quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Consórcio Mundial (ii)

Escrito por Henri Massis






































«Em 22 de Junho de 1941 as tropas alemãs atravessam a fronteira com a  União Soviética, e atacam com poderosos meios militares. É a guerra germano-russa. De há semanas que, no segredo das chancelarias, se acentuavam os indícios do conflito iminente. Salazar não sente qualquer surpresa. Diz a Pedro Theotónio: esse conflito "tive-o sempre por fatal". Não acreditava que duas revoluções, como a comunista e a nacional-socialista, pudessem desenvolver-se a paredes-meias; e a Alemanha, se queria resolver o problema da alegada falta de espaço, apenas poderia fazê-lo a Oriente. Mas para além do agravamento da guerra e dos seus perigos, há que ver o futuro. Ora "eu não vejo a guerra através da guerra; vejo a guerra através da paz. Quer dizer: o que me preocupa mais não é saber quem vence ou como vai vencer, mas que paz se fará, com que princípios se constituirá a futura paz. Neste campo, pode perguntar-se se o fim da guerra é a destruição da unidade alemã ou se esta unidade, acabada de realizar por Hitler, não é uma vantagem europeia". Neste contexto, julga "precipitado" o discurso com que Churchill saúda a entrada da Rússia na luta. Sem dúvida: aproveitar a força russa para combater a Alemanha é perfeitamente compreensível. Mas importaria não esquecer que a União Soviética colaborou na partilha da Polónia, e fora para defesa deste país que a Grã-Bretanha entrara em guerra; e que Moscovo invadira a Finlândia, e se apossara dos Estados Bálticos, e da Bessarábia; e tudo isto era contrário aos fins da guerra afirmados por Londres. Parecia deste modo que Churchill não deveria ter oferecido a sua "solidariedade", conclui Salazar. Posta a questão em tais termos, Salazar receia que a opinião ocidental se sinta dividida, e que em alguns países, como a Espanha, cause uma impressão desfavorável à causa britânica e do Ocidente em geral. Em qualquer caso, da guerra germano-russa, e a menos que a sua duração seja breve e termine pela derrota de Moscovo, resulta a inevitabilidade de o Japão, pela acção do Pacto Tripartido e em virtude da sua política imperial, entrar também no conflito, e o facto arrastará fatalmente os Estados Unidos. Na América do Sul, serão imediatas as repercussões, e com dificuldade se vê que a África se possa eximir a estas. Salazar encara a situação com o pessimismo mais cru: considera como um imperativo, todavia, poupar Portugal à catástrofe e tentar, contra a evidência mais luminosa, que da provação mundial saía o país intacto».

Franco Nogueira («Salazar», III).


«De repente, em 1941, tudo muda para Churchill. O destino oscila. Com a  entrada da URSS na guerra, a 22 de Junho, e dos Estados Unidos, a 7 de Dezembro, a Inglaterra não só deixa de estar isolada frente a Hitler, mas está de novo situada no próprio coração de uma coligação planetária. Nesta guerra, transformada em guerra mundial, é a Grã-Bretanha que passa a constituir o centro nevrálgico da "Grande Aliança" - como Winston a baptizou, em memória da coligação organizada contra Luís XIV, na época do seu antepassado Marlborough. Durante quatro anos, Churchill vai desempenhar em simultâneo o papel de empresário, actor e artista deste empreendimento colossal destinado a derrubar as forças do Eixo. E é a esta tarefa que ele consagra a maior parte da sua energia e da sua acção, esforçando-se por impulsionar e por dominar uma nova geopolítica caracterizada pela "divisão ternária do mundo", para retomar uma expressão de Shakespeare.

