quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Regresso ao Admirável Mundo Novo (i)

Escrito por Aldous Huxley








«O único progresso em psicologia foi o começo da exploração das profundezas, das zonas subconscientes. Nós cremos que existem também cumes a explorar, uma zona superconsciente. Ou antes, as nossas pesquisas e reflexões convidam-nos a admitir como hipótese a existência de um equipamento superior do cérebro, em grande parte inexplorado. No estado de vigília normal da consciência fica em actividade um décimo do cérebro. Que se passa nos nove décimos aparentemente silenciosos? E não existe um estado onde a totalidade do cérebro se acharia em actividade organizada? (...) Ora ainda não existe nenhuma psicologia orientada em relação a esse fenómeno. Sem dúvida será necessário aguardar que a neurofisiologia progrida para que nasça uma psicologia, e sem querer prever os resultados, queremos simplesmente chamar a atenção para esse domínio. Pode ser que a sua exploração se revele tão importante como a exploração do átomo e a do espaço.

Até aqui, todo o interesse se fixou naquilo que está por debaixo da consciência; quanto à própria consciência, não deixou de aparecer, no estudo moderno, como um fenómeno proveniente das zonas inferiores: o sexo para Freud, os reflexos condicionados para Pavlov, etc. De forma que toda a literatura psicológica, todo o romance moderno, por exemplo, corresponde à definição de Chesterton: "Essas pessoas que, ao falarem do mar, só falam do enjoo". Mas Chesterton era católico: ele cria na existência de Deus. Tornava-se necessário que a psicologia se libertasse, como qualquer outra ciência, da teologia. Nós apenas pensamos que a libertação ainda não é completa; que existe também uma libertação em altura: pelo estudo metódico dos fenómenos que se situam acima da consciência, da inteligência que vibra a uma frequência superior.

O espectro da luz apresenta-se assim: à esquerda, a larga faixa de ondas hertzianas e do infravermelho. Ao centro, a estreita faixa da luz visível; à direita, a faixa infinita: ultravioleta, raios x, raios gama e o desconhecido.

E se o espectro da inteligência, da luz humana, lhe fosse comparável? À esquerda, o infra ou subconsciente, ao centro, a estreita faixa da consciência, à direita, a faixa infinita da ultraconsciência. Até aqui os estudos só atingiram a consciência e a subconsciência. O vasto domínio da ultraconsciência não parece ter sido explorado, a não ser pelos místicos e pelos mágicos: explorações secretas, testemunhos pouco esclarecedores. A pequena quantidade de informações conseguidas faz com que se expliquem certos fenómenos inegáveis - como seja a intuição e o génio, correspondendo ao princípio da faixa direita - com os fenómenos da infraconsciência, correspondendo ao final da faixa da esquerda. Aquilo que sabemos do subconsciente serve-nos para explicar o pouco que sabemos do superconsciente. Ora, não se pode explicar a direita do espectro de luz com a esquerda, os raios gama com as ondas hertzianas: as propriedades não são as mesmas. Assim, pensamos que, se existe um estado para além do estado de consciência, as propriedades do espírito são aí totalmente diferentes. Outros métodos, diferentes dos da psicologia dos estados inferiores, devem ser encontrados».

Louis Pauwels e Jacques Bergier («O Despertar dos Mágicos. Introdução ao Realismo Fantástico»).


«Experiência não é o que acontece ao homem, é o que o homem faz com o que lhe acontece».

Aldous Huxley




Lavagem de cérebro


Retrato de Ivan Pavlov, de Mikhail Nesterov



(...) No decurso das suas experimentações, que fizeram época, sobre os reflexos condicionados, Ivan Pavlov observou que, quando sujeitados a uma tensão física ou psíquica prolongada, os animais de laboratório exibiam todos os sintomas de uma profunda depressão nervosa. Recusando-se a afrontar por mais tempo uma situação intolerável, os seus cérebros entravam em greve, por assim dizer, e, ou paravam completamente de funcionar (o cão perdia a consciência) ou então recorriam à marcha lenta e à sabotagem (o cão comportava-se de maneira incoerente, ou exibia o género de sintomas físicos que, num ser humano, chamaríamos histéricos. Alguns animais são mais resistentes à tensão do que outros. Os cães que possuíam o que Pavlov chamava uma constituição «fortemente excitável» soçobravam mais rapidamente do que os cães dotados de um temperamento «vivo» (em oposição ao temperamento colérico ou agitado). Similarmente, os cães «fracamente inibidos» esgotavam a sua resistência muito mais depressa do que os «calmos imperturbáveis». Mas até os cães mais estóicos eram incapazes de resistirem indefinidamente. Se a tensão a que era submetido, fosse suficientemente intensa ou suficientemente prolongada, o cão acabava por soçobrar de uma maneira tão abjecta como o animal mais fraco da sua espécie.

