«Lisboa, 7 de Maio [de 1962] - Pelo fim da tarde, vou ainda à residência da Rua da Imprensa e relato a Salazar o que se passou em Atenas. À despedida, Salazar diz-me: "Informam-me que amanhá haverá tiros por aí, mas como não devem chegar até aqui, apareça às seis para continuarmos".
Lisboa, 12 de Maio - Jantar em casa de Teixeira Pinto. Está Pinto Barbosa. Fala-se de tumultos nos dias 16, 18, 26 e 28, com assaltos e atentados. Porquê nestes dias? Continua o desassossego dos estudantes.
(...) Lisboa, 16 de Maio - Dia calmo, não se produziram incidentes nem os distúrbios anunciados. Recebo o jornalista americano Constantine Brown: deixou Kennedy escavacado. Chega a Lisboa Vassalo e Silva: recebido com o gelo do público e dos meios oficiais. No Conselho de Ministros de ontem, ao comentar um manifesto comunista a propósito dos estudantes, disse o chefe do governo: "fora com Salazar, é a única coisa que está certa no manifesto".
(...) Lisboa, 25 de Agosto [de 1964] - (...) A propósito não sei já de quê, o Presidente do Conselho diz-me: "faltam-nos homens, o nosso sistema de educação é mau, sempre o foi"».
Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).
«As organizações comunistas têm feito tudo para exercer influência decisiva junto da opinião pública e deve reconhecer-se que lograram já entrar em certos meios ligados à informação ou à cultura. Por outro lado, estão a actuar com particular interesse junto dos trabalhadores dos escritórios, das oficinas e do campo.
Pois há que opor um dique a tais infiltrações, começando por desmascarar certos intelectuais ou pseudointelectuais que à sombra de pretensas preocupações científicas ou literárias tentam difundir os princípios marxistas e apoiar, com a sua propaganda directa ou camuflada, as actividades do comunismo internacional.
No mundo do trabalho, importa redobrar de vigilância na certeza de que, se o fizermos, os trabalhadores não se deixarão manobrar pelos agitadores profissionais, tantas vezes estimulados, numa inconsciência pasmosa, por alguns dirigentes de empresa que, dessa maneira, julgam a poder salvar a fazenda e a vida se um dia, por desgraça, eclodir a insurreição comunista.
(...) Quem não semeia não pode colher. Se à acção comunista não opusermos o exercício efectivo de um magistério político e social bem orientado, não poderemos queixar-nos se perdermos terreno. Os êxitos dos comunistas só são possíveis quando nós recuamos ou transigimos. É assim no plano das relações internacionais e também assim é, dentro de cada comunidade nacional, no domínio das actividades culturais, sociais ou económicas.
Eis quanto a mim, a grande lição a tomar em conta nestes tempos cruciais que atravessamos. Se a tivermos bem presente, não prevalecerão contra nós nem as calúnias, ataques e crimes dos inimigos, nem a incompreensão e hesitações dos que, dizendo-se amigos ou aliados, esquecem que estamos a defender os verdadeiros interesses e a própria honra do Ocidente».
Henrique Veiga de Macedo («Renovação na continuidade», in Três Campanhas Eleitorais Um Pensamento).
«Lisboa, 25 de Janeiro [de 1962] - Referindo-se aos americanos, Salazar disse-me: "Que queiram deitar-me a terra, compreendo; mas irrita-me que me tomem por tolo".
(...) Lisboa, 14 de Maio [de 1962] - (...) A propósito de uma notícia sobre os Açores na imprensa dos Estados Unidos, troquei rápidas impressões com Salazar. Diz: "se não houver mudança americana, não poderemos negociar; então terá de ser outro governo a fazê-lo". Exprimo a convicção de que nenhum governo português assinaria um acordo contra os interesses nacionais. Reage Salazar. "Meu caro senhor, está muito enganado. Há homens que querem ser ministros seja em circunstâncias for, e para isso estão dispostos a assinar seja o que for, ainda que subordinem, entreguem ou vendam o país. O senhor é muito ingénuo, está muito enganado".
