«(…) - E que relato era esse, Crítias? - perguntou Aminandro.
- Tratava ele - respondeu - do maior, do mais célebre e do mais digno de todos os empreendimentos em que esta cidade jamais se envolveu; porém, o tempo e o desaparecimento daqueles que o produziram impediram que esse relato chegasse até nós.
- Conta-nos desde o princípio - disse Aminandro - o que contava Sólon, e a quem ouviu esse relato como verdadeiro.
- Há no Egipto - disse ele -, no Delta, junto à extremidade onde a corrente do Nilo se divide em dois, uma província chamada Saítica, e a principal cidade desta província - de onde era natural o rei Amásis - tem o nome de Sais. De acordo com os seus habitantes, a fundadora da cidade foi uma deusa, cujo nome em Egípcio é Nêith, sendo Atena o seu nome grego, de acordo com os mesmos habitantes. Estes são muito amigos dos Atenienses e afirmam ser, de certa maneira, seus parentes. Ora, Sólon relatava que, tendo sido conduzido a essa cidade, foi muito apreciado por eles; e que, questionando os sacerdotes mais versados acerca das coisas antigas, descobriu que nem ele próprio, nem nenhum outro Grego, sabia quase nada, por assim dizer, acerca destas coisas. Certa vez, querendo levá-los a falar das coisas antigas, empreendeu falar-lhes das coisas mais antigas desta cidade, de Foroneu, de quem dizem ser o primeiro homem, e de Níobe, e narrou-lhes o mito de Deucalião e de Pirra, da forma como passaram pelo dilúvio e da geneologia dos seus descendentes; e, evocando o número de anos a que remontavam os acontecimentos referidos, esforçou-se por calcular os respectivos tempos. E um dos sacerdotes, que era muito velho, disse-lhe:
- Sólon, Sólon, vós, os Gregos, sois sempre crianças; um Grego não pode ser velho.
Ao ouvir isto, ele perguntou:
- O que queres dizer com isso?
- Sois todos jovens na alma - disse ele. - De facto, nenhum de vós tem nela opiniões antigas, recebidas por tradição, ou qualquer conhecimento encanecido pelo tempo. E a razão para isso é a seguinte. Os homens têm sido e continuarão a ser destruídos de muitas e variadas maneiras, as mais terríveis das quais se devem, quer ao fogo, quer à água, devendo-se as menos importantes a uma miríade de razões diversas. Com efeito, conta-se entre vós que Fáeton, o filho de Hélio, tendo atrelado o carro de seu pai, mas não sendo capaz de o conduzir pelo caminho de seu pai, pegou fogo a tudo o que havia sobre a terra, tendo ele próprio sido fulminado e destruído. Ora, isto é narrado sob a forma de mito, mas a verdade é a seguinte: verifica-se uma variação nos corpos que circulam no céu à volta da terra, produzindo, com longos intervalos de tempo, a destruição do que existe à superfície da terra por um excesso de fogo. E assim, todos quantos habitam nas montanhas e em lugares elevados e locais secos perecem em maior número do que aqueles que habitam junto aos rios e ao mar. Quanto a nós, o Nilo, que já nos salva noutras circunstâncias, também nos salva desta dificuldade, transbordando; mas quando os deuses inundam a terra, purificando-a por meio das águas, salvam-se aqueles que habitam nas montanhas, os vaqueiros e os pastores, mas aqueles que moram nas nossas cidades são arrastados pelos rios para o mar. Neste país, nem então nem em qualquer outro momento, corre a água do alto sobre os campos mas, pelo contrário, toda ela mana naturalmente de baixo. E diz-se que é daí que vem e é essa a razão pela qual são conservadas as mais antigas tradições. A verdade, porém, é que em todos os locais de onde os não afastem um frio excessivo ou um calor ardente, o género dos homens está sempre presente, seja em maior ou em menor número. E assim, tudo o que tiver acontecido, quer entre vós, quer aqui ou em qualquer outro local de que tenhamos ouvido, se for belo ou grandioso ou tiver qualquer outra coisa que o distinga, tudo isso terá sido escrito desde há muito e sido conservado aqui nos nossos templos. Com efeito, dizem os escritos que, a certa altura, a vossa cidade deteve uma potência insolente que, tendo partido ao ataque do oceano Atlântico, avançava simultaneamente por toda a Europa e pela Ásia. É que, nessa altura, esse oceano podia ser atravessado, porque havia uma ilha diante da passagem a que vós chamais os Pilares de Hércules [estreito de Gibraltar], que era maior do que a Líbia e a Ásia juntas, e a partir da qual os navegadores de então podiam avançar para as outras ilhas, e partindo dessas atravessar para o continente que tinham diante, o qual circunda este verdadeiro mar. Efectivamente, tudo quanto existe no interior desta passagem de que falámos [o mar Mediterrâneo] assemelha-se a um porto de abrigo com uma entrada apertada; mas para além está o oceano, e a terra que o rodeia, a que podemos verdadeiramente chamar, com a maior correcção, um continente. Ora, nesta ilha da Atlântida constituiu-se uma grande e maravilhosa potência de reis, cujo domínio se estendia a toda a ilha, e a muitas outras ilhas, bem como a partes do continente. Já no que diz respeito ao lado de cá da passagem, governavam a Líbia até ao Egipto e a Europa até a Tirrénia [Itália Ocidental]. E esta potência, tendo reunido todas as suas forças num só exército, avançou para o vosso território e o nosso, e para todos os que se encontravam no interior dessa passagem, tentando conquistá-los num único ataque concertado. Foi então, ó Sólon, que a potência da vossa cidade se tornou manifesta a todos os homens, pondo em evidência a vossa excelência e os vossos recursos militares; efectivamente, erguendo-se acima de todas as outras, graças à sua força de alma e às suas artes guerreiras, primeiro conduzindo todos os Gregos, e depois ela própria isolada por necessidade, abandonada pelos restantes, correndo perigos extremos, venceu os invasores e arrebatou o troféu, evitando que aqueles que nunca tinham sido conquistados o fossem então, e libertou benevolentemente todos quantos habitamos no interior dos limites de Héracles. Nos tempos que se seguiram, porém, houve terramotos e inundações excessivas. E aconteceu que, durante um único dia e uma noite terríveis, todo o vosso exército foi devorado de uma só vez pela terra e a própria ilha de Atlântida se afundou no mar e desapareceu. Foi por isso que, actualmente, esse oceano se tornou inexplorável e impossível de atravessar, devido aos espessos lodos de superfície que a ilha depositou ao afundar-se.»