No Outono de 1939, apesar da entrada do Exército Vermelho na Polónia, e da partilha do país entre Alemães e Soviéticos, Churchill tinha-se distinguido por uma moderação surpreendente frente à política do Kremlin. Em vez de se unir à vaga de condenações indignadas que arrastava os seus compatriotas, o Primeiro Lorde do Almirantado tinha adoptado uma linguagem matizada e prudente, deixando a porta aberta a eventuais inflexões, ou até mesmo a futuras mudanças de direcção. Foi assim que, no seu primeiro discurso radiodifundido pela BBC, a 1 de Outubro, ao mesmo tempo que sublinhava que a política de Estaline era ditada, antes de mais, pelos interesses nacionais da URSS, Winston tinha dado a entender que o enigma russo - "quebra-cabeças envolvido em mistério no interior de um enigma", tinha ele precisado, numa fórmula que se tornaria célebre [War Speeches, t. I, p. 162] - não podia dissimular o facto de que era impossível à União Soviética tolerar que a Alemanha de Hitler tentasse dominar os Balcãs e o Sudeste Europeu. Daí a ideia de que os interesses antagónicos entre os dois gigantes totalitários provocariam, mais tarde ou mais cedo, um conflito entre ambos. Em Outubro, de 1940, frente aos seus conselheiros militares assombrados, Winston atrevera-se mesmo a afirmar, como uma presciência magnífica, que deviam estar preparados para que a Alemanha viesse a atacar a URSS em 1941.




Mas é sobretudo, na Primavera de 1941 que, à luz das informações provenientes dos Ultra, Churchill deixa de ter dúvidas sobre a iminência de uma poderosa ofensiva alemã ao leste europeu. No início de Abril, ordena ao Embaixador britânico em Moscovo, Sir Stafford Cripps, que transmita com urgência uma mensagem de advertência ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Molotov. Cripps, porém, hesita; depois, após uma chamada à ordem do Primeiro-ministro, envia uma nota ao Ministro-adjunto, Vychinski. Cada vez mais convencido da proximidade do confronto, Churchill informa Roosevelt, tanto mais que, a 12 de Junho, os serviços britânicos decifraram uma mensagem enviada de Berlin para Tóquio, pelo Embaixador do Japão, anunciando a iminência da campanha contra a União Soviética. Na véspera do ataque, enquanto passeava nos Chequers, o Primeiro-ministro declara ao seu secretário Colville que, se Hitler se atrevesse a invadir o inferno, ele próprio faria um pacto com o diabo [John Colville, The Fringes of Power, p. 480]».

François Bédarida («Winston Churchill»).


«(...) a partir de 1933 são tomadas decisões fatais para a Alemanha e para a Europa. Os objectivos são os indicados no Mein Kampf: a criação de uma Eurásia de confins orientais indefinidos; um entendimento com a  Inglaterra para o condomínio mundial, em competição com os Estados Unidos e talvez com uma Ásia oriental de hegemonia japonesa; a Alemanha é a base deste arranjo do globo, que deve anunciar a criação de uma nova civilização «ariana» e de um homem novo que recupere antigas e perdidas virtudes; os Hebreus que opõem a esta perspectiva o seu sonho de domínio mundial são marginalizados (posição até 1941) e punidos depois de terem mobilizado a aliança antiariana (posição de 1941 em diante).

Rosenberg e Frank, do grupo Thule, terão papéis decisivos nesta marcha para Leste, o primeiro como responsável em 1941 dos territórios russos ocupados e o segundo já desde 1939 como governador da Polónia. Hess e os dois Haushofer colaborarão nesta estratégia com um entrelaçamento de geopolítica e de astrologia. Himmler quer transformar as SS numa ordem na qual a iniciação se entrelaça com a crueldade. Também aqueles que no vértice nazi têm uma diferente formação cultural, são influenciados pela de origem ocultista. Göring, pragmático, tem alguma condescendência pelas teorias dos émulos de Horbiger. Gobbels, expressão do nazismo "social" de Röhm e dos irmãos Strasser, interessa-se por Nostradamus e pelos astrólogos. Até o gélido von Ribbentrop se entrega a fantasias a propósito do duque de Windsor.