(...) Lisboa, 10 de Dezembro [de 1962] - Por nossa parte, disseminámos novas "notícias" quanto à ONU e ao Catanga - e os telegramas portugueses entraram já no circuito internacional. Trabalho com o Presidente do Conselho. Fala-se da última remodelação, que considerou uma tortura. Mais conversa sobre a ONU. Diz o chefe do governo: "Ainda havemos de sobreviver às Nações Unidas. Os Ocidentais não estão de boa-fé em África". Recebidas notícias de um plano anglo-americano, concertado em Oxford, para dividir a África em duas fatias: a oriental, para os ingleses; a ocidental, para os americanos. Querem os ingleses sossego em Moçambique para garantir a vida económica das Rodésias. Também se realizariam conversas entre católicos e protestantes para definirem esferas de influência religiosa em África. Sinto dificuldade em acreditá-lo.
(...) Lisboa, 31 de Janeiro [de 1963] - Recebidas notícias mais do que inquietantes quanto à política americana em África como meio de aumentar a sua dependência do exterior; montagem de uma rede de informações sob a capa do Peace Corps; não rejeição (embora sem apoio directo) da eventualidade de os grupos terroristas solicitarem a intervenção de forças da ONU. De Gaulle opõe o seu veto à entrada da Inglaterra no Mercado Comum; a atitude é sobretudo antiamericana: trata-se de vincar uma oposição à interferência de Washington em África, e na própria Europa.
(...) Nova Iorque, 8 de Novembro [de 1965] - Já suscita interesse menor a reunião do Conselho de Segurança contra Portugal. Poucos jornalistas, escasso público nas galerias; delegados de outros países, esses, ainda são numerosos, acicatados pela curiosidade. E cá temos a Libéria, a Tunísia, a Serra Leoa e Madagáscar a brandir o gládio contra nós, a zurzir-nos com as acusações já puídas pelo tempo e pelo uso. É o ritual: Portugal não cumpre a Carta da ONU, temos câmaras de tortura e conduzimos uma operação planificada de genocídio, ameaçamos a paz e a segurança do mundo; e o homem da Serra Leoa diz mesmo que andamos pelo mundo a comprar jactos de combate e submarinos, assim como quem se fornece de brinquedos para os filhos pequenos. Não tenho dúvidas no meu espírito de que reduzi a estilhas as barbaridades dos africanos. E até é já fácil fazê-lo: os argumentos são tão ingénuos e as acusações tão descomunais de exagero e extravagância que a sua refutação não é tarefa de monta. Mas isso a nada leva: o problema não é de lei, de lógica, de razão, de justiça, de direito, de dialéctica: é político: e consiste em que umas forças e uns interesses se querem apoderar, no sentido literal do termo, do Ultramar português. Mais nada. O resto - é a paisagem do costume.
(...) Lisboa, 27 de Dezembro [de 1966] - No dia de Natal, houve um formidável ataque terrorista a Teixeira de Sousa, mesmo na fronteira. Avaliados em 500, os terroristas sofreram para cima de 200 mortos. Foi uma estrondosa vitória dos nossos - mas é a esta sangria que a política da ONU conduz os povos».
Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).
«Na preparação do 1.º de Maio de 1964, o PCP evocava manifestações e a enorme combatividade de 1962, expressa em violentos confrontos com a polícia. Apelava-se à organização de grupos que dirigissem as manifestações e respondessem à repressão policial com acções violentas.
Esta era a orientação da Comissão Executiva, o orgão dirigente do partido no interior do país. Por isso, em Lisboa planeia-se incendiar com cocktails Molotov os carros da PSP, lançar granadas para o interior de esquadras e até cortar os postes de alta tensão que alimentavam a cidade. À porta das fábricas realizar-se-iam comícios-relâmpago, apoiados em grupos de estudantes armados, que utilizariam carros roubados com matrículas falsas. Até se decidiria raptar o reitor da Universidade e um inspector da PIDE. Cinquenta grupos distribuiriam propaganda, fariam pinturas nas paredes e colagens de cartazes.