Platão («Timeu»).
Estátua de Aristóteles
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«Aristotelismo puro nunca o tivemos entre nós, e ainda hoje os recursos da exegese filológica e da hermenêutica filosófica se mostram insuficientes para interpretar nos manuscritos de discípulos e copistas o pensamento autêntico do maior filósofo da Antiguidade. A filosofia de Aristóteles estava subordinada à teologia (ancilla theologiae), mas os escritos teológicos, ou, se quisermos, mitológicos, do Estagirita não chegaram às mãos dos estudiosos medievais. Seja como for, a religiosidade de Aristóteles não era todavia compatível com as tradições de origem bíblica, nem com a fé, tal como a entenderam os Europeus e Atlantes.»
Álvaro Ribeiro («Filosofia Escolástica e Dedução Cronológica»).
«(...) puramente incompatível com a filosofia portuguesa está certamente a negação do princípio das nacionalidades. Contudo, sustentá-lo no âmbito da filosofia portuguesa, não comporta e muito menos pressupõe qualquer espécie de compromisso com extravagantes princípios e teorias que chegam até mesmo a obscurecer, pela sua estranha complexidade, a razão de ser de tão natural quão iniludível princípio. Tais princípios e teorias encontram-se, por exemplo, na forma violenta e racialmente extremada de um Mein Kampf, no qual se delineia, numa almejada aliança entre a Alemanha, a Inglaterra e o Império do Sol Nascente, a criação de uma Eurásia de confins orientais indefinidos. Na realidade, tudo aí se processa segundo uma mundividência que, mais ou menos exotérica, aparece, de resto, diversamente visionada por indivíduos iniciados no pangermanismo antissemita de raízes simultaneamente místico-astrológicas e teosóficas, como Adolf Hitler, Rudolf Hess, Karl Haushofer, Bernhard Stempfle, Hans Horbiger, Alfred Rosenberg, outros mais.
Radicalmente distinta, e fundamentalmente oposta a uma tal mundividência, encontra-se, de facto, a filosofia portuguesa. Renunciando à ambição dos povos germânicos e eslavos, que desde sempre procuraram "dominar o caminho continental que liga o extremo Ocidente com o Oriente extremo", a filosofia portuguesa preconiza, por contrapartida, "a superioridade do caminho marítimo que devemos às tradições conservadas pelos navegadores portugueses". Um caminho, ademais, que não se limita quer à "unificação moderna da geografia com a astronomia", quer à "interpretação técnica, científica e metafísica da aventura".
Sabido, por tradição, que o símbolo estimula a ideia, o simbolismo próprio da filosofia portuguesa emerge, sem dúvida, sob a fluida significação do elemento aquático e seus agentes naturais indutores (quente, frio, húmido e seco). Ora, um tal simbolismo, significando a transição do morrer para o nascer, ou a transição que naturalmente ocorre do Ocidente para o Oriente, apela sobretudo para uma renovada e superior interpretação da filosofia de Aristóteles. Deste modo, trata-se igualmente de um simbolismo de inspiração cosmológica que nem por isso se esgota, no todo ou em parte, num movimento de transcensão mental onde a terra se acaba e o mar começa.
Quer dizer: a Terra, com as Viagens e os Descobrimentos dos Portugueses, susceptível ficou de, não obstante os estudos de Copérnico e Newton, se dilatar e ampliar segundo a doutrina acroática dos quatro elementos particularmente presente na cosmologia de Aristóteles. Não é, pois, por acaso que a imagem da Terra, dilatada e ampliada, tanto física como pneumaticamente, encerre em si os mais fundos e altos segredos da primeira categoria do real: a Substância! Como tal, a Terra, mediante o geografismo atlântico dos Portugueses, passou a simbolizar a forma de uma nave cujo movimento vai ao encontro "da promessa cristã de reintegração do Homem e da Natureza no plano primitivo ou original".
Consequentemente, do símbolo que é a Terra, revelar-se-á a verdadeira noção de infinito, não já como potencialmente o apresenta o cálculo matemático, decaído em infinito da extensão e da duração, ou do que indefinidamente perdura no tempo e resiste no espaço, mas como o que, implicando um misterioso princípio, transcende toda a predicação de que o tempo, o espaço e a quantidade são existencialmente, materialmente ou finitamente susceptíveis. Do símbolo, portanto, para o conceito, do conceito para a noção, e finalmente da noção para a ideia. Numa palavra, o silogismo em acto.
No lance, só o pensamento de infinidade, silogisticamente garantido, nos transportará para além da imagem da Terra que a astronomia moderna seguramente estabeleceu com base na homogeneidade do espaço e do tempo. E só nele compenetrados poderemos, de facto, transcender o infinito físico-matemático na extensão imperfeita e indeterminada do qual as formas naturais e espiritualmente inteligíveis ter-se-iam de anular por meramente reduzidas à extensão espacial inqualificada e isotrópica. Em suma: sem o verdadeiro infinito, absoluta e universalmente considerado, restar-nos-ia apenas uma existência em fluxão, ou tão simplesmente um vazio espiritual confinado à estrita dimensão das percepções sensoriais.
Os Portugueses, porém, conscientes de que Deus é o verdadeiro centro do universo, visível e invisível, hão-de repensar, inspirados na obra de Dante, a ordenação cósmica das esferas celestes. Pelo que, à medida que se forem aproximando de Deus, os Portugueses revelarão aos outros povos o caminho marítimo para a Índia espiritual, em que o corpo físico subtil, veículo da alma intelectiva, ganhará nova e transmutada forma perante a aurora divina. E, já agora, de um caminho por onde decerto não serão anulados, na concepção fantasmática do Nada, o relativo, o finito e o particular.»
