«(...) manipulando despudoradamente a opinião pública, [os mentores da descolonização de Angola] conseguiram cativá-la para as suas teses e atravessaram incólumes este quarto de século.
Naquilo que me diz respeito, afirmo que a descolonização, tal como se cumpriu, será considerada como o episódio mais catastrófico, mais desprezível e mais estúpido de toda a História de Portugal; naquilo que me diz respeito, e que é Angola, sei que é meu dever contribuir para a formulação do juízo da História.
Este livro será o meu contributo».
General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia», 2000).
«Sofro, penosa e angustiadamente, de dois grandes arrependimentos. À sociedade confesso que, mesmo expulsando os meus arrependimentos mudos, venho pagando bem caro - eu e os milhares de Refugiados de Angola - bem caros, sim, esses arrependimentos. O primeiro, o de não ter permitido o rapto do general Silvino Silvério Marques! Tudo estava planejado com determinação e firmeza, para realizar no Aeroporto, na noite do seu inopinado regresso a Lisboa!
O segundo, não ter consentido no assassínio de Rosa Coutinho, à sua chegada a Luanda! Esta confissão deve encher de raiva o almirante Leonel Cardoso, que tanto sonhava com a tal lista (de que fazia parte) dos assassínios a cometer pelos homens da FRA... A pretensa matança dos confessos traidores e carrascos.
A sua importância na época era bem passível de desprezo e até de escárneo. Mais tarde, sim, quando Alto-Comissário, quando como "vira-latas" meteu o rabo entre as pernas e deixou a população de Angola à mercê de uma minoria radical, o MPLA! O erro de uns foi o êxito de outros. Aqui reproduzo as afirmações proferidas pelo General Silva Cardoso, Alto-Comissário Português em Angola, e dirigida aos "Refugiados". Essa figura carismática diria: "Trago ainda nos ouvidos os discursos demagógicos em que sistematicamente se afirma que tudo se faz pelo povo e para o povo, quando no fim, é o povo que sofre, é o povo que morre. Isto tudo devido a ambições desmedidas, a ambições que não conhecem meios e que sacrificam tudo para atingir os fins (...). Missão (como Alto-Comissário) na qual empenhei todos os esforços, todas as minhas capacidades, missão que causou grandes desilusões. Já não acredito nos homens, principalmente, nos políticos e estou cansado da mentira, das falsas promessas e das atitudes de fachada. Venho cansado da miséria, de ver a miséria, de ver o ódio, de ver o desespero. Venho cansado do egoísmo, da crueldade e da ambição desmedida (...) Quero dirigir as últimas palavras àqueles milhares, milhares de portugueses europeus brancos escorraçados daquela terra que já consideravam como a sua nova pátria e que têm perdido tudo e deixado tudo se vieram refugiar em Portugal. Muitos já vieram, muitos outros infelizmente hão-de vir, ou terão mesmo que vir. Para eles o meu carinho e o desejo de um voto sincero de melhores dias e mais sorte. Nunca é tarde para se recomeçar. Tenham fé nos destinos do nosso País".
O general Silva Cardoso foi vítima do Governo Português, então enfeudado à minoria, e que permitiu, alarvemente, que fosse criado um clima de terror, quando se proclamava e pedia, na praça pública, proselitismo democrático para ajudar o nascimento dum novo País. Então já circulavam por Angola a dúvida e a angústia, o pânico gerado pelos antagonismos do campo político e propagandeava-se um receituário de astúcias que ofuscou uma camada social, uma classe dominante que passou de entusiasta e temerosa, de acomodatícia e incrédula a confiante. Mas, como S. João Baptista, os que amavam Angola e a queriam defender de situações danosas, continuavam a clamar no deserto.
Silva Cardoso, para além de ter feito parte da Junta Governativa de Angola, como Rosa Coutinho, período em que o terramoto político tudo subverteu e levou à vitória da demagogia sobre a colectividade e lançou Angola e a sua população no vórtice da mistificação, da mentira, da violência, da indisciplina, da miséria, da anarquia, da dor e da desesperança, prometeu agir contra os males que proliferavam, mas não concretizou as suas vãs e piedosas ameaças. Homens que aparecem e a quem Deus entregou o testemunho para redimir a Pátria em todas as ocasiões marcantes da sua História e se demitem na hora própria. Nesta altura dependia muito dos próprios "brancos" o saber dosear a paciência e a prudência, as suas virtudes, as suas palavras e acções e até as suas esperanças! Nem sequer para o "Refugiado", Portugal foi o seu oásis! Em vez de Amor receberam ódios. Em vez de compreensão, desprezo! Em vez de auxílio, criaram-lhe dificuldades. Em vez de palavras amigas, apodos ignominiosos. Marcaram-no com os ferretes mais odiosos e aviltantes. Tornaram-no réu de todos os crimes. Marginalizaram-no. Tornaram-no pária! Como vinha pobre, insultaram-no.
Irracionalmente, confundiram, a seu gosto, o "colono" com o "colonialista". Trataram-no como mandrião e explorador. Numa visão política mesquinha não aproveitaram as suas virtudes. Trataram-no como "manada" que tivesse entrado na sua quinta. Tornaram-no no sinistro "bode expiatório" de todas as culpas dos seus erros, da sua inconsciência e da sua ruína. O Refugiado ficou em Portugal, "como a grama dos jardins: tem direito a viver (?), mas sem direito de crescer". E continua como "intocável" esperando que Deus lhe cure as chagas!
(...) SILENCIADOS A TIRO...
Um mar de refugiados, milhares, dirigiam-se ordenadamente, pelas ruas de Lisboa, do Pavilhão dos Desportos, no Parque Eduardo VII, onde tinham assistido a um comício do CSI, para a estação do Cais do Sodré. Regressavam aos hotéis fixados para a sua residência, na linha do Estoril.
Ao chegarem à estação, os refugiados depararam com as entradas obstruídas por bancos. Ainda antes de penetrarem na gare, agentes da PSP foram ao seu encontro, falando-lhes rispidamente e agredindo os da frente, entre os quais algumas senhoras.
No conflito que se gerou, os agentes abriram fogo sobre a multidão. Ao mesmo tempo, forças de choque da PSP, "emboscadas" atrás dos comboios, carregaram sobre toda aquela gente, perseguindo grupos em fuga até ao largo da Assembleia da República. Ali estavam, há dias, outros refugiados, que protestavam contra as sub-condições de vida em que o Governo os mantinha.
Vejamos o relatório apresentado no dia seguinte e assinado por 87 testemunhas:
"Ao Exmo. Presidente do CSI
A IOR (Inter Organização de Refugiados) informa V. Exa. que esta madrugada, por cerca das 2.30 horas apareceram em S. Bento um grupo de 30 indivíduos, refugiados, fugidos à tristemente célebre polícia de choque, vindos do Cais do Sodré, vindo entre eles um indivíduo (refugiado) ferido a tiro numa mão e numa perna.
Minutos depois fez a sua apoteótica aparição a tristemente polícia de choque, munida de escudo e todo o aparato bélico, subindo as escadas, partindo os primeiros inimigos (bandeiras e dísticos) e enfrentando o "muito bem armado" inimigo (mulheres e crianças refugiadas que residem na escadaria de S. Bento, entre elas senhoras grávidas).
Depois de uma 'heróica' actuação esta polícia findou a sua batalha com ultimatos para abandonar S. Bento, dando-lhes escassos minutos, ao que o "exército" feminino e infantil de refugiados se recusaram a cumprir, dizendo "Ninguém arreda pé".
Esta célebre polícia, heroicamente, enfrentou a nossa Bandeira, a Bandeira Nacional, partindo a sua improvisada haste e espezinhando-A. Espezinharam o símbolo da nossa Pátria, o símbolo que nos norteia, o Bandeira Verde-Rubra, a Bandeira Nacional. Além de a espezinhar levaram-na consigo, talvez sob prisão, como refém".
IOR, em S. Bento, aos 19 de Maio de 1976
A Comissão
(87 assinaturas).
Dos incidentes resultaram bastantes feridos, parte deles identificados, como João Manuel Nunes dos Santos, de 22 anos, natural de Nova Lisboa, atingido numa das mãos e numa das pernas. Doutros não se sabe o nome, porque foram transportados em carros da Polícia para local desconhecido. Dezenas de testemunhas assinaram depoimentos.
O relatos da Imprensa foram, na maior parte, falseados pelas informações governamentais.
Os antecedentes:
O CSI vinha realizando comícios e conferências de Imprensa, no sentido de unir os refugiados e fazê-los lutar pelos seus direitos. Para o Governo, bem como para certos Partidos e personalidades, o CSI tornava-se incómodo.
Muitos dos refugiados presentes, naquela noite, no Pavilhão dos Desportos, residiam - como disse - na zona do Estoril e de Cascais. Não tendo dinheiro para o transporte, invocaram a sua "qualidade" de refugiados e a sua carência de bens, perante os revisores de um comboio da companhia nacionalizada "Estoril-Sol", insistindo em viajar, gratuitamente, para Lisboa.
O comboio parou na Estação da Parede, e os revisores contactaram a direcção da Companhia, pedindo instruções quanto à atitude que deveriam tomar. Três quartos de hora passados, o comboio seguiu, normalmente, até Lisboa, onde os refugiados desembarcaram e, como vulgares transeuntes, foram para o Pavilhão dos Desportos. Saliente-se, entretanto, que, se muitos refugiados viajaram gratuitamente, muitos outros tinham "passes" ou bilhetes.
Findo o comício, ao pretenderem voltar aos hotéis, deram-se os injustificáveis incidentes já descritos.
O CSI não apresentou queixa: investigações posteriores indicaram por detrás dos acontecimentos, pressões e chantagem sobre militares, exercidas por certas forças políticas, receosas dos Centros e dos refugiados. E os termos das notícias nos jornais e na Rádio reflectem, com límpida clareza, ter havido o objectivo de, a todo o custo, fomentar, na opinião pública, animosidade contra os refugiados, equiparando-os a delinquentes e arruaceiros, marginalizando-os e incitando a PSP a tratá-los como criminosos e inimigos da sociedade».
Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).
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«O secretário-geral do PS, António Costa, disse este sábado, em Torres Novas, que o país "precisa de imigração" e de "atrair talento" para resolver o seu problema demográfico».
DN/Lusa, 23 de Abril de 2018
«O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou hoje que a verdadeira Europa, na qual ainda acredita, é a que acolhe os refugiados, honrando os valores com que foi fundada, e não a dos populistas.
(...) Depois, falando em inglês, defendeu que, "se a Europa não está à altura deste desafio, então deixou de ser a Europa", porque "a Europa foi feita com os valores da dignidade humana, da justiça social, da paz".
"Há populistas que dizem o oposto, mas estão errados. A Europa deles não é a nossa Europa, não é a Europa. A verdadeira Europa é a vossa Europa, é a nossa Europa. Vale a pena lutar por essa Europa. Eu ainda acredito nos valores dessa Europa e acreditarei sempre. Essa Europa que vale a pena", afirmou».
Lusa, 14 de Março 2018
«Outros termos abundam igualmente na gíria globalista usada e abusada pela Organização das Nações Unidas, sobretudo quando a referência aos “países em vias de desenvolvimento” quer apenas dizer os regimes autocráticos do terceiro mundo, ou quando a “governança global” significa apenas o “governo mundial”, ou mesmo quando o “desenvolvimento sustentável” equivale tão-só ao “controlo da população mundial”. Por outro lado, não deixa de ser altamente significativo o facto de António Guterres, o actual secretário-geral das Nações Unidas, ter andado a apelar, num tom marcadamente extremista, socialista e globalista, para a “liderança multilateral” ou para a “acção colectiva” que, na gíria da actual globocracia, subentende o “controlo governamental dirigido pela ONU”, ou ainda o “conjunto de organismos internacionais em estreita cooperação com os regimes regionais projectados em uniões transnacionais”. O que, aliás, não admira, se tivermos em conta que António Guterres foi eleito o nono secretário-geral das Nações Unidas por, em grande parte, ter sido, entre 1999 e 2005, o presidente da Internacional Socialista que, como se sabe, nunca deixou de exercer, mediante o controlo do poder de voto dos seus membros, uma poderosa influência sobre as instituições burocráticas da ONU.
Fundada a 3 de Junho de 1951, a Internacional Socialista, sedeada em Londres, sempre deu a entender que o seu principal objectivo é nada menos que o estabelecimento do governo mundial. Para que tal seja possível, esta organização internacional tem, de facto, exigido a submissão das nações ocidentais a sistemas burocráticos de planificação global a nível da recolocação de grandes fluxos migratórios adentro das suas fronteiras, e, nessa medida, sustentada pelos respectivos contribuintes. Trata-se, em poucas palavras, do socialismo à escala mundial, cuja agenda totalitária passa pela redistribuição da riqueza global em nome da redução das desigualdades e, portanto, do indispensável, justo e equilibrado controlo dos recursos planetários. Ao contrário do que vem sendo ensinado nas instituições universitárias, o comunismo não está morto, estando até mais fortalecido do que nunca se nos dermos ao trabalho de verificar como os seus actuais proponentes, entre os quais se encontra António Guterres, persistem em perpetuar as estimadas “glórias” totalitárias do socialismo internacional com base em cargos de poder nas mais altas instituições de controlo e administração planetária.
Não chegou ainda, de maneira nenhuma, a experiência quase apocalíptica de milhões de seres humanos mortos, atormentados e selvaticamente reduzidos à miséria, à fome e ao terror decorrente de práticas e ideologias de raiz predominantemente colectivista, extremista e desumana. Enfim, professamente católico, António Guterres já esteve assim, enquanto chefe para os refugiados das Nações Unidas, no centro de um processo inteiramente responsável pelo tsunami da migração islâmica que já invadiu e continua a invadir o Ocidente, e a que não faltou a sistemática discriminação contra os cristãos do Médio Oriente, os quais vêm brutalmente morrendo às mãos dos extremistas islâmicos – veja-se o caso da Síria, onde em 10% de cristãos apenas 1% tem sido recolocado no Ocidente no seguimento do programa de refugiados da ONU, ou veja-se ainda o caso da comunidade cristã no Iraque cuja ajuda se tem praticamente reduzido a um conjunto de tendas e lonas, para não falar nos campos de “refugiados” da ONU onde os cristãos são sistematicamente brutalizados, espancados e até assassinados por “refugiados” islâmicos.
Guterres, sempre pronto a reivindicar para as Nações Unidas o privilégio de ser a única instituição capaz de dar solução aos problemas globais da humanidade, não tem, felizmente, conseguido enganar toda a gente. Assim, não obstante a insidiosa campanha consagrada à suposta protecção humanitária dos “refugiados”, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, já veio igualmente denunciar a “conspiração criminosa” dos internacionalistas instalados no quartel-general da União Europeia, em Bruxelas, já que a eles também se deve, a par da agenda externa dos EUA para o Médio Oriente, a política de portas abertas à “invasão islâmica” com vista a minar os alicerces da Cristandade e da Civilização Ocidental baseada nos Estados-nação. De modo que, um tal processo, já nem sequer esconde o seu verdadeiro rosto por entre as ostensivas e múltiplas declarações dos mais variados agentes internacionalistas, dentre os quais releva aquele que foi, entre Janeiro de 2005 e Março de 2017, o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Migração Internacional.
Referimo-nos, obviamente, a Peter Sutherland, um irlandês que já chegou a desempenhar inúmeros papéis de ordem política e empresarial numa variedade de organizações internacionais, entre as quais estão a General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), de que foi director-geral fundador entre 1993 e 1995, a Global Forum on Migration and Development (GFMD), a International Catholic Migration Commission (ICMC) e a Goldman Sachs International, da qual chegou a ser presidente entre 1995 e 2015. De resto, Sutherland fora ainda, entre 1985-89, o Comissário Europeu para a área dos assuntos económicos e empresariais, bem como, a partir de 5 de Dezembro de 2006, o conselheiro financeiro do Vaticano no âmbito da Administração do Património da Sé Apostólica – um dicastério da Cúria Romana que funciona como uma espécie de Banco Central do Vaticano. E, como não podia, de maneira alguma, faltar no seu currículo de insider, considere-se, em última instância, aquele que tem sido o seu papel activo no domínio da comissão directiva do Grupo Bilderberg, ou ainda o facto de já ter sido o presidente honorário da Comissão Trilateral, bem como o vice-presidente da European Round Table of Industrialists, entre 2006 e 2009.
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Advogando, propagando e impondo a agenda emergente do “cidadão global”, o socialista António Guterres foi, em estreita cumplicidade com os seus demais congéneres, o agente internacionalista que, no cargo de Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, possibilitou, com a política das fronteiras abertas a Ocidente, a morte de vítimas inocentes do jihadismo transnacional, a ponto, inclusive, de não se coibir de condenar os governos que, preocupados com a segurança dos seus cidadãos, viram-se na iminência de, por justa precaução, não acatar semelhante política. E não acatando, foram, cinicamente, rotulados de racistas e xenófobos por simplesmente não colaborarem na progressiva destruição dos seus países, entre os quais se incluem a Hungria, a República Checa e a Polónia, entre outros. Logo, se há quem, porventura, acalente ainda quaisquer dúvidas sobre o facto de a Organização das Nações Unidas representar, hoje mais do que nunca, um perigo de proporções incalculáveis para a coexistência pacífica da humanidade, só não deixa de as ter se não quiser atender, na sua justa e devida consideração, aos factos acima referidos».
Miguel Bruno Duarte («ONU: O Supergoverno Mundial»).
«(...) Importa desmistificar o 25 de Abril, em relação ao que poderia ter oferecido ao Ultramar português - e não ofereceu. Importa denegar a promessa contida no primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, pelo qual tudo se faria por via política, que se respeitaria a unidade territorial do Ultramar, e que, naturalmente, se encontraria uma solução para a luta, à data, branda e de quase nulos efeitos na vida normal das populações, que continuava nas terras angolanas.
Importa desmistificar um 25 de Abril que entrou em nossas casas com a alegria de uma libertação, com o engano de que encerrara um doloroso período em que até o pensar era subversivo. Um 25 de Abril florido (que mau presságio foi a cor dos cravos...) abrindo as portas da democracia aos portugueses e fechando-lhes as das perseguições, as das inimizades ideológicas, as dos compadrios. Um 25 de Abril que substituísse, para bem de todos nós, as estruturas políticas da ditadura, que impedisse a destruição do património nacional, que trilhasse a estrada larga da harmonia, que se opusesse a prisões arbitrárias, à opressão, aos favores para alguns, dando lugar à justiça para todos.
Importa desmistificar o 25 de Abril, trágico logro em que caíram os de boa-fé, vazadouro de invejas, ambições, vinganças pessoais, incompetências, crueldades, ódios e cobardias.
Importa desmistificar a revolução dos cravos (vermelhos), que sangrou o País dos seus técnicos, da sua inteligência, do seu equilíbrio emocional. Um 25 de Abril talhado à medida dos medíocres, dos falhados, dos senhores com alma de lacaios».
Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).
«(...) durante todo o ano de 1973, a agitação nas Forças Armadas começou a atingir proporções preocupantes e conheceu desenvolvimentos que iriam desembocar no golpe militar do 25 de Abril, no ano seguinte.
Para a opinião pública, porém, pouco transpirou do que se estava a passar.
Entretanto, assumiu relevo a visita a Inglaterra do chefe do Governo, em Julho, a convite do seu homólogo inglês, no âmbito das comemorações dos 600 anos da Aliança Luso-Britânica e como retribuição da visita, feita pouco antes a Lisboa, pelo duque de Edimburgo, marido da Rainha Isabel II. Estas duas visitas foram precedidas por fortes manifestações em Londres e críticas na imprensa internacional contra o governo português e a sua política ultramarina. A essas manifestações associou-se o próprio Partido Trabalhista Inglês e durante a visita de Caetano foi posta a correr na imprensa a notícia de um alegado massacre, cometido por tropas portuguesas em Moçambique.
