segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

'Socialismo universitário' (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte







É sabido que Agostinho da Silva não embarcava no simplismo judicativo assente na dicotomia Esquerda-Direita. Contudo, dava por vezes lugar a estranhas afirmações como a de que a «Espanha é que vai fazer funcionar bem as ideias do 25 de Abril» (17). Logo, pese embora a eventual prudência de Agostinho perante a bandeira de «um socialismo com face humana» (18), a verdade é que não procurou atender aos perigos do intervencionismo socialista traduzido numa economia mista em que se combinam sectores económicos públicos e privados.

No fundo, trata-se de um intervencionismo presente nas mais variadas instituições como a da Segurança Social, e, nessa medida, de um intervencionismo assente na centralização sindicalista e no controlo da moeda. Deste modo, a par de uma crescente e contínua desagregação no plano cultural, moral e religioso, estamos, de facto, perante um sistema de permanente crise e caos económico mundial, de que também nos fala Olavo de Carvalho nos seguintes termos: «Ninguém entenderá nada do mundo histórico em que vive hoje se não tiver em conta a longa colaboração entre o movimento comunista e algumas das maiores fortunas do Ocidente, por exemplo Morgan, Rockefeller e Rothschild. Os livros clássicos a respeito são os de Anthony Sutton, mas já em 1956 o Comitê Reece da Câmara de Representantes dos EUA levantou provas substanciais de que algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos formidáveis “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa que lhes deu nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais robustos pilares de suporte do governo socialista de Barack Hussein Obama» (19).

Seja como for, há sempre quem, ante o facto consumado da Nova Ordem Mundial, aponte como solução a implementação de uma Religião Universal entendida como «a Unidade subjacente à aceitação ecuménica das várias religiões e filosofias do Oriente e do Ocidente» (20). Porém, o problema não passa, a nosso ver, nem pela negação unilateral da «crise agónica do sistema capitalista» (21), nem muito menos por considerar «o amor da pátria ou do nacionalismo nas gerações de Pascoaes e de Fernando Pessoa» como algo de irreal e de inexequível (22). Senão vejamos: a ideia pascoalina de Raça em nada perdeu do seu valor eminentemente espiritual, valor esse que nunca será apreendido num sentido sociológico, ou num sentido puramente eugenésico à maneira dos povos germânicos e eslavos, pois quer apenas sublinhar um certo número de qualidades electivas, (num sentido superior) próprias de um Povo, organizado em Pátria, isto é, independente, sob o ponto de vista político e moral (23).

Consequentemente, é de todo incompreensível que alguém procure traduzir essa ideia em termos de «eficácia» (24), quando ela revela, por certo, uma realidade universal enraizada na herança e na tradição que a legitimam como tal. Por isso mesmo, Portugal é, em virtude do meio físico (paisagem) e da herança étnica, uma Raça espiritualmente explicável segundo a existência, por vezes potencial, ou, simplesmente, latente, de uma Língua portuguesa, uma Arte, uma Literatura, uma História (incluindo a religiosa) – uma actividade moral portuguesa; e, sobretudo, por uma Língua e uma História portuguesas (25). Aqui não há, portanto, lugar para o falso e abstracto universalismo tão badalado no meio universitário, onde, aliás, predomina incaracterístico e amorfo.


De resto, bastante afim desta vacuidade encontra-se o neo-orientalismo de espectro búdico, na medida em que, consagrado como meta-sistema dissolvente da visão dualista, substancialista e entitativa da realidade, não logra apreender, numa lógica verdadeiramente predicativa do movimento mais oculto ou patente, a presença do substante milagrosamente significado na Pessoa do Cristo redentor. E daí, por entre as névoas e os fumos do misticismo, a consagração do jogo insubstancial e indeterminado da ilusão constitutiva da realidade e não-realidade do Universo. Entretanto, resulta manifestamente abusivo considerar a lógica aristotélica como conceptualmente inoperativa perante a dissolvente experiência búdica da vacuidade, e, desse modo, como uma lógica supostamente antinómica perante a inesgotável potencialidade da não menos inesgotável perfeição do Acto (26).

Depois, temos ainda a hermenêutica de Álvaro Ribeiro que logrou reactualizar a teoria aristotélica das categorias nos termos de uma teoria da predicação. Assim, segundo o filósofo portuense, segue-se que: 1. As «categorias são variantes ou variedades de predicados», e não, como na cultura neo-platónica de Porfírio e Boécio, espécies ou géneros de ideias (27); 2. A ciência dos contrários, como afirmara Aristóteles, é só uma (28); 3. Exposta e traduzida em termos latinos, «a designação de substância primeira e substância segunda ontologiza-se por equívoco» (29).