Miguel Bruno Duarte («Noemas de Filosofia Portuguesa». Versão especialmente revista).
«Muitas vezes tem sido discutido se os filósofos gregos atingiram a verdadeira noção de infinito, ou se apenas conceberam o indefinido, quer dizer, o negativo oposto ao positivo. Da resolução deste problema depende a caracterização da filosofia mediterrânea perante a filosofia oriental. O exame dos documentos leva a crer que só Aristóteles, em alguns escritos, nos deixou indícios de haver concebido não só logicamente, mas também ontologicamente, o verdadeiro infinito.»
Álvaro Ribeiro («A Arte de Filosofar»).
«Nesta ordem de ideias, não podemos certamente dispensar a definição aristotélica de lugar como "o primeiro limite imóvel do continente". Por conseguinte, dizer que tudo o que se move está num lugar por contraposição ao imóvel que não tem lugar (Deus e as Inteligências motrizes), equivale, pois, a dizer que o lugar é o limite do corpo continente enquanto este permanece contíguo ao conteúdo, e, nessa medida, enquanto situado a uma distância determinada e imóvel em relação ao primeiro móbil ou primeiro céu. Ora, é precisamente este primeiro móbil que, por referência ao envolvente supremo, confere a todos os lugares do universo a sua estabilidade. E não esqueçamos, de resto, que o movimento do primeiro céu, sendo um movimento circular perfeito (uniforme), é também aquilo que fundamenta o carácter absoluto do tempo.»
Miguel Bruno Duarte («Noemas de Filosofia Portuguesa»).
«O mar sempre nos definiu e tornou profundamente problemático o sentido da nossa existência. (…) Bruno falou do mistério da metáfora, que comparou ao barco no qual navega o pensamento. E das naus do Quinto Império disse Fernando Pessoa que são construídas daquela matéria de que são feitos os sonhos.
Aqui perdeu o nosso segundo poeta oceânico o crédito dos economistas e também das mulheres, tão cheias de sentido prático. Naus feitas da matéria dos sonhos! Todavia, se nos pusermos a pensar isto, assistidos pelo génio da metáfora, o aparente lirismo da anunciação poética do Quinto Império perde o seu vago tom aéreo para se tornar numa ideia consistente e firme. Já reparou o leitor que "matéria" e "madeira" são a mesma palavra ou, como o autor destas linhas gosta de dizer, o duplo mental do mesmo conceito? E a madeira o que é? Uma coisa sólida, espessa, compacta, densa, mas não tanto que não possa ser trabalhada nos estaleiros para se tornar flutuante, curva e macia como uma onda. A madeira só é barco quando recebe na forma a natureza da água. Antes disso é, não nos esqueçamos, o cadáver de uma árvore, que os artistas envolvem de tintas para a tornarem incorruptível como as múmias. A árvore, que se originou do ígneo espermatozóide vegetal, ponto invisível nela incluso, é madeira que nasce e se transforma transportada pela energia do sol e da terra. Eis assim que essa coisa sólida com que fazemos móveis e andaimes se espiritualiza e transfigura, sem que tenhamos saído, divagando ou fantasiando, da definição que a encerra e contém.
Consideremos agora a matéria dos sonhos, sempre assistidos pelo génio realista da metáfora. Um dos problemas que mais preocupou a filosofia europeia do século XVII e cuja solução dada por Descartes foi decisiva para a evolução do pensamento moderno foi o da distinção das configurações mentais no estado de sonho e no estado de vigília. Descartes concluiu pela irrealidade do mundo sensível, precisamente por lhe parecer que nada o distingue do mundo que se nos representa em sonhos. Isto é: a vivência que o eu tem das imagens passa por um sistema análogo de sensações, mas, se assim é, nada nos autoriza, do ponto de vista da razão, a negar a realidade do mundo da vigília sem antes ter demonstrado que o mundo dos sonhos é irreal. Teria sido possível fazer o inverso de Descartes: da identidade categorial de vigília e sonho ter-se concluído a realidade dos dois planos da vida psíquica. E, com efeito, outros filósofos menos empenhados em purificar a razão das imagens, em vez de dizerem que o mundo psíquico diurno é irreal, porque em nada se distingue do mundo psíquico nocturno, da mesma indistinção retiram uma atenção mais séria e um maior cuidado com as imagens do sonho.
(…) Se as imagens do sonho são tão verdadeiras como as imagens da vigília, tomemos perante elas a atitude do cientista e, antes de perguntarmos pela sua origem, razão ou causa, investiguemos em que consiste a matéria de que são feitas. As pessoas dotadas de grande imaginação, entendendo por imaginação o poder plástico de formar imagens e não o simples devaneio, projectam no espaço mental da vigília - o chamado mundo exterior - a imagem que concebem interiormente, com tal energia que aparece com a mesma nitidez das coisas visíveis, com volume e até com peso. É o que vulgarmente se designa por alucinação. Se excluirmos o peso e, consequentemente, o que na imagem projectada possa ser tocável pelos dedos, o fenómeno é comparável ao da reflexão dos corpos nos espelhos, que obsidiou Platão. Há um meio diáfano - a água ou o vidro - suficientemente denso para que a imagem se forme, transportada do corpo para o espelho pela luz. Aparece assim a luz como a matéria de que as imagens visuais são feitas. É por isso que a teoria camoniana do "desejo" como de uma flama viva, do desejo que Freud considerou a fonte produtora dos sonhos, é a única capaz de explicar como um corpo hermeticamente fechado à luz exterior pode continuar a ver no plano subtil do sono.»
António Telmo («História Oculta de Portugal»).