Este grupo é porém caracterizado pelo realismo político. Está de acordo em destruir os concorrentes externos e também internos (20 de Junho de 1934) na base de cálculos precisos (por exemplo a ideia de Röhm de fazer da SA a base de um exército "popular" em antítese à Reichwehr faria perder à NSDAP o seu apoio, ainda decisivo na época). Imposta uma política económica que, graças a Hjalmar Schacht (que será depois marginalizado), assume por meados dos anos trinta algumas características keynesianas, com a dívida pública usada para derrotar a ocupação não só em função do rearmamento, mas também com investimentos civis (as auto-estradas, os bairros citadinos) e o melhoramento do nível de vida (até ao Volkswagen).

O realismo político entrelaça-se, porém, com o prosseguimento dos fins últimos, que não foram abandonados com a transformação das seitas ocultistas no grande partido. E desenha-se assim o primeiro desencontro entre os nazis e os grupos conservadores que os levaram ao poder para fins mais limitados (a grande indústria, os grandes agrários do Leste, o exército) e depois uma dissenção no próprio círculo restrito de vértice sobre os fins e sobre as formas da política mundial. O problema é aquele que Hitler expôs no Mein Kampf e que agitará a Alemanha nazi até aos seus últimos dias: como obter o consenso da Inglaterra na criação da Eurásia (que Mackinder identificou com o declínio do império britânico), garantindo-lhe um grande futuro numa base de igualdade com o Terceiro Reich?».

Giogio Galli («Hitler e o Nazismo Mágico. As Componentes Esotéricas do III Reich»).


«Na Europa os americanos bateram-se contra os alemães na qualidade de aliados dos soviéticos mas na Ásia combateram praticamente sós. Receberam alguma ajuda da Grã-Bretanha mas o maior peso, no Extremo Oriente, foi suportado unicamente por eles. A URSS, aqui, não só não se conduziu como aliada como permaneceu de relações amigáveis com o Japão, mantendo a sua embaixada em Tóquio e uma importante rede de espionagem - um autêntico exército de espiões. O Japão conservou igualmente a sua embaixada em Moscovo. De 7 de Dezembro de 1941, data do ataque a Pearl Harbor, a 9 de Agosto de 1945 a Rússia soviética manteve-se alheada do conflito e só deu conta dele nesta data, quando a derrota se consumou e a rendição japonesa já não era senão uma questão de dias. Então, a URSS declarou guerra, entrou na Manchúria, invadiu o norte da China, a Coreia do Norte e outros pontos de apoio nevrálgico administrados pelos japoneses.

Assim, sem ter disparado um tiro, e depois de apenas cinco dias de "combates" fictícios, a União Soviética, com o completo acordo do governo americano, recolheu todos os frutos da capitulação do Império do Sol Nascente. Comunizou a China e apoderou-se - para além da Manchúria - da Mongólia Exterior e de Sin-Kiang (três províncias que representam um terço da China).






(...) Que se medite bem neste pormenor: depois de somente cinco dias de pseudo-combate... Ora o próprio Estaline admitiu que, sem contar com os bens de equipamento, 2/3 do material de guerra utilizado pelo seu país - no conflito europeu - provinha dos Estados Unidos. Tudo isto prova que nenhum homem sensato imaginará, um só minuto, que os americanos se obstinaram, durante quatro anos, a lutar, com êxito, contra os japoneses para libertar o Pacífico do seu domínio, para remeterem os louros aos soviéticos; que os Estados Unidos terão atacado por toda a parte as consideráveis forças japonesas disseminadas nas ilhas do Pacífico, desafiando a sua frota poderosa e o seu exército distribuído em mais de uma centena de ilhas afastadas umas das outras, à custa de 200 000 mortos, sem contar com a perda da maior parte da sua aviação e da sua marinha, absorvendo milhões de dólares, para acabar por abandonar os frutos da sua vitória à tirania implacável do país dos sovietes. Entretanto, Estaline que, como dissemos, dependeu da ajuda americana, pôs de pé os seus planos, triunfou completamente e abandonou a cena, mantendo na algibeira, tranquilamente, uma fatia da Ásia. Como pôde acontecer esta coisa tão inacreditável?»