Ainda assim, o governo inglês recebeu Marcello Caetano com todas as honras de Estado e foi reafirmada a aliança entre os dois países, independentemente das vicissitudes dos tempos.
Apesar de ter sido organizada uma manifestação, após o regresso de Marcello Caetano, de apoio e desagravo ao governo, os acontecimentos de Londres impressionaram de tal forma a opinião pública portuguesa que o chefe do Governo se viu obrigado, numa das suas "conversas em família" (26 de Julho), a "reiterar as posições portuguesas e repudiar os ataques".
Marcello Caetano com o primeiro-ministro britânico, Edward Heath. |
Após as eleições de 7 de Novembro, o chefe do Governo remodelou novamente o gabinete. O ministro da Defesa Nacional. Sá Viana Rebelo, o alvo principal de críticas, foi apontado como o grande responsável pela crise militar e foi substituído por um civil, Joaquim da Silva Cunha, que vinha do ministério do Ultramar (esta última foi ocupada por Baltazar Rebelo de Sousa, que apoiava a autonomia e a independência dos territórios africanos). A pasta do Exército separou-se da da Defesa e foi ocupada pelo general Andrade e Silva, por recomendação do Presidente da República, ficando como secretário de Estado o coronel Viana de Lemos. A pasta do Interior mudou também de mãos, sendo agora o seu novo titular Moreira Baptista; por último, Almeida Costa deixou a pasta da Justiça, cargo que passou a ser ocupado pelo magistrado António Lino Neto, e transitou para a presidência da Câmara Corporativa.
A agitação política e social recrudesceu após essa remodelação ministerial e atingiu praticamente todas as forças vivas do país, o que gerou na opinião pública uma sensação de desconforto e de receio em relação ao futuro. Como costuma acontecer nas alturas de crise, o individualismo ganhou força, ou seja, cada qual pensava apenas em salvaguardar a sua própria situação na tormenta que pressentiam estar a aproximar-se.
Mas foi nas Forças Armadas que a situação se tornou particularmente grave. Uma vez terminado o seu mandato como governador da Guiné, o general Spínola regressou a Lisboa, sendo substituído no cargo pelo general Bettencourt Rodrigues, um dos mais prestigiados e competentes oficiais das Forças Armadas.
Regressado a Portugal com o prestígio de ter desempenhado altos serviços na Guiné - o que não era totalmente verdade -, colocou-se imediatamente a questão se saber que cargo atribuir-lhe.
Ficou decidido que seria criado, expressamente para o general, o cargo de vice-chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Spínola foi empossado em meados de Janeiro de 1974. Entretanto, correram alguns boatos desencontrados sobre a eventualidade de um ou de mais golpes de Estado de tendências opostas. Algumas personalidades deram a entender ao almirante Tomás que seria aconselhável demitir o chefe do Governo, argumentando com a necessidade de encontrar uma liderança mais forte e assim encontrar um rumo mais coeso e eficaz para o país. Precisamente nessa altura, o chefe do Governo foi afectado por problemas de saúde e sentiu-se limitado na sua capacidade de actuação política.
Pensou então num plano, um pouco teatral, mas que lhe permitiria pôr-se a salvo das críticas e que consistira em suscitar um problema entre o ministro do Ultramar e um governo de uma província (nomeadamente Angola). Agravado o problema (artificialmente), o governo central procuraria resolver a questão, embora sem êxito. Na sequência disso, o governo local revoltava-se e formalizava a sua separação, que Lisboa declararia não estar em condições de impedir. Quanto às consequências internacionais, logo se veria. E se o chefe do Governo desistiu de levar o plano para diante, não deixa porém de ser revelador de uma certa angústia psicológica que estaria a atormentar o professor Marcello Caetano.
Surgiu então a notícia de que o general Spínola pretendia lançar um livro onde defendia uma política diferente para África. Um facto que suscitou grande curiosidade na opinião pública e fez correr o rumor de que o chefe do Governo tinha conhecimento do conteúdo do livro.
Spínola pediu autorização superior para publicar o livro, o que lhe foi concedido, primeiro por um parecer positivo do CEMGFA, o general Costa Gomes, e depois pelo ministro da Defesa, Silva Cunha. Este, porém, fê-lo por pressão do chefe do Governo e sem sequer ter lido a obra. O livro Portugal e o Futuro foi editado em Fevereiro de 1974 e, analisado o seu conteúdo, o que se verifica é que nele não encontramos uma solução clara para o problema ultramarino, mantendo os territórios e os seus povos dentro do conceito da portugalidade arregimentados numa espécie de federação, usando-se, além disso, o plebiscito como método de consulta popular.
O livro teve ampla divulgação e colheu um apoio generalizado. À excepção dos meios anticolonialistas da ONU, que insistiam aceitar exclusivamente a independência africana, completa e imediata.
Porém, os meios conservadores e nacionalistas mobilizaram-se fortemente contra o livro e os dois generais, Spínola e Costa Gomes, e, por arrastamento, contra o governo. O chefe do executivo apercebeu-se da gravidade da situação criada e tentou inverter a situação sem abandonar, todavia, a sua atitude dúbia: por um lado, insistindo na defesa e na soberania do ultramar e, por outro lado, defendendo a sua autonomia política e administrativa. Talvez por isso a credibilidade do governo tenha continuado em queda livre.
A 11 de Março de 1974, Marcello Caetano pediu a sua demissão ao chefe de Estado que a não aceitou, advertindo-o de que era sua responsabilidade tentar sair da crise.
O chefe do Governo obteve ainda uma declaração de apoio de todas as chefias militares, convocando todas as figuras cimeiras da hierarquia para uma sessão na Assembleia Nacional, em 14 de Março. Todavia, alguns oficiais-generais recusaram-se a comparecer, incluindo o chefe e o vice-CEMGFA, como foi o caso do almirante Bagulho e do general Amaro Romão, bem como o caso dos generais Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques, embora por razões distintas.
Costa Gomes e Spínola foram de imediato demitidos e para o CEMGFA foi nomeado o general Joaquim da Luz Cunha, que na altura, era Comandante-Chefe em Angola.
Na madrugada de 16 de Março, houve uma revolta militar e uma coluna foi vista a sair do quartel de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha, com a intenção de marchar sobre Lisboa. O governo teve conhecimento disso e mandou avançar forças úteis contra a coluna das Caldas. A maioria dos membros do governo recolheu entretanto, às instalações da Força Aérea, em Monsanto.
Porém, como não se registou mais nenhuma movimentação relacionada com a coluna revoltosa, esta regressou às Caldas, depois de ter chegado a Sacavém, e rendeu-se sem oferecer resistência. Na sequência disso, foram presos alguns oficiais. Quanto a represálias, o governo ficou por ali, passando para a opinião pública a ideia de que não possuía nem força política nem força militar. Antevia-se o fim do regime. E, de facto, na madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974, foi desencadeada uma vasta operação militar, agora devidamente concertada, que derrubou o regime e prendeu os membros do governo e o Presidente da República, além de ter dissolvido a Assembleia Nacional e revogado a Constituição de 1933, a mesma que governara o país durante cerca de 41 anos. Um golpe que provocou, logo a seguir, o fim das operações militares em Angola, Moçambique e Guiné, e precipitou a independência daqueles e dos restantes territórios portugueses de além-mar».
João José Brandão Ferreira («Em Nome da Pátria. Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa»).
«Relativamente à pergunta colocada sobre se a guerra que travámos em África entre 1961 e 1974, estava militarmente perdida, quando se deu o golpe de estado ocorrido em 25/4/1974, a resposta é não.
Os postulados seguintes - e vou referir apenas os menos falados - servem de suporte a esta afirmação.
"Quando um Exército deixa de querer combater, os militares passam a dizer que a guerra era injusta".
Max Weber
1. O inimigo não conquistou a população.
Neste tipo de guerra a conquista das populações é fundamental, sob pena de quem a desencadeia perder a legitimidade.
Como é que se sabia de que lado é que a população estava? Em 1973 sentia que a população não estava do lado do inimigo.
O General Spínola pediu-me para organizar as comemorações do primeiro 10 de Junho, após o 25 de Abril.
Foram organizadas duas manifestações com o objectivo de apoiar o general e evitar a Descolonização. A palavra de ordem era "Referendo sim, independência não".
Logo se ouviram vozes, na Metrópole dizendo: "e se eles disserem que sim, depois temos que os aturar?!"
Estive a almoçar, na altura, com o então Coronel Lemos Pires e alguns oficiais da sua equipa, no Instituto de Altos Estudos Militares, antes de ele embarcar para Timor, e tentei convencê-lo da necessidade de se fazer um referendo naquele território. Ninguém fez comentários...
Anos mais tarde, Ramos Horta, em entrevista, a propósito do referendo que ia ser feito no âmbito da ONU, disse que não deviam ser apenas colocadas duas perguntas, mas três, sendo a terceira, se a população queria manter-se ligada a Portugal. Sorriu e acrescentou: "não era a minha opção, mas estou convencido que a maioria ia optar por essa terceira hipótese".
Após o regresso do então Major Otelo, de Moçambique, onde tinha participado em negociações, perguntei-lhe, na Messe de Caxias: "então o que vamos fazer em Moçambique?" Respondeu-me, "independência imediata para a Frelimo".
Signatários do Acordo de Lusaka |
Ver aqui |
Hóspedes sentados na varanda do Hotel Polana (1927). |
O Lobby do Hotel Polana em Lourenço Marques (anos 1930). |
O Bar do Hotel Polana (anos 1950). |
A zona anterior do Hotel Polana (anos 1960). |
O primeiro aeroporto de Lourenço Marques, na zona de Mavalane. |
Uma vista geral de Lourenço Marques em 1939. |
A Praça Monumental em Lourenço Marques (anos 1960), a meio caminho entre a cidade de cimento e o Aeroporto. Hoje está em ruínas. |
Durante uma tourada |
- "10%", respondeu o Otelo - "nem sete";
- "Mas isso é traição à Pátria";
- "Mas é o que eles querem". E assim terminou a conversa com ele.
Creio que Mário Soares ainda falou ao Samora Machel em fazer um referendo, apenas para o ouvir dizer, "referendo? Mas vocês perderam a guerra" (contado pelo então Major Manuel Monge).