As descobertas de Pavlov foram confirmadas da maneira mais angustiante, e numa escala muito ampla, durante as duas Guerras Mundiais. Em resultado de uma só experiência catastrófica, ou de uma sucessão de terrores menos violentos mas frequentemente repetidos, os soldados apresentam um certo número de sintomas de desmantelamento psicofísico. Inconsistência temporária, agitação extrema, letargia, cegueira ou paralisia funcional, respostas totalmente desconexas ao estímulo dos acontecimentos, alterações estranhas de comportamentos habituais - todos os sintomas que Pavlov observara nos seus cães reapareceram entre as vítimas do que foi chamado na Primeira Guerra Mundial «o horror nervoso à guerra» e, na Segunda, «a fadiga de guerra». Cada homem, como cada cão tem o seu próprio limite individual de resistência. A maioria dos homens atingem esse limite depois de cerca de trinta dias de tensão, mais ou menos contínua sob as condições do combate moderno. Os mais sensíveis sucumbem em quinze dias. Os mais fortes duram quarenta e cinco ou até cinquenta dias. Fortes ou fracos, todos acabam finalmente por soçobrar. Todos, quer dizer, todos aqueles que eram inicialmente saudáveis. Porque, diga-se com ironia, as únicas pessoas que podem suportar indefinidamente a pressão da guerra moderna são os psicopatas. A loucura individual está imunizada em relação às consequências da loucura colectiva.



O facto de cada indivíduo ter o seu limite de resistência foi conhecido e explorado desde tempos imemoriais de uma maneira deploravelmente pouco científica. Em alguns casos, a terrível desumanidade do homem para com o homem foi inspirada pelo amor da crueldade, devido à horrível fascinação que esta exerce. Com muita frequência, todavia, o puro sadismo foi temperado pelo utilitarismo, pela teologia ou por razões de Estado. A tortura física e outras formas de violência foram infligidas pelos homens de leis com a finalidade de soltarem a língua das testemunhas relutantes; por eclesiásticos, a fim de punirem os não-ortodoxos e os induzirem a mudarem de opiniões; pela polícia secreta, a fim de extraírem confissões de pessoas suspeitas de serem hostis para com o governo. Com Hitler, a tortura, seguida pelo extermínio em massa, era usada em relação a esses heréticos biológicos, os judeus. Para um jovem nazi, uma temporada de serviço nos campos de extermínio era (segundo as palavras de Himmler), «a melhor doutrinação sobre os seres inferiores e as raças sub-humanas». Dada a qualidade obsessional do anti-semitismo contraído por Hitler durante a juventude, nos bairros miseráveis de Viena, esta revivescência dos métodos empregados pelo Santo Ofício contra os heréticos e feiticeiros era inevitável. Mas, à luz das descobertas de Pavlov e dos conhecimentos adquiridos pelos psiquiatras no tratamento das neuroses de guerra, tal revivescência parece um anacronismo grotesco e repugnante. Agressões amplamente suficientes para causarem um colapso cerebral completo podem ser efectivadas por métodos que, posto que abominavelmente inumanos, ficam aquém da tortura física.

Seja o que for que possa ter-se passado outrora, parece mais ou menos certo que a tortura não é muito usada pela polícia comunista de hoje. Esta inspira-se não do inquisidor ou do SS, mas sim do fisiologista e dos seus animais de laboratório, metodicamente condicionados. Para o ditador e para a sua polícia, as descobertas de Pavlov têm consequências práticas importantes. Se o sistema nervoso central dos cães pode ser levado a sossobrar, o sistema central dos prisioneiros políticos pode sê-lo igualmente. É apenas uma questão de aplicar a quantidade exacta de tensão durante a quantidade de tempo adequada. No fim do tratamento, o prisioneiro estará em estado de neurose ou de histeria, e estará apto a confessar o que os seus captores quiserem que ele confesse.