«Noutros escritos nos fala Descartes do carácter fabuloso do mundo sensível, da irrealidade portanto dos "corpos que nos rodeiam", e existe até um famoso retrato do pensador que tem escrita esta legenda: mundus est fabula. Lembrando, então, a sua preconizada filosofia prática, certa perplexidade nos pode surpreender pois logo diremos que a prática e a fábula mutuamente se excluem, e o cartesianismo simultaneamente nos aparecerá ou, nos termos da filosofia que lhe é anterior, como um realismo e um nominalismo, ou, nos termos da filosofia que lhe é posterior, como um realismo e um idealismo. Esta ambiguidade vai assinalar toda a consequente evolução da filosofia nórdica: as suas expressões mais espiritualistas estão marcadas de materialismo, as suas declarações mais materialistas não conseguem esconder o mais enraizado espiritualismo, as suas sistematizações críticas concluem num dogmatismo extremo, o seu geral racionalismo funda-se na dúvida radical e patenteia uma permanente carência de persuasão própria.
Depressa veremos, todavia, como o inicial antagonismo entre prática e fábula se resolve em mútua complementaridade. Com efeito, definida como um conhecimento utilizável para dominar a natureza, a filosofia prática é a ciência moderna que Descartes se não limitou a preconizar mas de que foi também o decisivo iniciador. A ele se deve, com o princípio da inércia (ou, mais rigorosamente, com a formulação do princípio da inércia) a constituição da mecânica que é o que torna utilizável o conhecimento científico e o que distingue a ciência moderna de outros modos do conhecimento físico como seja, por exemplo, o dos gregos. "A filosofia da natureza de Descartes é puramente mecânica", diz-nos Hegel. Os corpos deixam de ter, como na física antiga, singularidade; o que era o lugar qualificado, ou determinado pelo corpo que o ocupa, passa a ser o espaço homogéneo a que Epicuro chamava o vazio; o movimento elementar deixa de ser o circular para ser o rectilíneo; a natureza perde o sentido original que abrange todas as formas que nascem, se reproduzem e morrem, para constituir a colecção dos corpos que nos rodeiam, corpos inertes ou sem vida que entre si se atraem ou repelem movidos por uma força que não reside na forma nem na matéria que os compõem, mas resulta da massa imaterial e informe que, com a sua presença bruta, marca limites no espaço infinito, inqualificado e homogéneo e representa uma energia cuja quantidade é invariável.
À abissal diferença entre a ciência moderna e a ciência antiga, corresponde igual diferença nos conceitos e imagens que uma e outra formam da natureza. Onde tal diferença não interfere, onde, por exemplo, o conhecimento científico exprime um estado de inocência (isto é, sem conceito) da natureza, a ciência moderna e a antiga podem coincidir, como acontece nos fundamentos da geometria e em grande parte daqueles "princípios" que os modernos pretendem constituir resultados da sua investigação científica: o "princípio" da química, por exemplo, que se encontra expresso em Plotino quase nos mesmos termos em que Lavoisier o formulou. E se ninguém vai ter a "santa simplicidade" de pensar que a ciência moderna resultou de uma capacidade mental superior à dos antigos, forçoso será concluir que o repúdio, na antiguidade, do conhecimento prático e utilizável que veio a caracterizar a ciência moderna, se deve a uma concepção abissalmente diferente da natureza.
"A filosofia da natureza de Descartes é puramente mecânica." A concepção da natureza dos modernos é a de uma natureza possível, dominável, utilizável. E é aqui que se resolve e concilia o antagonismo que nos pareceu manifestar-se quando Descartes afirma a natureza como fabulosa e ao mesmo tempo preconiza uma filosofia de carácter prático.
É que as formas naturais, os corpos que nos rodeiam, são tanto mais disponíveis e utilizáveis quanto mais destituídos estiverem de realidade ou ser. E a possessão da natureza só ficará plenamente justificada, só se tornará inteiramente possível e só atingirá a finalidade que, por intermédio da ciência, se propôs e nos nossos dias parece já ter alcançado, quando a natureza se afigurar ao homem como mundo da ilusão e da fábula, mundo portanto sem realidade, sem essência nem necessária existência, mundo de formas e corpos que, em si inertes e sem vida, são movidos por forças que em si próprios não contêm mas lhes são alheias e extrínsecas e não neles, mas só no pensamento abstracto ou do que chegará a chamar-se "razão pura", revelam seu segredo. Em si mesmos, e na natureza a que pertencem e que compõem, os corpos apenas serão aparições efémeras e fugazes, produtos de uma energia constante que, abandonada aos processos naturais, os produzirá espontânea e desregradamente assim efémeros e fugazes mas que, conhecida e ordenada pela ciência, se tornará tão útil como "os misteres dos nossos artesãos".
A filosofia prática dará, pois, a natureza como fabulosa, e de todos os modos afirmará, no ideísmo inglês e no idealismo alemão, a irrealidade do mundo sensível. Para medir a abissal diferença entre esta concepção e a do mundo antigo, basta comparar a efemeridade que os modernos atribuem à natureza com a eternidade que os antigos lhe reconheceram.
A efemeridade supõe o inerte, o morto, o fabuloso e o irreal; a eternidade representa a vida, com o que ela tem de secreto, de sagrado e intocável, a necessidade, com o que ela tem de inexorável, o real, com o que nele está suspenso do ser. Na concepção moderna, as formas e corpos naturais estão inteiramente disponíveis, pois nem eles poderão, em sua existência que é apenas fugaz, oferecer qualquer essencial resistência, nem a sua utilização irá ferir o que quer que seja de essencial. Na concepção antiga, nada há na natureza que não seja aparência de ser ou símbolo da verdade e todas as formas e corpos são, portanto, invioláveis. Desta concepção quase não restam sinais no conhecimento e na ciência, e o homem moderno dela guarda reminiscência só no amor, quando a violação dos corpos se lhe impõe ou como um crime contra o espírito ou como um laço que no espírito une e religa.
A irrealidade do mundo sensível destina-se, pois, a dar viabilidade à filosofia prática cartesiana. E a questão passa agora a ser a seguinte:
Se a filosofia prática é a ciência de um mundo dado por irreal, como garantir a realidade do conhecimento científico? Se o mundo sensível é irreal, e fabulosa a natureza e fugazes aparições as formas e os corpos, onde e como garantir a realidade do conhecimento do que é irreal? Como tornar redutível a contradição? Como resolver a antinomia? Como escapar ao absurdo?»