Ora tudo isto prova que ninguém envolvido nas negociações (nem a maioria dos restantes países) queria fazer um referendo pois todos sabiam que o resultado do mesmo, em cada parcela ultramarina, teria como resultado que a maioria da população iria querer manter-se portuguesa.
E se tivéssemos feito o referendo na Metrópole?
2. A guerrilha à medida que ganha força, tende a passar para operações do tipo convencional. Ora "eles" nunca passaram de uma guerrilha ordinária, que nunca dispôs do controlo do Mar ou do Ar.
3. Nunca houve ocupação permanente por parte da guerrilha, de qualquer parte do território. Nós íamos a todo o lado e duas companhias, por norma, chegavam; só não íamos quando não havia interesse militar ou político.
4. Não houve guerrilha urbana, pois nunca tiveram capacidade para tal.
5. Existiam unidades inteiras quase só constituídas por africanos, tendo-se registado casos mínimos de deserção; não se conhecem casos de traição, tão pouco desapareceram armas!
Nós perdemos a guerra, psicologicamente, na retaguarda; o estado moral do IN era muito pior que o nosso - no final da guerra eles queriam quase todos entregar-se.
6. Constituíram-se e auto organizaram-se, desde o início da guerrilha, unidades de voluntários, juntando brancos e negros, para combater a subversão. A primeira foi a Brigada Salazar, em Angola, que até utilizaram armas gentílicas.
7. Não se concebe um território em guerra, com o desenvolvimento económico e social, registado.
A guerrilha era tão fraca que nunca conseguiu travar o desenvolvimento, mesmo nas zonas onde havia operações de contra-subversão.
Uma vez um dirigente da Frelimo que foi à ONU, quando Cabora Bassa estava a ser construída, dizia com indignação, que Portugal estava a fazer o maior crime em África que era conseguir que as populações que não eram portuguesas se sentissem portuguesas.
8. Por exemplo, ainda, a maioria dos cozinheiros das unidades militares, eram autóctones, mas nunca se registou um caso de envenenamento; não há memória de um soldado ter sido assassinado, ou de ter ocorrido um rapto de um familiar de um militar.
Os militares movimentavam-se por todo o lado, à vontade, mesmo nos bairros tidos por mais problemáticos. Nem lhes passava pela cabeça que lhes fizessem mal.
Em conclusão, e face aos exemplos apontados - muitos outros se poderiam dar - não tenho dúvidas em afirmar que a guerra que travámos em África em defesa da soberania dos nossos territórios ultramarinos, à data do 25 de Abril, não estava militarmente perdida».
Coronel José Caçorino Dias (in Humberto Nuno de Oliveira e João José Brandão Ferreira, «Guerra d'África 1961-1974: Estava a Guerra Perdida?»).
«[Costa Gomes] escapou milagrosamente à depuração resultante da tentativa de golpe de Estado de Abril de 1961; foi comandante-chefe em Angola; chegou a CEMGFA, no consulado de Marcello Caetano; foi Presidente da República após os acontecimentos de 28 de Setembro de 1974 e, mais tarde, foi promovido a marechal do Exército. Entretanto, após ter deixado o cargo de Chefe do Estado, passou a militar no Conselho Mundial da Paz, organismo manipulado pelo Partido Comunista da União Soviética».
João José Brandão Ferreira («Em Nome da Pátria. Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa»).
«(...) A aranha tece a teia
Tudo era contestado, tudo devia mudar. A febre partidária tinha-se instalado na vida nacional. Organizações como a CIC, LUAR, CBS, LCI, URML, lançavam a mais completa desordem e anarquia nas instituições. A 23 de Maio anunciaram um comício para o dia seguinte e uma manifestação para o dia 25 a fim de afirmarem que o único caminho para impedir a restauração do fascismo era liquidar imediatamente a criminosa guerra de agressão nas colónias.
Mas não eram só os grupelhos que, logo após o 25 de Abril, começaram a fervilhar por todo o lado que condenavam a guerra no Ultramar. Ao lado deles alinhavam igualmente os futuros senhores do poder, a classe política civil mais proeminente, constituída em grande parte por exilados, fugitivos, desertores e oportunistas, que não perdiam o ensejo para se pronunciarem contra a "aviltante", criminosa, opressora, desonrosa, cruel, despótica, desumana" e outros epítetos com que qualificavam aquilo que chamavam de "guerra colonial". No fundo, apenas pretendiam autopromover-se, explorando em proveito próprio algum cansaço e insatisfação pelo arrastar de uma guerra de cuja justeza a maioria dos portugueses não tinha dúvidas. Foi uma desenfreada corrida para a conquista do poder ou simplesmente a busca duma notoriedade que nunca tinham conseguido por outros meios, pelo seu valor, pelo seu saber e, muito menos, pelo seu patriotismo. Importa referir que entre os militares, mesmo os "abrilistas" não se ouviram vozes de condenação da guerra onde participaram, mas tão só a necessidade de se encontrar uma solução política para o problema que ameaçava eternizar-se, pela inexistência duma estratégia global a nível nacional que ninguém teve a coragem de definir [???]. Cada qual fazia a sua política regional, segundo as suas convicções pessoais sem estar minimamente inserida em objectivos estratégicos claros dentro do todo nacional. "Ia-se fazendo a guerra" ao sabor e vontade de cada um, dentro de todo um conjunto de carências e insuficiências que com determinação e grande empenhamento se procuravam ultrapassar com grandes custos mas também com patriotismo. Conhecia a guerra por dentro e por fora. Desde o seu início até ao seu termo embora num único teatro de operações: o de Angola. Hoje, quando este país e o seu povo continuam passando os piores momentos de toda a sua existência, interrogo-me de quem é a responsabilidade? Para uns, aqueles que Camões referiu ao dizer: entre os portugueses, traidores também os houve algumas vezes, a responsabilidade continua a caber aos protagonistas do fascismo e da ditadura, à escumalha da PIDE, aos exploradores monopolistas, aos cabecilhas da União Nacional e a todos os que contribuíram para a manutenção de Salazar no poder. Para outros, eventualmente mais esclarecidos e bem informados, terá sido somente a grande riqueza daquela terra e toda a apetência que provocava nos mais poderosos. Para a grande maioria, apenas interessava sobreviver ao vendaval. Ontem, a luta desenvolveu-se entre os dois "grandes jogadores" dentro dos princípios da estratégia indirecta. Hoje, com o declínio dum deles, a luta desenrola-se entre o petróleo e os diamantes, sacrificando mais uma vez o povo angolano. Salazar, com a sua grande capacidade de análise, quando lhe comunicaram que tinham sido descobertas, em Angola, grandes jazidas de petróleo, terá afirmado "mais uma desgraça se vai abater sobre essa boa gente".
Mas nada disto importava à nova classe dirigente do País no pós-25 de Abril, quando defendiam a imediata e total independência para as colónias, quando sabiam ou deviam saber que estavam colaborando num projecto da entrega da tutela daqueles territórios a um dos jogadores que tinha perdido no terreno, no confronto armado com os portugueses.
Iniciava-se uma página nova da história naquela terra africana, desconhecendo-se quase tudo, mas não restando grandes dúvidas quanto aos seus promotores, uns operando nos bastidores, outros por ambição ou simples protagonismo e, ainda alguns, tão-somente instrumentalizados ou usados (tinham a oportunidade de se tornarem importantes).
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Naquela altura só importava gerar a confusão, a anarquia, a agitação que absorvia a atenção dos principais responsáveis pelo poder, eliminando os que tentassem opor-se à nova ordem, deixando assim o terreno livre para que uns tantos, bem poucos, pudessem levar a efeito um dos principais objectivos do 25 de Abril: entregar os novos países, resultantes da independência das províncias ultramarinas, aos senhores do Kremlin».
General Silva Cardoso («ANGOLA: Anatomia de uma Tragédia»).
«Dizer que Salazar foi um génio político será impolítico. Mas foi. É uma consolação da esquerda imaginar um provinciano manhoso, teimoso, cheio de sorte e obedecendo pura e simplesmente aos grandes deste mundo para conservar o poder. Eis um engano com o qual nada ganhamos. (...) É de repensar tudo acerca de Salazar. Num país atrasado, um grande conservador apoia-se fatalmente, embora não exclusivamente, em forças reaccionárias, mas os termos não são sinónimos. Melhor ainda: um conservador desses é em parte um reaccionário. Mas sabe evoluir, tem um plano capaz de digerir as modificações necessárias, de se limitar e enquadrar pelos princípios de sempre: Deus, Pátria, Família, Propriedade. Não quer voltar atrás ou sequer parar. Modela o novo pelo antigo, prudentemente.
(...) ao ser o único que reflectiu com certa largueza e ao mesmo tempo com realismo, sobre a questão do Estado, o pensamento político salazarista é o mais estruturado deste século em Portugal. É pena que assim seja, mas é verdade».
Manuel de Lucena («Portugal sem Salazar»).
«Nos finais de Agosto de 1974 cresciam o fanatismo, a intransigência e o ódio a todos quantos se opunham ao domínio do marxismo; estava em marcha o que veio a ser conhecido pela "perversão totalitária" do 25 de Abril e cujo primeiro grande passo viria ser dado com o 28 de Setembro e com o derrube de Spínola.
Escrevi então para uma nova revista, o Tempo Novo, um artigo verberante do que se estava a passar, sobretudo no campo da informação. O texto intitulava-se "A Agressão Ideológica" e nele dizia que a actual "agressão ideológica é o sucedâneo da 'caça às bruxas' e das denúncias do Santo Ofício. Trata-se antes de mais nada, para os virtuosos zeladores de uma ideologia, de nomear as bruxas ou os heréticos, sobrecarregando-os de uma carga moral e psicológica negativa, para depois os destruir com o assentimento ou mesmo o aplauso popular". Foi o que se fez antes do 25 de Abril? Foi. Mas hoje "nasceu e imediatamente proliferou a agressão ideológica de sinal contrário à do anterior regime"... "Mudaram os alvos e mudaram os caçadores de bruxas, mas o processo moral e psicologicamente inferior e inferiorizante" mantinha-se afinal, se é que não se agravava [e de que maneira!].
