quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A Grande Fome de Mao (ii)

Escrito por Frank Dikötter




Palácio Potala (Lhasa, Tibete).




Palácio Potala em chinês e tibetano



Tibetana de Lhasa



Tibete: o "Tecto do mundo"



Mulher tibetana em Lhasa



Iaque


«Dificilmente se contestará que os Tibetanos vivem um drama desde a chegada do Exército Popular de Libertação, em 1950-1951. Mas não terá este drama sido muitas vezes agravado, com as inevitáveis variantes locais, pelo desprezo chinês por esses "selvagens atrasados" dos altos planaltos, o desprezo do conjunto dos habitantes da China Popular? Assim, de acordo com os adversários do regime, setenta mil tibetanos teriam morrido de fome entre 1959 e 1962-1963 (como noutras regiões isoladas, houve bolsas de fome que subsistiram por muito mais tempo). Isto representa 2% a 3% da população, ou seja, perdas proporcionalmente bastante inferiores às sofridas pelo país no seu conjunto. É verdade que um estudo recente de Becker refere números muito mais elevados, chegando aos 50% de mortos no distrito natal do Dalai-Lama, no Qinghai. Entre 1965 e 1970, as famílias foram coercivamente agrupadas em comunas populares militarmente organizadas - como noutros sítios, e um pouco mais tardiamente. A vontade de produzir a todo o custo os mesmos "grandes" cereais que na China propriamente dita levou à tomada de medidas absurdas, responsáveis pela fome, como obras de irrigação e construção de socalcos mal concebidos, a supressão do pousio, indispensável nos solos pobres e não adubados, a substituição sistemática da cevada rústica, capaz de suportar o frio e a seca, pelo trigo, muito mais frágil, ou a limitação das pastagens dos iaques: muitos destes animais morreram, e os Tibetanos deixaram de ter lacticínios (a manteiga é um elemento fundamental da sua alimentação) e novas peles com que cobrir as suas tendas no Inverno - alguns morreram de frio. Parece igualmente que, como noutros lugares, as entregas obrigatórias foram excessivas. As únicas dificuldades verdadeiramente específicas foram a instalação de dezenas de milhares de colonos chineses, a partir de 1953, no Tibete Oriental (Sichuan), onde beneficiaram de uma parte das terras colectivizadas, a presença na Região Autónoma de cerca de trezentos mil chineses da maioria Han, dos quais duzentos mil militares, que era preciso alimentar, e o adiamento para 1965 das medidas de libertação rural implementadas por Liu Shaoqi nas outras províncias em 1962 e simbolizadas no Tibete pelo slogan: "Uma parcela de terra, um iaque".

O Tibete também não foi poupado pela Revolução Cultural. Em Julho de 1966, os Guardas Vermelhos (entre os quais alguns tibetanos, o que destrói o mito unanimista mantido pelos partidários do Dalai-Lama) revistam casas particulares e substituem nos altares os Budas por retratos de Mao Zedong; submetem os monges a essas "sessões de luta" contínuas de que nem sempre se sai vivo; sobretudo, encarniçam-se contra os templos, incluindo os mais famosos: Zhou Enlai tem de mandar soldados para proteger o Potala de Lhasa (antiga residência do "deus vivo"). O saque do mosteiro de Jokhang, em Lhasa, repete-se em milhares de outros exemplos; segundo o testemunho de um monge: "Havia várias centenas de capelas. Só duas foram poupadas. Todas as outras foram pilhadas e profanadas. Todas as imagens, textos sagrados e objectos rituais foram destruídos ou levados... Só a estátua de Sakyamuni, à entrada do Jokhang, foi poupada pelos Guardas Vermelhos, porque [...] simbolizava os laços entre a China e o Tibete. As destruições duraram mais de uma semana. Depois de tudo isto, o Jokhang foi transformado em caserna para os soldados chineses... Uma outra parte [...] foi transformada em matadouro". Considerando o peso da religião na sociedade tibetana, estas exacções típicas do período foram evidentemente ainda mais duramente sentidas do que noutros lugares. Parece também que o exército, menos ligado à população local, apoiou aqui mais decididamente os Guardas Vermelhos, pelo menos quando lhes era oposta resistência. No entanto, também neste caso, as grandes matanças ocorreram no fim do movimento, em 1968, quer nas batalhas entre grupos maoístas (centenas de mortos em Lhasa, em Janeiro), ou, sobretudo, durante o Verão, quando o exército impôs a formação de um Comité Revolucionário por ele dirigido. Houve assim, no total, talvez mais chineses do que tibetanos mortos no decurso da Revolução Cultural.

Para o Tibete, no entanto, os piores anos foram, de longe, os que tinham começado com a chegada das tropas chineses e culminado, em 1959, com a colectivização forçada (três anos depois da China), a insurreição que se seguiu, a brutal repressão que a esmagou e a fuga para a Índia do Dalai-Lama (soberano temporal e espiritual), acompanhado por cem mil pessoas, em que se incluía uma larga parte da elite culta do país. Ainda que os anos cinquenta não tenham tido na China propriamente dita nada de cor-de-rosa, o poder deu mostras no alto planalto de uma violência extrema, destinada a impor simultaneamente o comunismo e o domínio chinês a uma população ferozmente independente, em parte semi-nómada (cerca de 40% dos habitantes), em parte ligada aos mosteiros. A situação torna-se ainda mais tensa com a colectivização, em meados da década. E, ao levantamento dos guerrilheiros de Khampa, o exército responde com atrocidades absolutamente desproporcionadas. Mas já quando dos festejos do Ano Novo tibetano, em 1956, o grande mosteiro de Chode Gaden Phendeling, em Batang, tinha sido destruído por um bombardeamento aéreo, em que pelo menos dois mil monges e peregrinos foram mortos.

O Dalai Lama com membros de uma delegação do Governo chinês em visita oficial ao Tibete em 1956.



Lhasa situada num vale plano na Cordilheira do Himalaia.







Bandeira do Tibete



A litania das atrocidades é sinistra, e muitas vezes inverificável. Mas a concordância dos testemunhos é tal que o Dalai-Lama declarou, não sem razão, a propósito desta época: "[Os Tibetanos] não foram apenas fuzilados, foram espancados até à morte, crucificados, queimados vivos, afogados, mutilados, esfomeados, estrangulados, enforcados, cozidos em água a ferver, enterrados vivos, esquartelados ou decapitados". O momento mais sombrio é sem contestação o ano de 1959, o da grande insurreição do Kham (Tibete Oriental), que acabou por alastrar a Lhasa. É impossível destrinçar o que foi reacção às comunas populares e ao Grande Salto, o que foi mobilização espontânea contra vários anos de exacções e o que se deveu à infiltração maciça, por parte da CIA, dos guerrilheiros Khampa, previamente treinados nas práticas da guerrilha em bases de Guam e do Colorado. A população civil, que parece em todo o caso simpatizar com os insurrectos e aceitar escondê-los no seu seio, sofrerá como eles os bombardeamentos maciços do exército chinês; os feridos, deixados sem tratamento, eram por vezes enterrados vivos ou acabavam devorados pelos cães vadios - o que também explica o elevado número de suicídios entre os vencidos. Lhasa, bastião de 20 000 tibetanos muitas vezes armados de mosquetes e sabres, foi retomada a 22 de Março, ao preço de 2000 a 10 000 mortos e destruições importantes infligidas ao templo de Ramoche e ao próprio Potala, escolhidos como alvos. O dirigente tibetano e uma centena de milhares dos seus compatriotas fugiram para a Índia. Houve pelo menos mais uma grande revolta em Lhasa, em 1969, afogada num banho de sangue. E a guerrilha Khampa reacendeu-se então até 1972. O ciclo de revoltas-violências-novas revoltas recomeçou, pelo menos em Lhasa, a partir de Outubro de 1987, ao ponto de, em Março de 1989, ter sido declarada a lei marcial: a capital tibetana acabava de assistir a três dias de motins claramente independentistas, acompanhados por progroms antichineses. As violências teriam feito mais de 600 vítimas em dezoito meses, segundo o general Zhang Shaosong. A despeito de alguns excessos inaceitáveis, especialmente contra monjas em cativeiro, é todavia claro que os métodos chineses mudaram: já não se pode falar de matanças. Mas, no total, poucas famílias tibetanas não ficaram com pelo menos um drama íntimo para contar.

A maior tragédia do Tibete contemporâneo foi a das centenas de milhares de internados - talvez um tibetano em cada dez, no total - dos anos cinquenta e sessenta. Parece que muito poucos (há quem fale de 2%) escaparam vivos dos 166 campos recenseados, a maior parte no Tibete e nas províncias vizinhas: os serviços do Dalai-Lama referiram, em 1984, 173 000 mortos em cativeiro. Comunidades monásticas inteiras foram enviadas para as minas de carvão. As condições de detenção - fome, frio, calor extremo - parecem ter sido, no seu conjunto, terríveis, e fala-se tanto de execuções de detidos que se recusavam a denunciar a ideia de um Tibete independente como de casos de canibalismo entre os prisioneiros quando da fome do Grande Salto. Tudo se passa como se os Tibetanos, entre os quais um quarto dos homens adultos são lamas, constituíssem uma população de suspeitos: um adulto em cada seis, aproximadamente, foi classificado como direitista, contra um em vinte na China. Na região tibetana das planícies, no Sichuan, onde Mao pudera reabastecer-se quando da Longa Marcha, dois homens em cada três são presos nos anos cinquenta, só vindo a ser libertados em 1964 ou 1977. O Panchen-Lama, o segundo mais alto dignitário do budismo tibetano, ousa protestar junto de Mao, num relatório de 1962, contra a fome e a repressão que dizimam os seus compatriotas. Em reposta, é atirado para a prisão e depois colocado em regime de residência fixa, até 1977; o "veredicto" que o condena é anulado em 1988.

