do corrente mês, precisamente a 2 de Março (de 1965), tive o prazer da visita do Príncipe Radziwill que me deu notícias de V. Excia. e se ocupou de certo número de problemas, também objecto de longa conversa com V. Excia. antes de partir de Nova Iorque. Lembrou-me o Príncipe que escrevesse a V. Excia. tanto sobre aqueles problemas como sobre quaisquer outros de interesse para as relações entre os nossos dois países, e recomendou-me vivamente o fizesse dentro da mais aberta franqueza. É por este motivo que tomo a liberdade de incomodar V. Excia. com esta carta. Abordarei os pontos suscitados pelo Príncipe Radziwill pela ordem por que este os apresentou.

a) Segundo depreendi, a Fundação Ford não só estaria disposta a cessar o seu auxílio aos terroristas baseados no Tanganica (Tanzânia) como estaria pronta a entregar ao Governo Português, naturalmente para os fins da Instituição, as somas com que tem contribuído para auxiliar aqueles. Congratula-se o Governo Português com essa decisão e, dados os fins educativos e humanitários da instituição, não tem a menor dúvida em aceitar a oferta da Fundação Ford. Estamos preparados, por isso, a apresentar àquela um plano pormenorizado e concreto de realizações que a mesma ou o Governo Português em seu nome possa subsidiar. Para que o possamos fazer com a maior eficiência, desejaríamos saber previamente o total de que a Fundação quer dispor e durante quanto tempo para aquele efeito. Ficaremos aguardando indicações nesse particular.

b) Transmitiu depois o Príncipe Radziwill a informação de que o Governo Americano cessará todo o apoio financeiro aos terroristas que do Congo se infiltram e atacam Angola. Entendi que se referia aos terroristas de Holden Roberto mas que igual atitude tomaria em relação a quaisquer outros. Pergunto-me apenas se uma tal decisão não poderia ser levada pelo Governo Americano ao conhecimento das organizações privadas americanas apropriadas para fins idênticos. Em qualquer caso tomo naturalmente nota da informação com apreço, mas a mesma e alguns factos posteriores impõem algumas observações. Independentemente do que a cessação de tal auxílio significará como evolução das posições americanas nesta matéria, e dos benefícios gerais e particulares que daí poderão advir, não posso eximir-me a notar que se trata de um gesto que não vai além de corrigir um estado de coisas que nunca deveria ter-se produzido, nem dentro da razão nem dentro da legalidade internacional. Mas já depois da minha conversa com o Príncipe Radziwill, e em que este me transmitiu aquela grata notícia, chegou ao meu conhecimento uma informação grave. O Arquiduque Otão de Habsburgo, numa recente estadia em Léopoldville, teve oportunidade de falar com o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Sr. Godley. O embaixador Godley confiou ao Arquiduque que acabava de recomendar ao Departamento de Estado «o recomeço do auxílio a Holden Roberto», por ser esse «o único meio de evitar que o movimento nacionalista de Angola caísse em mãos comunistas». Isto foi-me repetido a mim próprio pelo Arquiduque, e a integridade pessoal deste e os seus conhecimentos de língua inglesa não me permitiam dúvidas quanto à conversa nem quanto à fidelidade da sua transmissão. Devo dizer que o ministro portguês dos Negócios Estrangeiros mencionou o facto ao embaixador Anderson; e este, alguns dias depois, comunicou que o embaixador Godley desmentia inequivocamente a sua conversa com Habsburgo. Tenho de concluir que o Arquiduque Otão terá sido pouco feliz no seu relato e que não entendeu bem o que ouviu em matéria de tanto melindre. Não posso esquecer, todavia, que o embaixador Godley, quando trabalhava no Departamento de Estado, na Divisão de África, sempre manteve uma posição de grande hostilidade a Portugal, e que de igual forma procedeu quando exercia as funções de Conselheiro em Léopoldville. Recordo-me até de que, nessa altura, negou perante um jornalista inglês, de regresso de uma visita a Angola, que nesta houvesse qualquer escola frequentada por crianças ou jovens negros. Nós já convidámos o embaixador Godley, repetidas vezes, a visitar Angola; mas sempre recusou, ou não foi autorizado a fazê-lo. Não tenho evidentemente o direito de pronunciar-me sobre altos funcionários dos Estados Unidos; mas direi que a animadversão que aquele sente contra Portugal e sua política ultramarina lhe obscurece a lucidez de espírito e creio ser muito grave que os Estados Unidos possam ser levados a tomar posições numa área vital de África sobre a base de informações que não traduzem a realidade. Mas este problema ainda comporta outros aspectos. Perdoar-se-me-á se eu recordar que os Estados Unidos foram o primeiro país ocidental a dar visto diplomático (válido por quatro anos) no falso passaporte tunisino do Sr. Holden Roberto sob o nome de José Gilmore, e que lhe permitiram a entrada nos Estados Unidos, com aquele documento, durante anos, mesmo muito depois de ser público que Gilmore não existia e fora simples nome de guerra. Perdoar-se-me-á se eu recordar que o sr. William Tyler, do Departamento de Estado, admitiu oficialmente em Washington, em conversa com o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, que Holden Roberto era efectivamente recebido no Departamento de Estado. Devo dizer que nessa altura foi também assegurado que Holden Roberto não voltaria a ser ali recebido sem aviso prévio ao Governo português, aviso que até agora não foi feito. Recordarei ainda que o Sr. Blake, do Departamento de Estado, é pelos jornais africanos considerado um amigo de Holden Roberto, e que foi há tempos transferido para Léopoldville. São numerosos os jornalistas americanos, franceses, ingleses e outros que, nas suas crónicas sobre política africana, aludem a Holden Roberto como protegido dos Estados Unidos, e por estes subsidiado e auxiliado. Não julgo que se possa dizer que todas essas dezenas de jornalistas estão ao serviço de Portugal, e alguma razão devem ter tido para chegar àquela conclusão, mesmo que não fossem além das alusões do próprio Holden. Mas a conclusão a que todos os observadores e jornalistas internacionais têm chegado não tem sido admitida a Portugal porque, no passado, sempre as instâncias americanas competentes opuseram a sua mais categórica negativa. Que tais factos terminem de vez é o que pode desejar-se para esclarecimento desta situação.