Mas a confusão não é suficiente. Um neurótico incurável não pode ser útil a ninguém. O ditador inteligente e prático não necessita de um paciente para ser hospitalizado, ou de uma vítima para ser abatida, mas sim de um convertido que trabalhe pela causa. Voltando-se mais uma vez para Pavlov, o ditador aprende que, no seu caminho para o colapso final, os cães se tornam anormalmente sugestionáveis. Quando o paciente se encontra perto do limite da resistência cerebral, é fácil fazerem-lhe adoptar novos comportamentos que ficam radicados para sempre. O animal em que tais formas de comportamento foram implantadas não pode voltar a ser descondicionado; o que o animal aprendeu sob o seu estado de tensão, permanecerá como parte integrante do seu ser.

A tensão psicológica pode ser produzida de muitas maneiras. Os cães ficam perturbados quando os estímulos são anormalmente fortes; quando o intervalo entre o estímulo e a resposta habitual é indevidamente prolongado, e o animal é deixado num estado de suspensão psíquica, quando o cérebro fica confundido pelos estímulos que surgem em oposição ao que o cão aprendeu a esperar, quando os estímulos não fazem sentido dentro da estrutura de referência do paciente. Além disso, constatou-se que, provocando deliberadamente o medo, a cólera ou a ansiedade, se aumentava sensivelmente a sugestibilidade do cão. Se estas emoções forem levadas a um alto ponto de intensidade, durante um tempo suficientemente longo, o cérebro põe-se «em greve». Quando isto acontece, podem instalar-se, com o maior sucesso, novos padrões de comportamento.



Entre as causas físicas que aumentam a sugestibilidade de um cão encontram-se a fadiga, os ferimentos e todas as formas da doença.

Para o aspirante a ditador, estas descobertas contêm importantes consequências práticas. Estas observações provam, por exemplo, que Hitler tinha toda a razão ao sustentar que as reuniões em massa eram mais eficazes à noite do que de dia. «Durante o dia», escreveu Hitler, «a vontade do homem revolta-se com maior energia contra qualquer tentativa de o forçarem a submeter-se a outra vontade e a outra opinião. À noite, porém, o homem sucumbe mais facilmente à força dominante de uma vontade mais forte.

Pavlov teria concordado com ele; a fadiga aumenta a sugestibilidade. (É por essa razão, entre outras, que as firmas que patrocinam um programa de televisão preferem as emissões nocturnas e estão prontas a pagarem caro a sua preferência).

A doença é ainda mais eficiente do que a fadiga, no que diz respeito à intensificação da sugestibilidade. No passado, os quartos de doentes eram teatro de incontáveis cenas de conversão religiosa. O ditador do futuro, cientificamente treinado, terá todos os hospitais dos seus domínios prontos a receberem o som e equipados com almofadas alto-falantes. Persuasão em conserva estará no ar vinte e quatro horas por dia, e os pacientes mais importantes serão visitados por salvadores do espírito, precisamente como no passado os seus pais eram visitados por padres, freiras e laicos piedosos.

O facto das emoções fortes e negativas tenderem a aumentar a sugestibilidade e a facilitarem, assim, uma mudança de opiniões, foi observada e explorada muito antes da época de Pavlov. Como sublinhou o Dr.William Sargant no seu tão esclarecedor livro, Battle for the Mind, o enorme sucesso de John Wesley como pregador estava baseado no conhecimento intuitivo do sistema nervoso central. John Wesley abria o seu sermão com uma descrição longa e minuciosa dos tormentos a que os seus auditores seriam certamente condenados por toda a eternidade, a menos que se convertessem. Depois, quando o terror e um sentimento de culpabilidade torturante haviam levado o auditório à beira da vertigem, ou até, em certos casos, a um afundamento cerebral completo, mudava de tom e prometia a salvação àqueles que cressem e se arrependessem. Com este género de pregação, Wesley converteu milhares de homens, de mulheres e de crianças. O medo intenso e prolongado levava-os a soçobrar e produzia um estado de sugestibilidade extremamente intensificada. Neste estado, as pessoas eram capazes de aceitar sem discussão as afirmações teológicas do pregador. Depois disso, eram restabelecidos na sua integridade com palavras de reconforto, e saíam da provação com padrões de comportamento, novos, e geralmente melhores, implantados de modo indestrutível nos seus espíritos e no seu sistema nervoso.