A organização partidária em Lisboa era numerosa, mas faltava-lhe experiência para este tipo de acções. Nenhuma pôde ser concretizada. A manifestação teve a participação de sete a onze mil pessoas, mas a desorganização foi grande. Do Largo do Rato arrancaram dezenas de estudantes, juntando-se-lhe grupos de operários que, apesar da polícia, conseguem descer pela Avenida da Liberdade e entrar nos Restauradores, agregando muitos populares e apedrejando o Palácio Foz, sede do SNI. Os confrontos ocorreram aí, com vários feridos e um morto, mas com a manifestação a reorganizar-se para subir de novo a Avenida, sendo interceptada e desbaratada por cargas da polícia de choque e jactos de água».
João Madeira («Martins Rodrigues e a Cisão do PCP», in Os Anos de Salazar, 20).
«...a oligarquia financeira, conjugada com "liberais" e tecnocratas, dera a mão à esquerda invasora. O próprio Marcello Caetano, que se abrira a tais sectores nominalmente liberais, também acabou por reconhecer ter sido a SEDES paulatinamente infiltrada por marxistas. Aliás uma infiltração fora tão patente na Universidade que um inspector da PIDE/DGS (Fernando Gouveia), especializado em subversão comunista, constatou "que os grupos radicais praticantes do combate armado ou influentes nas universidades consumiam mais energia à PIDE/DGS do que a estrutura clandestina comunista, que era a que 'dava menos trabalho'”.
A confirmar a incidência comunista aquando do antigo regime, está o facto de 128 oposicionistas das prisões de Caxias e Peniche serem, na sua maioria, "militantes do PCP e da CDE, organização de frente dos comunistas", para não falar de uns poucos "membros de associações cristãs e 10 militantes do MRPP". Quanto ao PS, segundo Freire Antunes, zero. Por conseguinte, é um facto que os comunistas estavam bem infiltrados na Universidade para, em Maio de 1962, provocar o caos e a turbulência académicas por via dos mais variados recursos, tais como: cartas, manifestos, jornais anti-situacionistas, boicotes a aulas e exames, subversão ideológica da “estudantada” por associações e movimentos sindicais universitários, assim como a ocupação de instalações como a que ocorrera numa cantina universitária em que foram presos um milhar de estudantes já exímios nas baladas de Zeca Afonso, ou ainda a mobilização de intelectuais comunistas como Baptista-Bastos, Fernando Namora, Cardoso Pires, Saramago, Sophia de Mello Breyner, Urbano Tavares Rodrigues, etc.
(...) Consequentemente, o intuito do regime era, com base numa intervenção policial sobre as manifestações estudantis, neutralizar os indubitáveis focos de infiltração e propaganda comunista no redil universitário. A questão era certamente delicada, até porque Oliveira Salazar sabia muito bem, a partir da sua experiência em Coimbra, quão perigosa podia ser a confrontação do poder político com a “estudantada”. Mais: o próprio tinha profunda noção da capacidade de intriga provinda da classe universitária em geral».
Miguel Bruno Duarte («Portugal e os Americanos»).
«A decisão de continuar no Ultramar era (...) a única que o País, em 1961, aceitava.
(...) É evidente que, se esta decisão era a que a maioria da opinião pública, na Metrópole e no Ultramar, esperava e exigia, também tinha os seus opositores, mesmo entre os partidários do regime então vigente. Os mais aguerridos eram naturalmente os membros das organizações das esquerdas - comunistas e socialistas - que actuavam na clandestinidade. Por eles foi desencadeada, a nível nacional e internacional, uma campanha activíssima contra o que chamavam "a guerra colonial", defendendo o direito dos povos das "colónias" à independência imediata.