c) Relativamente à alusão que o Príncipe Radziwill fez à autorização concedida para a cedência de alguns sobressalentes de natureza militar, na realidade algum material foi contratado ou fornecido a Portugal recentemente. Trata-se de artilharia para pequenos navios que não estarão prontos antes de 4 a 5 anos; de algum material para rocelagem de minas; de material para oficinas e electrónico. Mas este material pela sua natureza destina-se só a operações da NATO e não a ajudar o nosso esforço militar em África. Esperemos que, com  a nova decisão, algum material nos possa ser fornecido que não tenha por único fim permitir a Portugal dar o seu esforço para a defesa do Atlântico Norte, nos limites geográficos do Tratado. Ainda em meados de Fevereiro foi indicado à empresa americana Thiokol Chemical Corporation que só poderia negociar um acordo de produção com Portugal de mísseis ar-terra com a empresa portuguesa SPEL, desde que tal produção se destinasse a países da NATO e sob prévia autorização dos Estados Unidos para cada caso, e ainda desde que o Governo Português se comprometesse a usar tais mísseis apenas na área definida pelo artigo VI do Tratado do Atlântico Norte. O acordo seria estabelecido entre empresas particulares, mas o Governo Português tem sérias dúvidas sobre se poderá aceitar que o uso de material produzido por empresa portuguesa em território português fique dependente de autorização de governo estrangeiro. Seria conveniente esclarecer-se se a nova decisão americana abrangerá também este caso e se pode ou não ser alargado o âmbito das nossas aquisições nos Estados Unidos (in Franco Nogueira, Salazar, VI, O Último Combate, 1964-1970, pp. 23-26).