Este artigo foi publicado a 23 de Agosto de 1974. Cerca de um mês mais tarde dava-se o golpe totalitário do 28 de Setembro e algumas centenas de pessoas eram encarceradas no Forte de Caxias. É que toda a agressão ideológica, efectivamente, constitui o fogo de barragem que prepara a agressão física, a repressão, a prisão, procurando dar uma cobertura moral à violência e à intolerância do Estado de ditadura.
Quando o crítico Eduardo Prado Coelho, algum tempo depois, e a propósito desse artigo, me veio acusar do pecado de anti-comunismo, em artigo insolentemente intitulado "O anti-comunismo em patinhas de lã", a sua "agressão ideológica" não era inocente, visto que, já com Vasco Gonçalves no poder, visava justificar a boa consciência do neo-totalitarismo em formação. O que no seu artigo polémico verdadeiramente pesava, não era o seu discurso retórico em prol do marxismo, da luta de classes, da democracia popular, etc., era a nomeação dos réus - em suma era a denúncia.
Assim, depois de algumas palavras condescendentes e irónicas a meu respeito, Eduardo Prado Coelho, prestava a informação de que "o vemos aqui, nas páginas do Tempo Novo, ao lado daqueles que apoiaram activamente o Governo fascista ou que dele um pouco se afastaram por não o acharem suficientemente fascista", para mais adiante se me dirigir farisaicamente: "Agora já viu qual a função que a tal conversa do costume tem aqui nas páginas do Tempo Novo, entre as colunas militantes do fascismo? Já viu a figura que faz? A do raposinho fascista que não é". Nunca dei por que o director do Tempo Novo, José Hipólito Raposo, outra coisa fosse do que um monárquico liberal. Mas o que era afinal se não fascismo de esquerda, a criação de um ambiente de violência, de suspeita e de denúncia, cuja consequência imediata seria a prisão de intelectuais da oposição e o encerramento dos jornais ou dos editores que não alinhavam com a ortodoxia revolucionária?
Se o Tempo Novo foi depois proibido pela ditadura gonçalvista, se José Hipólito Raposo foi parar com os ossos a Caxias e se eu próprio viria a encontrar dificuldades editoriais e jornalísticas, é claro que Eduardo Prado Coelho pode lavar daí as suas mãos como Pilatos e proclamar a sua inocência.
Mas a verdade é que o terror gonçalvista e otelista, quase liquidatário da pátria e deixando sequelas que tornam dificílima, se é que não impossibilitarão em termos democráticos a recuperação nacional, precisou de uma atmosfera para se tornar possível. E infelizmente houve escritores e jornalistas que colaboraram a fundo».
António Quadros («A Arte de Continuar Português»).
«Entre os crimes mais gritantes cometidos depois da "revolução dos cravos" devem contar-se os saneamentos, efectuados sem a menor base legal, ao arbítrio de quem quer que se arvorasse com poder para tal.
Nas empresas os operários "saneavam" os patrões e "saneavam" os colegas que bem lhes apetecia. Quem já esqueceu o saneamento no "Diário de Notícias" de 24 jornalistas?
Nos Liceus e nas Universidades foram "saneados" alunos por colegas e professores por colegas e até por alunos...
Na função pública nem se fala: não tiveram conta os saneamentos, sobretudo nos ministérios da Justiça e do Trabalho, nos quais Zenha e Carvalhas como que competiram: chegaram a trocar comunicados nos jornais sobre quem tinha feito mais saneamentos... Honra seja feita a Mário Soares e a Almeida Santos que, quando ministros, não promoveram quaisquer saneamentos».
José Dias de Almeida da Fonseca («LIVRO NEGRO DO "25 DE ABRIL"»).
«Porque não faz o Dr. Medina uma devassa mais completa à minha vida? Faça-a, que não tenho medo nem complexos...
É óbvio que nunca reneguei nem renegarei o meu Pai, António Ferro, que foi o primeiro director daquele organismo, mas toda a gente sabe que apesar das vantagens que tal poderia trazer-me, fiz toda uma carreira de trabalho longe de postos políticos ou de lugares oficiais, não me escusando nunca a criticar diversos aspectos do regime, como pode ler-se nalguns dos meus livros. O mais simples teria sido chamar-me fascista e pedir o meu saneamento, pois como demasiadamente vimos, estas coisas nem precisam provar-se, e para destruir reputações não são necessários processos jurídicos de culpa».
António Quadros («Portugalinho ou Portugal?», Dezembro de 1976).
«Sou, afinal, suspeito de ter participado (ou tentado participar) numa alteração da ordem, através de meios violentos, entre os quais um assassínio.
Suspeito de ser um fora-da-lei - eu que sempre tive a preocupação de a respeitar. Que sempre a respeitei.
Suspeito de ser um desordeiro, um agitador e - quem sabe? - um assassino em potência!
Repeti estas palavras, vezes sem conta. Indignado e - confesso - também estupefacto. Percebi que tinha os olhos dilatados e acabei por fixá-los, apenas, num ponto do tecto branco da cela.
Eu, suspeito de delito comum?
Eu, que nada fiz de condenável em toda a minha vida. Cujos "crimes" se resumem em ter sido, tantas vezes, iludido na minha boa-fé. Que tenho tido problemas - alguns bem graves - por ter sido enganado por certos senhores muito respeitáveis. Eu, que não roubei, que não matei - que sempre abominei actos de violência, prepotências e injustiças. Eu, que sempre procurei contribuir para o bem dos outros, na medida das minhas possibilidades. Eu, que me recusei, sempre, a tirar qualquer proveito de situações menos claras.
E, preso como suspeito de prática de delito comum!
Aqui, metido numa cela, privado de liberdade que tanto amo - com a consciência de que estou inocente - enquanto lá fora se pavoneiam alguns dos que iludiram a minha boa-fé. Que me enganaram miseravelmente. Que, afirmando-se "senhores muito respeitáveis" me prejudicaram com a maior das sem-cerimónias.
Mas então como é isto possível?
E já não falo dos que roubaram e continuam roubando. Dos que assaltaram e continuam assaltando. Dos que exerceram prepotências e continuam a exercê-las - agora talvez mais cautelosamente. Dos que cometeram - e continuam a cometer - injustiças. Dos que se entregaram à violência e são capazes de voltar a fazê-lo.
Quantos desses andarão, tranquilamente, a passear pelas ruas de Lisboa, como pessoas de bem? A frequentar os bons restaurantes e alguns "tascos", onde certa "gente bem" gosta de exibir a sua... democracia?
Quantos continuarão a "assinar o ponto", regularmente, nos bares e boites, não dispensando o seu tão apreciado whisky velho - pago, muitas vezes, com o dinheiro com que não pagaram as suas dívidas?
Quantos desses andarão agora a apregoar os seus ideais que dizem que sempre tiveram, mas que não podiam revelar? Quantos se utilizarão dos meios de comunicação social para se tornarem arautos dos... "princípios" pelos quais - dizem - sempre lutaram?
Os mesmos que não se eximiam a "conviver", intimamente, com figuras destacadas do antigo regime e que não tinham o menor pejo em lhes solicitar constantes ajudas ou subsídios. Que nunca se esqueciam de convidar essas figuras destacadas, para almoços e jantares, ou para um simples drink em qualquer recatado bar de primeira categoria. Isto sem falar dos cartõezinhos de cumprimentos, a propósito de mais um aniversário da sua posse, ou de bons presentes na quadra natalícia.
Mas esses continuavam a ser livres como as andorinhas na Primavera. A ser pessoas muito respeitáveis e, nalguns casos, muito... influentes.
E eu? Eu continuo aqui, enjaulado, a falar sozinho e a olhar o tecto branco que não tem nada para ver... Eu, continuo aqui como um incriminado de "direito penal comum".
A "apodrecer" ou a tirocinar para... louco!
O mundo é, de facto, uma coisa maravilhosa...».
Artur Agostinho («Português sem Portugal»).
A Revolução dos Cravos: «manicómio em autogestão»
Natália Correia, das inteligências mais lúcidas deste País, que nos momentos mais dramáticos e críticos do gonçalvismo (com Vera Lagoa e Fernanda Leitão), foi a voz da coragem, da firmeza, do patriotismo esclarecido, a verdadeira pedra no charco de uma revolução em epilepsia permanente - escreveu, com grande rigor de forma e de observação: «com o 25 de Abril, propiciaram os militares liberdades que excediam a capacidade para as suportar no quadro histórico em que elas irrompem?» E volta a interrogar, pondo o dedo na ferida: «Romantismo? Precipitada alternância descontractiva de um longo período de repressão? Inabilidade para suster num ponto de equilíbrio os acontecimentos que desencadearam?». E conclui: «Seja como for, as liberdades foram generosamente prodigalizadas e orgiasticamente festejadas». Por fim este seu artigo remata com esta rara felicidade: «Há que entender, finalmente, que a liberdade serve para aperfeiçoar. Não para piorar».
Para lá do desbragamento da liberdade concedida à maluca, o mais chocante e comprometedor da Revolução Traída é a ofensiva irracional, que autênticos tarados mentais, como o caso de um João Medina qualquer, desencadeiam contra os valores da nossa cultura e, no campo histórico, denegrindo os vultos e símbolos da Pátria, que somos no Mundo.
Apequenando tudo, arrazam-se os valores da cultura e os grandes feitos da História. Elimina-se, na Escola, a disciplina de história, porque alienante e fascizante, porque não democrática, como se chegou fingidamente e lorpamente a dizer-se. Cometeram-se atentados abomináveis, nesse domínio, sem que força alguma ou qualquer assomo de uma autoridade responsável o impedissem. Deixou-se de ler Camões e outros poetas e escritores de antologia, que tantos e tão belos temos - pondo-se a crianças a ler Fidel Castro e até essa figura simiesca de Samora Machel. Em cadernos editados pelo Ministério da Educação e Cultura, para divulgação do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ), através do Movimento Alfa, escrevia-se, em letra de forma, como ofensa aos sentimentos religiosos do Povo Português, o sacrilégio máximo que, com perdão de Deus, transcrevemos para edificação de um processo revolucionário inclassificável:
Esta ofensa gratuita ao que de melhor e mais puro existe na alma e no coração dos portugueses: o seu sentimento pela religião e pelos símbolos e valores supremos da Pátria, condenaram, inexoravelmente, para sempre esta Revolução da Vergonha, este Enxovalho, este Capitólio de lama, em que se transformou!