O alvo principal desta propaganda era a juventude, nomeadamente a que frequentava as Universidades, na qual eram recrutados os futuros oficiais dos quadros de complemento das Forças Armadas.
Comunistas e socialistas foram muito auxiliados por certos membros do clero católico e por leigos partidários do "Progressismo", que, depois do Concílio Vaticano II, começara a minar os alicerces e a disciplina da Igreja.
Esta acção desenvolvia-se na Metrópole e no Ultramar, mas com mais insistência na Metrópole.
No Ultramar distinguia-se a propaganda antiportuguesa, principalmente em Moçambique, de algumas congregações religiosas, como a dos Padres Brancos e a dos Combonianos, que tiveram o apoio do Bispo da Beira, D. Sebastião de Resende, e do Bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto.
A propaganda entre a juventude durante muito tempo teve resultados quase nulos. Os jovens portugueses, quando chamados às fileiras, cumpriam briosamente o seu dever.
Os refractários ao serviço militar eram muito poucos. As deserções, em número insignificante. Uns e outras, na maioria dos casos, eram manifestações de cobardia individual.
A juventude, na sua esmagadora maioria, estava moralmente sã e não regateou a colaboração que lhe era pedida para o esforço de defesa.
A situação começou a modificar-se quando, na Universidade, primeiro, nos liceus e escolas técnicas, depois, começaram a formar-se grupos de feição maoísta que, além de lançarem a perturbação sistemática no funcionamento das instituições, faziam hábil e intensa propaganda contra a defesa do Ultramar.
(...) Muitas vezes estive em desacordo com o Doutor Marcello Caetano, principalmente no que respeitava à falta de firmeza verificada na repressão da agitação estudantil e na incompreensível transigência a respeito da política do Dr. Veiga Simão no Ministério da Educação Nacional, grande responsável pelo início do descalabro das instituições universitárias portuguesas e pela instalação da desordem endémica nas Escolas. Muitas vezes fui forçado a, em Conselho de Ministros, criticar severamente o modo como a política de Educação estava a ser conduzida. Nunca concordei com a preocupação excessiva de abertura política, pois sempre considerei que esta atitude não era consentânea com as necessidades da luta contra a subversão, que pretendia, como aconteceu, minar a retaguarda, já que, pelas armas, no Ultramar, não conseguia vencer. Nunca deixei de manifestar esta opinião».
Silva Cunha («O Ultramar, a Nação e o '25 de Abril'»).
Intervenção do Deputado H. Veiga de Macedo, na Assembleia Nacional, na sessão de 17 de Abril de 1970
Reivindica-se muito a participação dos estudantes na vida da Universidade? Pois a participação cabe perfeitamente na perspectiva de uma remodelação de raiz e de escopo corporativo. Se foi possível afastar ou atenuar grandemente os choques sociais no mundo do trabalho, por que não aplicar os mesmos princípios na resolução das questões universitárias? Desta forma, afastar-se-á, com naturalidade e vantagem, a tese sindicalista, inspirada na luta de classes, que deve pôr-se de parte como se fez nos sectores económicos e sociais.
Haverá, porventura, nos regimes comunistas qualquer espécie de participação dos estudantes no funcionamento das escolas superiores ou ser-lhes-á, ao menos, consentido escolher livremente o curso ou a actividade profissional? Não se sabe que, aí, o Estado é o denominador absoluto e implacável, tanto no domínio da economia como no do ensino e da educação?
Se preconizo a maior tolerância e simpatia com a juventude que, sem perder o aprumo e a noção das responsabilidades, defende com firmeza os seus direitos e aponta deficiências do ensino - seja-me lícito recordar o louvável exemplo dos milhares de bolseiros da Previdência, sempre presentes no meu espírito -, não poderia, por outro lado, deixar de verberar a actuação daquelas minorias que têm suscitado ou agravado o desassossego em vários meios académicos.