Deirdre Manifold («Fátima e a Grande Conspiração»).


«Se entre americanos e russos existe vocação comum, é ela, por certo, a de exploradores, caçadores e colonos que uns e outros obstinadamente manifestaram desde o princípio da sua história. Existem muitas outras semelhanças entre os Estados Unidos e a Rússia, semelhanças que os escritores alemães muitas vezes sublinharam. Para Spengler há em primeiro lugar "a mesma extensão que exclui a possibilidade de ataques eficazes dos inimigos; há depois o socialismo de Estado, ou antes o capitalismo de Estado, quase semelhante à fórmula existente na Rússia, representado pelo conjunto dos trusts que dirigem e regulam toda a produção e o seu escoamento, (...) correspondente às organizações económicas russas. O lema dos sovietes: A Ásia para os asiáticos, corresponde exactamente nos seus pontos essenciais à concepção da doutrina de Monroë: Toda a América para o potencial económico dos Estados Unidos".

Quanto a Keyserling, depois de notar que a "atmosfera psíquica da América se parece com a da Rússia e com a da Ásia sententrional", observa: "A psicologia de um Gengis Can, que devastou o mundo num furacão, de um Pedro o Grande ou de um Lenine, que ditaram a sua vontade pessoal a milhões de homens, ou a de um presidente de trust americano, que considera 'sem Deus' toda e qualquer nação que não lhe compra o seu petróleo, são, neste particular, absolutamente idênticas"».

Henri Massis («A Nova Rússia»).





A URSS e os Estados Unidos


Conferência de Ialta


A aliança da Grã-Bretanha e dos Estados-Unidos com a URSS suscita numerosas polémicas na imprensa inglesa e americana. Escritores que viveram na Rússia Soviética, como R. Lyons e Max Eastman não deixaram de exprimir os receios que certa propaganda yankee a favor do bolchevismo lhes inspirava. A título documentário, reproduzimos aqui o artigo que o colaborador de J. Littlepage, o célebre jornalista americano Dewaree Bess, co-director do Saturday Evening Post, publicou no Daily Mail sobre este assunto:

«Muitos americanos têm como certo que a Rússia os ajudará a combater o Japão, depois de vencida a Alemanha. Outros americanos supõem que a Rússia aceitará de bom grado os planos americanos sobre o mundo do pós-guerra. Ideias perigosas, pois nas realidades conhecidas pouco há que as justifique. Quais são os factos?

O primeiro é que actualmente o governo soviético é o mais independente do mundo.

Os russos não tomaram fosse com quem fosse nenhum compromisso particular de natureza a entravar a sua liberdade de acção, quer quanto à guerra quer quanto à Europa do pós-guerra.

A sua adesão às disposições vagas e gerais da "Carta do Atlântico" foi apenas atitude de cortesia, não comprometimento.

Mesmo na altura em que a sua situação militar era mais sombria, os dirigentes russos recusaram ligar-se fosse de que maneira fosse, em contrapartida do auxílio que aceitaram dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.

Pelo contrário os russos pediram concessões à Grã-Bretanha pouco depois da invasão do seu país pela Alemanha. Pediram que lhes reconhecessem as suas pretensões sobre os três Estados Bálticos e sobre parte da Finlândia e parte da Roménia, e sempre insistiram pela regulamentação futura da questão das fronteiras polacas. Noutros termos: procuraram obter da Grã-Bretanha mais ou menos as mesmas concessões que exigiram a Hitler em 1939.



Visto que manifestaram tão claramente os seus desejos, primeiro nas negociações com Hitler e depois nas que têm tido com a Grã-Bretanha, ninguém terá o direito de se surpreender se os russos ocuparem de novo todos os territórios que ocuparam em 1928 e 1940 e os incorporarem na União Soviética.