Continua


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Batalha da Esperança

Escrito por Adriano Moreira




«(...) A fantasia está a desempenhar um papel cada vez maior e é difícil saber-se o que mais admirar - se a fértil imaginação de certos delegados, se a sua capacidade de proferir descaradas falsidades, com inteiro conhecimento de que estão a proferir descaradas falsidades. Lamento dizer que os esforços desses delegados têm sido mal coordenados; possivelmente porque cada um tenta fazer melhor do que o anterior, passam o tempo a contradizer-se a si próprios, de tal modo que quem tenta agradar a algum, desagrada a todos os outros.

(...) E agora de que nos acusam? - perguntou o Ministro. Em, primeiro lugar, de não darmos informações sobre as Províncias Ultramarinas portuguesas. Essa acusação é-nos feita como se não houvesse informações sobre os territórios ultramarinos portugueses. Ora, todos sabem que não é assim.

Nada temos a esconder, não temos medo dos olhares do público e assim temos fornecido, fornecemos e continuaremos a fornecer todas as informações sobre todos os aspectos a todas as organizações internacionais.

Ninguém se pode queixar de falta de informações, mas o que se verifica é que não é esse o caso. O caso é que esta Comissão está interessada num determinado tipo de informações, destinadas a determinados fins.

Só esses fins contam e, por outras palavras, sejamos realistas: os delegados que tão barulhentamente reclamam tais informações não têm o mínimo interesse em obtê-las realmente. No entanto, alguns parecem sugerir que se nós as fornecermos não haverá mais problemas, como se tudo resultasse da nossa recusa e essa recusa que eles chamam as "condições" existentes nos territórios ultramarinos portugueses.

(...) Em seguida, somos acusados de atrocidades - atrocidades diabólicas, bárbaras, brutais - e até mesmo de canibalismo e outras coisas do género. O Mundo inteiro sabe que estas acusações não são verdadeiras, e pela nossa parte nem sequer nos sentimos ofendidos com elas. Estas acusações, que não passam de uma campanha de propaganda, são feitas, principalmente, em relação aos acontecimentos que há algum tempo se registaram numa parte limitada do Norte de Angola.

(...) Temos sido acusados nesta Comissão e noutras de chacinas, repressão violenta e não sei que mais. São citados números que variam de acordo com a capacidade de falsificação de cada um. Já se falou em 500.000  vítimas, em 100.000 e até em 500.000, o que seria mais do que a população total da região. Todas essas vítimas seriam o resultado da repressão portuguesa. Ora, estes números são, evidentemente, completamente falsos.

(...) Cometeram-se, de facto, atrozes actos de genocídio, mas não foram seus autores as autoridades portuguesas.

(...) Mas tudo isto nos leva ainda mais longe, e em consequência dois pontos devem assentar-se desde já: o primeiro é que se pretende agora que um duplo padrão seja abertamente estabelecido e praticado, e o segundo é que a legalidade internacional varia de ano para ano, de acordo com os caprichos e os interesses de determinada maioria, reunida por um acaso e para determinado tempo, para determinado fim. Seguir estas duas linhas paralelas de acção, parece extremamente perigoso à minha delegação, principalmente para as próprias Nações Unidas. Por um lado significa um desafio declarado à Carta; e, por outro lado, retira à comunidade internacional de nações a segurança e a estabilidade sobre que possa construir-se uma sólida e efectiva cooperação. Mas não é tudo, senhora Presidente.






Uma legalidade internacional apenas baseada sobre a vontade ocasional de uma maioria formada dentro das Nações Unidas não é o mesmo nem corresponde a uma opinião internacional baseada na Carta. E aqui temos de estabelecer uma distinção entre interesses internacionais e interesses nacionais.

(... ) Nenhum país estará nunca disposto a colocar os seus interesses nacionais nas mãos de uma maioria, agindo de acordo com objectivos diferentes dos da Carta, e cujos princípios e desejos podem mudar de ano para ano. No entanto, senhora Presidente, é este o caminho que as Nações Unidas parecem seguir cada vez mais.

Isto significa, por um lado, que as Nações Unidas estão a divorciar-se cada vez mais das realidades e dos factos da vida, e, por outro lado, significa também que a vontade de determinada maioria se transforma em mera ditadura verbal, em cujas mãos não podem colocar-se os interesses nacionais.