Orlando Vitorino («Refutação da Filosofia Triunfante»).
Fr. 26, Clemente Strom. IV, 141, 2.
«Segundo Heraclito, tornamo-nos inteligentes por inalação desta razão divina [logos] através da respiração, e esquecidos, quando a dormir, mas recuperamos os sentidos, ao acordar de novo. É que durante o sono, quando os canais da percepção estão fechados, o nosso espírito separa-se do seu parentesco com o circundante, e a respiração é o único ponto de ligação que se conserva, como uma espécie de raiz; ao ser separado, o nosso espírito abandona a sua anterior capacidade de memória. Mas, no estado de vigília, assoma de novo através dos canais da percepção, como através de uma janela, e, ao deparar-se com o circundante, reveste-se do seu poder de raciocínio…».
Sexto adv. math. VII, 129 (DK 22 A 16).
«Quando a minha investigação objectiva sobre o assunto dos seres inorgânicos deixou de ter qualquer importância para mim, o próprio Don Juan tocou no assunto da minha viagem em sonhos a esse mundo e disse:
- Penso que não tens a noção da regularidade dos teus encontros com os seres inorgânicos.
Ele tinha razão. Eu nunca me dera ao trabalho de pensar nisso. Comentei sobre como era estranho o meu descuido.
- Não é um descuido - disse ele. - É a natureza daquele domínio quem promove o segredo. Os seres inorgânicos envolvem-se em mistério, em escuridão. Pensa no seu mundo: estacionário, fixo, para nos atrair como borboletas a uma luz ou a uma chama. Há uma coisa que o emissário não se atreveu a dizer-te até agora: que os seres inorgânicos querem a nossa percepção, ou a percepção de qualquer ser que caia nas suas malhas. Eles dão-nos conhecimento, mas exigem um pagamento: o nosso ser total.
Quer dizer, Don Juan, que os seres inorgânicos são como os pescadores?
- Exactamente. Num dado momento, o emissário mostrar-te-á homens que foram apanhados lá dentro, ou outros seres que não são humanos mas que também foram apanhados lá dentro.
A minha reacção devia ter sido de repulsa e medo. As revelações de Don Juan afectaram-me profundamente, mas na medida em que suscitaram uma curiosidade irreprimível. Eu estava quase ofegante.
- Os seres inorgânicos não podem forçar ninguém a ficar com eles - prosseguiu Don Juan. - Viver no mundo deles é uma questão voluntária. No entanto, eles são capazes de prender qualquer um de nós satisfazendo os nossos desejos, mimando-nos e fazendo-nos as vontades. Tem cautela com a percepção imóvel. Uma percepção desse tipo procura o movimento e fá-lo, como te disse, criando projecções, por vezes projecções fantasmagóricas.
Pedi a Don Juan que explicasse o que significava "projecções fantasmagóricas". Ele disse que os seres inorgânicos se agarram aos sentimentos recônditos dos sonhadores e brincam implacavelmente com eles. Criam fantasmas para agradar aos sonhadores ou para os assustar. Lembrou-me que eu tinha lutado com um desses fantasmas. Ele explicou que os seres inorgânicos são projeccionistas fantásticos, que se deliciam a projectarem-se a si próprios como quadros nas paredes.
- Os antigos feiticeiros foram destruídos pela sua confiança nessas projecções - continuou ele. - Os antigos feiticeiros acreditavam que os seus aliados tinham poder. Ignoravam o facto de os seus aliados serem energia ténue projectada através de mundos, como um filme cósmico.
- Está a contradizer-se a si próprio, Don Juan. O senhor mesmo disse que os seres inorgânicos são reais. Agora diz-me que são meras gravuras.
- Eu queria dizer que os seres inorgânicos, no nosso mundo, são como filmes projectados numa tela; e posso ainda acrescentar que são como filmes de energia rarefeita projectada através das fronteiras de dois mundos.
- E os seres inorgânicos no seu próprio mundo? Eles também são como filmes?
- Certamente que não. O seu mundo é tão real como o nosso mundo. Os antigos feiticeiros retratavam o mundo dos seres inorgânicos como uma bolha de cavernas e poros a flutuar num espaço escuro. E retratavam os seres inorgânicos como canas ocas atadas umas às outras, como as células dos nossos corpos. Os antigos feiticeiros chamavam a esse imenso feixe o labirinto de penumbra.
- Então, todos os sonhadores vêem o mundo nos mesmos termos, certo?
- Com certeza. Todos os sonhadores o vêem como ele é. Pensas que és único?
Confessei que algo naquele mundo me tinha dado sempre a sensação de que era único. O que criava esta agradável e nítida sensação de ser exclusivo não era a voz do emissário dos sonhos, nem nada que eu pudesse conscientemente imaginar.
- Foi isso exactamente o que destruiu os antigos feiticeiros - disse Don Juan. - Os seres inorgânicos fizeram a eles o que te estão a fazer agora; criaram para eles a sensação de serem únicos, exclusivos; e ainda uma sensação mais perniciosa: a sensação de terem poder. Como forças de corrupção, o poder e a exclusividade são imbatíveis. Tem cuidado!
- Como é que evitou esse perigo, Don Juan?
- Fui várias vezes a esse mundo, e depois nunca lá voltei.
Don Juan explicou que, na opinião dos feiticeiros, o Universo é predador, e os feiticeiros, mais do que qualquer outra pessoa, têm que ter isto em conta nas suas actividades quotidianas de feitiçaria. A ideia dele era que o consciente é intrinsecamente impelido a crescer, e a única maneira de crescer é através da luta, através de confrontos de vida ou morte.
- A percepção dos feiticeiros cresce quando eles sonham - prosseguiu ele. - E, no momento em que cresce, algo toma consciência do seu crescimento, reconhece-a e tenta apanhá-la. Os seres inorgânicos são candidatos a essa nova e aperfeiçoada percepção. Os sonhadores têm que estar sempre atentos. No momento em que saem para esse universo predador, eles tornam-se vítimas potenciais.
- O que sugere que eu faça para estar em segurança, Don Juan?