De facto, a filosofia clássica, nomeadamente a aristotélica, revela-se perfeitamente actual. De sorte que estamos perante um caminho que, particularmente estranho a um sincretismo trans-religioso e trans-patriótico, se revê no princípio de individuação, assim como no princípio da liberdade tendencialmente ameaçado com o proliferar de movimentos nominalmente cívicos, quanto mais não seja em sua megalómana pretensão de querer salvar o mundo mediante o recurso a medidas tais como: aumentar os impostos sobre os altos rendimentos; reduzir, além do consumo em geral, o consumo de carne em particular; dar como predominantes a ética e a política sobre a economia em nome da produção e da distribuição da riqueza com vista à preconizada abstracção do «bem comum»; dar como desnecessária a Defesa do território e, nesse sentido, a existência do Exército; determinar, na Constituição Política, um estranho quão patético reconhecimento da personalidade jurídica dos animais, etc. (30)



Mário Soares



Na verdade, o socialismo não se propaga somente por via político-económica, mas também, e, sobretudo, por via erudita, intelectual e cultural. Veja-se, por exemplo, o caso da Associação António Sérgio, a qual, correndo o ano de 1974, tivera por fim, consoante o testemunho de Rui Mateus, angariar fundos internacionais de apoio ao Partido Socialista, entre os quais, curiosamente, constam, por iniciativa e mediação de Mário Soares, os fornecidos por Mu' Ammar Kadhafi (31). Mas isso, caro leitor, é, a par das estruturas financeiras e políticas da Internacional Socialista, bem como da ingerência de dupla face soviética e americana em termos de apoio não menos financeiro e ideológico ao Portugal do pós-25 de Abril, uma outra história a ser revelada em lugar e momento oportunos.


Notas:

(17) Cf. António Quadros, ob. cit., p. 203. Neste prisma, também não deixa de ser curioso como António Telmo, procurando, em sua manifesta e prudente inteligência, demarcar-se do salazarismo, caíra na afirmação, deveras infeliz, de que o seu livro, intitulado História Secreta de Portugal, «até» tivesse sido «a favor do 25 de Abril». Tal é, de facto, o provincianismo do autor, a avaliar pelo trecho que se segue: «Mas antes de ir para lá [Brasil] aconteceu-me um episódio que posso contar, muito curioso. Eu estava em Lisboa sem trabalhar, e um amigo meu apareceu e disse-me para eu ir com ele àquele astrólogo, o Hórus. Eu não queria, disse que não estava interessado nessas coisas da astrologia. Bom, ele lá me levou, pagou-me a consulta e então aconteceu esta coisa extraordinária: pegou-me na mão, perguntou a hora e data de nascimento e disse: “Isto é uma coisa impressionante, você é o único homem que pode derrubar o Salazar”. E adiantou: “Mas não o faça, não o faça”» (António Telmo, Viagem a Granada, Fundação Lusíada, 2005, pp. 68 e 73).

(18) «Segunda Carta de Agostinho da Silva», in A Arte de Continuar Português, p. 193.

(19) Olavo de Carvalho, Ignorando o Essencial, in Diário do Comércio, 3 de Abril de 2009.

(20) Cf. Pedro Teixeira da Mota, «Da actualidade de alguns ensinamentos de Teixeira de Pascoaes», in NA, n.º 4, p. 20.

(21) Id., p. 16.

(22) Id., p. 18.

(23) Teixeira de Pascoaes, Arte de Ser Português, Assírio & Alvim, 1998, p. 10

(24) Pedro Teixeira da Mota, p. 19.

(25) Teixeira de Pascoaes, ob. cit., p. 17.

(26) Cf. Paulo Borges, «Índias espirituais e ilusão em Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa: Portugal como centro do descentramento e re-orientação do velho mundo europeu-ocidental», in NA, n.º 4, p. 36.

(27) Álvaro Ribeiro, Uma Coisa que Pensa, pp. 90-100.

(28) Id., p. 102. Tal não significa que «debaixo de algumas categorias [seja] possível estabelecer pares de adjectivos de significação contrária». Mas «nem sempre há nomenclatura inequívoca para as diversas categorias. Agudo pode opor-se a grave, mas também a rombo e a obtuso; ligeiro pode opor-se a moroso, mas também a pesado; claro opõe-se a escuro, mas estes adjectivos aplicam-se equivocamente segundo a luz e o som. Muitos outros exemplos confirmariam esta indução» (ibidem).

(29) Id., p. 104.

(30) Cf. Manifesto “Refundar Portugal», assinado por Paulo Borges in arevistaentre.blogspot.com, 10 de Nov. de 2009. Neste contexto, ver ainda, a propósito do “aquecimento global” e das «legislações draconianas alegadamente destinadas a “salvar o planeta”», o texto de Olavo de Carvalho, intitulado A mãe de todas as fraudes.

(31) Rui Mateus, Contos Proibidos, Memórias de um PS Desconhecido, Publicações Dom Quixote, 1986, p. 63.








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