O resultado é que as Nações Unidas estão a aprovar resoluções que ninguém cumpre e estão a fazê-lo em número crescente. Por outras palavras, as Nações Unidas estão a transformar-se num museu de resoluções mortas, aprovadas sem outro propósito que o de serem arquivadas.

(...) Quando chegamos a questões de raça, creio poder afirmar que mesmo os nossos mais tenazes adversários admitem que os nossos princípios neste ponto estão inteiramente de acordo com os mais altos ideais da humanidade.

Opomo-nos fortemente à supremacia de qualquer raça, opomo-nos fortemente a qualquer tipo de segregação ou de discriminação de raça ou de cor.

Esta tem sido a nossa política há muitos séculos; temos grande orgulho no facto de havermos sido os primeiros na luta contra a discriminação racial: temos também grande orgulho no facto de que sempre fomos os mais destacados advogados da coexistência harmoniosa entre todas as raças.

Foi, portanto, com certa surpresa que ouvimos algumas delegações europeias e outras, em cujos países se têm praticado as formas mais intolerantes de segregação racial, afirmarem agora que são contrárias a qualquer discriminação baseada na raça.






E foi igualmente com surpresa que ouvimos nesta Comissão que uma sociedade baseada na harmoniosa coexistência de todas as raças tem de ser considerada um ideal utópico, que não poderá ser atingida.

Esta afirmação foi feita por uma delegação que sem dúvida julga os outros pela experiência do seu próprio país, e ninguém se surpreenderá de que essa delegação seja a da União Indiana.

E, finalmente, senhora Presidente, ninguém sugeriu que os direitos de que goza o povo português não sejam os mesmos em toda a parte. De facto, o mundo inteiro sabe que os mesmos direitos políticos e sociais são usufruídos por todos, sem se atender à raça, cor, credo ou origem que possam ter.

(...) Com efeito, encarando o assunto sob o ponto de vista puramente humano, o que encontramos? as delegações mais violentas são precisamente aquelas em cujos países não há liberdade individual, em cujos países os preconceitos raciais são predominantes, os direitos políticos e sociais não-existentes e práticas correspondentes à escravidão são oficialmente reconhecidas e protegidas.

No fundo dos seus corações, as delegações sabem que estou a dizer a verdade, embora eu esteja certo de que não vão admiti-lo.

São precisamente essas delegações que se adiantam e acusam o meu país, e afirmam que não nos conformamos com a Carta...».

Discurso de S. Ex.ª o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Franco Nogueira, na sessão de 8 de Novembro de 1961, da 4.ª comissão da Assembleia-Geral da ONU.





BATALHA DA ESPERANÇA


1. A presença do ministro do Ultramar nas províncias deve ser hoje considerada um acto normal e corrente da administração, que não exige motivo nem justificação especiais. Pelo contrário, a sua função de coordenador dos interesses comuns da Metrópole e das províncias exige a deslocação frequente e uma acção de informação, esclarecimento e decisão que não se compadecem com rotinas tradicionais nem sequer com programas rigidamente estabelecidos. É por isso normal que a gestão dos interesses públicos que lhe estão confiados implique uma continuada acção de presença tanto junto dos orgãos provinciais como junto dos orgãos metropolitanos de cuja competência respectivamente dependem os meios indispensáveis para a satisfação dos nossos interesses gerais. Por tudo isto, e em condições normais, não sentiria a necessidade de dirigir uma palavra especial à população de Angola no momento em que regresso à Metrópole em serviço dos interesses da província, para voltar quando esses mesmos interesses o determinem. Mas os problemas especialíssimos que defrontamos parece-me aconselhar neste momento alguns comentários que poderão ser de utilidade para a condução de guerra em que estamos empenhados.