Se nenhum argumento convincente permite pensar que os Chineses planearam o genocídio físico dos Tibetanos, o facto é que tentaram incontestavelmente o genocídio cultural. Os templos, já o dissemos, foram as suas vítimas preferidas: na esteira da Revolução Cultural, apenas 13 dos 6259 locais de culto tibetano continuavam a funcionar. Dos outros, os mais favorecidos foram transformados em casernas, em hangares ou em centros de detenção: apesar das enormes depredações, conseguiram sobreviver e alguns deles estão hoje reabertos. Mas muitos foram totalmente arrasados, e os seus tesouros - manuscritos seculares, frescos, thanka (pinturas), estátuas, etc. - destruídos ou roubados, sobretudo quando continham metais preciosos. Uma fundição de Penquim recuperou 600 toneladas de esculturas tibetanas até 1973. Em 1983, uma missão oriunda de Lhassa encontrou na capital chinesa 32 toneladas de relíquias tibetanas, que incluíam 13 537 estátuas e estatuetas. O esforço de erradicação do budismo foi acompanhado por uma tentativa de impor nomes chineses aos recém-nascidos tibetanos, e, até 1979, de escolarizar as crianças em mandarim; numa espécie de recordação tardia - e mal situada - da revolução antimanchu de 1911, os Guardas Vermelhos puseram-se a cortar as tranças dos Tibetanos dos dois sexos; tentaram igualmente impor as normas vestimentares na altura na moda entre os Han.




Gompa: mosteiro budista tibetano localizado no topo de uma colina a uma altitude de 4.166 metros, no Vale Spiti.







Monge no mosteiro Deprung, no subúrbio de Lhasa.



Mosteiro de Jokhang, em Lhasa


As mortes violentas foram sem dúvida, em proporção, mais numerosas no Tibete do que em qualquer outro território do conjunto chinês. É no entanto difícil levar inteiramente a sério os números divulgados pelo governo tibetano no exílio em 1984: 1 200 000 vítimas, ou seja, aproximadamente um tibetano em cada quatro. Anunciar 432 000 mortos em combate parece particularmente pouco verosímil. Mas é lícito falar de matanças genocidárias: pelo número de mortos, pelo pouco caso feito dos civis e prisioneiros, pela regularidade das atrocidades. A população da Região Autónoma baixou de 2,8 milhões de habitantes em 1953 para 2,5 milhões em 1964; tendo em conta o número de exilados e a taxa de natalidade (também ela incerta), isto poderia representar cerca de 800 000 "mortos a mais", ou seja, uma taxa de perdas semelhante à do Camboja dos Khmers Vermelhos. O facto de, nestas condições, se manifestar tão frequentemente nas mulheres tibetanas o medo de um aborto ou da esterilização forçados quando da mais pequena estada num hospital é tanto um indício suplementar de um sentimento de extrema insegurança como o efeito de práticas rudemente anti-natalistas (recentemente alinhadas pelas que se encontram em vigor entre a maioria Han e das quais as minorias estiveram durante muito tempo dispensadas). Diz-se que o secretário-geral do PCC, de visita a Lhasa em 1980, chorou de vergonha diante de tanta miséria, tanta discriminação, tanta segregação entre Han e Tibetanos, e falou de colonização "em estado puro". Os Tibetanos, durante muito tempo esquecidos no seu país de neve e de deuses, têm a infelicidade de viver numa zona eminentemente estratégica, em pleno coração da Ásia. Esperemos que não tenham de pagá-lo com o seu desaparecimento físico, felizmente improvável, nem com a perda da sua alma».

Jean-Louis Margolin  («O Livro Negro do Comunismo»).


«O Tibete, os seus altos planaltos, as suas montanhas despidas... Mas o que poderá justificar a presença chinesa no Tibete? Não foi pela sua altitude espiritual, que a China tudo fez para reduzir, e muito menos pelo carácter dos seus habitantes, tendo os mais virulentos ou mais representativos sido exilados ou detidos. Qual é então a razão? Por detrás desta presença militar, por detrás da presença da polícia, há interesses práticos, políticos, económicos, estratégicos, que explicam a manipulação dos dados históricos e esta vontade de permanecer, custe o que custar, num país cujo meio ambiente, certamente belo, não é dos mais favoráveis à vida humana.

[...] Desde há muito que a China está de olho no Tibete a fim de alargar as suas fronteiras a oeste e de se colocar definitivamente ao abrigo de uma qualquer ameaça que venha da Índia. A dimensão estratégica da ocupação chinesa ao País das Neves cedo se revelou. No dia seguinte à invasão de 1950, Pequim lança grandes obras para construir estradas. O grande cordão que liga a China interior ao Tibete central, a estrada Chengdu (Sichuan) - Lassa, que em 1950 terminava na fronteira tibetana, é terminada assim que o eixo é pacificado. Os dois mil quilómetros da estrada do norte, que liga Lassa a Xining (Qinghai), uma antiga grande cidade da província tibetana de Amdo, são construídos entre 1952 e 1954; a estrada que liga Lassa à província de Xinjiang é construída alguns anos mais tarde, em 1956-1957. As condições de trabalho são abomináveis, e milhares de Tibetanos, todos prisioneiros condenados a trabalhos forçados, morrem ao longo destas estradas.

Desde então, o Tibete nunca deixou de ser equipado, com um custo cujo montante exacto se desconhece, mas que é tanto mais alto quanto a maior parte das estradas necessitam de permanentes obras devido aos inúmeros deslizamentos de terras por erosão do solo e os frequentes pequenos tremores de terra. Serão de estradas turísticas? Não, algumas destas estradas nem sequer são acessíveis e o argumento não se colocava nos anos 1950. Embora comecem a ser transitadas a partir dos anos 1990, não enganam ninguém. As estradas, as pontes, têm uma única finalidade: facilitar a progressão das tropas, dos colonatos e, muito acessoriamente, dos turistas cujo número não pára de aumentar (mais de 360 000 em 2007).

A última construção feita no Tibete, com grande publicidade, foi a construção faraónica da via-férrea Pequim-Lassa. Esta via-férrea inaugurada em 2006 prossegue, de forma moderna, a lógica das estradas: é um meio rápido e eficaz para fazer progredir os colonatos e as tropas em caso de urgência. É também, como se viu durante os acontecimentos de Março de 2008, um meio simples para deportar prisioneiros em massa. A dimensão estratégica é também evidente no projecto de prolongamento do eixo ferroviário para a cidade de Shigatsé até 2010, com o objectivo final de se alcançar o Nepal.




Namtso ou Lago Nam






Leopardo-das-neves


No plano militar, o alto planalto dá acesso a todo o sub-continente indiano. A construção da estrada estratégica Lassa-Katmandou, nos anos 1950, é ilustrativa disso mesmo. A militarização dos regimes do sudeste como o Kongpo ou do oeste, facilita uma intervenção rápida na Índia: foi isto que permitiu o sucesso das tropas chinesas aquando das guerras fronteiriças sino-indianas de 1962. Estas regiões, apesar de abertas desde meados dos anos 1990, continuam 'sobre-militarizadas'.

[...] Para além da questão estratégica das fronteiras, o Tibete interessa à China pelos seus múltiplos recursos naturais. Com  cerca de 30% das reservas hidráulicas da China, o País da Neves é considerado como o castelo de água da Ásia. É, de facto, no alto planalto que nasce a maior parte dos grandes rios asiáticos que irrigam países na sua maioria pobres, quase sempre agrícolas, relativamente aos quais são a artéria vital: Mékong (península indochinesa), Salouen e Irrawady (Birmânia), afluentes do Gange e Brahmapoutre (Índia), Indus e Sutlej (Paquistão). Por fim, o Yangtsé Kiang, um dos principais eixos comerciais e económicos da China central, nasce no alto planalto, bem como o rio Amarelo que irriga a China do Norte. É uma evidência desde a Antiguidade: quem domina o curso superior de um rio, domina a vida dos países que se situam no vale. Esta é a única razão que poderia justificar a violência com que a China se procura manter no Tibete.

No plano económico, o Tibete é um verdadeiro manancial para uma nação industrial como a China. A lista das suas riquezas naturais é vasta e abundante: ouro, prata, cobre, petróleo, carvão, crómio, mas também urânio, bórax e lítio que representam as principais reservas mundiais. Em 2004, o muito oficial Diário do Povo avaliava em 78 mil milhões de dólares o potencial do Tibete em recursos minerais. A exploração industrial, sem qualquer preocupação ambiental, absorveu montanhas inteiras, devastou zonas agrícolas, e é uma significativa fonte de poluição dos solos e do ar.

O Tibete abriga também a segunda biomassa florestal da China. Mas a madeira foi explorada em proporções inimagináveis, ao ponto de na região este do Tibete se estimar a superfície florestal abatida em 85%. É verdade que actualmente a situação teve uma evolução positiva com operações de replantação de árvores, no oeste do Tibete, por exemplo, para conter a desertificação, mas é algo ainda muito incipiente face às florestas primárias desaparecidas. Estas florestas e estes solos evoluíram durante milhares de anos em declives por vezes abruptos. Ao retirar-se uma árvore de quatrocentos ou quinhentos anos o solo cede às primeiras chuvas, facilitando inundações sem precedente (Yangtsé, actualmente quase todos os anos); (deltas do Gange e do Brahmapoutre); pretender replantar é certamente louvável mas frequentemente um esforço em vão, e nas regiões onde esta política dá os seus frutos, não estanca o desaparecimento dos recursos.

O Tibete, que até há pouco tempo era um país virgem, onde só se extraía ouro à superfície para não perturbar a ordem natural, tornou-se sob a alçada da China, um país explorado, devastado, às ordens de uma política de hegemonia.

[...] Por fim, embora não haja nenhum dado fiável, pois entramos no domínio do segredo absoluto, o Tibete parece ser a zona predilecta do nuclear militar, já desde os anos 1950, com a instalação de centros de pesquisa e de experimentação (Qinghai). Actualmente, os Tibetanos preocupam-se com a implantação de alguns centros de mísseis, talvez mesmo na região de Lassa, cujas ogivas estão dirigidas para o sub-continente indiano. Observa-se também uma significativa poluição radioactiva, nomeadamente em Gansu e Qinghai, onde foram instalados centros de armazenamento de detritos desde meados dos anos 1990. O projecto do 14.º dalai-lama de desnuclearização do alto planalto tibetano para o tornar numa zona de paz, vai em sentido totalmente oposto ao da política militar e nuclear chinesa.

[...] De há cinquenta anos a esta parte, a propaganda chinesa não variou um milímetro: "Libertámos o povo tibetano da servidão, levámos-lhe os benefícios do progresso social e material". Liberdade, progresso? Vejamos concretamente o que está aqui em causa.