- Está atento em todos os momentos! Não deixes que nada ou ninguém decida por ti. Vai ao mundo dos seres inorgânicos apenas quando quiseres.»
Carlos Castaneda («Arte de Sonhar»).
A DOUTRINA SECRETA
A Origem da Raça Ariana na Atlântida
"Naqueles dias havia gigantes na terra, e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas tiveram filhos. Foram estes os famosos heróis dos tempos remotos."
Génesis, 6:4
Quando a Doutrina Secreta apareceu pela primeira vez entre os iniciados do antigo Tibete, há cerca de dez mil anos, não era ensinada de forma intelectual nem passada como ensinamento de geração em geração. Apenas quando os centros do corpo astral de um noviço se tornavam realidade e o seu organismo etérico se expandia completamente, só então a Doutrina Secreta lhe era revelada.
Em preparação final para esse momento de revelação, o potencial iniciado aprendia, passo a passo, a ler a escrita cósmica, precisamente o mesmo processo a que as lendas posteriores do Graal se referiam como "aprender o á-bê-cê mas sem a arte da magia negra".
Quando o Terceiro Olho estava aberto a uma visão completa do Registo Akáshico, o iniciado tornava-se testemunha viva de toda a evolução do mundo e da humanidade. Viajando através de panoramas fabulosos de tempo era-lhe revelado a própria origem espiritual da Terra e do homem, e podia então seguir o desenrolar do destino da humanidade através de condições de vida e de ciclos de desenvolvimento sempre em mutação (1).
Os aspectos da Doutrina Secreta que Haushofer passou a Adolf Hitler estavam essencialmente relacionados com as origens das diferentes raças da humanidade, nesse período da Pré-História conhecido pela ciência do oculto como Atlântida, uma civilização que viveu durante milénios num continente perdido que jaz agora no leito do oceano Atlântico.
Muitas das descrições válidas que Karl Haushofer repetiu a Adolf Hitler, sobre as condições de vida na antiga Atlântida, podem parecer fantásticas e surpreendentes a mentes que foram inflexivelmente condicionadas pelos conceitos estéreis e petrificados do materialismo moderno.
Alguns aspectos da natureza espantosa do ambiente, das extraordinárias condições de forma, faculdade e consciência, e dos poderes e capacidades mágicos que existiam na Atlântida, sobreviveram na mitologia fabulosa dos povos da Europa do Norte.
O homem atlante não era a criatura rude e primitiva da Pré-História, erroneamente imaginada pela ciência moderna e pelos antropólogos. Algumas das muitas e variadas civilizações da Atlântida aproximaram-se de uma perfeição social e tecnológica, onde a ciência, a educação e as artes eram alimentadas com grande cuidado e integridade. Os cientistas atlantes descobriram formas de extrair de sementes o poder da vida, e disponibilizaram estas forças a empreendimentos comerciais em grande escala que surgiram por todo o continente. Os meios de transporte não só incluíam enormes navios movidos a motor, mas também aeronaves com vários tipos de mecanismos de manobra sofisticados.
Uma das coisas mais difíceis para a mente moderna compreender sobre as condições do ambiente na Atlântida é que a própria natureza dos elementos e a forma como estes se combinavam era completamente diferente na altura. Podemos dizer de forma totalmente justificada que a água, nessa fase da evolução terrestre, era muito mais rarefeita do que a água de hoje, e o ar, da mesma forma, era muito mais denso.
Para a percepção sensorial contemporânea, a Atlântida surgira como se estivesse oculta por neblinas densas. No entanto, os atlantes não eram de forma alguma prejudicados por esta situação, porque não obtinham a sua experiência do mundo dos sentidos através de uma percepção sensorial directa. Viviam numa espécie de consciência visual nítida, em que imagens coloridas reflectiam com exactidão as realidades do mundo sensorial.
A distinção mais acentuada entre o homem contemporâneo e o atlante antigo tem a ver com as tremendas alterações, na evolução da consciência humana, que ocorreram desde essa altura.
O homem moderno é mais consciente quando está acordado no mundo dos sentidos, e vive uma total eliminação da autoconsciência durante o sono. Mas os atlantes viviam uma diminuição de consciência durante o dia, enquanto trabalhavam no mundo dos sentidos. À noite, viviam uma grande intensificação da consciência, na qual tinham uma visão consciente directa das hierarquias celestiais no Macrocosmo, com as quais tinham meios de comunicação mágicos.
A era Atlante passou por sete épocas, nas quais se desenvolveram em sucessão sete sub-raças, cada uma mantendo-se enquanto as outras se desenvolviam paralelamente. Segundo a Doutrina Secreta, essas sete sub-raças da Atlântida chamavam-se rmoahals, tlavatlli, toltecas, turanianos, arianos, acadianos e mongóis.
Adolf Hitler já aprendera algumas coisas sobre a Atlântida com a Thule Gesellschaft, mas ouvira apenas as ideias mais distorcidas, desenvolvidas a partir de uma análise intelectual do folclore nórdico e teutónico. Não restam quaisquer dúvidas de que estava fascinado com tudo o que aprendia agora com Haushofer relativamente às faculdades e poderes dos antigos atlantes, que eram totalmente mágicos.
A fonte dos poderes mágicos dos rmoahals, dos tlavatli e dos toltecas era um organismo etérico completamente expandido que se estendia muito para além dos limites do corpo físico. O seu discurso, por exemplo, estava intimamente ligado às forças da natureza. As suas palavras não só conseguiam acelerar o crescimento das plantas e domar os animais selvagens, como podiam também curar de forma imediata e miraculosa os doentes e desencadear forças de destruição terríveis em tempos de guerra.