É a pensar nelas que reproduzo estas palavras impressionantes:
Uma tolerância inoportuna, ou uma vergonhosa tibieza, ou uma espantosa leviandade, ou uma perplexidade inexplicável em vários casos, ou preconceitos bem mal experimentados sobre a educação moderna - são posições pelas quais não só se colocam mal eles mesmos, adultos, à mercê de diversos perigos, como também recusam a uma juventude desorientada a educação a que tem direito. Que se esquive ou negue essa mesma juventude a recolher a tal educação - não justifica a desistência dos que deveram propor-se dar-lha [...].
Há, actualmente, no Mundo legiões de jovens que parecem divertir-se atacando, destruindo, negando a torto e a direito, rebelando-se nem sabem contra quem ou quê?! Esses jovens são ou podem ser os nossos filhos, os nossos netos, os nossos alunos ou educandos, os nossos irmãos e companheiros de menos idade [...].
Aos interesseiros e interessados aduladores dos jovens, que os próprios jovens mais inteligentes deveriam repelir, cabe, sim, grande parte da responsabilidade na desorientação de certa juventude actual. Se os mais novos precisam de ser compreendidos [...] não significa isso que devam adulá-los no intuito de conquistarem a seu favor [...] ou devam desistir do poder que ainda têm nas mãos [...].
Por isso mesmo compete aos mais velhos a dignidade, a inteligência e a caridade de a não lisonjearem, como se ela valesse por si e independentemente das maneiras como se afirma.
Estas palavras não são minhas. É seu autor José Régio, esse insuspeitíssimo espírito de eleição, cujo depoimento aqui deixo registado, porque tem a força e a ressonância das melhores mensagens.
Sr. Presidente:
Depois de na minha intervenção anterior ter aludido aos fins da Universidade, aflorei hoje o tema da autonomia e o da participação.
Desejaria ainda deter-me sobre mais alguns problemas. Não me sendo possível fazê-lo, limitar-me-ei a sumariar os que mais facilmente consentem este esforço de síntese.
1.º Começarei por salientar a necessidade de não se perder a visão de conjunto das questões referentes aos vários ramos e graus do ensino, conhecida, como é, a tendência entre nós verificada, por parte do escol intelectual, para se olhar apenas ou predominantemente à Universidade.
Para obviar, na medida do possível, a este inconveniente, se lutou, através do Plano de Educação Popular de 1952, contra inveteradas deformações do espírito, que não se mostram ainda completamente corrigidas ou eliminadas.
Os problemas do ensino são de tal maneira interdependentes que não é possível resolvê-los se os encararmos em separado e fora de um plano global, em que as relações íntimas sejam tomadas em conta.
A este propósito, é de perguntar, por exemplo, se o liceu, tal como está a funcionar, entrega à Universidade alunos preparados para se integrarem nela e a ajudarem a cumprir a sua missão, ou se, na instrução primária, todas as crianças em idade escolar recebem normalmente o ensino, pois julgo que, neste domínio, está a perder-se terreno que tanto custou a desbravar.
2.º Facilitar o acesso à instrução foi sempre para mim problema verdadeiramente apaixonante. Do propósito de ir ao seu encontro nasceram, quer a campanha contra o analfabetismo, quer a instauração nas obras sociais da Previdência de um regime de bolsas de estudo ao alcance dos trabalhadores, e seus filhos, merecedores desse auxílio, quer a política de promoção social em que também me foi dado cooperar ao longo de muitos anos.
Pode mesmo dizer-se que a política de expansão do ensino primário visou também o importantíssimo objectivo de alargar a base de recrutamento do escol dirigente português. E não será ousado dizer que desse movimento emerge, em grande parte, o crescente interesse das populações pela instrução, embora deva lamentar-se que, a tempo, não hajam sido tomadas as providências requeridas pelo previsível acréscimo de alunos nos diferentes ramos de ensino.