Com efeito, quer ao tempo do gonçalvismo, quer já ao tempo do governo constitutional, essa ofensiva de nos amesquinharmos e de nos apoucarmos como identidade histórica, como povo culturalmente adulto - procura abalar a nossa crença de povo, a nossa «imagem» nacional. Um tal João Medina, produto espúrio do meio cultural português, escreveu no «Diário de Notícias», de 22 de Setembro último, um artigo intitulado «Portugal, Portugalinho», em que avança considerações deste jaez, depois de afirmar que «não somos uma nação com maiúsculas, não somos já Portugal, somos um Portugalinho»: «somos uma espécie de arménios, somos superficiais, não temos profundidade - somos um País sem distância, e, apesar de contarmos com uns quantos poetas, ensaístas, romancistas ou "intuidores", somos talvez uma choldra, como dizia o escarninho Eça e ainda por cima somos um Povo sem pensamento, isto é, somos muito pouco, quase nada, somos nada».
Esse espírito repugnante e asqueroso, como diria em resposta a única voz digna que se saiba ter vindo à estacada, contra o reles escrevinhador - referimo-nos ao brilhante ensaísta António Quadros - «apesar de agressivamente antiportuguês mas publicado com destaque num grande jornal é infundamentado e gratuito», além de que, pelas conclusões do articulista, «fica assim resolvido o famoso problema da identidade portuguesa: o País não é nada».
Este «Portugal, Portugalinho», além de um escarro infecto, é uma inadmissível afronta feita à Pátria de todos nós, aos nossos mortos, a todos quantos no passado, de geração em geração, a ergueram às culminâncias da glória e das gestas imperecíveis.
Antes deste escrevinhador desvirilizado, outros, no Outono de 1974, a poucos meses do 25 de Abril, em clara e aberta obediência à destruição dos nossos valores históricos, patrocinados sempre pelas mais altas instâncias oficiais deste País, se insurgiam ao que entendiam «contrariar o processo de democratização», como é o caso de Manuela Alves, no «Diário de Lisboa», em que se referiam, graficamente, as «enormidades» que se continham ainda em alguns manuais do ensino primário, «servindo o fascismo», e que terão sido entretanto possivelmente reduzidos a cinzas pelo célebre despacho desse infeliz secretário de Estado, Rui Grácio, de seu nome, cognominado como o «Grande Incendiário» de toneladas de obras literárias que pelo fogo puderam ser purificadas...
No «grito de alarme» dessa esclarecida Manuela Alves, e como se encontra devidamente posto em evidência, consideram-se ultrajes à democracia, um pequeno trecho de Trindade Coelho, de «Saudação à Bandeira» nacional; um outro, ilustrado pela reprodução de um mapa, em que se situa Portugal no Mundo; a condenação de uma referência, num livro da quarta-classe, ao facto do Estado da Índia ter sido violentamente ocupado pela União Indiana; outro, ainda, por num texto escolar se exaltarem como «heróis» os chefes indígenas timorense e goês: D. Aleixo Corte-Real e Aniceto do Rosário; em que se contesta a legitimidade da entrega de condecorações por feitos de campanha a militares brancos e de cor, no «Dia de Portugal», etc., etc., - perante o qual não sabemos que mais espantar e como se tornou possível que tais coisas ocorressem, num País dito civilizado, na época que vivemos. Triste, mas verdadeiro!
(...) De toda uma conduta de excessos e de trapaças pseudo-revolucionárias se podem entretanto totalmente ufanar os desavisados e ignorantes «capitães» do MFA e com eles todos os oportunistas e medíocres que tortuosamente se lhes colaram: o de terem efectivamente destroçado o País, traindo o Povo, e ganho, em escassos meses, de desordem e anarquia, a olimpíada do disparate revolucionário.
Foi Tocqueville quem escreveu que o movimento democrático se faz, com o auxílio do cesarismo, pelo concurso de dois movimentos: uns descem, outros sobem ... Num dado ponto intermédio, ocorre o encontro, e tudo se funde numa espécie de mediocridade: e temos aí a mediocracia.
O 25 de abril da traição, conduzido em condições primárias, por celerados mentais, forjou a sua «balalaika»: de início, o desenho para um projecto de democracia, que abriria de par em par aos portugueses a prosperidade e a abundância, uma antecâmara do Paraíso; instalada esta fase anedótica do processo revolucionário na engrenagem manipuladora das massas a canção passou a ser outra - um misto de liberdade, que depressa virou libertinagem, e de socialismo também em liberdade ... temos portanto instaurado o culto da santíssima trindade: democracia, liberdade e socialismo, o endeusamento das respectivas palavras, a sedução da demagogia que passou a fazer-se, despudoradamente à sua sombra, confundindo e transviando as pessoas e com elas o País.
Pretendia-se e incensava-se uma prática democrática, de amplas liberdades, como forma insidiosa de abrir caminho, de atropelo em atropelo, predeterminando-se o povo português, por uma acção repetitiva em obediência às melhores técnicas de manipulação - às «vias» para ... aos «projectos» para ..., às «pistas» para ... Nesta conversa fiada, o 25 de Abril deixa de ser uma Revolução: é um enxovalho, um ultraje, à inteligência e à dignidade dos Portugueses.
(...) Ora, na perspectiva do tempo, aquele 25 de Abril da utopia, não é mais do que um 16 de Março (o pronunciamento das Caldas) que desce de Sacavém ao Terreiro do Paço, sem um disparo, sem qualquer oposição de natureza militar. A História faz-se por vezes destas bagatelas, com pequenos e insignificantes factos. A História é um acidente, por vezes sem grandeza nem símbolos. São os acasos que fazem a História. Em 25 de Abril, os homens de uma determinada época, de um determinado estilo social - capitularam pura e simplesmente, sem condições. Não há feitos gloriosos nem heroísmos a exaltar: nem de um lado nem de outro. Há pusilanimidade, um encolher de medo de farda para farda, uma certa perplexidade e uma certa expectativa. O acaso ditaria uma vez mais a História, quase sem se dar por isso...
A Revolução criara a sua mitologia: fez-se por si. Nascera de um parto sem dor. Não há homens, ensandecidos, a combater outros homens. Não há disparos mortíferos. Não corre sangue. A Revolução que vence no Largo do Carmo, não é uma ideia: é a imagem da resignação, que se transformaria no calvário da Pátria. É deste modo, tão frouxo, que se vira uma página de história, para um destino desconhecido, que se antevê cruel.
(...) PARTICIPAÇÃO COMUNISTA NO PROCESSO
(...) Destruir para edificar de novo
Vascolejada, a vida nacional, de ódios e de ambições, cedo começou a desenhar-se a traição do 25 de Abril: traição descabelada e torpe à Revolução, traição abjecta e iníqua ao Povo Português. Com efeito, tudo começaria, de forma atrabiliária e trágica, admitida que fora a participação do Partido Comunista no primeiro Governo Provisório, sob a chefia do Prof. Adelino da Palma Carlos. A aceitação dos comunistas, como parceiros democráticos, não lembraria ao diabo. De inspiração stalinista, portanto da linha ortodoxa, de total obediência a Moscovo, colocar comunistas no governo do País era abrir logo uma grande fenda no processo revolucionário com vista à democracia burguesa, pluralista, que teria de ser o primeiro projecto sério a realizar no pós-revolução.
Destruído pela traição de alguns dos seus destacados membros de cúpula, o PCP estava, por altura de 1974, praticamente desfeito ao nível de direcção. Não era, e estava mesmo bastante longe de ser, a força que a sua «imagem» sugeria por anos de luta clandestina e subversiva. Os quadros de que dispunha em 25 de Abril, eram escassos e pobres. Sobrevivia com base nos chamados «históricos» do Partido, indivíduos sem o mínimo de craveira mental e política para o desempenho de cargos na governação do País - país esse que, pela prolongada clandestinidade dos seus membros mais influentes, desconhecia por completo. Para mais viviam na obsessão do ódio, primeiro do regime salazarista e depois do caetanista. Não representavam uma potência, uma força: eram um «bluff» ... Um balão cheio de ar.
Inicialmente relutante a aceitar uma participação comunista ao nível de governo, que se lhe oferecia como prematura e arriscada, o general Spínola terá tentado ainda tornear essa tentação. Com efeito, aceitara o general como mau prenúncio que, logo no dia 26 de Abril seguinte à Revolução, e da responsabilidade do grupo pró-comunista CDE, tivessem sido profusamente espalhados pela cidade e noutros pontos do País manifestos de empolamento demagógico nos quais se escrevia, com notório destaque, que «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»... Que no apelo lançado pela direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP com vista à manifestação programada para o 1.º de Maio, se apontassem as transformações que no entender do referido partido se tornavam inadiáveis, nomeadamente, entre outras, «o fim da guerra colonial pela suspensão imediata de todas as operações militares nas colónias, pela abertura de negociações com o MPLA, PAIGC e Frelimo» (em aberta e flagrante oposição ao Programa e às normas fixadas ao Governo Provisório). Isto quatro dias depois do 25 de Abril! Na mesma data, a 29 de Abril, logo que chegado do seu exílio, ainda no Aeroporto de Lisboa, Álvaro Cunhal entre várias tarefas prioritárias ou urgentes, que enumerou, indicou como uma delas o fim imediato da guerra colonial.
Pressões de vária ordem se fizeram no entanto sentir junto do General por forma que fosse dado um lugar de relevo ao PC no Governo Provisório, empolando-se ao presidente da Junta de Salvação Nacional a força de mobilização de que aquele partido dispunha, o que, como se disse mais atrás, não passava então de um descarado «bluff». As sucessivas eleições a que aquele partido tem concorrido revelaram isso mesmo: que o PC continua a jogar com uma força que não tem, autêntico «tigre de papel»...