Assinatura de Tenzin Gyatso, 14.º Dalai Lama.




Desde 1950, houve quatro momentos bem distintos da política chinesa no Tibete. O primeiro período vai da invasão de 1950 até aos motins de Lassa em 1959 e à fuga do dalai-lama para a Índia. O segundo momento decorre de 1959 até ao fim da revolução cultural, em meados dos anos 1970. Um terceiro período estende-se em seguida até finais dos anos 1980 e aos novos motins de Lassa. Estamos actualmente no quarto período que começou no início dos anos 1990.

[...] As ordens dadas por Mao ao exército vermelho são muito claras: assim que o exército regular tibetano fosse vencido, o objectivo seria juntar-se à população. Pede, portanto, aos seus soldados do Exército Popular de Libertação uma grande disciplina: evitar qualquer pilhagem, cooperar com os funcionários locais, pagar a comida tomada aos camponeses para alimentar o exército. Durante estes primeiros anos, o objectivo não é transformar a organização da sociedade tibetana e os chineses, apesar de dominarem o país, nada fazem para "libertar" os servos. Torna-se muito claro que estão ali para ocupar o Tibete e não para o transformar. Todavia, a situação depressa se deteriora. Sendo muito numerosos, os soldados deixam de pagar a comida, o que resulta num empobrecimento dos Tibetanos. O Exército Popular de Libertação requisitara terras e alojamentos sem compensação. Como a estrada que deve ligar a China a Lassa ainda não está construída, não pode chegar nenhuma comida da China e a fome ameaça o Tibete central. Os Chineses são obrigados a importar arroz da Índia com quem iniciam negociações para a assinatura de um tratado comercial. A ira está latente tanto mais quanto as tentativas de reformas lançadas pelo jovem dalai-lama esbarram de frente com os representantes de Pequim cujo objectivo é a colectivização. Demissões, prisões no centro mostram que o Tibete não tem nenhuma margem de manobra.

O dalai-lama, convencido de que não tem outra escolha senão a de cooperar com o governo comunista, tenta acalmar as coisas. Chega mesmo a ir a Pequim, em 1954, na companhia do 10.º panchen-lama. Com dezanove anos de idade, o jovem líder tibetano encontra-se cerca de quinze vezes com Mao. O dirigente da China está então no apogeu do seu poder. Tenta convencer o seu interlocutor da importância da presença chinesa no Tibete - o bem do povo e a modernização do país - e procura persuadi-lo explicando-lhe que é fundamental que o Tibete conserve a sua identidade nacional e os seus símbolos: a religião, a cultura, a bandeira. Tenzin Gyatso nunca o escondeu: nessa altura fica impressionado com o carisma de Mao e seduzido pelo projecto comunista que visa a construção de um mundo mais justo que transcenda as fronteiras nacionais. Ele próprio projectava aplicar ao Tibete profundas reformas: porque não fazê-las com o apoio dos Chineses, pensa ele um pouco ingenuamente, sem suspeitar que os dirigentes comunistas visavam anexar o Tibete e erradicar a religião. Para o comprovar, as regiões tibetanas de Sichuan, de Yunnan e de Qinghai começam a sofrer com essa presença: prisões de religiosos e de camponeses "reaccionários" marcam doravante o ritmo da vida quotidiana.

Enquanto o jovem dalai-lama tenta convencer o governo a cooperar o melhor possível com os Chineses, dois dos seus irmãos mais velhos fogem do Tibete e vão para os Estados Unidos. Sem informarem o seu jovem irmão, cuja política de conciliação com os comunistas desaprovam, entram em contacto com a CIA que desenvolve um programa de luta que consiste em fazer sair do Tibete resistentes, formá-los em técnicas de guerrilha e lançá-los de novo de pára-quedas no Tibete juntamente com armas. Sem o pretender, o Tibete acaba por entrar na guerra-fria e por ser, se não uma muralha contra o comunismo conquistador, pelo menos um espinho encravado no calcanhar dessa China cujo poder inquieta. Este projecto viria a ser aplicado durante a década subsequente, mas a uma escala tão fraca que não teria nenhum impacto. Posteriormente a CIA deixaria de fornecer qualquer ajuda aos resistentes tibetanos assim que os Estados Unidos normalizaram as suas relações com a China, no início dos anos 1970.

Como o descontentamento da população não parava de aumentar, organizou-se espontaneamente uma resistência esporádica, sobretudo nas províncias orientais de Amdo e de Kham, absorvidas nas províncias chinesas sem qualquer consulta às populações. Os famosos guerreiros khampas, designadamente, atacam o Exército Popular de Libertação. De esporádicos, os combates passam a permanentes a partir de 1956 quando, após a revolta da região de Chamdo, o grande mosteiro de Litang (Sichuan) é cercado e bombardeado durante dois meses. Vários milhares de Tibetanos morrem e a resistência endurece, mas que fazer perante um rolo compressor que nada parece conseguir parar? São construídas estradas e infra-estruturas militares um pouco por todo o lado. Em 1958, mais de 150 000 soldados chineses estão estacionados em Kham e em Amdo. São muitos os refugiados que chegam a Lassa e contam os horrores de que foram vítimas e testemunhas: massacres, aldeias de resistentes arrasadas, milhares de monges detidos e todos os objectos preciosos dos mosteiros pilhados. Os grupos de resistentes, embora mantendo a pressão nas regiões orientais, organizam-se no Tibete central onde todas as estruturas tradicionais se encontram desarticuladas pela política chinesa. A tensão não pára de crescer na capital e tudo desaba a 10 de Março de 1959.





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Nesse dia, o governador chinês convida o dalai-lama a assistir, à noite, sem escolta, a uma representação teatral. Corre o rumor de que os Chineses vão assassinar o jovem espiritual e temporal do Tibete. Milhares de Tibetanos rodeiam a residência do dalai-lama para o proteger e exigem a partida dos Chineses. A cidade fica em ebulição durante uma semana. As autoridades chinesas falam de um motim montado pela CIA, tratando-se apenas de uma revolta popular espontânea. O próprio dalai-lama é apanhado de surpresa. Não cessa de consultar o oráculo de Netchung - o oráculo oficial dos dalai-lamas - que o aconselha a ficar. A 17 de Março, os representantes do povo tibetano insurrecto anunciam a rejeição do acordo em 17 pontos (que os Chineses foram os primeiros a desrespeitar!) e proclamam a independência do Tibete. Nessa mesma noite, os Chineses bombardeiam o palácio do dalai-lama. Em plena noite, o oráculo em transe ordena-lhe que fuja imediatamente e traça numa folha o trajecto do seu exílio para a Índia. Escoltado por resistentes, acompanhado pelos membros da sua família, pelos seus principais tutores e alguns criados, Tenzin Gyatso deixa Lassa disfarçado.

Na longa estrada do seu exílio, enquanto tenta evitar as patrulhas chinesas, o jovem dalai-lama toma conhecimento pela rádio do desfecho trágico dos motins de Lassa: o exército chinês metralhou a multidão durante vários dias, fazendo milhares de vítimas, até mesmo dezenas de milhares (o número de 80 000 avançado pelos Tibetanos não é verificável). O que ele sempre temera acabara por acontecer: a revolta, lógica mas descontrolada, só podia conduzir a um banho de sangue. As autoridades chinesas decidiram massacrar o povo tibetano para não correrem o risco de este se emancipar da sua tutela. Esta política de terror nunca se alterou desde então, bem como os extraordinários slogans que a acompanham: "O exército popular agiu para bem do povo tibetano reprimindo uma rebelião organizada pela pandilha reaccionária do dalai-lama a soldo das potências imperialistas".

As duas décadas seguintes são certamente as piores da longa história tibetana. À repressão sistemática de qualquer contestação, juntam-se dois outros elementos que mergulham o Tibete num terrível pesadelo: a colectivização dos meios de produção e a Revolução Cultural. Depois da partida do dalai-lama, os dirigentes comunistas deixam de usar luvas para aplicar as suas reformas com vista a tornar a sociedade tibetana "igualitária". Liquidam pequenos e grandes proprietários, colectivizam as terras, reorganizam toda a sociedade segundo os critérios do comunismo total. O projecto fora criado pela força das comunas populares e, segundo a teoria comunista, aumentaria a produtividade e o nível de vida dos trabalhadores. Todavia, não fora tirada nenhuma lição do passado e o que acontecera na URSS verificara-se ali: o povo empobrece ainda mais e o Tibete passa por grandes fomes, o que nunca acontecera anteriormente. Como diria mais tarde, com sentido de humor, o dalai-lama: "Partilhávamos tudo, não havia nada para ninguém!" Quer para fugirem à repressão política, quer para tentarem sobreviver, dezenas de milhares de Tibetanos tomam o caminho do exílio em direcção à Índia. Muitos deles são abatidos por patrulhas chinesas. Outros terminam o seu périplo em campos de refugiados. Inadaptados ao clima húmido da Índia, muitos deles morrem de doença nos meses que se seguem à sua chegada. Actualmente, há cerca de 135 000 Tibetanos a viver no exílio e chegam à Índia todos os anos entre 2500 a 3000, apesar da vigilância dos guardas fronteiriços nepaleses e chineses que não hesitam em repeli-los, no que toca aos primeiros, e em usar armas contra eles, quanto aos segundos.

Em 1966, Mao lança em toda a China o grande movimento designado por "Revolução Cultural". O objectivo é "criar o novo abatendo o velho". Com esta palavra de ordem os comunistas destroem tudo o que está ligado à sociedade tradicional. No Tibete, os Chineses impõem aos Tibetanos coisas tão estúpidas como cortarem os cabelos, renunciarem às suas roupas multicoloridas para se vestirem com o austero uniforme azul maoísta, voltarem a pintar as fachadas das suas casas de cores suaves, etc. Mais grave foram os cerca de seis mil mosteiros, locais de culto e ermidas, arrasados. Os 115 000 monges e monjas que o País das Neves ainda tinha em 1958 foram mortos, detidos ou então casados à força e integrados nas comunas. As estátuas seculares de Buda foram enviadas para a China para serem fundidas, as relíquias e os objectos rituais destruídos, os livros queimados. Perto de Pequim, uma fundição ocupa-se sozinha de cerca de seiscentas toneladas de estátuas de Buda em ouro, prata ou bronze. Esta destruição sistemática dos símbolos exteriores da religião tibetana é acompanhada de um movimento mais pernicioso de tentativa de reeducação dos que se lhe opõem.

