sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Categorias de Aristóteles (iii)

Escrito por Aristóteles



Akropolis de Atenas

 Ver aqui 

15. Cada locução de per si não exprime, nem afirmação, nem negação. Porém, mediante a ligação de umas com as outras, resulta afirmação ou negação, porque toda a afirmação ou negação é julgada verdadeira ou falsa. Mas das locuções desligadas nenhuma é verdadeira, nem falsa.

Exemplo: Homem, Branco, corre, vence.

16. Primitiva e principalmente, chama-se essência primária aquela que nem se diz de nenhum objecto, nem está em nenhum objecto.

Exemplo: um determinado homem, um determinado cavalo.

17. E chamam-se essências secundárias, tanto as espécies, a que pertencem as essências primárias, como os géneros dessas mesmas espécies.

Exemplo: um determinado homem é compreendido na espécie Homem, e o género desta espécie é animal. São pois as essências secundárias tais, como Homem e Animal.

18. Do que fica dito se segue que tudo o que se diz de um objecto, é necessariamente categoria dele, não só quanto ao nome, mas também quanto à razão do nome.

Exemplo: um determinado homem é um determinado objecto, que se compreende na categoria de Homem, primeiramente quanto ao nome, porque de qualquer determinado homem se diz ser Homem, e em segundo lugar, a razão categórica de Homem é aplicável a qualquer determinado homem, porque qualquer determinado homem é Homem e Animal e, portanto, é categoria do objecto, não só quanto ao nome, mas também quanto à razão do nome.

19. Mas as coisas, que estão em algum objecto, pela maior parte não são categorias do objecto, nem quanto ao nome, nem quanto à razão do nome.

20. Porém algumas podem-no talvez ser quanto ao nome, posto que jamais o podem ser quanto à razão do nome.

Exemplo: a brancura, que está em um objecto (qual é o corpo) é categoria em que se compreende o corpo, porquanto o corpo se diz branco, mas a razão categórica de brancura não é aplicável ao corpo.




21. Todas as outras coisas, ou se dizem das essências primárias, como de outros tantos objectos, ou estão nelas, como em outros tantos objectos.

Isto se faz manifesto da consideração de cada uma das coisas per si, por exemplo: Homem contém-se na categoria de Animal e, por conseguinte, também qualquer determinado homem se conterá nessa mesma categoria, porque se algum determinado homem se não contém nela, então também se não compreenderá o Homem em geral. Do mesmo modo a cor existe no corpo, e logo também em determinado corpo porque, se não existe em algum corpo, então também não existe no corpo em geral. E, portanto, todas as outras coisas ou se dizem das essências primárias, como de outros muitos objectos, ou estão nelas, como em outros tantos objectos.

22. De modo que, não existindo as essências primárias, seria impossível existir nenhuma das outras.

23. Ora, das essências secundárias a espécie é mais essência do que o género.

Porque está mais próxima à essência primária. Porquanto, querendo-se designar o que seja uma essência primária, se designará mais clara e propriamente apontando-se a sua espécie, do que o seu género. Por exemplo: querendo-se designar o que seja um determinado homem, se designará mais claramente, dizendo-se que é Homem, do que dizendo-se, que é Animal. Porque aquela primeira designação é mais própria desse determinado homem, entretanto que esta é mais comum. E querendo-se designar uma determinada árvore, se designará mais claramente, dizendo-se ser uma árvore, do que dizendo-se ser um vegetal. Além disso, as essências primárias não se dizem principalmente essências, senão porque são objectos de todas as outras coisas, e todas as outras coisas são categorias, em que elas se contêm.

24. O que das essências primárias são a respeito de todas as outras coisas, isso mesmo é cada espécie a respeito do género.

Porque a espécie passa a ser objecto relativamente ao género, visto que a espécie se compreende na categoria do género e não inversamente o género na da espécie. E, por isso também, é a espécie mais essência do que o género.

25. De duas espécies, das quais nenhuma é género da outra, também nenhuma é mais essência do que a outra.

Por isso que, querendo-se designar um determinado homem, não se denotará mais propriamente dizendo que é Homem, do que se, querendo-se dizer um determinado cavalo, se dissesse Cavalo.






26. O mesmo é das essências primárias, que nenhuma delas é mais essência do que outra.

Porque um determinado homem não é mais essência do que um determinado boi.

27. Com razão, pois, entre todas as coisas, que não são as essências primárias, somente os géneros e as espécies se denominam essências secundárias.

Porque de todas as categorias, em que a essência primária se compreende, nenhuma a designa tão bem, como os géneros e as espécies. Porquanto, se se quiser designar o que é um determinado homem, designar-se-á com propriedade denotando-se a sua espécie, ou o seu género, e designar-se-á mais claramente dizendo-se que é Homem ou Animal. Mas se apontasse qualquer outra coisa, designar-se-ia de um modo estranho, como se se dissesse ser branco, ou que corre, ou outra coisa semelhante. Por onde com razão, de entre todas as coisas, a elas só se lhes tem dado o nome de essências. E mesmo as essências primárias não se chamam com especialidade essências, senão porque são objectos, que se compreendem em todas as outras coisas, como em outras tantas categorias.