A eficácia da propaganda religiosa e política depende dos métodos empregados, não das doutrinas ensinadas. Estas doutrinas podem ser verdadeiras ou falsas, sãs ou perniciosas - pouca ou nenhuma diferença faz. Se a doutrinação é efectuada de maneira adequada no estado adequado da exaustão nervosa, será eficaz. Sob condições favoráveis, praticamente qualquer pessoa pode ser convertida praticamente a qualquer coisa.


Emblema da NKVD (Ministério do Interior da URSS, criado em 1934).



Possuímos descrições pormenorizadas dos métodos pela polícia Comunista no seu tratamento dos prisioneiros políticos. Desde o momento em que é detida, a vítima é sistematicamente submetida a muitas espécies de pressões físicas e psicológicas. É mal alimentado, é alojado desconfortavelmente, não é autorizado a dormir durante mais de algumas horas por noite. E é mantido durante esse tempo num estado de suspensão psíquica, de incerteza e de aguda apreensão. Dia após dia, - ou antes, noite após noite, porque estes polícias pavlovianos compreendem o valor da fadiga como intensificador da sugestibilidade - é interrogado frequentes vezes, durante muitas horas seguidas, por inquiridores que se esforçam por amendrontá-lo, por confundi-lo e por desorientá-lo. Após algumas semanas ou meses de tal tratamento, o seu cérebro põe-se em greve, e confessa tudo o que os seus captores querem que ele confesse. Então, oferecem-lhe o conforto da esperança. Se ele quiser aceitar a nova fé, pode ser, todavia, salvo - não, certamente, numa vida futura (porque, oficialmente, não há vida futura) mas na vida presente.

Métodos semelhantes, se bem que menos drásticos foram utilizados durante a guerra da Coreia em prisioneiros de guerra. Nos campos chineses onde se encontravam, jovens prisioneiros Ocidentais foram sujeitados sistematicamente a pressões. Assim, pelas mais insignificantes infracções das regras, os transgressores eram chamados ao gabinete do comandante, submetidos a um interrogatório, tratados com arrogância e publicamente humilhados. E o processo repetir-se-ia, várias vezes, a qualquer hora do dia ou da noite. Esta hostilização contínua produzia nas suas vítimas uma impressão de desorientação e de ansiedade crónica. Para lhes intensificar o sentimento de culpa mandavam que os prisioneiros escrevessem e tornassem a escrever, com pormenores cada vez mais íntimos, longos relatos autobiográficos das suas infracções. E depois de terem confessado os seus próprios pecados, era-lhes requerido que confessassem os pecados dos seus companheiros. O objectivo visado consistia em criar dentro do acampamento uma sociedade de pesadelo, em que cada pessoa espiava e denunciava as outras. A estas pressões mentais adicionavam-se as pressões físicas da subalimentação, do desconforto e da doença. O aumento da susceptibilidade assim obtido era habilmente explorado pelos Chineses, que inundavam estes cérebros anormalmente receptivos com grandes doses de literatura pró-comunista e anticapitalista. Estas técnicas pavlovianas eram notavelmente eficazes. Em cada sete, havia um americano culpado de grave colaboração com as autoridades chinesas, informam-nos oficialmente, um entre três da colaboração técnica.

Não se deve supor que esta espécie de tratamento esteja reservado exclusivamente para os seus inimigos pelos comunistas. Os jovens trabalhadores cujo ofício era, durante os primeiros anos do novo regime, actuarem como missionários e organizadores do comunismo, nas inúmeras cidades e aldeias da China, eram levados a seguir um curso de doutrinação muito mais intenso do que aquele a que qualquer prisioneiro de guerra foi submetido. No seu livro China under Communism, R. L. Walker descreve os métodos por intermédio dos quais os dirigentes do partido puderam fabricar, a partir de homens e mulheres vulgares, os milhares de fanáticos decididamente devotados que lhes são necessários para propagarem o evangelho comunista e fazerem cumprir as suas ordens. Sob este sistema de treino, o material humano bruto é enviado para campos especiais, onde é completamente isolado do seus amigos, famílias e do mundo exterior em geral. Nestes campos, mandam-lhes que realizem trabalhos esgotantes, físicos e mentais; nunca estão sós, estão sempre em grupos; são encorajados a espiarem-se uns aos outros; mandam-lhes que escrevam autobiografias acusatórias; vivem num estado de medo crónico do terrível destino a que podem ser votados devido ao que tenha sido dito acerca deles por informadores, ou do que eles próprios confessaram.