Mosteiro de Yumbulagang, localizado perto de Lhasa. Destruído durante a Revolução Cultural, o mosteiro foi reconstruído no décenio de 1980.


Mosteiro Pelkor Chode, situado na cidade tibetana de Gyantse.








Mandala Tibetano


Dezenas de milhares de Tibetanos são torturados, mortos, presos ou enviados para a China para aí serem reeducados, nomeadamente crianças. O totalitarismo está no auge: ao quebrar o seu corpo, é a alma de um povo que se procura de facto erradicar. Ora, [...] o budismo está no âmago da identidade tibetana. Os comunistas chineses compreenderam-no bem e, apesar das promessas falaciosas de Mao ao jovem dalai-lama, utilizam todos os meios ao seu alcance para destruir a religiosidade dos Tibetanos. Com a destruição dos mosteiros - só restavam oito no fim da Revolução Cultural - não é só a religião que é atingida, mas toda a cultura tibetana da qual estes eram os redutos activos onde eram ensinadas a gramática, a medicina tradicional, as artes populares. Pior ainda, conscientes de que a identidade tibetana se veicula através da língua, os Chineses impõem a sua língua na escola e na administração, e promovem o envio para o Tibete de milhares de colonos da etnia Han. Contudo, desde 1965 o Tibete tornou-se uma Região autónoma, mas apenas no papel.

Esta é a razão pela qual não é exagerado falar, na sequência do que foi dito pelo dalai-lama, de "genocídio cultural" relativamente ao Tibete. A cultura singular e milenária de um povo foi deliberadamente erradicada em menos de vinte anos. Só sobrevive hoje no Tibete de forma dissimulada, esporádica ou folclórica, e sobretudo no exílio onde os refugiados se preocupam em manter vivas as suas tradições. Tibetanos devem ainda lembrar-se das palavras proféticas do 13.º dalai-lama gravadas no seu testamento: "Os mosteiros serão pilhados e destruídos, e os monges e as monjas massacrados ou perseguidos... Todas as nossas tradições espirituais e culturais banidas, destruídas, esquecidas... Tornar-nos-emos escravos dos nossos conquistadores e passaremos dias e noites em grandes sofrimentos, aterrorizados". O fim do apoio da CIA à resistência, em 1972, e a ordem dada pelo dalai-lama de parar todos os combates parecem marcar o fim de qualquer esperança no Tibete».

Frédéric Lenoir («TIBETE - O momento da verdade»).


«[...] em Janeiro de 1928, os habitantes de uma aldeia Estandarte Vermelho viram chegar uma tropa que arvorava a bandeira escarlate, juntaram-se entusiasticamente a um dos primeiros "sovietes" chineses, o de Hai-Lu-Feng, dirigido por P'eng P'ai. Os comunistas tiveram o cuidado de jogar com o equívoco, mas souberam colorir com o seu discurso os ódios locais, e finalmente, aproveitando a coerência da mensagem de que eram portadores, usá-los para os seus próprios fins, concedendo aos partidários neófitos a possibilidade de darem livre curso aos seus impulsos mais cruéis. Assistiu-se assim, quarenta ou cinquenta anos mais cedo, durante alguns meses de 1927-1928, a uma espécie de prefiguração dos piores momentos da Revolução Cultural ou do regime khmer vermelho. Desde 1922 que o movimento vinha a ser preparado por uma intensa agitação mantida pelos sindicatos camponeses criados pelo Partido Comunista, conduzindo a uma forte polarização entre "camponeses pobres" e "proprietários de terras", incansavelmente denunciados, embora nem os conflitos tradicionais e nem sequer as realidades sociais permitissem dar um particular destaque a esta divisão. Mas a anulação das dívidas e a abolição dos arrendamentos asseguravam ao soviete um vasto apoio. P'eng P'ai aproveitou a circunstância para pôr em vigor um regime de "terror democrático": o povo inteiro era convidado a assistir aos julgamentos públicos dos "contra-revolucionários", quase invariavelmente condenados à morte; participava nas execuções, gritando "mata, mata" aos Guardas Vermelhos que tratavam de cortar a vítima pedaço a pedaço, que por vezes cozinhavam e comiam, ou obrigavam a família do supliciado - que, ainda vivo, assistia a tudo - a comer; todos eram convidados para os banquetes em que se partilhava o coração ou o fígado do antigo proprietário, e para os comícios onde o orador discursava diante de uma fileira de estacas cada uma enfeitada com uma cabeça recentemente cortada. Este fascínio por um canibalismo de vingança, que iremos reencontrar no Camboja de Pol Pot e que responderia a um antiquíssimo arquétipo largamente espalhado pela Ásia Oriental, aparece frequentemente nos momentos paroxísticos da história chinesa. Assim, numa era de invasões estrangeiras, em 613, o imperador Yang (dinastia Suei) vingou-se de um rebelde perseguindo até os seus parentes mais afastados: "Os que foram mais duramente castigados sofreram o suplício do esquartejamento e da exposição da sua cabeça espetada numa vara, ou foram desmembrados, trespassados por flechas. O imperador intimou os grandes dignitários a comerem, pedaço a pedaço, a carne das vítimas". O grande escritor Lu Xun, admirador do comunismo numa altura em que este não rimava com nacionalismo nem com anti-ocidentalismo, escreveu: "Os Chineses são canibais"... Menos populares que estas orgias sangrentas eram as exacções que os Guardas Vermelhos de 1927 praticavam nos templos e contra os religiosos-feiticeiros taoístas: os fiéis pintavam os ídolos de vermelho, tentando preservá-los, e P'eng P'ai começava a beneficiar dos primeiros sinais de uma divinização. Cinquenta mil pessoas, entre as quais numerosos pobres, fugiram da região durante os quatro meses em que o soviete aí reinou.

P'eng P'ai (fuzilado em 1931) foi o verdadeiro promotor do comunismo rural e militarizado, solução imediatamente recuperada pelo quadro comunista até então um pouco marginal que era Mao Zedong (ele próprio de origem camponesa), e teorizada no seu célebre Relatório Sobre o Movimento Camponês no Hunan (1927). Esta alternativa ao movimento comunista operário e urbano, na altura em plena desagregação devido à repressão que sobre ele exercia o Kuomintang de Chiang Kai-chek, impôs-se rapidamente e conduziu, em 1928, à criação da primeira "base vermelha", nos montes Jinggang, na fronteira do Hunan com o Jiangxi. Foi no leste desta província que, a 7 de Novembro de 1931 (dia do aniversário do Outubro russo...), a consolidação e o alargamento da principal base permitiram a proclamação de uma República Chinesa dos Sovietes, cujo Conselho dos Comissários do Povo era presidido por Mao. Até à vitória de 1949, o comunismo chinês conhecerá numerosas metamorfoses e terríveis reveses, mas o modelo está definido: concentrar a dinâmica revolucionária na construção de um exército capaz, in fine, de derrotar o exército e o Estado "fantoches" inimigos - na ocorrência, o governo central de Nanquim, presidido por Chiang Kai-chek. Não espanta, pois, o facto de a dimensão militar e repressiva ser primordial, e fundadora, já na própria fase revolucionária: estamos aqui muito longe do primeiro bolchevismo russo, mas mais longe ainda do marxismo: será através do bolchevismo, reduzido a uma estratégia de tomada do poder e de reforço de um Estado nacional-revolucionário, que os fundadores do PCC, e em particular a sua "cabeça pensante", Li Dazhao, chegarão ao comunismo, em 1918-1919. Onde quer que o PCC triunfe, é o socialismo da caserna (e dos tribunais de excepção, e dos pelotões de fuzilamento) que se instala. P'eng P'ai, decididamente, tinha fornecido o modelo».

Jean-Louis Margolin («O Livro Negro do Comunismo»).









O Exército Popular da China no Tibete 



















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«Many Westerners today have a much more positive image of the People’s Republic of China than that reflected by Lizhi’s testimony at the Israeli Knesset or by other eyewitness accounts. Even many who are aware that the regime has been one of the most totalitarian in history nonetheless believe that the PRC has “reformed” and is no longer even “communist.” But why should the word “communist” no longer apply to China when the regime itself officially claims to be communist? And why should we believe that despots have suddenly become “democrats” when mass murderers have not been brought to justice, and when, in fact, the regime still honors past communist rulers such as the blood-drenched Chairman Mao?

Of course, apologists for the regime who claim that Beijing today is less authoritarian than Mao’s Communist Party have a point. After all, under Mao, the Chinese Communists murdered more human beings than any other cabal of criminals and mass-murderers in all of recorded human history. To be less murderous than Mao and company, then, is hardly a noteworthy accomplishment. However, the claim that the “new and improved” Chinese tyranny is much different or superior to the “old” is more than a little disingenuous. The post-Mao regime, which is a product of Mao’s legacy, has never relinquished absolute, unrestrained power over its citizens. This was made very evident by the infamous Tiananmen Square massacre of peaceful protesters on June 4, 1989. And it is evident today, for anyone who is willing to open his eyes and look at the regime’s actions.

For example, while the outright mass extermination of dissenters has largely gone by the wayside, mass murder remains a hallmark of Beijing rule. The regime continues to slaughter millions of unborn children in forced abortions — part of its savage “one-child policy” — with assistance from the U.S. taxpayer-funded UN Population Fund (UNFPA) and Planned Parenthood, according to congressional testimony by experts. Despite allegedly “easing” the grotesque one-child policy, millions of women and unborn children in China continue being subjected to forced abortions, in addition to mass forced sterilizations and other crimes.

Just last month, an international scandal erupted when a teacher, five months pregnant, was ordered to have her child slaughtered — after having previously obtained permission from authorities to have a second. “Their experience dramatically demonstrates what I’ve been saying all along: China is continuing its horrific practice of late-term forced abortions,” Reggie Littlejohn, the president of Women’s Rights Without Frontiers, told LifeNews. “This is savagery and it must be stopped.” That particular kill order was halted, but only thanks to tremendous domestic and international pressure. To give some insight into just how little value China’s ruling cabal attaches to human life or the rights of women, consider that a few years ago at a UN “climate” summit attended by this writer in Copenhagen, an official representative for Beijing bragged about how China’s coercive one-child policy is reducing its “carbon footprint.”