Sem dúvida, deve continuar a combater-se qualquer forma de privilégio e a advogar-se uma política de verdadeira democratização cultural, visando o aproveitamento dos melhores. Mas, ao mesmo tempo, têm de evitar-se desperdícios de dinheiro e energias com aqueles que, falhos de inteligência e de vontade, não estão em condições de frequentar cursos superiores altamente especializados. Por outras palavras: a Universidade deve estar aberta a todos os que o mereçam e, por isso, uma política de educação esclarecida, se tem de procurar a selecção gradual e criteriosa dos melhores, há-de ser acompanhada por uma política económica e social que propicie o acesso à cultura de todos quantos, independentemente da sua posição social ou material, se mostrem capazes de seguir, com êxito, as carreiras universitárias.
O ORADOR: - Neste dominio é ainda longo o caminho a percorrer, mas seria injusto negar o muito que já se fez.
E importa evitar que neste assunto, à ideia generosa de uma promoção social e cultural de base democrática e de sentido hierárquico (idênticas possibilidades a todos e diferenciação de posições de acordo com os méritos de cada um), se substituam preconceitos de baixa política e intenções de pura demagogia, ou até leviandade e impreparação na análise estatística dos resultados obtidos.
3.º Esta preocupação do aproveitamento dos melhores há-se incidir na própria constituição do corpo docente das escolas superiores. Quando chegará o momento de, nesta tarefa selectiva, se atender não apenas às elevadas qualificações escolares, mas às vocações e aos atributos pedagógicos dos candidatos? Acaso estas qualidades primordiais serão apenas de exigir aos professores dos outros graus de ensino?
O saber é necessário, mas, no plano específico da transmissão dos conhecimentos, tem de ser servido por vocação marcada e por sólida preparação pedagógica.
Ora, o que neste campo se tem passado e passa não abona a política de recrutamento do nosso professorado universitário.
É preciso remunerá-lo com justiça, alargar-lhe os quadros, levá-lo a devotar-se em profundidade ao magistério e a participar na vida da comunidade universitária, estimulá-lo com meios de acção e prestigiá-lo socialmente? Ninguém o contestará, desde que, em compensação, se lhe exija competência e zelo, assiduidade e fecundidade no trabalho, e ainda faculdades de adaptação e aquela propensão de espírito para comunicar e transmitir própria dos verdadeiros mestres.
Eis uma questão que continua à espera de quem saiba e queira enfrentá-la com decisão e largueza de espírito.
4.º Este e outros objectivos não os alcançará, por si ou só por si, a Universidade. Também sou dos que pensam que esta não se auto-reformará: é da história e da natureza das coisas. Mas, se estimulada pela Nação e pelas instâncias oficiais, a sua cooperação, aliás imprescindível, poderá assumir o maior interesse.
Todavia, só o Estado será capaz - nem outro é o seu dever - de lançar os caboucos e levar a termo uma política universitária renovadora. Tudo está em que, animado de um pensamento e de uma vontade, conquiste a adesão dos espíritos e vença as resistências da rotina, a menor das quais não será, por certo, a da própria cátedra quando convertida em mero e inamovível privilégio pessoal.
Direi mesmo que quanto maior for a autonomia da Universidade, mais forte tem de ser o poder público quer para impedir que as prerrogativas outorgadas se convertam em abusos e os interesses pessoais ou dos grupos prevaleçam sobre os do País, quer para defender a instituição dos perigos do imobilismo e da ancilose.
5.º A par das remodelações que importa levar a cabo, penso ser altura de se pensar na criação de mais algumas Universidades, de modo a descongestionar as existentes, a favorecer uma legítima emulação entre os diferentes estabelecimentos de ensino e a criar, sempre que possível, através delas, pólos de desenvolvimento económico e social em regiões carecidas e estímulos especiais, para se não agravar o desnível em que se encontram em relação a outras mais progressivas. E tudo aconselha a que essas Universidades se estruturem em novos moldes, de maneira a poderem adaptar-se com facilidade às exigências crescentes e versáteis da vida moderna e a constituírem instrumentos vivos da renovação geral que se impõe e paradigmas perfeitos para os diferentes establecimentos de ensino superior.
