quinta-feira, 4 de maio de 2023

"Ausente [Franco Nogueira], Portugal ficou mais pobre e mais fraco!"

Escrito por Silvino Silvério Marques


«Um dia, chegou o momento mais infamante da nossa História oito vezes secular e este Homem de alma grande, vertical, pujante de carácter, de inteligência e de cultura, com serviços prestados à Pátria com garra e determinação, sofreria as agruras mais vergonhosas apenas pela sua honrosa condição de ter sido, verdadeiramente, um português de lei.

Foi perseguido, preso e humilhado. Mas não quebrou nem torceu. Depois do exílio e da doença, que para sempre o marcariam, continuou lutando com o fulgor da sua inteligência nas diversas tribunas aonde podia chegar, contra os desvarios dos tempos e dos homens. A sua estatura moral, o seu exemplo de lutador, faziam seguramente inveja aos pigmeus que por aí pululam, vaidosos e inchados, como senhores dos destinos e do porvir da Nação que vão traindo, dia após dia, pelas mais diversas formas, sem honra e sem pudor.

Deus levou-o do nosso convívio, em hora triste e inquietante. Nesse momento da sua Ressurreição em Cristo em nós ficou a mais profunda saudade. Foi um pouco da nossa Pátria que com ele desapareceu. Mas a História, essa, já lhe fez justiça e o consagrou.»

Vasco Leónidas («A História já o Consagrou»).



Franco Nogueira


Estava em Angola. Alguns sacerdotes, em geral de missões protestantes, eram conhecidos pelo apoio que davam à subversão. Estabeleci a regra de não deixar regressar à Província tais sacerdotes que partissem de férias. Passado muito tempo sobre a aplicação de tal medida, foi chamada a minha atenção para as reclamações que a mesma estava originando junto das nossas instâncias diplomáticas. Retorqui então que não podíamos combater «na frente» de armas na mão e admitir que «na retaguarda» fosse conduzida, por poderosas missões religiosas, a subversão mental das populações. O assunto foi, na altura, ultrapassado. Mas numa das minhas vindas a Lisboa, foi-me pedido que sobre ele falasse com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Creio ter sido o primeiro encontro pessoal que tive com Franco Nogueira. Trocámos argumentos. Ficámos amigos.

Salazar ia ser rendido, após o acidente sofrido. O Almirante Américo Thomaz resolveu ouvir oficiosamente a opinião de algumas pessoas acerca de quem deveria ser convidado para tal rendição. Fui nesse sentido procurado por um ajudante do Chefe do Estado. E disse-lhe que considerava Franco Nogueira, pelo valoroso combate diplomático que havia sustentado, a pessoa que garantia a continuação da defesa intransigente do Ultramar.


Após o 25 de Abril foi-me pedida, em nome de um dos partidos então criados, colaboração na preparação do capítulo de um livro sobre a denominada «descolonização», capítulo referente às campanhas militares. Prometi fazê-lo em conjunto com os últimos Comandantes-Chefes de Angola, Moçambique e Guiné. Para um parágrafo relativo à «Posição Diplomática» recorri a Franco Nogueira, então ausente do País, que prontamente me ofereceu elementos essenciais. Concluído o trabalho, foi resolvido, dada a sua extensão e forma, autonomizá-lo em livro que foi editado sob o título África – A Vitória Traída.

Estes são episódios reveladores de consideração e amizade, que nos vêm à memória ao recordar esse grande Português que foi um dos mais valorosos combatentes da independência e integridade de Portugal, então entendido do Minho a Timor, como sentiram e viveram os maiores espíritos da Monarquia e das 1.ª e 2. ª Repúblicas.

Tive, com alguns amigos, o privilégio de, nos últimos anos, conviver, em tertúlia, que mensalmente nos reunia, com o espírito brilhante de Franco Nogueira. Testemunha de sua inteligência viva, de sua excelente cultura, aqui deixo homenagem ao seu estrénuo e esclarecido patriotismo. Ausente, Portugal ficou mais pobre e mais fraco!

(In Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos, Livraria Civilização Editora, 1.ª edição/Outubro 1999, pp. 507-508).


Silvino Silvério Marques




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