28. O que as essências primárias são a respeito de todas as outras coisas, isso mesmo são a respeito de tudo o mais, os géneros e as espécies, a que as mesmas essências primárias pertencem.

Porque todas as outras coisas são outras tantas categorias, em que elas se contêm. Porquanto, assim como de um determinado homem é que diremos ser gramático, assim também do que é o homem, do que é o animal, é que diremos ser gramático. O mesmo acontece em tudo o mais.

29. É comum a todas as essências o não estarem em nenhum objecto.

Porque as essências primárias nem estão em nenhum objecto, nem se dizem de nenhum. E quanto às secundárias também é claro, que nenhuma delas está em objecto algum. Pois homem, sim, se diz de algum objecto, que é qualquer determinado homem, mas não está em nenhum objecto, porque homem não está em nenhum determinado homem. Do mesmo modo, animal, sim, se diz de algum objecto, que é qualquer determinado homem. Além disso, as coisas, que estão em algum objecto, nada obsta a que sejam categorias dele quanto ao nome, mas, quanto à razão do nome, é impossível que o sejam.

30. Ora as essências secundárias são categorias do objecto, não só quanto ao nome, mas também quanto à razão do nome.

Porque a razão categórica (1) de homem é aplicável a qualquer determinado homem, e do mesmo modo a razão categórica de animal. De tudo o que se segue, que nenhuma essência pode ser do número das coisas, que estão em algum objecto.

31. Mas isto não é particular às essências, porque também as diferenças (2) são do número das coisas, que não estão em nenhum objecto.

Porque o ter pés, e o ser bípede, diz-se do homem, como objecto, mas não está em nenhum objecto, porquanto não está no homem o ter pés, nem o ser bípede.




32. E as diferenças são categorias do objecto a que se referem, até mesmo quanto à razão do nome.

Exemplo: se se diz do homem o ter pés, é porque ao homem é aplicável a razão categórica desta expressão, pois que o homem é um animal dotado de pés.

33. Nem nos faça confusão o estarem as partes das essências nos todos a que pertencem, de modo que nos julguemos obrigados a dizer, que elas não são essências. Porquanto, nós não dissemos que as coisas, que estão em algum objecto, existem em algum, como partes dele.

34. Verifica-se, pois, tanto nas essências, como nas diferenças, que todas as outras coisas derivam delas os seus nomes de uma maneira unívoca.

Porque todas as categorias, que delas se derivam, ou compreendem indivíduos ou espécies, visto que das essências primárias se não deriva nenhuma categoria, sendo assim que se não dizem de nenhum objecto. E quanto a aquelas, que se derivam das essências secundárias, a espécie compreende os indivíduos, e o género compreende as espécies e os indivíduos. Do mesmo modo, as diferenças fornecem outras tantas categorias, em que se compreendem as espécies e os indivíduos. Além disso, a razão categórica, tanto das espécies, como dos géneros, é aplicável às essências primárias, porque tudo o que se diz do objecto se há-de dizer das categorias, em que ele se compreende. Semelhantemente a razão categórica das diferenças é aplicável às espécies, e aos indivíduos. Ora unívocos eram os que tinham o mesmo nome, e a razão do nome idêntica. Logo todas as coisas, que se compreendem nas categorias das essências e das diferenças, tiram delas os seus nomes de uma maneira unívoca.

35. Toda a essência parece significar o que alguma coisa é. E quanto às essências primárias, é verdade indubitável que significam o que alguma coisa é, porque cada uma delas significa um objecto indivisível, e um em número. Quanto às essências secundárias, sim, parece, pela forma do seu enunciado, que também significam o que alguma coisa é, como quando se diz Homem, Animal, mas isto é mera aparência, porque tais expressões denotam antes qual seja a coisa a que se referem; nem se aplicam a um só objecto, como as essências primárias, porquanto Homem, Animal, dizem-se de muitos. Contudo, não denotam uma simples qualidade, como Branco, que nada mais significa do que uma simples qualidade.

36. Assim que, tanto a espécie, como o género, determinam as qualidades das essências, porque determinam, de uma dada essência, qual ela seja.

37. Mas esta determinação é mais ampla no género do que na espécie.

Porquanto, quem diz Animal, abrange a mais, do que quem diz Homem.

38. Também se verifica nas essências, o não terem nada que lhes seja contrário.





Porque quanto às essências primárias, que é o que lhes poderia ser contrário? Por exemplo: a um determinado homem? A um determinado animal? Sem dúvida que nada lhes é contrário. Tão pouco têm contrário Homem, ou Animal.

39. Mas isto não é particular às essências, mas também se verifica em muitas outras coisas, como nas quantidades.

Porque a ser de dois côvados ou a ser de três côvados, nada é contrário, bem como nem a dez, nem a outra nenhuma coisa semelhante. Excepto se alguém disser, que muito é contrário a pouco, e grande a pequeno. Mas às quantidades nada é contrário.