Do ponto de vista russo, essas reivindicações territoriais são moderadas. Restabelecem simplesmente as fronteiras do Império dos Czares na Europa eliminando os Estados "tampões" criados pelo Tratado de Versalhes entre a Rússia e a Europa...

Os estados da Europa Ocidental estão hoje unidos mais estreitamente do que nunca e esperam da Rússia a sua libertação. Durante uma viagem nos Balcãs, na primavera de 1941, pude ver em que larga escala a Rússia despertava a simpatia dos eslavos vencidos na Checoslováquia, na Jugoslávia, e até na Polónia anti-russa e entre os búlgaros aliados da Alemanha.

É portanto inevitável que, se vencer a guerra, a Rússia exerça em todos esses países mais influência do que aquela que os anglo-americanos possam esperar exercer.

Está aí uma perspectiva da Europa do pós-guerra que os construtores de planos de paz anglo-americanos ignoram. A ideia de que a combinação anglo-amnericana, com a colaboração consultiva de todos os governos exilados em Londres, pode decidir de antemão o que acontecerá na Europa, não é de forma alguma justificada pelos factos.

Os russos não tiveram qualquer intervenção na paz que se seguiu à guerra de 1914-18. Consideremos a enorme diferença da situação presente.

A França e a Itália deixaram de ser grandes potências. E desta vez a vitória na Europa não significará o fim da luta para os americanos e para os ingleses, visto que nessa altura terão de empenhar-se seriamente na guerra contra o Japão.

É quase certo, por outro lado, a menos que o Japão tome a iniciativa de invadir as províncias russas do pacífico, que a Rússia estará em paz nessa altura, ao passo que os Estados-Unidos e a Grã-Bretanha estarão ainda em guerra.



A posição da Rússia é quase perfeita na guerra do Pacífico. Se puder continuar a manter em respeito os japoneses, não terá a menor necessidade de entrar nessa guerra. Se os japoneses a atacarem, pode contar com o auxílio que lhe podemos prestar, sabendo que temos para a auxiliar contra o Japão as mesmas egoístas razões que nos levam a auxiliá-la contra a Alemanha.

Se os russos decidem que lhes convém arredondar as suas fronteiras estratégicas no Extremo Oriente, tal como decidiram em relação às suas fronteiras europeias, podem entrar na guerra na Ásia quando melhor lhes parecer e ocupar os territórios que ambicionarem como quinhão nos despojos.

E que significará isso quanto à Ásia do pós-guerra? Pode prever-se que os russos têm plena liberdade para consolidar os seus postos ameaçados na Mongólia e no Turquestão chinês e, querendo, para alargar as suas posições à Manchúria e à Coreia.

Isso significa que a influência russa na China, exercida por meio dos comunistas chineses, tem mais probabilidades de aumentar que de diminuir. E isso parece demonstrar que, enquanto a China não puder ser organizada num moderno Estado industrial, a Rússia Soviética tornar-se-á a maior potência da Ásia do pós-guerra.

É portanto evidente que a Rússia ocupa poderosa e independente posição em relação às guerras que grassam actualmente na Europa e na Ásia, e também em relação ao mundo do pós-guerra.

Nós, americanos, só podemos traçar o nosso caminho dando-nos conta por completo do poder penosamente adquirido pela Rússia.

Os russos estão prontos a negociar connosco em tempo de paz, tal como connosco colaboraram em tempo de guerra, mas deram claramente a entender que todos os arranjos e combinações devem obedecer às condições da Rússia. E essas condições são sempre definidas com nitidez».

Em primeiro lugar, a Rússia recusa comprometer-se de antemão a quebrar o seu pacto de não-agressão com o Império Nipónico.






Em segundo lugar, a Rússia exige que lhe deixem as mãos livres para os arranjos do pós-guerra em todos os territórios limítrofes das fronteiras russas.