O que Karl Haushofer tinha para dizer sobre os líderes dos atlantes teria um efeito marcante e significativo sobre a forma como Hitler viria a encarar o seu papel de líder do povo alemão. Porque os líderes das sub-raças da Atlântida não estavam equiparados aos seres humanos de evolução normal. Claro que pertenciam aos seus iguais em certa medida. Mas, como nessa era os corpos físicos eram mais macios e tinham maior plasticidade, sendo mais flexíveis e maleáveis, era possível aos sublimes seres espirituais assumirem a forma humana. Tinham as qualidades mentais e espirituais de uma forma sobre-humana e apareciam aos seus contemporâneos como Super-homens. Podíamos chamar-lhes seres híbridos, divinos-humanos, uma espécie de homens-Deus. Eram grandemente venerados por todos os mortais inferiores, que aceitavam com gratidão a sua liderança e obedeciam às suas ordens sem as questionar.
Estes Super-homens instruíam as pessoas sobre ciência, artes, leis e religião, e ensinavam-lhes as técnicas da criação de ferramentas e a prática dos ofícios.
Estavam estes Super-homens também familiarizados com as leis referentes à formação de novas raças. Nos seus Oráculos selecionavam alunos especiais que eram então isolados em centros de formação. Aí, os alunos eram ensinados a desenvolver as qualidades necessárias para criar uma nova raça. Estas mutações cuidadosamente planeadas, que controlavam o nascimento e sucessão das sub-raças durante a época atlante, contrastavam grandemente com a aparição de outro tipo de mutantes de natureza completamente diferente.
Imagem de satélite de Tera ou Santorini. Ver aqui |
O tamanho, forma e plasticidade do corpo neste período pré-histórico eram mais intensamente influenciados pelas qualidades concretas da alma do que pelas forças da hereditariedade. Onde as forças mágicas tinham sido mal empregues para servir a satisfação egoísta dos instintos, das paixões e dos desejos, surgiam figuras humanas monstruosas e grotescas em forma e tamanho. A existência destes automutantes chegou até nós nas descrições de gigantes em muitas mitologias nórdicas, especialmente na Edda, que foi entusiasticamente estudada por Dietrich Eckart e pela Thule Gesellschaft.
Toda a tendência de evolução da consciência, ao longo da primeira metade da época atlante, foi no sentido do refinamento dos poderes da memória. Uma vez que a capacidade de pensar em conceitos ainda não existia, a experiência pessoal só podia ser obtida através da memória. Quando uma imagem aparecia perante a alma de um dos primeiros atlantes, ele recordava-se de várias imagens semelhantes que já tinha vivido. Assim, a sabedoria era armazenada e o juízo pessoal dirigido de forma correspondente.
Foi a faculdade da memória que começou também a moldar a vida comunitária neste continente perdido. Os grupos de pessoas elegiam como líder um homem que ganhara um repositório rico de memórias. A identidade racial era basicamente uma faceta da memória comunitária.
Alcançou-se uma outra fase quando a memória começou a poder ser passada de geração em geração, sob a forma de uma espécie de "memória de sangue". Os homens recordavam os feitos dos seus antepassados com a mesma clareza com que recordavam as suas próprias vidas. Os governantes passavam a sua sabedoria para os filhos e netos. Desenvolveu-se o culto dos antepassados, em linhas algo semelhantes ao que aconteceu muitos milénios mais tarde na China. Dinastias de reis construíram vastos reinos e impérios, e o fio contínuo de governo aumentava o repositório de memória régia a partir do qual era possível efectuar juízos.
No entanto, foi precisamente este poder de memória que trouxe consigo um forte e desastroso culto de personalidade, no qual a ambição pessoal era levada ao extremo. Quanto maior era o poder pessoal de um governante mais este desejava explorá-lo. E como os atlantes tinham um domínio mágico sobre as forças vitais da natureza, o seu abuso levou a consequências desastrosas. As forças do crescimento e da reprodução, quando retiradas do contexto da suas funções naturais e empregues de forma independente, criavam uma relação mágica com os poderes elementares em funcionamento no ar e na água. Muitos dos mais poderosos reis turanianos tinham sido iniciados pelos Oráculos no funcionamento dos espíritos elementares. Agora, traíam estes conhecimentos. Foi o abuso egoísta dos ensinamentos dos Oráculos, do qual tiveram origem cultos sagrados de fertilidade, que desencadeou as perturbações mais terríveis. Rituais de magia humana, envolvendo a perversão dos poderes de reprodução humana, libertaram forças poderosas e sinistras e levaram eventualmente à destruição de todo o continente, em tempestades catastróficas de vento e água.
Neste ponto crítico da história da Atlântida foi fundada uma nova raça, destinada a proteger da extinção a essência espiritual do homem e garantir o legítimo processo da humanidade durante os milhares de anos que se seguiriam e até à primeira metade da nossa própria era pós-Atlante.
Os poderes destrutivos inerentes às faculdades mágicas dos povos degenerados da Atlântida só podiam ser detidos pela emergência de uma faculdade superior - a faculdade do pensamento.
O poder do pensamento transcende até mesmo a recordação mágica do passado. Através do pensamento, o homem pode comparar as suas experiências e improvisar. Em resultado do pensamento surge a faculdade de julgamento moral, que pode controlar e regular os insaciáveis poderes do instinto, do impulso e do desejo. Apenas a emergência destes poderes de pensamento e de uma capacidade de ouvir a voz interior da consciência poderiam pôr fim ao desejo atlante de satisfação egoísta de apetites perversos, que estava a destruir aos poucos o continente.
Nestas circunstâncias de extrema urgência, foi fundada a raça superior da Atlântida. Mas esta nova raça, a raça ariana, não foi formada através do mero refinamento das sub-raças anteriores. Alcançou-se uma espécie de salto no processo da evolução humana, de modo a moldar a raça raiz que continuaria a viver nas novas condições ambientais que se seguiriam à destruição total do continente atlante.
O antigo tipo de consciência visual, que reflectia as imagens coloridas das realidades invisíveis do mundo físico, era agora substituída pela capacidade de ver o mundo dos sentidos através de uma percepção sensorial directa.
O organismo etérico no novo tipo de homem ariano foi estimulado, para desencadear a metamorfose para a inteligência pessoal e uma visão directa do mundo dos sentidos. Mas estas faculdades de pensamento e percepção sensorial foram conquistadas à custa da perda total de todos os poderes mágicos sobre a natureza e sobre as forças de vida no organismo humano. Até a forma básica do homem foi radicalmente alterada. Os anteriores corpos plásticos, flexíveis, maleáveis, macios e cartilaginosos dos tlavatli, toltecas e turanianos foram substituídos por aquilo que conhecemos hoje como a forma do homem moderno, na base do qual está o esqueleto ósseo.
