Explorações com Jiddu Krishnamurti
«“É ver as coisas como são e não ficar ligado a
nada. Lavar toda a sujidade que o nosso ser acumulou e revelar a realidade na
sua essência, na sua nudez. Liberte-se do fardo das suas conclusões
preconcebidas e “abra-se” a tudo e a todos os que o aguardam. Permita-se ser um
observador calmo do que está a acontecer à sua volta. Limitar-se-á a ver, e,
nesta visão, apresentar-se-á o todo, não o que é parcial.”
Este é um processo a que o meu pai
chamava “consciência sem escolhas”. Adoptou o termo de Krishnamurti, um dos
seus filósofos preferidos. A ideia é de que esteja consciente de tudo o que
acontece à sua volta e dentro de si sem o avaliar, sem fazer uma escolha ou
criar uma história, ao mesmo tempo que se mantém plenamente consciente. Que vê
as coisas puramente pelo que são. Que experimente plenamente, para que possa
ter uma experiência total, mais do que parcial (e, consequentemente,
limitada).»
Shannon Lee
(«Sê Água, Meu Amigo»).
«Beyond liking and disliking. – You will see it without like or dislike, you simply see, and in this seeing, the whole is presented and not the partial.
(…) Totally in action. – Action is not a matter of right and wrong. It
is only when action is partial, not total, that there is right and wrong.
To be whole. – An organism
works as a whole. We are not a summation of part, but a very subtle coordination of all these different bits
that go into the making of the organism – we Have not a liver or a heart. We ARE
liver and heart and brain and so on.
On viewing totality – To view totality one has to be a total outsider.»
Bruce Lee («Striking Thoughts»).
Porque dividimos o exterior e o interior?
Eles tinham acabado de chegar à estação.
Traziam Guirlandas. Vestiam roupas de algodão feitas em casa, conhecidas por khadi, e estas, com as sandálias que
pareciam usar sempre, eram a sua marca distintiva. A paz residia no que diziam.
Dedicavam-se à libertação da terra, tinham estado presos muitos anos, sofrido
pela causa e, quando a potência estrangeira partiu, eram a nata da terra. A
maior parte deles era brâmane, e Gandhi era o seu líder. Falavam constantemente
sobre a ausência de violência, mas eram violentos. Acreditavam que não era necessário
usar palavras, porém, todas as suas acções eram palavrosas, políticas, sociais.
Tinham os gestos da humildade, mas mostravam-se arrogantes. Seguiam os
bem-sucedidos, porque no íntimo não passavam de falhados. Tinham um pavor
sagrado do sexo e alguns deles haviam feito votos de celibato; no entanto, andavam
rodeados de raparigas. Procuravam a paz; contudo, eram seres humanos extraordinariamente
torturados. Eram tradicionais, ainda que próximos dos modernos escritores
ocidentais e das suas ideias; conheciam as escrituras e os filósofos modernos.
Havia uma contradição entre o mundo científico e o mundo religioso. Eles
identificavam-se com os pobres e eram próximos dos poderosos. Falavam das
aldeias nas quais eram os líderes, arautos da iluminação e da esperança. De
aparência simples nas vestes brancas, por dentro, eram seres humanos
torturados, confusos, profundamente marcados, miseráveis.
Em 1948, eles eram os heróis desta luta
e os guardiões que prometiam um futuro brilhante. Tinham grandes esperanças
para a sua terra, e toda a gente acreditava que inaugurariam uma nova era
dourada. Hoje, estão perdidos, inúteis, fracassados; esgotados. O seu fogo,
entusiasmo e ânsia desapareceram. Sentem-se cansados, desiludidos, e levam uma
vida sem sentido, isolados, ainda que falando, gesticulando e escrevendo. São
muito espertos e podem discursar persuasivamente várias horas, mas estão perdidos,
amargos, infelizes, solitários. São como quaisquer pessoas noutro lado qualquer
que se tenham dedicado a um curso particular de acção que esperavam capaz de
conduzir ao sucesso. Com ou sem sucesso, eles estão de mãos e coração vazios,
cheios do conhecimento dos outros, e têm pouco deles mesmos. Este não é um
cruel exagero. É um retrato triste para todos nós, porque todos nós
pertencemos, de uma forma ou de outra, a este grupo de pessoas.
O que correu mal, o que aconteceu?
Porque será que, sabendo tudo o que podem ensinar os livros, a experiência, as
escrituras dos santos, nada aprenderam e estão absolutamente perdidos? Nós
somos iguais. Isto não é uma crítica a um grupo em particular; através deste
grupo, vemos todos os grupos, e por estas pessoas, vemo-nos a nós. A maior
parte está perdida, infeliz, sozinha, amargurada.
Parece-me justo perguntar agora, vendo tudo isto, não apenas como prevenir a proliferação desta pavorosa doença, mas também o que fazer com ela no nosso coração. Este desejo de fazer algo exteriormente, de reformar, de organizar melhoramentos, é o primeiro sintoma desta doença fatal. O outro sintoma fatal é o oposto do primeiro: dizer que tudo reside em mim e que tenho de mudar primeiro. Esta divisão é a causa da doença. Nunca se pode separar o exterior do interior. A violência e a desordem no exterior são a violência e a desordem no interior: as duas são o mesmo indivisivelmente.
A paz deles era apenas um slogan, um instrumento político da
violência no interior. Havia uma compulsão, uma disciplina rígida, uma conformidade
com um padrão brutal do que consideravam moralidade. Havia sempre neles este
cruel conflito a fim de uma conformidade com o que consideravam a mais
destacada virtude, e essa era a sua intenção. Também forçavam os outros a
conformar-se a esse padrão. Eram essencialmente tradicionalistas e, portanto,
contraditórios.
Por que razão dividimos o exterior e o
interior? Será porque não conseguimos controlar o exterior que esperamos
controlar o interior? Fará parte da nossa fuga intelectual daquilo que
realmente somos? Não vemos que somos o resultado do passado. Sem morrermos para o passado em nós, temos inevitavelmente de seguir o caminho da tradição que
criou tanto o exterior como o interior. O exterior e o interior estão
interligados e determinam-se um ao outro. Ambos são alterados quando o passado
é negado. Negando o passado no nosso coração, negamo-lo também nas nossas
acções que constituem o exterior.
Então o que temos, tu e eu, de fazer
para evitar degenerar em seres humanos torturados e desesperados? Há alguma
coisa de positivo que possamos fazer? Se fizeres algo positivo, vai estar na
linha da tradição. Mas se negares a tradição, já terá ocorrido a mudança mais
radical que poderás fazer.
A degeneração ocorre quando os hábitos
passados, que são a tradição e as idiossincrasias particulares derivadas do
passado, são perseguidos. Onde houver uma continuidade na conformação a um
padrão conceptual de vida – quer seja um conceito tradicional, ortodoxo ou
particular, projectado pelos teus desejos, inclinações e vontades, – há um
declínio e uma vida sem significado. Esta visão é compreensão, e não um acto
intelectual. Isto é energia que não está a agir contra ela própria. Tenham
cuidado com tudo isto na acção, na vida e em todos os relacionamentos.
(In J. Krishnamurti, Como Pode a Mente Estar Quieta?, – Viver, Aprender e Meditar, Cultura Editora, 1.ª edição, Junho de 2021, pp. 27-29).
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