Beyond mother and unborn children, other family members can also be punished when a woman has more than her allotted children. Chen Guangcheng, a blind, self-taught lawyer who was ruthlessly persecuted by the regime for his activism before escaping to the United States via the U.S. embassy, recently testified in Congress about the savagery. “To achieve its goal of population control, the Communist Party has established a vast system to carry out its policy. The Party has also signaled to those on the front line that jailing, beating, eviction, demolition and other such policies are not beyond the red line, even at the cost of life,” he explained. “In my village and neighboring villages, we could often hear and see groups of people, from a dozen to several dozen and headed by their local party chiefs, acting like bandits, beating villagers, and holding them in defiance of legal procedures, day and night. We could hear screaming and crying during these operations.... If these Communist bandits failed to get the pregnant woman to submit to a nighttime operation [abortion], they would take away family members, relatives such as uncles and aunts, siblings, and even other neighbors within a diameter of 50 meters of the target, usually including 10-20 households, by force, often with cruelty.”













































Other classes of Chinese citizens are also butchered on a regular basis by China’s communist leaders for various reasons — especially members of the spiritual movement known as Falun Gong, to which Lizhi belongs. According to countless defectors, experts, survivors, and other sources, Beijing literally harvests body organs from political prisoners such as Falun Gong practitioners. Former Canadian Member of Parliament David Kilgour, also a former minister of state for the Asia-Pacific region, described the ghoulish slaughters in a book on the subject entitled Bloody Harvest. The book documents the author’s long investigation into China’s well-established organ trade. It concludes that the bazaar of organs comes not just from criminals sentenced to die, but from Falun Gong practitioners persecuted for their beliefs.

Those in disfavor with the regime who are not killed for their organs by Beijing’s butcher squads often face brutal treatment in China’s re-education gulags. A report released last year by Chinese Human Rights Defender (CHRD) about the regime’s “black jails” noted that in these secret gulags, whose occupants are up to 80 percent women, savage acts are perpetrated against “unofficial” prisoners. The victims never even have the benefit of a sham trial in one of the autocracy’s kangaroo courts. The report, “We Can Beat You to Death With Impunity”: Secret Detention & Abuse of Women in China’s “Black Jails,” describes the abuses in horrifying detail. “Inside these shadowy detention cells, the predominantly female detainees — including elderly women, migrant women, women who lost land or were victimized by forced eviction, women with disabilities, and mothers with young children — are subjected to appalling abuses, from physical and sexual assaults to deprivation of medical treatment,” the human-rights group explained.

Falun Gong practitioners are hardly the only targets of Beijing belief-focused persecution. Among others, the regime ruthlessly persecutes Christians and other minorities, as well as anyone and everyone who dares to challenge its tyranny, through denial of work permits, imprisonment, and even death. And despite claims that the persecution is easing, the facts say otherwise. According to China Aid, a Christian human-rights organization, the dictatorship’s crackdown on believers last year reached levels unseen in at least a decade, surging by more than 10,000 percent over 2013 in terms of the number of believers sentenced for practicing their faith, particularly in underground churches. But even regime-approved and -managed churches have found themselves in the autocracy’s cross hairs.

China Aid’s 2014 Annual Report of Religious and Human Rights Persecution in China, dubbed “The Year of ‘Persecution and Endurance,’” shows that religious persecution and human-rights abuses perpetrated by the regime in Beijing have risen by a shocking 153 percent over 2013 overall, based on six specific categories of persecution. In addition to the number of believers sentenced (which jumped from 12 in 2013 to 1,274 in 2014), the other categories of persecution are: the number of religious persecution cases, the number of believers being persecuted, the number detained, the number of severe abuse cases, and the number of individuals in severe abuse cases. Every category saw drastic increases in 2014 over the year before, Texas-based China Aid documented in its report.

China Aid has documented 572 cases of persecution in which 17,884 religious practitioners were persecuted — a 300-percent increase over the prior year. Because information is so tightly controlled by the communist regime and its Orwellian censorship and repression apparatus, the real figures of abuse are almost certainly much higher, China Aid acknowledged.

Beyond oppressing Christians, the government also seeks to control them, establishing regime-controlled “Protestant” and “Catholic” denominations that take orders from the atheist Communist Party of China, rather than Scripture or the Vatican and other church hierarchies. “The sinicization of Christianity amounts to de-Christianizing the church in China and eradicating the universal nature of Christianity under the appearance of constructing a ‘Christianity with Chinese characteristics,’ and, in the name of prioritizing the interests of the Communist Party, usurping Christian doctrine that ‘Christ is the head of Church,’” explains the 2014 China Aid report documenting the actions.

China’s government is even oppressive outside is own borders. Enduring decades’ worth of brutal occupation and terror are the people of Tibet, a country that has illegally been occupied by Communist China for more than six decades. More than a few analysts have accused Beijing of “genocide” in the formerly sovereign nation as China works to destroy the Tibetan culture and people — even importing massive quantities of Han Chinese to displace the previous occupants. Estimates suggest hundreds of thousands of Tibetans have disappeared. Tibetan monks have been treated especially ruthlessly, with the regime regularly murdering, kidnapping, and forcibly “re-educating” (brainwashing) them with “patriotic re-education.”



Auto-imolação no Tibete

























In 2011, the barbarity made headlines worldwide when communist “security” forces surrounded the Kirti monastery after a monk set himself on fire to protest the extermination of Tibetan culture by Beijing. Some 100 monks were “disappeared.” “As a former political prisoner, I have personally experienced the kind of torture inflicted on Tibetans in Chinese prison,” said Lukar Jam, the vice-president of a Tibetan organization of former political prisoners. “The Kirti monks are innocent and are under attack for simply expressing their internationally recognized right to freedom of religion.” Beijing says it is all for their own good.

Also suffering from Communist Party of China persecution is the Muslim Uighur population of Western China in Xinjiang. Many of the locals are against being ruled by Beijing and are seeking to regain independence. In response, the dictatorship has engaged in a brutal crackdown, with its “security” agents reportedly massacring protesters on the spot and firing indiscriminately into crowds of civilians on a regular basis — most recently killing four and wounding dozens after shooting into a protest in May 2014. “China is consciously hardening its policies against Uighurs,” Seyit Tumturk, the vice president of the World Uyghur Congress, told Al-Monitor. “Especially the harsh crackdown on religious values that the Uyghurs respect has nothing to do with combating terror. It is ethnic and cultural genocide on pretext of combating terror.”

Moreover, Beijing is working on a plan to uproot hundreds of millions of Chinese farmers from rural areas and forcibly relocate them to centrally planned new cities built precisely for that reason. The New York Times described the scheme as the “Great Uprooting,” evoking memories of Mao’s ghoulish “Great Leap Forward.” Those who resist the forced evictions will face the wrath of the regime, as hundreds of millions of innocent Chinese have in years past. But, it will all be “legal,” as the regime’s constitution makes clear that all land is owned collectively».

Alex Newman («Chinese Tyranny 2.0», in The New American, Tuesday, 09 June 2015).





A GRANDE FOME DE MAO


No terreno, os funcionários do partido evidenciavam o mesmo insensível desprezo pela vida humana que tinham mostrado com os milhões mobilizados para a sangrenta ofensiva contra Chiang Kai-shek. A força bruta com que o país tinha sido conquistado seria agora libertada na economia - sem olhar aos números de baixas. E, como se acreditava que a pura força de vontade humana era capaz de qualquer feito - era possível mover montanhas -, qualquer fracasso parecia, suspeitamente, um acto de sabotagem. Na «guerra aos pardais», uma pessoa que não conseguia acompanhar as outras era um «mau elemento» que podia fazer descarrilar toda a estratégia militar do Grande Salto em Frente. Um camponês que roubava comida na cantina era um soldado desertor que devia ser eliminado antes de o pelotão ser ameaçado pelo motim. Qualquer pessoa era um potencial desertor, ou um espião, ou um traidor, por isso a mais leve infracção era punida com todo o rigor da justiça marcial. O país tornou-se um campo de recruta gigante onde o povo deixou de ter uma palavra a dizer em relação às tarefas que era obrigado a cumprir, apesar da pretensão de democracia socialista. As pessoas tinham de obedecer a ordens, e se não as cumprissem arriscavam um castigo. Os obstáculos que existiam à violência - religião, lei, comunidade, família - foram simplesmente erradicados.

Como o partido se expurgou diversas vezes durante o Grande Salto em Frente, também recrutou novos membros, muitos dos quais eram pessoas duvidosas que não tinham muitos escrúpulos em usar a violência para fazer o seu trabalho. A aldeia, comuna ou distrito com mais bandeiras vermelhas também era geralmente a que tinha mais vítimas. Mas as bandeiras vermelhas podiam ser retiradas a qualquer momento e entregues a um rival, o que obrigava os quadros locais a manter a pressão, muito embora a mão-de-obra estivesse cada vez mais exausta. Criou-se um círculo vicioso de repressão, uma vez que eram necessários cada vez mais espancamentos para obrigar as pessoas famintas a cumprir as suas obrigações. Na escalada de violência, foi atingido o limite quando a ameaça de castigo e a ameaça de inanição se anularam mutuamente, Um camponês que foi obrigado a trabalhar durante longos turnos nas montanhas durante o Inverno explicou sucintamente: «Nós estávamos exaustos; mesmo que me batessem, eu não trabalhava» (82).

A escalada de violência na época foi analisada num texto extremamente interessante intitulado «Como e Porque É Que os Quadros Espancavam o Povo», escrito por uma das equipas de investigação enviadas para as regiões rurais de Hunan. Os autores do relatório não só passaram tempo a recolher provas incriminatórias contra quadros culpados de abuso de poder, como também os entrevistaram numa rara tentativa de perceber o que tinha corrido mal. E descobriram o princípio da recompensa: os quadros espancavam camponeses para serem elogiados pelos seus superiores. Por muito caótica que a situação fosse no terreno, a violência seguia sempre um fio condutor, nomeadamente do topo para baixo. Zhao Zhangsheng foi um exemplo. Zhao era um membro do partido com um cargo pouco importante e começou por recusar-se a bater nas pessoas suspeitas de serem «de direita» nas expurgações que se seguiram à sessão plenária de Lushan em 1959. Foi repreendido pelos seus superiores e correu o risco de ser denunciado como «conservador de direita», mas continuou a expressar relutância em usar violência contra os inimigos do partido. Pela sua atitude, foi multado em cinco iuanes como aviso. Depois, por fim sucumbiu à pressão e respondeu com intensidade, chicoteando uma criança pequena até ela ficar coberta de sangue (83).