2. Estamos em face de uma acção terrorista que não pode ser enfrentada com os métodos clássicos de defesa, que implica a mobilização de toda a população e de que nem os particulares, nem as autoridades civis, nem sequer as forças militarizadas, tinham experiência. O terrorismo procura antes de mais fazer naufragar no desespero e no medo as estruturas da vida corrente, e, ao mesmo tempo que ataca a vida e os bens das pessoas, procura desacreditar os instrumentos do poder e desorientar a opinião pública. É necessário que toda a população tenha consciência disto para que não facilite, por simples inadvertência, a eficácia do ataque. No que respeita à insegurança da vida e fazenda das vítimas designadas pelos autores do plano de genocídio que está em curso e de que estamos a defender-nos, temos de reconhecer que o nosso próprio método tradicional de ocupar e desenvolver o território facilita a acção dos agentes treinados nas escolas especializadas cuja localização é conhecida por todos os homens de Estado responsáveis. Habituados ao contacto pacífico com todas as etnias, não nos acantonámos apenas em aglomerações urbanas parasitárias das populações rurais, antes confiadamente nos espalhámos pelo interior, em fazendas e casas isoladas, cuja segurança foi sempre assegurada exclusivamente pela integração de todos no mesmo esforço de valorização das terras e das gentes. Foi esta a nossa força como povo, e é também a nossa fraqueza como indivíduos para conseguir eliminar rapidamente a possibilidade de atentados brutais e selvagens destinados a quebrar a nossa determinação e capacidade de resistência. Os terroristas têm podido, em face do nosso modo tradicional de viver, causar grandes males e sofrimentos. Sabido isto, temos naturalmente de reduzir ao mínimo as possibilidades dos agentes de um crime de que não somos nem as primeiras nem as últimas vítimas num mundo em que a qualidade de terroristas chega a qualificar os indivíduos como interlocutores válidos de estadistas que tínhamos o direito de considerar responsáveis. A própria experiência vai porém aumentado rapidamente a nossa capacidade de luta, e toda a população deve estar disposta a acatar os conselhos e determinações das autoridades responsáveis pelo restabelecimento da segurança, por muito que eles contrariem o seu modo tradicional de viver e os seus interesses pessoais imediatos. O regime de concentração de poderes civis e militares que decretei para os distritos do Norte, e que será ainda reforçado se necessário, destina-se a facilitar a adaptação rápida da defesa da população à mutação das condições do ataque, e esse regime tem de ser executado em inteira e franca colaboração dos particulares e das autoridades civis e militares, sob pena de serem atraiçoados os interesses gerais e superiores do país.

Porque não estamos em face de uma guerra clássica, mas sim duma acção terrorista, a integral mobilização de militares e civis para acções que escapam aos esquemas tradicionais implica também uma adaptação de mentalidades aos factos novos com que deparamos, e não serve o interesse comum quem não se mostrar capaz de fazer o esforço de adaptação que as circunstâncias exigem.


3. Essa adaptação deve ter em vista a manutenção, na medida do possível, do ritmo normal da vida das instituições públicas e privadas. A manutenção desse ritmo normal implica antes de mais a coragem de cumprir os deveres banais da vida de todos os dias, não obstante a carga emocional que os acontecimentos acrescentaram às preocupações correntes. O principal desses deveres traduz-se em assegurar um teor de relações entre os vários grupos étnicos que possibilite o funcionamento da nossa estrutura social, e por isso determinei a todas as autoridades que multipliquem os seus esforços no sentido de impedir que seja cometida uma só injustiça, porque não pode em nenhuma circunstância pagar o justo pelo pecador. Se temos o dever de liquidar o terrorismo na província, é nosso dever correlativo proteger as populações a quem demos o quadro nacional que não tinham e que esperam da nossa parte a protecção a que têm direito. É naturalmente impossível que as autoridades possam, sem a cooperação dos cidadãos, exercer a acção de esclarecimento e tutela dos inocentes que os nossos deveres e interesses exigem. Muitos o compreenderam já e foi-me particularmente grato poder distinguir e apontar como exemplos à Nação aqueles que mais pronta e eficazmente actuaram em tal sentido. Temos de ser benevolentes para os erros de apreciação que as próprias circunstâncias determinam, e nesse sentido estabeleci a protecção legal necessária ao quadro administrativo; mas teremos de ser intransigentes com todos quantos tentem desrespeitar os princípios fundamentais da nossa ética de povo missionário.