6.º Assinale-se ainda a clamorosa necessidade de dotar o Ministério da Educação Nacional com uma nova orgânica e os meios indispensáveis ao cabal desempenho da sua missão.
A Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes quase se reduz ao director-geral, sobre cujos ombros de funcionário proficientíssimo, devotadíssimo e esclarecido têm recaído os mais pesados encargos. Mas esse homem extraordinário, quase só, porque coadjuvado por um quadro reduzidíssimo de pessoal, não pode, por maior que seja o seu empenho, fazer o que, dia a dia, passa, em avalancha, pelo importante serviço público à sua directa responsabilidade.
O Governo, que tem sido mãos-largas para com serviços novos criados em diferentes sectores, alguns dos quais dispensáveis e outros a actuarem de modo desordenado, quando não contra os fins superiores do Estado, tem-se mostrado avaro por de mais quando se trata de remodelar ou apetrechar os orgãos clássicos dos Ministérios.
Já aqui chamei a atenção para o assunto em termos incisivos, e por isso dispenso-me de reproduzir essas considerações que, no entanto, mantêm plena actualidade.
7.º Por último, seja-me permitido realçar que não basta comprometer na politica de educação verbas vultosas. Nós estamos, felizmente, a atingir índices de gastos neste domínio expressivos.
Segundo as previsões do Orçamento Geral do Estado para o ano em curso, as despesas com os serviços culturais da administração civil e com os investimentos de fins culturais deverão ser superiores a 15 por cento do total das despesas públicas, o que, mesmo em confronto com os gastos, no capítulo das actividades educativas, registados noutros países, é já muito significativo.
No entanto, isso não chega, pois é mister extrair desse enorme esforço financeiro todo o possível rendimento, através de uma distribuição criteriosa, atenta às deficiências mais gritantes, como as que se registam nas bibliotecas. O que importa não é gastar muito, mas resolver os problemas com os menores dispêndios possíveis.
O apontamento aqui fica, tanto mais que começa a formar-se uma mentalidade quantitativista que parece considerar a escola como simples máquina para a produção de mão-de-obra ao serviço da industrialização do País. Mas a escola há-de ser, sobretudo, meio para dar corpo e vida, dentro de uma efectiva política cultural, à valorização do homem e, como tal e especificadamente, do homem português.
Sr. Presidente:
Procurei ser objectivo nas minhas considerações destinadas a evidenciar que não é com palavras fáceis e sonoras dos slogans, nem com programas ambiciosos desligados das realidades, nem tão-pouco com o estudo casuístico das questões ao sabor das preferências pessoais ou sob a pressão de exigências emocionais, alheias à essência do debate ou do interesse nacional, que os problemas pendentes encontrarão a solução apropriada.
Quero dizer: é preciso definir um pensamento. Mas uma vez definido, após audiência das instituições interessadas, tem de intervir uma vontade que o realize. Essa vontade há-de ser a do Governo, na fidelidade às aspirações e ao querer da Nação.
Pela minha parte, no debate em curso, só me cabia formular alvitres. Foi o que fiz, embora correndo o risco de haver ocupado por demais o tempo da Assembleia.
É possível. Mas como me justificaria perante mim próprio se me esquivasse a dizer o que penso num assunto tão importante e oportuno como este?
Mais: como me absolveria se, nesta Câmara essencialmente política, não pusesse o acento tónico nos aspectos que, nesta época singular da vida colectiva, conferem aos problemas universitários, tal como se apresentam, o maior significado político e o mais largo alcance nacional?
Vozes: Muito bem! (in ob. cit., pp. 50-66).
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