A pressão dos pares arrastava muitas vezes os quadros locais para o mesmo nível, unindo-os todos numa camaradagem partilhada pela violência. Em Leyang, Zhang Donghai, governador do distrito, e os seus acólitos consideravam que a violência era um «dever» intrínseco à «revolução contínua»: «travar uma campanha não é a mesma coisa que fazer bordados, é impossível não espancar pessoas até à morte». Os quadros locais que se recusavam a bater nos preguiçosos eram sujeitos a sessões de luta, amarrados e espancados. Cerca de 260 foram demitidos dos seus cargos. Trinta foram espancados até à morte (84). No distrito de Hechuan, em Sichuan, dizia-se aos quadros: «Há tantas pessoas a trabalhar, que não faz mal se espancarem algumas até à morte» (85).

Algumas das entrevistas realizadas por inspectores do partido em 1961 confrontaram os perpetuadores de violência com as suas vítimas, Shao Ke'nan era um jovem natural de Hunan que foi espancado pela primeira vez no Verão de 1958, no auge do frenesim de colectivização. Obrigado a trabalhar 12 horas por dia, a meio do Inverno, num projecto de irrigação nas montanhas de Huaguo, Shao foi novamente coberto de sangue. Um dos seus torturadores era um quadro chamado Yi Shaohua. Shao conhecia Yi desde a infância e recordou que o homem nunca tinha sido violento antes do Grande Salto em Frente. Com o desenrolar de novas campanhas políticas, Yi mudou, espancando e humilhando por capricho. Esmurrava com força, deixando as suas vítimas com nódoas negras, pisadas e a sangrar (86). Por sua vez, quando perguntaram a Yi Shaohua porque é que era tão violento, ele explicou que a pressão tinha vindo do seu superior. Yi tinha receio de ser considerado de direita. O seu chefe disse-lhe: «Se não lhes bateres, o trabalho não parece feito». A pressão tinha de ser transmitida ao longo da cadeia de comando: «as pessoas acima de nós apertam-nos e nós apertamos as pessoas que estão abaixo de nós» (87). Dito de outra forma, os próprios membros do partido eram aterrorizados e, por sua vez, aterrorizavam a população sob o seu controlo.

Os quadros tinham alternativa. Podiam melhorar as condições de vida dos camponeses - contra todas as probabilidades - ou tentar cumprir as metas do partido. Uma alternativa implicava o incumprimento da outra. A maioria seguiu o caminho de menor resistência. Depois de a escolha ser feita, a violência desenvolvia a sua lógica específica. Em condições de penúria generalizada, era impossível manter toda a gente viva. Não havia simplesmente comida suficiente nas aldeias para alimentar devidamente até os camponeses de confiança, e no clima de repressão em massa que se seguiu à sessão plenária de Lushan em 1959, o problema da escassez de alimentos não parecia ter solução a curto prazo. Uma forma expediente de aumentar a comida disponível era eliminar os fracos e doentes. A economia planificada já tinha reduzido pessoas a meros dígitos num balanço, um recurso a ser explorado para o bem maior, como o carvão ou os cereais. O Estado era tudo, o indivíduo nada, e o seu valor era constantemente avaliado através de pontos de trabalho e determinado pela sua capacidade de remover terra ou plantar arroz. Nas regiões rurais, os camponeses eram tratados como gado: tinham de ser alimentados, vestidos e alojados, e tudo isto tinha um custo para o colectivo. A extensão lógica destes cálculos pouco animadores era eliminar aqueles que era considerados indignos de viver. A eliminação discriminada de pessoas preguiçosas, fracas ou não produtivas aumentava a quantidade global de alimentos para aqueles que contribuíam para o regime através do seu trabalho. A violência era uma forma de controlar a escassez de alimentos.

A comida era frequentemente usada como arma. A fome era o castigo de primeiro recurso, ainda mais que os espancamentos. Li Wenming, vice-secretário do partido numa comuna no distrito de Chuxiong, matou seis camponeses com uma moca, mas a sua principal ferramenta para impor disciplina era a fome. Dois irmãos desobedientes foram privados de alimentos durante uma semana inteira e tiveram de desenterrar raízes na floresta, onde depressa morreram de fome. A mulher de um deles estava doente em casa. Também ela  foi banida da cantina. Uma brigada inteira de 76 pessoas foi castigada com privação de alimentos durante 12 dias. Muitos morreram de fome (88). Na comuna de Longgui, em Guangdong, o secretário do partido da comuna ordenou que aqueles que não trabalhavam não comessem (89). Ao descrever o que aconteceu em vários distritos de Sichuan, um inspector referiu que «os membros da comuna demasiado doentes para trabalhar são privados de comida - o que acelera a sua morte». No primeiro mês, a ração foi reduzida para 150 gramas de cereais por dia e, no mês seguinte, apenas 100 gramas. No fim, as pessoas que estavam moribundas deixavam de receber alimentos. Em Jiangbei e Yongchuan, «praticamente todas as comunas populares sonegam comida». Numa cantina que alimentava 67 pessoas, 18 morreram no espaço de três meses depois de lhes ser negada comida por estarem doentes (90). Existem poucos números fiáveis, mas uma equipa de inspectores que analisaram uma série de brigadas no distrito de Neijiang, em Sichuan, ficou convencida de que 80 por cento das pessoas que morreram de fome tinham deixado de receber comida como forma de castigo (91). E mesmo aquelas que comiam na cantina recebiam muitas vezes menos que aquilo a que tinham formalmente direito. Como um camponês explicou, a concha que era mergulhada na panela podia «ler os rostos das pessoas». Referia-se a um fenómeno que muitos entrevistados recordaram, nomeadamente que o homem responsável pela cantina discriminava deliberadamente aqueles que considerava «maus elementos». Enquanto a concha chegava ao fundo da panela para os bons trabalhadores, limitava-se a roçar a superfície para os «maus elementos», que recebiam uma mistura aguada: "A água parecia esverdeada e era imbebível» (92).







Relatórios sucessivos alegam que os doentes também eram obrigados a trabalhar nos campos. Dos 24 camponeses que sofriam de edemas e foram obrigados pelo quadro Zhao Xuedong a participar no trabalho morreram, todos à excepção de quatro. Na comuna de Jinchang, aqueles que tinham a sorte de receber tratamento médico eram obrigados pelo secretário local do partido a realizar trabalho pesado logo que tinham alta do tratamento (93). Em todo o país, as pessoas que estavam demasiado doentes para trabalhar eram, regra geral, excluídas do fornecimento de comida - uma decisão tomada facilmente pelos quadros, que interpretavam a doença como oposição ao regime. Nos piores lugares, até aqueles que conseguiam cumprir a sua tarefa diária recebiam apenas uma tigela de arroz aguado.

«A cada um consoante as suas necessidades» era o slogan proclamado por distritos modelo como Xushui, mas a realidade estava quase sempre muito mais próxima de Lenine de que «quem não trabalha não come». Algumas cooperativas até dividiram a população local em diferentes grupos consoante o seu desempenho no trabalho, tendo cada um deles direito a uma ração diferente. As calorias eram distribuídas de acordo com o músculo. A ideia era cortar a ração aos que não atingiam a meta de desempenho e usá-la como bónus para encorajar os trabalhadores melhores. Era um sistema simples e eficaz para gerir a escassez, recompensando os fortes à custa dos fracos. Fora criado um sistema parecido, em circunstâncias semelhantes, quando os nazis foram confrontados com faltas de alimento tão grandes, que deixaram de poder alimentar os seus trabalhadores escravos. Günther Falkenhahn, director de uma mina que abastecia o complexo químico da IG Farben, dividiu os seus Ostarbeiter em três classes, concentrando os alimentos disponíveis nos trabalhadores que davam o melhor retorno por unidade de calorias. Os que estavam no fundo entraram numa espiral fatal de subnutrição e subdesemprego. Em 1943, Falkenhahn já tinha recebido o reconhecimento público e a ideia de Leistungsernäbrung, ou «alimentação por desempenho», foi promulgada como uma prática-padrão no emprego de Ostarbeiter (94).

Nunca houve uma ordem de cima a dar instruções aos membros do partido para restringirem a alimentação adequada a trabalhadores acima da média, mas essa pareceu uma estratégia bastante eficaz a alguns quadros ansiosos por obter a produção máxima por uma despesa mínima. Na aldeia de Peach, em Guangdong, os quadros dividiram os camponeses em 12 níveis, divididos de acordo com o desempenho. Os operários no nível mais alto recebiam pouco menos de 500 gramas de cereais por dia. Aqueles que se encontravam no fundo recebiam apenas 150 gramas por dia, uma dieta de fome que eliminou os elementos mais vulneráveis. Esses eram substituídos por outros que desciam inexoravelmente na hierarquia, aproximando-se cada vez mais do fundo. Em 1960, uma em cada 10 pessoas morreu de fome (95). É verdade, como vimos, que em todo o país as unidades foram divididas em diferentes níveis, com bandeiras vermelhas, cinzentas e brancas a serem entregues a unidades avançadas, medíocres e atrasadas. Foi um pequeno passo para aperfeiçoar mais o sistema e tornar a ingestão de calorias dependente do nível. No distrito de Jintang, por exemplo, uma aldeia dividiu os seus membros em três grupos, «superior», «médio» e «inferior», e os seus nomes foram registados, respectivamente, em papel vermelho, verde ou branco. Os membros de diferentes níveis não podiam misturar-se. Os nomes vermelhos eram elogiados, mas os nomes brancos eram implacavelmente perseguidos, muitos deles acabando em campos de trabalho improvisados para «reeducação» (96).