4. Um dos aspectos novos que somos obrigados a enfrentar é o que respeita à protecção da economia global da província, que nos obriga a experimentar um intervencionismo, justificado pelas leis nacionais e pelas convenções internacionais, mas de que não temos experiência. Estou certo de que muitos aspectos desse intervencionismo exigirão correcções de atitudes, adaptações de hábitos, aceitação de solidariedades a que os interessados não estão habituados e também, como é próprio das coisas humanas, alguma injustiça em casos particulares: tudo isto espero que se passe com o corpo de trabalho e recuperação económica determinado pela necessidade de realizar colheitas. Mas o que não espero que se passe é que haja qualquer autoridade que não colabore com entusiasmo e devoção no cumprimento exacto da lei, que visa salvaguardar interesses fundamentais da província. Mais do que nunca é dever de todos os que exercem uma função pública de qualquer natureza dar o exemplo da pronta obediência à lei para obter uma exemplar obediência das populações.

5. Nos casos que não têm o carácter agudo do problema das colheitas, também muitas actividades privadas carecem de um amparo que não estará sempre ao nosso alcance dar-lhe, porque não temos meios ilimitados e porque, como já adverti, a guerra implica sempre algum empobrecimento. Mas estamos mobilizando todos os meios de crédito disponíveis no sentido de assegurar um programa especial de investimentos públicos que contribuam para atenuar a diminuição do ritmo das actividades privadas, assim como estamos solicitando o amparo do crédito privado em relação às actividades que não têm ligação com o sector público do investimento. Esperamos ver em breve um novo banco a funcionar na província e confiamos na capacidade de compreensão dos estabelecimentos de crédito existentes em relação às situações que designadamente determinaram a moratória que foi decretada. Mas não posso deixar de voltar a sublinhar que não é possível querer ao mesmo tempo aumentar os investimentos e transferir as poupanças, que não é possível querer ao mesmo tempo aumentar o afluxo de colonos e desmobilizar as actividades privadas, com a grave consequência do aumento do desemprego que vem somar-se ao drama das populações deslocadas. Quanto a estas, e na medida que se afigurou possível, tentei coordenar e estruturar os serviços necessários, esperando que algum bem possa resultar das medidas decretadas. Mas quanto aos desempregados, e não obstante o esforço que o Governo da província vai fazer no sector das obras públicas para diminuir a crise, não posso deixar de solicitar das actividades privadas que façam o sacrifício que estiver ao seu alcance para assegurar ocupação a todos quantos é nosso dever e interesse fixar na província em termos de colaborarem na luta que travamos. A simples observância da regra que manda dar a trabalho igual salário igual poderá em alguns casos, embora com diminuição dos lucros dos empreendimentos, contribuir para assegurar a permanência e ocupação de muitos braços indispensáveis. Aqueles braços que durante o dia trabalham com a charrua e à noite empunham as armas com que a população civil tem assegurado a vigilância que não está ao alcance das forças públicas.

O Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, e o Secretário de Estado da Aeronática, coronel Kaúlza de Arriaga, durante uma visita a Angola.


6. Creio ter-me ocupado dos pontos essenciais a respeito dos quais me parecia necessária uma palavra de orientação. Antes de terminar, porém, não quero deixar de prestar o meu testemunho sobre o espírito de patriotismo que por toda a parte encontrei, sobre a devoção ao interesse público que tem feito calar divergências de opiniões e conflitos de interesse, sobre a inigualável devoção à Pátria que encontrei sempre na maneira rude, leal e sincera com que a rija população de Angola me exprimiu os seus pontos de vista. Não conheço outra maneira de servir o interesse do País, e sentir-me-ei orgulhoso de poder dar alguma ajuda nesta batalha da esperança em que os homens não contam porque só conta o interesse nacional (in «Batalha da Esperança», Discurso do Ministro do Ultramar, Prof. Dr. Adriano Moreira, proferido em 19 de Maio, em Angola, aos microfones das emissoras de Luanda, Lisboa, 1961).