40. Parece outrossim, que as essências não são susceptíveis de mais, nem de menos.

Eu não digo que não há uma essência mais ou menos essência do que outra, porque isso já fica ensinado afirmativamente. O que eu digo, é, que cada uma das essências, isso que é, não se pode dizer que o é mais, nem menos. Por exemplo, se a essência de que se trata é um homem, não pode ser mais, nem menos homem do que outro, pois um homem não é mais homem do que outro, do mesmo modo que uma coisa branca pode ser mais ou menos branca do que outra; ou uma coisa formosa, pode ser mais ou menos formosa do que outra, e até cada uma delas em si mesma mais e menos; por exemplo, um corpo que é branco diz-se agora mais ou menos branco do que antes; um que está quente, diz-se estar mais ou menos quente. Mas as essências não se dizem ser nem mais nem menos essências, porque se não diz que um homem seja agora mais ou menos homem do que antes. E assim todas as demais coisas, que se chamam essências. Donde se segue, que nenhuma essência é susceptível de mais, nem de menos.

41. Porém, o que principalmente parece ser particular às essências, é, que um e o mesmo indivíduo é susceptível de ser em um tempo o contrário do que era em outro tempo.

Que é o que jamais se pode verificar em nenhuma outra coisa, que não for essência, porque, apesar de ser uma em número, nem por isso é susceptível de contrário, por exemplo: uma determinada cor, apesar de ser uma em número não pode ser branca e preta; uma e a mesma acção, apesar de ser uma em número, não pode ser boa e má, e assim em todas as demais coisas, que não são essências. Porém, as essências, sendo cada qual delas uma e a mesma em número, são susceptíveis de estados contrários. Por exemplo, um determinado homem, sendo um e o mesmo, ora é branco, ora denegrido, ora está quente, ora frio, ora é mau, ora é bom. Porém, nada disto parece verificar-se em nenhuma das outras coisas. excepto se alguém quisesse insistir dizendo que o discurso e a opinião são susceptíveis de contrariedade, porque parece, que um mesmo e determinado discurso pode ser verdadeiro e falso. Por exemplo: se fosse verdade o dizer-se que alguém está sentado, logo que ele se levante, este dito passa a ser falso. E o mesmo é de qualquer opinião, porque se alguém julgasse com verdade que outrem estava sentado, logo que este se levantasse, julgaria erradamente, formando a respeito dele o mesmo juízo. Porém, ainda admitindo isso, há total diferença quanto ao modo. Porque, quanto às essências, elas não são susceptíveis de estados contrários, senão quando mudam, como, por exemplo, o que está frio, depois de ter estado quente, passou por uma mudança; o que está denegrido, depois de ter sido branco, varia; bem como o que é bom, depois de ter sido mau. E assim de todas as outras, que só admitem estados contrários, quando experimentam mudança. Mas o discurso e a opinião ficam absolutamente imudáveis, e passam a ser o contrário do que eram, quando muda o objecto a que se referem, como o dito de que alguém está sentado fica sempre sendo o mesmo, e só pela mudança do sujeito é que ora é verdadeiro e depois falso. O mesmo se pode dizer da opinião. Donde se segue, que é particular às essências o admitirem pela sua própria mudança estados contrários.


Mas é de advertir, que quem admitisse, que o discurso e a opinião são susceptíveis de contrariedade, admitiria um erro, porque nem o discurso, nem a opinião, passam a ser o contrário do que eram, porque lhes sobreviesse alguma coisa, mas porque se aplicam a outro caso, pela simples existência ou inexistência do facto, é que o discurso que a ele se refere se diz ser verdadeiro ou falso; e não porque o mesmo discurso em si admitisse estado contrário ao que era antes; porque em nada absolutamente se acha ter mudado, nem o discurso, nem a opinião. Ora, não tendo eles recebido mudança alguma em contrário, não se podem dizer susceptíveis de passarem a ser o contrário do que eram. Ao contrário porém, as essências, que por isso que recebem modificações contrárias, é que se dizem susceptíveis de estados contrários, como por exemplo, porque é susceptível de doença ou de saúde, de brancura ou de negridão, e assim de resto, é que se diz ser susceptível de contrariedade. Logo é particular às essências, que sendo cada qual delas uma e a mesma em número, pela sua própria mudança passam a ser o contrário do que eram.

42. De modo que é próprio das essências o admitirem estados contrários, vindo elas mesmas a mudarem. Mas o que fica dito bastará a respeito das essências (ob. cit., pp. 38-43 e 57-68).


Notas

(1) Isto é: a razão do nome, ou o carácter da ordem, classe, género, espécie, etc. - Nota do Tradutor.

(2) Isto é, as diferenças específicas (V. Af. 11) ou os caracteres da espécie. E é sempre neste sentido, que se deve tomar a palavra diferença, nas obras de Aristóteles. - Nota do Tradutor.

Continua


Nenhum comentário:

Postar um comentário