Neste estado de sugestibilidade aumentada, fazem-lhes seguir um curso intensivo do Marxismo teórico e aplicado - um curso em que o fracasso no exame com que termina, pode significar não importa que sanção, desde a expulsão ignominiosa até à estadia num campo de trabalhos forçados, ou até à liquidação. Depois de seis meses desta espécie de treino, a prolongada tensão mental e física produz resultados que as descobertas de Pavlov fariam prever. Um após outro, ou por grupos inteiros, os pacientes soçobram. Surgem sintomas neuróticos e histéricos. Algumas das vítimas suicidam-se, outras (até vinte por cento do total, dizem-nos) contraem uma doença mental grave. Aqueles que sobrevivem aos rigores do processo de conversão, emergem com novos e indeléveis padrões de comportamento. Todas as suas ligações com o passado - família, amigos, tradições - foram rompidas. São homens novos, recriados à imagem dos seus novos deuses e totalmente dedicados ao seu serviço.

Em todo o mundo comunista dezenas de milhares destes jovens, disciplinados e devotados, são formados todos os anos em centenas de centros de formação. O que os Jesuítas fizeram na Igreja Católica da Contra-Reforma, estão a fazê-lo agora estes produtos de um treino mais científico e ainda mais duro, e continuarão sem dúvida a fazê-lo nos partidos comunistas da Europa, da Ásia e da África.

Em política, Pavlov parece ter sido um liberal da velha guarda. Mas, por uma estranha ironia do destino, as suas investigações e as teorias que nelas baseou trouxeram à existência um grande exército de fanáticos dedicados de alma e coração, de reflexos e de sistema nervoso, à destruição do liberalismo à moda antiga, seja onde for que ele se encontre.

A lavagem de cérebro, tal como é agora praticada, é uma técnica híbrida, em parte dependente, no que diz respeito à sua eficácia, do uso sistemático da violência, em parte da habilidade de manipulação psicológica. Representa a tradição de 1984 na sua marcha para se tornar a tradição do Admirável Mundo Novo. Sob uma ditadura estabelecida há longo tempo e bem organizada, os nossos métodos correntes de manipulação semi-violenta parecerão, sem dúvida, absurdamente primários. Condicionado desde a mais tenra idade (e talvez também biologicamente predestinado) o indivíduo de casta média ou baixa, jamais terá necessidade de se converter, ou até de seguir um curso que lhe refresque a nova fé. Os membros da casta superior terão de ser capazes de pensar novos pensamentos, a fim de responderem a novas situações, e consequentemente, o seu treino será muito menos rígido do que o treino imposto àqueles cujo ofício não é pensarem, mas simplesmente trabalharem e morrerem com um mínimo de complicações. Estes indivíduos da casta superior serão além disso, membros de uma espécie selvagem - treinadores e guardas, eles próprios também ligeiramente condicionados, de um vasto rebanho de animais domésticos completamente domesticados. A sua selvajaria tornará possível que se tornem heréticos e rebeldes. Quando isto acontecer, terão de ser liquidados, ou de sofrer uma lavagem de cérebro que os devolva à ortodoxia, ou (como no Admirável Mundo Novo) serão exilados para uma ilha, onde não possam causar mais perturbações, excepto, certamente, uns aos outros. Mas o condicionamento universal da infância e outras técnicas de manipulação e controlo ainda estão afastados de nós pelo lapso de algumas gerações. No caminho que leva ao Admirável Mundo Novo os nossos dirigentes têm de contentar-se com técnicas de lavagem de cérebro provisórias e transitórias (in Regresso ao Admirável Mundo Novo, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, pp. 127-143).







Continua


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