O próprio líder socialista, Mário Soares, tornou público logo que em 28 de Abril regressou do seu exílio de Paris, o que depois faria na visita que daí a dias empreenderia a algumas capitais europeias, que o Partido Socialista não tomaria parte no Governo Provisório caso os comunistas nele não estivessem representados. Idênticas e não menores pressões se fizeram no mesmo sentido por parte do sector «progressista» das Forças Armadas. Tal facto a verificar-se, como se verificou - os acontecimentos que se lhe seguiram no processo revolucionário são bem eloquentes - viria a abrir caminho, como abriu, à desdita imensa que se abateu como um pesadelo sobre o Povo Português, da Metrópole e do Ultramar.
Amparados pela linha chamada progressista do MFA, que havia de dar quase toda em patanas no 25 de Novembro, e de que apenas alguns mais cobardes se escaparam por um triz - os comunistas foram sacando dividendos de uma força e de um prestígio falsamente fabricados, pelo que, sentindo-se reconfortados começaram logo, como diria deles Barros Queiroz, no parlamento da Primeira República, «a deitar os corninhos de fora»... Nem outra coisa seria de prever!
Regressado a uma legalidade tumultuária, com o País sem rei nem roque, apoiando-se nalgumas das suas células, o PCP desencadeou sem perda de tempo (como vimos, a 4 dias do 25 de Abril, começou a deitar balões...) uma actividade organizada, com os olhos fitos na subversão que desde logo lhe interessava alimentar a nível do País. Daí o aproveitamento que fez da total ausência de autoridade, do vácuo político que, entretanto, e apesar das «penteadas» palavras do Programa e do decreto-lei n.º 203/74, se fizera por força dos acontecimentos e da confrangedora incompetência de grande parte dos militares que detinham o processo. Por outro lado, as forças políticas de «direita», face à onda de feroz demagogia que varria o país de uma ponta a outra, imobilizaram-se pelo medo e bem assim muitos milhares de portugueses que, por motivos ideológicos ou pela simples prestação de serviços anódinos, receavam vir a ser, como sucederia em inúmeros casos, considerados «comprometidos» com o regime deposto.
(...) Bases para uma conquista do Poder
O assalto à direcção dos sindicatos e a ocupação metódica que começou por fazer de grande parte dos orgãos de administração local (câmaras municipais e juntas de freguesia) por militantes seus ou por activistas do CDE, ao serviço do Partido, depressa conferiria aos comunistas uma aparência de força que, habilmente explorada, desequilibraria, a seu favor, tal como sucedeu, o quadro político do País abstracto que não real. O quadro político desse País «imaginado» serviu de escudo aos militares semi-ignorantes e semi-analfabetos do processo, que na altura ocupavam posições influentes nos sectores de decisão, para imporem, pouco a pouco, a hegemonia do PC em todos os escalões da hierarquia do Estado. Esses mesmos militares, ao fazer abertamente o jogo do Partido, autoconvenceram-se da impossibilidade de poder o País ser conduzido para os objectivos extra-Programa do MFA e do próprio Governo Provisório Civil, sem uma cooperação íntima com os comunistas...
Vendo-se como por encanto numa posição oferecida de mão beijada e que há um mês atrás seria de todo em todo impensável, chefiado por um homem obstinado, que de português só conservava o nome - Álvaro Cunhal - que se aureolara de um halo de mistério e de martírio, vivendo em Moscovo num «exílio doirado», com todas as honras de cidadania, considerado um herói soviético, o Partido Comunista passou praticamente a mexer todos os cordelinhos do processo revolucionário em curso, pondo e dispondo a seu belo prazer. Começa por se proclamar hipocritamente desinteressado na construção de um socialismo marxista, de cariz totalitário, stalinista. Finge hipocritamente colaborar num projecto de uma «democracia burguesa», com que procura «ganhar tempo», até dominar todo o aparelho burocrático. Delineia todo um processo de agitação ao nível laboral, de incitamento à greve, de unidade sindical (unicidade), de reivindicações salariais, usando e abusando do método leninista de repetição de «slogans» demagógicos, explorando o baixo instinto das massas proletárias, dando-lhe a falsa ideia de que a revolução somente se tornará possível quando os trabalhadores controlarem todo o processo produtivo. Propõe uma luta irracionalmente antimonopolista e destrutiva das grandes empresas, incluindo a banca e os seguros. Lança desse modo a semente do ódio e toda uma seara cresce a partir daí. Não é mais a revolução: é o inferno...
Curiosamente, estávamos a poucos dias, menos de um mês, do 25 de Abril e já o PC era o patrãozinho. Adoptando o melhor da sua técnica e usando da maleabilidade ajustada a cada circunstância, procurava paralisar toda e qualquer reacção dos sectores militares menos permeáveis ao canto da sereia comunista, grande parte dos quais na altura eram os únicos detentores legítimos de uma certa força real. Daí os expurgos levados a cabo nos diversos ramos das Forças Armadas, de oficiais de carreira, passados compulsivamente à reserva com a cobarde conivência de camaradas e amigos. Eram depurações, à boa maneira stalinista!
(...) O PC propõe as grandes linhas de actuação - É o caos...
Em entrevista concedida em 28 de Janeiro aos orgãos de Informação em pleno surto gonçalvista, e o Partido Comunista vive aí o seu período de maior triunfalismo, é Álvaro Cunhal quem afirma, ao referir-se à grave situação económica e financeira, situação essa que, no seu entender, exige medidas que capitula de urgentes e operativas:
«O País aguarda com profundo interesse o programa de emergência que o Governo prepara (1). É legítimo esperar medidas enérgicas para restabelecer o equilíbrio financeiro e para atacar e impedir a sabotagem económica com que o grande capital e os grandes agrários (2) estão minando a economia portuguesa». E acrescenta sempre a mesma ladaínha: «Os monopólios retiram das empresas os capitais criados pelos trabalhadores e aumentam as fortunas privadas, deixando que as empresas caminhem para a falência e o encerramento. Os grandes agrários abandonam as culturas». Finalizando, diria ainda que «Portugal não poderá sair das dificuldades actuais sem uma consequente política antimonopolista e antilatifundiária e sem a intervenção criadora das massas trabalhadoras nas actividades económicas nacionais»...
Todo o Povo Português teve ocasião de viver horas de amargura e inquietação justamente por se ter pretendido, inconscientemente, transferir para as massas trabalhadoras a responsabilidade da direcção das actividades económicas da Nação. Viu-se, à saciedade, até que ponto a intervenção criadora das massas conduziu este País... Algumas dessas acções, apreciadas à distância dos factos que as geraram, permite-nos a possibilidade de avaliar, com maior serenidade e objectividade, até que ponto foi possível, num clima tumultuário, anárquico e irresponsável, fazer imperar a mediocridade, a incompetência, o espírito mesquinho de vingança, o nu das frustrações, dos recalcamentos, a demagogia, e, sobretudo, a porca necessidade de mentir, grosseira e indigníssimamente!
(...) PARTICIPAÇÃO SOCIALISTA NO PROCESSO
(...) Mário Soares, motor da desgraça Nacional...
Não é possível dissociar a pessoa do dr. Mário Soares do número daqueles exilados que, de regresso à Pátria, mais poderosamente contribuíram para precipitar o processo político na situação de anarquia e de irresponsabilidade que o País viveu tumultuariamente até ao 25 de Novembro. De certa maneira, não poderá isentar-se o líder socialista da situação de desgoverno actual e da iminência dum colapso do corpo social da Nação.
Verdadeiramente, à data do 25 de Abril, o Partido Socialista não era uma organização hierarquizada de quadros: mas um rebanho tresmalhado, por aqui e por ali. Algumas da suas ovelhas baliam no estrangeiro, atacando e denegrindo a Pátria, numa conspiração permanente. Em Portugal a única «presença» viva era a dos chamados «republicanos históricos», alguns de inspiração socialista, mas de um socialismo sério e patriótico que nada tinha a ver nem com o de Paris e menos ainda com o de Argel. Carlos Vilhena, Prof. Dias Amado, dr. Aresta Branco, dr. Aníbal de Castro, Comandante Cabeçadas, Moreira de Campos, Almirante Ramos Pereira, Eng.º José Hermógenes do Rosário, Roberto e Rui de Brito, e tantos outros, com igual estatura moral e política, são exemplos de fidelidade a um ideal, mas totalmente incapazes de vender-se por 30 dinheiros...
Com Mário Soares, dá-se este caso espantoso: a revolução foi a 25 de Abril e já a 28, três dias depois, ei-lo que, febricitante e apressado, rompe em Santa Apolónia, vindo de Paris, onde comprazera a sua solidão de político frustrado. Logo que chegado, entre palmas e vivas, apertado pelos braços de uns e outros, ao sol lusitano, começou por declarar ao «Diário de Notícias» que, como era evidente, «não trazia um programa na manga do casaco», repontando: «Mas, enfim, quais serão esses problemas a resolver? Naturalmente, visto em linhas gerais, a crise económica, a inflação, a imigração, as actividades sindicais e, com certeza, a guerra em África»... Nessa mesma miniconferência de imprensa, improvisada em Santa Apolónia, aproveita para acrescentar ser «o general António de Spínola um militar corajoso e respeitador a quem todos devemos estar gratos», esperando, por seu lado, «fazer do povo socialista português um verdadeiro povo socialista europeu» e concluía grandiloquentemente: «O Exército fez a revolução - agora o povo manda»...
Regressando, portanto, a 28 de Abril, vindo também, como o seu camarada Cunhal, de um «exílio doirado» - só que um de Paris e outro de Moscovo - logo a 3 de Maio arranca célere em direcção a Londres, para uma viagem «relâmpago» por algumas capitais europeias, para onde viajava não a título oficioso nem oficial mas apenas como enviado do seu Partido, fazendo-se acompanhar da mulher, Maria Barroso, e de Jorge Campinos.