O suicídio atingiu proporções epidémicas. Por cada homicídio, um número incalculável de gente sofria de uma forma ou de outra e algumas dessas pessoas optaram por pôr fim às suas vidas. Muitas vezes, não era tanto a dor que levava uma pessoa a pôr fim a tudo, mas a vergonha e humilhação sofridas diante dos outros habitantes da aldeia. Uma frase feita era que este ou aquele, depois de se desviar do caminho, «teve medo do castigo e suicidou-se». «Levados à morte» ou «encostados à parede» também eram expressões comuns usadas para descrever o auto-homicídio. Em Fengxian, em Xangai, das 960 pessoas que morreram no espaço de dois meses no Verão de 1958, 95 «foram forçadas a um impasse e suicidaram-se», enquanto as outras faleceram devido a doenças não tratadas, tortura ou exaustão (97). Num cálculo rápido (uma vez mais, os números são lastimavelmente duvidosos), cerca de 3 a 6 por cento de mortes evitáveis foram causadas por suicídio, o que significa que entre 1 a 3 milhões de pessoas puseram fim à vida durante o Grande Salto em Frente.



Em Puning, em Guangdong, os suicídios foram descritos como «incessantes»; algumas pessoas puseram fim à vida por vergonha, por terem roubado vizinhos (98). Quando era ordenado um castigo colectivo, aqueles que se sentiam culpados de ter posto os outros em perigo suicidavam-se. No distrito de Kaiping, uma mulher de 56 anos furtou dois punhados de arroz. Todas as pessoas que viviam na sua casa foram banidas da cantina durante cinco dias e mandadas para um campo de trabalho. Ela suicidou-se (99). Por vezes, as mulheres levavam os filhos consigo, conscientes de que eles não sobreviveriam sozinhos. Em Shantou, uma mulher acusada de roubo amarrou os dois filhos ao corpo antes de saltar para o rio (100).

Nas cidades, as taxas de suicídio também dispararam, embora haja poucos números fiáveis. O Gabinete de Segurança Pública de Nanjing, por exemplo, ficou alarmado quando comunicou que nos primeiros seis meses de 1959 aproximadamente 200 pessoas tinham saltado para o rio com o intuito de se suicidaram. A maioria eram mulheres (101). Muitas mataram-se porque as suas famílias tinham sido separadas pela colectivização. O filho de Tang Guiying, por exemplo, morreu de doença. Depois, a sua casa foi destruída para criar espaço para um projecto de irrigação. Ela juntou-se ao marido, que trabalhava numa fábrica em Nanjing. Quando as autoridades lançaram uma campanha para devolver os camponeses às regiões rurais, ele não fez nada para protegê-la. Ela enforcou-se (102).


LOCAIS DE HORROR

O horror da destruição em massa foi visto, pela primeira vez, pelos líderes do partido em Xinyang: reduziu Li Xiannian, um duro veterano do Exército Vermelho, às lágrimas. A reacção imediata foi culpar os contrarrevolucionários. Depressa foi desencadeada uma campanha em todo o país para aniquilar as forças da reacção, muitas vezes com apoio militar do centro. Todavia, numa inteligente jogada para retratar Xinyang como uma excepção, foram distribuídos relatórios no seio do partido sobre o «incidente de Xinyang». A este foi acrescentado o «incidente de Fengyang», que recebeu o nome de um distrito poeirento numa planície junto ao rio Huai, na província de Anhui. Também aqui um reinado de terror tinha reclamado um quarto dos 335 000 habitantes. Na década de 1980 começou a circular uma compilação de relatórios do partido sobre estes dois casos, incluindo um documento de 600 páginas que foi contrabandeado para fora da China depois do massacre da Praça Tiananmen em 1989. Subsequentemente, estes documentos foram a base da maioria dos estudos da época. Xinyang tornou-se um sinónimo da fome.

Porém, em 1961 os quadros locais que se reuniram em todo o país para debater o relatório de Xinyang não ficaram impressionados. Em Xiangtan, em Hunan, um distrito onde tinha morrido dezenas de milhares de pessoas, alguns quadros pensaram que o incidente de Xinyang empalidecia em comparação com o que tinha acontecido no seu próprio quintal. Alguns até se perguntaram porque é que lhe tinham chamado «incidente» (103).

Há de facto um grande número de aldeias onde a morte reclamou mais de 30 por cento da população num único ano - em alguns casos, lugarejos inteiros ficaram desertos. Mas os distritos são entidades políticas muito maiores, em geral com populações entre 120 000 e 350 000 habitantes. Uma taxa de mortalidade de 10 por cento num ano em todo o distrito, composto por muitas centenas de aldeias muito juntas, outras divididas por montes, rios ou florestas, só podia ter ocorrido sob uma pressão política enorme. Esses lugares de horror, onde a fraude e o terror se combinavam para produzir homicídios em massa, existiam por todo o país. Todas as províncias sob a liderança de um fanático tinham vários, e algumas gabavam-se até de ter uma dúzia. É improvável que exista uma lista completa desses casos a curto ou médio prazo, dado que uma grande parte dos arquivos do partido permanece bem fechada, mas abaixo há uma lista provisória de 55 distritos que crescerá, sem dúvida, à medida que ficarem disponíveis fontes mais fidedignas. Baseia-se numa compilação de 40 distritos realizada por Wang Weizhi, um demógrafo que trabalhou para o Gabinete de Segurança Pública em Pequim (104). No entanto, estas informações estão incompletas, pois são retiradas de números oficiais enviados para a capital e não resultam de descobertas locais.

[...] Tongwei, a noroeste de Gansu, era uma das regiões mais pobres do país. Situada entre colinas ondulantes e dividida por ravinas num árido planalto de loesse, tinha sido em tempos uma importante paragem na antiga estrada da seda. Antes de o centro de gravidade passar para o luxuriante sul, a região pululava de actividade humana, porque era dado bom uso ao rico loesse. Há sinais do passado por toda a parte, pois o solo é fácil de escavar. Paredes, casas e elevações tumulares eram feitas de loesse e apareciam esculpidas na paisagem. Grutas eram esculpidas em colinas frágeis, algumas com entradas arqueadas e pátios cobertos de pó. Com o passar do tempo, o vento e a chuva corroeram a montanha e as habitações acabaram por ficar desamparadas. Os terraços no cimo de montes e as estradas que percorriam vales profundos misturavam-se numa paisagem de pó que foi moldada ao longo das eras por mãos diligentes. O Exército Vermelho ocupou Tongwei em Setembro de 1935 e foi lá que Mao escreveu uma ode à Longa Marcha.


Xi Daolong, o governador do distrito, era um militante-modelo do partido, seleccionado em Maio de 1958 pela província para assistir a uma das reuniões de maior prestígio do partido em Pequim. Quando o apelo do Presidente à colectivização radical chegou alguns meses mais tarde, Xi respondeu com zelo, amalgamando todas as cooperativas em 14 comunas gigantes. Sob o olhar atento das milícias, tudo foi colectivizado, terra, gado, casas, utensílios e até panelas, latas e frascos foram confiscados. Os camponeses tinham de obedecer a todas as ordens dos líderes do partido. Como Tongwei era um elo crucial no plano da província no desvio de um afluente do rio Amarelo para o cimo das montanhas, para criar um canal de água que transformaria o árido planalto num jardim verde, um em cada cinco camponeses foi trabalhar num reservatório. Para agradar a uma equipa de inspecção enviada para estimular o trabalho no projecto de irrigação, metade dos habitantes da aldeia foram arrastados para obras distantes a meio da colheita. As culturas ficaram a apodrecer nos campos. Num distrito em situação de miséria extrema onde os camponeses mal conseguiam sobreviver, mais de 13 000 hectares foram abandonados só no primeiro ano do Grande Salto em Frente. Ao longo dos anos, a colheita encolheu, de 82 000 toneladas em 1958 para 42 000 toneladas em 1960. No entanto, os aprovisionamentos aumentaram. Xi Daolong comunicou uma colheita abundante de 130 000 toneladas em 1958. O Estado ficou com um terço. Em 1959, Xi comunicou novamente o dobro. Como dessa vez o Estado ficou praticamente com metade, quase não restaram cereais (105).

Os camponeses que se queixavam eram rotulados de conservadores de direita, sabotadores ou agitadores antipartido. O governador do distrito, um homem chamado Tian Buxiao, ficou profundamente abalado com o que viu nas regiões rurais. Foi denunciado como um elemento antipartido e repetidamente sujeito a sessões de luta como um «pequeno Peng Dehuai». Suicidou-se em Outubro de 1959. Mais de mil quadros que se opuseram de uma forma ou de outra foram repreendidos. Alguns foram demitidos, outros presos, mas a tortura também era generalizada, especialmente contra os camponeses. Enterraram-se pessoas vivas nas grutas escavadas nas colinas de loesse. No Inverno, eram enterradas sob a neve. Também se usavam outros meios de tortura, incluindo agulhas de bambu. No relatório não editado anexado ao documento que continha a versão final enviada para um comité provincial, uma frase menciona: «houve pessoas espancadas até à morte e transformadas em adubo» (106). Mais de 1300 foram espancadas ou torturadas até à morte. No Inverno de 1959-60, as pessoas já comiam cascas de árvores, raízes e palha (107).

De acordo com um relatório compilado pelo comité provincial em Tongwei alguns anos depois da fome, cerca de 60 000 pessoas morreram em 1959 e 1960 (o distrito tinha 210 000 habitantes em 1957). Poucas pessoas escaparam à fome. Eram raras as pessoas que não tinham familiares que tivessem morrido de fome, e mais de 2000 famílias foram completamente erradicadas (108).

Xi Daolong acabou por ser preso, mas dificilmente poderia ter presidido a um reinado de terror de vários anos sem o apoio dos seus superiores. Um degrau acima dele estava Dou Minghai, secretário do partido da região de Dingxi, a que Tongwei pertencia. O próprio Dou estava sob escrutínio constante de Zhang Zhongliang, o cacique de Gansu. A pressão era tão intensa, que ele considerava que os camponeses que tentavam fugir da região eram «todos maus», cada um deles culpado de «oposição ao partido». Continuou a pressionar no sentido de taxas de aprovisionamento mais elevadas, declarando «prefiro que as pessoas morram de fome a ter de pedir cereais ao Estado» (109). Mas, no fim, nem sequer os seus superiores puderam continuar a ignorar a dimensão da carestia e foi enviada uma equipa de 100 pessoas de Lanzhou, a capital da província, em Fevereiro de 1960. Xi Daolong e os seus assistentes foram presos (110). Passado um mês, foi enviado um relatório para Pequim. O comando central declarou que Tongwei estava «completamente podre» (111).