Em terceiro lugar, a Rússia espera que a sua associação com os americanos e os britânicos para os projectos de segurança mundial tenha lugar em pé de igualdade; a Rússia está, aliás, em situação de o exigir. Isto significa que não dará o seu apoio a qualquer forma de imperium anglo-americano, ainda que disfarçado. Contra a perspectiva de um imperium desse género, os russos constroem metodicamente o seu imperium, fortalecendo-se assim para o jogo de equilíbrio de potências, se tal jogo continuar a ser jogado no mundo depois da guerra.

Quando se examinam todos os testemunhos, vê-se que o futuro do mundo não será determinado principalmente pela opinião pública americana, como muita gente entre nós loucamente espera.

Não é apenas vão, mas positivamente pernicioso, imaginar as Nações Unidas como grande e feliz família que faz as mesmas guerras pelos mesmos objectivos.

Os russos anunciaram claramente que combatem não só pela Rússia mas também pelo regime soviético, que não é simplesmente - como certos americanos tentam fazer-nos crer - outra versão do regime americano de democracia e de livre iniciativa.

O regime soviético é um regime de partido único que não aceita qualquer oposição, encarregando-se a polícia de suprimir toda e qualquer oposição política. O regime soviético é o Estado proprietário, explorando todas as coisas: todos os cidadãos soviéticos trabalham para o Estado.

O regime demonstrou o seu valor nos tempos de guerra e nada, absolutamente nada, permite supor que os dirigentes soviéticos tenham a intenção de modificar, cedo ou tarde, os seus princípios fundamentais ou de se associarem a quaisquer projectos para estabelecer a livre iniciativa em escala mundial.

Além disso, e ainda que tal não nos agrade, somos obrigados a reconhecer que a Rússia vitoriosa possuirá situação geográfica, potencialidade militar e influência política para fazer em grande parte do mundo mais ou menos o que muito bem entender (1). E, naturalmente, aos russos sorri muito mais a ideia de expandir o seu sistema do que o nosso.

O melhor que nós, americanos, podemos portanto esperar, se quisermos ser razoáveis, é que possamos chegar a um compromisso com os russos - bem como com os nossos outros aliados» (in ob. cit., pp. 257-264).




(1) De dia para dia, a opinião americana adquire cada vez mais consciência das ameaças que para os Estados Unidos comportaria o poder crescente e firmado dos Sovietes. A inquietação que provocam nasceu deste raciocínio: «Não será contraditório ter querido quebrar uma hegemonia europeia, a hegemonia alemã, e ter ajudado a criar uma hegemonia mundial, o império russo?» Depois os americanos deram a esta interrogação resposta ainda mais directa:

«No dia em que os Sovietes estiverem livres da guerra europeia serão os árbitros da guerra do Pacífico. Se tomassem partido pelo Japão não teríamos mais remédio, por muito grande que fosse o nosso poderio, senão metermo-nos em casa. Se tomassem partido contra o Japão - mas nenhum indício permite pensá-lo, antes pelo contrário - seria para nos abrirem as portas da Ásia?»

Com efeito, o Japão para se garantir do lado da Sibéria oriental e poder concentrar o seu esforço nas frentes do Pacífico e da Birmânia, não cedeu há pouco à Rússia Soviética os petróleos da parte norte da Sacalina? A propósito deste novo acordo que estreitou mais ainda os laços entre a URSS e o Japão, o que não pôde deixar de agradar à Alemanha, o New York Daily Mirror escreveu no seu editorial:

«Caminhamos a passos largos para uma Ásia dominada pelo Japão e inimiga da América e da Europa. A excessiva concentração das atenções americanas no teatro europeu e a nossa negligência na guerra contra o Japão traduzir-se-ão provavelmente em grandes revezes. Pode acontecer que a Inglaterra perca a Índia, a sua possessão mais rica. Outro acontecimento sério é constituído pela aparente intenção da Rússia de se pegar de razões com a China».

Começaram os americanos a compreender a realidade do perigo russo-asiático?


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