A criação da nova raça teve lugar nas difíceis condições das regiões montanhosas no extremo norte do continente. Apenas gradualmente, com a passagem de muitas gerações, foi criado um corpo suficientemente firme para suportar os efeitos dos poderes adversos da alma, que tinham desfigurado as anteriores raças da Atlântida. A contracção gradual correspondente do organismo etérico desnudou a nova descendência de todos os poderes mágicos sobre a natureza. Mas essa porção do corpo-vida que estava agora unida ao corpo físico começou a transformar o cérebro físico num instrumento essencial de pensamento. À medida que este processo continuava, as novas gerações começaram a sentir o eu ou ego no corpo físico e foi assim despertada a primeira experiência humana de autoconsciência.
Os seleccionados para serem líderes guerreiros foram isolados em centros de formação nas montanhas, onde receberam uma instrução mais rigorosa sob uma disciplina inflexível. Aqui foi-lhes ensinado que tudo o que os confrontava de forma visível, na Terra era enviado por poderes invisíveis do Macrocosmo e que eles se deviam dedicar e entregar sem reservas ao serviço destes poderes. A sua educação às mãos dos híbridos homens-Deus, ou Super-homens, levou-os ao ponto de compreender em pensamento os princípios sobre os quais a Raça Ariana devia ser desenvolvida. Acima de tudo, aprenderam a respeitar e a proteger a pureza do seu sangue. Os seus poderes de vontade moral foram reforçados e testados, de modo a conseguirem pôr de lado todos os anseios e desejos de uma natureza egoísta. Desta forma, as melhores qualidades dos melhores espécimes da raça foram desenvolvidas, e assim o refinamento dos povos arianos avançou.
Os grandes governantes das raças degeneradas no sul do continente perceberam os perigos de permitir que a nova raça de arianos se desenvolvesse, e travaram uma guerra contra eles. Da neblina em torno do sopé das montanhas os guerreiros arianos viram surgir hordas aterrorizantes de povos invasores, muitos dos quais enormes e grotescos, manifestando os mais temíveis poderes mágicos capazes de feitos de força sobre-humana. Contra eles, os arianos lançaram a sua recém-adquirida inteligência, e a capacidade de improvisar provou ser superior a toda a magia que lhes era arremessada. Um eco da ferocidade dessas batalhas pré-históricas, travadas entre os primeiros seres humanos autoconscientes e essas criaturas mágicas e monstruosas, chegou até nós através dos mitos, especialmente daqueles que falam da vitória sobre os gigantes graças à astúcia.
A diferença mais radical entre os arianos e as primeiras sub-raças do continente estava na natureza da própria consciência. Os seres da nova raça estavam totalmente desprovidos de qualquer tipo de percepção directa do espírito. À noite entravam no vazio do sono e durante o dia eram cegos ao trabalho do espírito na natureza. O anterior poder mágico da memória diminuía, e cada nova geração tornava-se mais isolada de todo o conhecimento das origens espirituais do homem. Em muitos aspectos, os arianos ostentavam uma certa semelhança com o homem moderno, embora não estivessem, como nós estamos, encurralados numa consciência tridimensional, pois sentiam os seus pensamentos como algo concedido pelos poderes divinos. A capacidade pessoal de dirigir e combinar pensamentos parecia fluir para dentro deles a partir de identidades superiores, de forma a conduzi-los e a influenciar a sua vontade.
Para remediar a cegueira espiritual do povo ariano, que derivava de um total assentimento ao mundo dos sentidos, a elite da raça foi preparada para a Iniciação no Oráculo do Sol. Depois de outro treino ainda mais rigoroso, em autodisciplina e obediência, os centros dos corpos astrais dos escolhidos foram amadurecidos e abertos à visão das hierarquias espirituais. Sob o símbolo da Roda do Sol ou Suástica de Quatro Braços, os novos iniciados assumiram a liderança da raça e tornaram-se os mediadores entre as massas do povo e os poderes superiores invisíveis. Ensinaram uma nova religião, que procurava relacionar todos os aspectos da vida com a ordem divina universal no mundo.
Os povos arianos foram conduzidos para fora da Atlântida pelo grande Manu, o último dos Filhos de Deus ou Super-Homens. A migração levou-os através da Europa e da Ásia até à área do Deserto de Gobi, e daí até às alturas dos Himalaias, no Tibete. Aí, no cimo do mundo, foi fundado um Oráculo do Sol destinado a organizar e dirigir as Sete Civilizações da Era Pós-Atlante. Os iniciados treinados neste Oráculo reencarnavam como líderes de muitos e variados povos, que também sobreviveram ao Dilúvio, e se instalaram em todas as partes da Europa, da Ásia e da América. A grande maioria dos povos arianos de melhor casta instalou-se na Índia.
A Lança Sagrada no Palácio Imperial de Hofburg (Viena, Áustria).
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(1) Na "leitura" da Crónica Cósmica, o iniciado tibetano via que o homem, na verdade, não evoluíra de formas inferiores de existência animal, derivadas elas próprias de formas elementares de processos físicos orgânicos. Ele reconhecia dentro do desenvolvimento total da humanidade uma espécie de processo evolucionário duplo. Por um lado, contemplava a evolução de um mundo físico-material em direcção a uma condição em que o homem poderia viver como entidade física; e, por outro lado, testemunhava como o organismo psico-espiritual do homem fora criado por hierarquias espirituais em preparação para a descida do Macrocosmo, para a existência terrestre no Microcosmo. Um tibetano antigo, se estivesse vivo hoje para descrever este conceito de evolução, seria obrigado a falar ao mesmo tempo na terminologia física do darwinismo e na mitologia bíblica do Génesis. Apenas pela união destas concepções, aparentemente opostas, poderia transmitir uma vaga noção das realidades reveladas na "Doutrina Secreta".
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