Ao contrário de Gansu, Sichuan é uma província rica e fértil, tradicionalmente conhecida como a «terra de abundância», com florestas subtropicais e centenas de rios que foram desviados desde tempos antigos para irrigação. Mas, nesta enorme província do tamanho da França, há muitas variações, com vales profundos e montanhas escarpadas no Planalto Ocidental de Sichuan escassamente ocupados com povos de minorias étnicas, em contraste com a bacia hidrográfica à volta de Chengdu, onde colinas baixas e planícies de aluvião sustentam dezenas de milhões de camponeses. De todas as regiões, Sichuan foi a que mais distritos teve com taxas de mortalidade superiores a 10 por cento ao ano. A grande maioria eram zonas pobres nas montanhas que circundam a zona da bacia hidrográfica, mas uns quantos estavam espalhados à volta de Chongquin, uma cidade confusamente concentrada em escarpas íngremes junto ao rio Yangzi.


Rio Yangzi


Foi o caso, por exemplo, de Fuling, um distrito relativamente próspero com campos em socalcos ao longo do rio Yangzi, no interior, nos arredores de Chongqing. Baozi, uma comuna de 15 000 pessoas conhecida como «armazém de cereais de Fuling», produzia uma colheita tão abundante, que normalmente mandava cerca de metade da sua produção como tributo para o Estado. Ao longo da estrada principal, podiam encontrar-se diariamente até 4000 pessoas, atarefadas a transportar cereais, vegetais e porcos para o mercado. Porém, em 1961, a produção de cereais caiu aproximadamente 87 por cento. Os campos estavam cobertos de ervas daninhas e metade da população tinha desaparecido. Um «vento de comunismo» soprou na comuna quando tijolos, madeira, panelas, utensílios e até agulhas e fraldas para bebés foram confiscados num esforço de colectivização desenfreado em que a própria noção de propriedade individual era vista como «conservadorismo de direita». «Conseguimos comer o suficiente mesmo sem agricultura durante três anos», era o slogan da época, quando 70 por cento da mão de obra foram desviados da agricultura para a construção de grandes cantinas, pocilgas e mercados. As pessoas que ainda trabalhavam no campo tinham de cumprir ordens da comuna, por exemplo arrancando hectares de milho porque um vice-secretário do partido achava que as folhas estavam voltadas na direcção errada. Por outro lado, o cultivo concentrado matou a cultura do arroz em alguns dos terrenos mais férteis. Em certas partes da comuna, 80 por cento dos arrozais em socalco transformaram-se em terra seca para vegetais, com resultados desastrosos. Depois, quando veio uma ordem de Li Jingquan para que as unidades avançadas ajudassem a transformar as montanhas num campo verde, com encostas cobertas de trigo, os camponeses foram obrigados a abandonar os socalcos férteis para raspar o solo rochoso nas terras altas a muitos quilómetros de distância.

Para esconder o declínio abrupto na produção agrícola, em 1959 os chefes da comuna anunciaram uma colheita de 11 000 toneladas, em vez das 3500 toneladas que tinham em armazém. O Estado ficou com 3000 toneladas. As milícias andaram à procura de sacas de cereais escondidas, levando tudo o que conseguiram encontrar. As cenas de luta pontuavam o horário diário. O peso corporal era a linha de classe que distinguia os pobres dos ricos: ser gordo era ser de direita e as pessoas de direita eram incessantemente perseguidas - muitas vezes até à morte. No fim, o povo não tinha nada para comer a não ser cascas de árvores e lama. Até um terço da população morreu em algumas das aldeias em Baozi (112).

Baozi não foi de forma alguma excepcional. As taxas de mortalidade foram elevadas em todo o distrito de Fuling, e em 1960 algumas aldeias perderam 9 por cento dos seus habitantes num único mês (113). Uma taxa de mortalidade média de 40 a 50 por cento não era invulgar nas brigadas da região (114).

Outros distritos na área de Chongqing também tiveram taxas de mortalidade superiores a 10 por cento em 1960, por exemplo Shizhu, Xiushan e Youyang. Em Shizhu, as milícias proibiram os camponeses de arrancarem raízes e plantas silvestres, revisitando todas as casas em busca de potes e panelas para impedir que se cozinhasse fora das cantinas. A violência passou a ser comum, quando «grupos de espancamento» (darendui) em várias zonas do distrito tomaram a disciplina a seu cargo; alguns andavam com tenazes e agulhas de bambu. Chen Zhilin, um vice-secretário de uma das comunas, espancou várias centenas de pessoas, matando oito. Algumas dessas pessoas foram enterradas vivas. Em todo o distrito - segundo o Gabinete de Segurança Pública - cerca de 64 000 pessoas, ou 20 por cento da população, morreram só em 1959-60. As autoridades estavam tão avassaladas com as ondas de morte, que os cadáveres começaram a ser enterrados em valas comuns. Na comuna de Shuitian, foram atirados 40 corpos para um poço. Perto da estrada para a capital do distrito, enterraram-se outros 60 corpos numa cova pouco profunda, mas o trabalho foi tão mal feito, que 20 cadáveres tinham partes fora da terra e depressa foram atacados por cães esfomeados. Como a madeira para os caixões era escassa, diversas crianças de colo falecidas na mesma altura foram transportadas em cestos de rotim para serem enterradas (115).

Longe dos vales verdejantes ao longo do rio Yangzi, as batalhas campais ensanguentaram os prados no planalto tibetano a ocidente. Em 1959, em Serthar (seda), distrito na região autónoma de Ganzi, os tibetanos foram cercados e obrigados a formar cooperativas, depois de Lhasa ter sido abalada pela rebelião e o Dalai Lama, obrigado a fugir a pé para a Índia pelas montanhas dos Himalaias. No final de 1958, ocorreram dúzias de revoltas em Ganzi, que levaram a milhares de detenções e muitas execuções (116). Em Serthar, o abate generalizado de animais precedeu a colectivização, pois os pastores preferiram matar as suas ovelhas a entregá-las ao Estado. Dezenas de milhares de animais foram abatidos e comidos. Com o controlo dos cereais, os quadros recusaram-se a alimentar os nómadas, usando as milícias para extrair todo o trigo possível das pessoas que consideravam suas inimigas. Encurraladas em comunas improvisadas, muitas pessoas morreram de doença. Os nómadas, que sempre tinham tido acesso a água potável durante o ano inteiro, estavam agora amontoados em acampamentos decrépitos sem instalações adequadas, que depressa ficaram alagados com excrementos e lixo. De uma população de 16 000 habitantes, aproximadamente 15 por cento morreram só em 1960. Cerca de 40 por cento das pessoas que morreram foram espancadas ou torturadas até à morte (117). (ibidem, pp. 421-438).


O Dalai-Lama e o 'pacifista' Jawaharlal Nehru (22 de Abril de 1961).




Ver aqui



Notas: 

(82) Hunan, 4 de Fevereiro de 1961, 151-1-20, p. 14.

(83) Hunan, 1961, 151-1-20, pp. 34-5.

(84) Relatório do comité de inspecção central, Hunan, 15 de Novembro de 1960, 141-1-125, p. 3.

(85) Sichuan, 29 de Novembro de 1960, JC1 - 2109, p. 118.

(86) Hunan, 4 de Fevereiro de 1961, 151-1-20, p. 14.

(87) Ibid., pp. 12-13.

(88) Yunnan, 9 de Dezembro de 1960, 2-1-4157, p. 170.

(89) Guandong, 1961, 217-1-644, pp. 32-8.

(90) Sichuan, 2 de Maio de 1960, JC1 - 2109, pp. 10 e 51.

(91) Sichuan, 1961, JC1 - 2610, p. 4.

(92) Entrevista com Wei Shu, nascido da década de 1920, distrito de Lanzhong, em Sichuan, Abril de 2006.

(93) Sichuan, 1960, JC133-219, pp. 49 e 131.

(94) Adam Tooze, The Wages of Destruction: The Making and Breaking of the Nazi Economy, Nova Iorque; Allen Lane, 2006, pp. 530-1.

(95) Guangdong, 8 de Maio de 1960, 217-1-575, pp. 26-8.

(96) Sichuan, 3 de Maio de 1959, JC1 - 1686, p. 43.

(97) Yunnan, 22 de Maio de 1959, 2-1-3700, pp. 93-4.

(98) Guangdong, 5 de Fevereiro de 1961, 217-1-119, p. 44.

(99) Guangdong, 2 de Janeiro de 1961, 217-1-643, pp. 61-6.

(100) Kaiping, 6 de Junho de 1959, 3 A9-80, p. 6.

(101) Nanjing, 15 de Setembro de 1959, 5003-3-721, p. 70.

(102) Nanjing, 8 de Maio de 1959, 5003-3-721, p. 12.

(103) Hunan, 6 de Agosto de 1961, 146-1-579, pp. 5-6.

(104) Material citado em Yang, Mubei, pp. 901-3.

(105) Gansu, 5 de Julho de 1965, 91-5-501, pp. 4-5.

(106) Ibid., p. 24.

(107) Ibid., pp. 5-7.

(108) Ibid., p. 7.
















(109) Gansu, 12 de Janeiro de 1961, 91-4-735, p. 79.

(110) Gansu, 10 de Fevereiro de 1960, 91-4-648, ficheiro inteiro; 24 de Março de 1960, 91-4-647, ficheiro inteiro.

(111) Gansu, 21 de Abril de 1960, 91-18-164, pp. 153-60.

(112) Sichuan, 1961, JC1-2608, pp. 1-3 e 21-2; 1961, JC1-2605, pp. 147-55.

(113) Sichuan, 1961, JC1-2605, p. 171.

(114) Sichuan, 1961, JC1-2606, pp. 2-3.

(115) Relatórios de Yang Wanxuan, Sichuan, 22 e 27 de Janeiro de 1961, JC1-2606, pp. 48-9 e 63-4; também 25 e 27 de Janeiro de 1961, JC1-2608, pp. 83-8 e 89-90.

(116) Sichuan, 8 de Dezembro de 1958, JC1-1804, pp. 35-7.

(117) Sichuan, 4 de Abril de 1961, JC12-1247, pp. 7-14.


Continua


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