A entrevista que se segue, a última que Bruce Lee concedera pouco tempo antes do seu passamento (20 de Julho de 1973), fora realizada por Myre Plane com o exótico título acima indicado. Inserta na revista Bruce Lee (Editorial Hegeo, S. A., Ano I, n.º 1, 1986), foi, para o presente efeito, traduzida do castelhano para a língua de Camões.
- A fama tem os seus prós e contras. Qual é, para si, a maior desvantagem resultante do êxito?
- É, antes de mais, a perda da privacidade. E a ironia está em que, depois de nos esmerarmos para obter riqueza e fama, vemos que, alcançado esse objectivo, nem tudo é um mar de rosas.
Há apenas um lugar em Hong Kong onde posso ir sem ser perseguido ou interpelado para dar um autógrafo.
Essa é uma das razões por que passo tanto tempo em casa a treinar e a fazer tranquilamente o meu trabalho.
- A fama incomoda-o?
- Sim. Uma vez, por exemplo, fui ao cinema e a ‘arrumadora’, apontando a lanterna ao meu rosto, pediu-me um autógrafo. Depois disso levantou-se um reboliço, de modo que passei todo o filme a dar autógrafos.
Assim se explica e compreende porque estrelas como Steve McQueen e Big Lewis (Kareem-Jabbar) evitam os lugares públicos. De início não me incomodava com a publicidade ao meu redor, mas, com o tempo, tornou-se uma dor de cabeça ter de responder sempre às mesmas perguntas, ou posar para os fotógrafos com um sorriso sardónico.
- Parece-me que pensa voltar a viver na América.
- Sim. Aqui encontro paz e sou livre. Na América passo despercebido e posso ir a qualquer parte sem ser incomodado. Gostaria de regressar e construir uma nova casa. [Três anos haviam decorrido sobre a venda da sua casa na América para ir viver para Hong Kong].
- Entrou no mundo do cinema por via de um acaso circunstancial?
- Entrei ocasionalmente quando me contrataram para actuar em O Besouro Verde. Não tinha então nenhuma experiência como actor.
- Consta que o contrataram devido a uma demonstração de Kung-Fu feita em Long Beach?
- Exacto. Uma noite recebi no hotel em que estava hospedado um telefonema para fazer uma audição.
Na manhã seguinte, fui muito cedo até ao estúdio da 20th Century Fox, onde fui contratado para desempenhar o papel do novo filho número um de Charlie Chan.
Quando já então frequentava um curso dramático de um mês, o produtor mudou de ideias e decidiu atribuir-me o papel de Kato.
- Em Hong Kong viu-se transformado num mito. Isso ficou a dever-se ao facto de ser ali o único actor internacional?
- Efectivamente, creio que sou a única pessoa que se aventurou a sair de Hong Kong e a converter-se num actor. Para a maioria das pessoas que ali vivem, sobretudo actores e atrizes, Hollywood é um mundo mágico que está fora do alcance de qualquer um. De sorte que, quando eu próprio o alcancei, acharam que tinha conseguido um feito notável. No entanto, se o meu êxito fosse apenas o resultado desse feito, então por é que O Besouro Verde foi um sucesso de bilheteira em Singapura, nas Filipinas e noutros tantos países que nem sequer visitei?
Van Williams e Bruce Lee |
- Ficou surpreendido com a fama que tinha em Hong Kong assim que regressou em 1968?
- Isso foi desde logo uma experiência incrível. Apareci na maioria das estações de rádio e televisão. Toda a gente me cercava onde quer que fosse. Fiquei realmente surpreendido pelo desconhecimento do meu êxito ali alcançado.
- A sua experiência obtida na indústria cinematográfica americana foi útil para abrir caminho em Hong Kong?
- Muitíssimo. Quando assinei contrato para rodar O Implacável tive a última palavra. De facto, tinha uma certa experiência com a técnica cinematográfica americana, bastante mais sofisticada que a praticada em Hong Kong. De modo que, com a minha experiência, fui uma mais valia, especialmente no que respeita à coreografia das cenas de luta.
- Que importância teve aquele filme na sua carreira cinematográfica?
- Foi um filme crucial para mim por ter sido, pela primeira vez, o protagonista. Consegui fazer um trabalho ainda melhor do que o realizado em O Besouro Verde, o que me deu a necessária confiança para além da experiência adquirida na série televisiva recentemente concluída: Longstreet.
Não esperava que o filme batesse o record de bilheteira, embora soubesse que seria um êxito comercial. Dei-me conta disso na ante-estreia.
- Com o seu segundo filme (O Invencível), converteu-se na estrela mais famosa do Oriente. Como se sente perante um tal êxito?
- Foi, na realidade, um problema o êxito resultante desse filme. Fiquei perplexo e comecei a suspeitar de toda a gente. Não sabia em quem confiar e até suspeitava dos meus melhores amigos. Foi, na verdade, um período em que não sabia quem tencionava aproveitar-se de mim.
- Foi então que se associou a Raymond Chow para rodar A Fúria do Dragão?
- Sem dúvida. Escrevi o guião, protagonizei o filme, dirigi e produzi. Trabalhei infatigavelmente durante dias e perdi peso. Fi-lo porque era algo que jamais fizera e agora tinha a oportunidade de fazê-lo.
Fiz-me acompanhar de uma dezena de livros sobre produção cinematográfica e mergulhei a fundo nisso. Todavia, os três primeiros filmes que fiz não eram destinados a um público americano, mas tão-só a um público-alvo estritamente oriental.
Não pude orientar os dois primeiros filmes, que estavam a milhas da mentalidade americana. E, no entanto, quedei deveras surpreendido que tivessem dado tanto dinheiro aos distribuidores.
- O último filme (O Dragão Ataca) resultou de uma co-produção com a Warner Bros. Crê que este filme o lançará como estrela internacional?
- Creio que sim. Trata-se de um filme do qual estou orgulhoso porque está direccionado para a América, a Europa e o Oriente.
Este é, definitivamente, o filme mais importante que eu jamais fiz.
Estou bastante emocionado e expectante. Creio que pode vir a arrecadar muito facilmente os vinte milhões de dólares nos Estados Unidos.
Ver aqui e aqui |
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