terça-feira, 10 de agosto de 2010

Categorias de Aristóteles (i)

Escrito por Aristóteles




Pórtico


Silvestre Pinheiro Ferreira viveu numa época em que o idealismo alemão e o ecletismo francês já impregnavam os cursos universitários à revelia da tradição aristotélica pátria. Assim, durante duas centúrias coubera aos Conimbres a restituição de uma remota tradição até serem expulsos do Reino por um «déspota esclarecido» que abominava Aristóteles e os mestres encarregues de o perpetuarem segundo o magistério da escolástica católica. De modo que, num ambiente saturado de anti-aristotelismo, Pinheiro Ferreira, indo para o Brasil (1809), instala-se no Rio de Janeiro, onde, mercê de dificuldades materiais, torna-se conselheiro do Monarca, e, no mais, regente de um curso áulico de filosofia cujas lições surdiam sob o título de «Prelecções Filosóficas». Ora, é entre a nona e a décima terceira lição que Pinheiro Ferreira trata do estudo aristotélico das «Categorias», posto Aristóteles, a par dos filósofos antigos e modernos, ser o primeiro de todos eles.

Demais, convém citar o elogio que Pinheiro Ferreira, a propósito das suas «Prelecções Filosóficas», tributa ao próprio Aristóteles:


«Seria impróprio deste lugar o aplicar-me a demonstrar-vos que Aristóteles, pela vastidão do plano, e sublimidade da execução, que se fazem admirar nas suas Obras, assim como é incomparavelmente superior a todos os Filósofos, cujos escritos nos são conhecidos, assim também deve ser o primeiro que figure nesta espécie de Biblioteca Filosófica, com que iremos acompanhando o Curso destas Prelecções. Só depois de havermos analisado os Tratados, que nos restam daquele grande Filósofo, e os termos comparado com o que depois dele até agora sobre os mesmos objectos se tem escrito; é que de um rápido golpe de vista poderei convencer-vos da justiça, com que acabo de tributar-lhe as homenagens, que o nosso século amigo das luzes lhe não teria negado, se a estulta idolatria dos Escolásticos dos dois séculos precedentes não tivesse indisposto os ânimos até mesmo contra o nome de Aristóteles, como aquele em cujas Obras eles protestavam haverem copiado os delírios das suas desvairadas fantasias» («Prelecções Filosóficas», Rio de Janeiro, 1813).


No lance, cabe, pois, ao Liceu transcrever, passo a passo, o tratado das «Categorias», no qual figura o trívio (equívocos, unívocos e cognominados), assim como noções capitais relativas à ousia, ao género e à espécie, à qualidade e ao atributo, à quantidade discreta e à quantidade contínua, como ainda aos relativos, contrários, conexos e demais formas de oposição lógico-dialéctica seguidas das seis espécies de movimento segundo Aristóteles.


De resto, em todos os casos relativos ao trivial, isto é, aos equívocos ou homónimos, aos unívocos ou sinónimos, bem como aos cognominados ou parónimos, é caso para dizer que a tradução de Pinheiro Ferreira visara as formas alatinadas por contraponto às formas gregas do texto aristotélico. Daí ter traduzido por razão o que Aristóteles, atendendo ao logos, invocara para cada nome em virtude da homonímia, da sinonímia e da paronímia.


No mais, convém não esquecer que o intento silvestrino era, à época, evitar uma tradução que satisfizesse eruditos, posto que especialmente dirigida à mocidade do seu tempo. Aliás, a Pinharanda Gomes coubera igualmente a iniciativa de, mais tarde, readaptar uma tal tradução à nossa contemporaneidade. Ora, entre os aspectos revistos por P. Gomes ressaltam, além da divisão do texto em duas partes não correspondentes à topografia original, os seguintes: 1. A actualização ortográfica; 2. A melhoria, «para efeitos de leitura visual, de uma pontuação, ao que se julga estabelecida para leitura auditiva, ou áulica»; 3. O «adicionar certas (poucas!) notas de leitura à tradução» destinadas ao leitor não-erudito.





Em suma: «Em face deste leque de possibilidades, decerto não se argumentará contra a funcionalidade da obra, melhor, do processo tradutorial de Pinheiro Ferreira, que tanto endereçamos aos portugueses como aos brasileiros, em cujas terras a tradução foi primeiramente feita e publicada, o que, de resto, constitui título de honra para um Brasil que, formulado na fidelidade ao aristotelismo, se havia de render às sinuosas seduções do positivismo, como tão bem viu o Portuense Bruno» (in apresentação de Pinharanda Gomes à tradução de Silvestre Pinheiro Ferreira às «Categorias» de Aristóteles, Guimarães Editores, 1982).

Miguel Bruno Duarte





Homonímia, sinonímia e paronímia


1. Equívocos dizem-se os que têm somente o nome comum, mas a razão desse nome diferente.

Exemplo: Animal tanto o é o homem, como aquele nome escrito. Entretanto não têm de comum senão o nome, mas a razão desse nome é diferente para cada um deles. Porquanto, se alguém houver de dar razão de se aplicar o nome de animal a cada um deles, para cada um há-de dar uma razão particular.

2. Unívocos dizem-se os que não somente têm o nome comum, mas também a razão desse nome idêntica.

Exemplo: Animal tanto o é o homem, como o boi, porque ambos eles se designam pelo nome comum de animal. E até mesmo a razão desse nome é idêntica para ambos. Porquanto, se alguém houver de dar a razão, porque qualquer deles é animal, deve dar uma e a mesma razão.

3. E cognominados dizem-se os que, tendo a terminação diferente, têm contudo as atribuições que esse nome designa, idênticas.

Exemplo: de Gramática, Gramático, de Valor, Valoroso (ob. cit., pp. 37 e 55).


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