Quatro dias depois, em conferência de imprensa, devidamente organizada, extensiva à rádio e à televisão portuguesa e estrangeira, Mário Soares iria desenvolver os resultados positivos da sua viagem, a posição do seu Partido face ao movimento político, do Governo Provisório a constituir em breve, a posição do PS perante o problema colonial, dispondo-se a satisfazer algumas questões que lhe fossem formuladas.
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A personalidade do líder socialista, o seu estofo moral, a sua categoria mental, o oportunismo político que, ao longo do processo revolucionário do pós-25 de Abril, havia de caracterizar, com rigorosa precisão, a sua trajectória em equilíbrio instável - começou verdadeiramente por se definir nesse contacto em grande com os orgãos de comunicação social. Efectivamente, sem tirar nem pôr, Mário Soares está todo ali, em corpo inteiro.
(...) Não à participação de homens comprometidos...
Aproveitou o chefe socialista para declarar que Portugal tinha já uma imagem (não haviam passado ainda 15 dias do 25 de Abril...) completamente diferente da de há duas semanas atrás, tendo o seu Partido contribuído em grande parte para esse volte-face. Relatou mesmo que os ingleses lhe terão dito que se o general Spínola quisesse ir a Londres seria ali recebido em apoteose (sic)...
No período de perguntas e respostas, que se seguiu, declararia que o PS não estava disposto de forma nenhuma a aceitar no próximo Governo Provisório qualquer antigo governante do regime fascista, embora considerasse que o seu Partido saberia, em qualquer caso, separar o trigo do joio...
Curiosas, esclarecedoras e não menos edificantes, para o que fizera «correr» na altura Mário Soares, são o feixe de revelações feitas, hoje aqui, amanhã ali, em nome do seu país, à medida que cirandava por algumas capitais da Europa, ora tendenciosas, ora disparatadas, reveladoras de um descoroçoante «infantilismo» político, característico aliás de certos homens de oposição que ainda arrastam as penas da sua profunda frustração. De jornais ou de simples despachos de agências noticiosas, aqui ficam alguns exemplos entre cómicos e confrangedores...
Soares e Spínola
Londres, serviço da «Reuter», 3 de Maio de 1974, dia em que Mário Soares empreenderia a sua famosa viagem-relâmpago:
O secretário-geral do Partido Socialista Português, afirmou nesta capital esperar o mais cedo possível um cessar-fogo entre as forças armadas do seu país e os movimentos de libertação em África. «Devemos negociar o mais depressa possível com os movimentos de libertação», observou o dr. Mário Soares a jornalistas londrinos. Respondendo a perguntas na conferência de Imprensa, declarou-se firmemente contra qualquer solução unilateral de independência nos territórios portugueses de África, semelhante à da Rodésia, em 1965. Disse que ficara enormemente impressionado com as duas entrevistas pessoais que tivera em Portugal com o general Spínola, chefe da nova Junta de Salvação Nacional, que assumiu há pouco o poder em Lisboa, e exprimiu a confiança que os socialistas depositavam nesse ilustre militar. Interrogado acerca de notícias de que poderia vir a sobraçar a pasta dos Negócios Estrangeiros num novo Governo português - o dr. Mário Soares retorquiu que ninguém lhe falara sobre isso e que o assunto não fora discutido no seio do seu partido. Tornou, porém, bem claro que os socialistas esperariam ter certa influência em qualquer nova união das forças democráticas em Portugal.
Em declarações prestadas à mesma agência de notícias, definiu as duas maiores dificuldades que o Portugal Novo enfrentava como sendo a de evitar uma divisão entre as diversas forças políticas e a possibilidade de paralisia ou deterioração económica (3)... Pensava deverem os comunistas participar no futuro político de Portugal, porque pertenciam à comunidade nacional e representavam uma tendência política, salientando que os socialistas nunca participariam num governo não eleito, nomeado pela Junta de Salvação Nacional, se esse mesmo governo não incluísse partidos da oposição...
Em entrevista concedida em 8 de Maio, no próprio dia da conferência de imprensa a que aludimos, à «Newsweek», publicada em Portugal em exclusivo de «O Século», pode ler-se como proferido por Mário Soares em respostas a perguntas que lhe foram sucessivamente apresentadas:
P. - Estaria disposto a fazer parte de um Governo Provisório que incluísse comunistas?
R. - Absolutamente, embora saibamos o que os comunistas defendem; eles têm um partido forte, que se manteve na vanguarda da luta contra a ditadura. Não podem ser excluídos.
P. - Vê qualquer possibilidade de formar uma Frente Popular com os comunistas?
R. - Não temos um programa comum com os comunistas. De momento, não há uma Frente Popular, e não sei se viremos a estabelecer um pacto com os comunistas para as eleições. Para já, temos muitos e grandes problemas a resolver. Embora disponhamos de uma forte base (trabalhadores e intelectuais), temos de garantir a adesão de outras da vida portuguesa à nossa aliança. Precisamos da classe média, porque o seu apoio é essencial se quisermos alcançar a mudança revolucionária da nossa sociedade, que há tanto tempo nos é negada.
P. - Em sua opinião, qual o maior problema que Portugal tem de enfrentar nos próximos meses?
R. - A libertação das colónias africanas. Temos de começar a trabalhar imediatamente, no sentido de obtermos um cessar-fogo com as guerrilhas. Não podemos esperar doze meses por um Governo eleito, para tratar este assunto. É um problema que o general Spínola e o Governo Provisório devem tratar sem demora...
P. - Segundo o general Spínola, audeterminação não significa independência. Essa linha de orientação não será muito diferente da que o Partido Socialista está a tomar?
R. - O general Spínola conhece a nossa posição. É a de independência pura e simples...
P. - Vê qualquer possibilidade de os colonos brancos dos territórios africanos tomarem o Poder, se sentirem que Portugal tenciona afastar-se?
R. - Devo avisar os separatistas brancos dos nossos territórios africanos que queiram seguir esse rumo de que os esperam novos Vietnames. Tenho-me encontrado com dirigentes dos movimentos de libertação, em conferências internacionais, e eles dizem-me que a sua luta não é contra o Povo Português, mas contra o fascismo e o colonizador... (4)
P. - Se o Partido Socialista vier a alcançar o Poder político em Portugal, que espécie de política económica pensa seguir?
R. - Não devemos afastar a burguesia. Mas a situação é explosiva, perante os chocantes contrastes entre riqueza e pobreza, neste País. Como sabe, o nosso nível de vida é o mais baixo da Europa Ocidental (5). Se nada se fizer para atenuar as evidentes diferenças de riqueza, as tensões aumentarão rapidamente, agora que o povo pode exprimir livremente os seus pontos de vista. Sob o anterior regime, tínhamos uma classe económica «dirigista» que lucrou enormemente com a ditadura. Os seus privilégios ser-lhes-ão retirados...
P. - No campo da política externa: prevê qualquer modificação da atitude de Portugal para com a aliança ocidental?
R. - Enquanto o outro lado mantiver o Pacto de Varsóvia, creio na cooperação com o Ocidente e na aliança de segurança colectiva que a NATO representa. Quanto à base dos Açores - é assunto que pode esperar. Temos coisas mais importantes a resolver neste momento.
P. - Receia qualquer contragolpe da parte dos que ainda acreditam no antigo regime?
R. - Temos de estar atentos. Creio na tolerância. Mas não podemos permitir a ameaça de uma contra-revolução que venha fazer do País um novo Chile. Penso que devemos depurar todos os responsáveis pelo assassínio de tantos dos nossos dirigentes políticos durante a ditadura. Se nada fizermos, eles podem subir, tomar o poder e executar-me, como aconteceu no Chile...
(...) Situação catastrófica da economia - Maio/1974...
Entretanto, na rádio belga, no mesmo dia, declarou o líder do PS viajar por algumas capitais europeias com o objectivo de «informar o mundo da situação do seu País» e mais: «Há que agir agora em duas direcções: salvar a catastrófica situação financeira de Portugal (6), recebendo por isso auxílio dos países aliados e amigos, e encetar o processo de descolonização, acabando com a guerra nos territórios portugueses de África». O dr. Soares pronunciou-se no sentido da independência dos territórios ultramarinos e de negociações imediatas com os movimentos africanos de libertação. Um dos pontos salientes do comunicado final das suas conversações com os dirigentes socialistas belgas aponta justamente para a esperança de que Portugal democrático ocupe o seu lugar dentro das organizações europeias...
O chefe do PS, por sua vez, pediu, também, o reconhecimento rápido, por parte de todos os países, do novo Governo militar de Portugal e mais auxílio financeiro e técnico para a sua Pátria (7). O jornalista que o entrevistou na rádio belga ter-lhe-ia perguntado se era a favor de uma Federação ou da Independência, ao que aquele respondera prontamente: «Sou abertamente pela independência e na minha opinião e na do meu partido é necessário negociar urgentemente com os Movimentos africanos de Libertação»...
Vala comum dos antigos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas assassinados às ordens de Luís Cabral (1980). |
Acordo do Alvor |
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(...) Soares, quando não mente - inventa...
Terminado o retrato, a corpo inteiro, feito por Soares a ele próprio, que mais dizer do novo astro que, vindo de Paris, sôfrego de ambição e do poder, surgiu luminoso, enriquecido pelo exílio, por entre as chaminés da Pátria?
A filosofia do homem, como escreveu Ficht, depende da espécie de homem que ele é. A deste é assim: com tanto articular, desarticulou-se de todo. Viajando por conta e risco, ainda em cima do 25 de Abril, por essas capitais europeias, perorou de alto, como se fosse já o primeiro-ministro que pensaria ser... Era esse o seu alvo. Em aceleração contínua, despejando hoje aqui, amanhã ali, opiniões levianas e desmioladas, comprometeu, com frequência, o futuro Governo Provisório a constituir, especialmente quanto a questões de fundo, de grande melindre, que inconsequentemente avançou. No seu inveterado vício de «globe-trotter», deslumbrou-se amiúde na asneira piramidal, proferindo hoje neste país, amanhã naquele, chorrilhos de despautérios, de mentirolas, de grosseiras e inqualificáveis distorções da realidade portuguesa à data do 25 de abril, numa palavra: todo ele se desencaixou, sem o mínimo aprumo, numa apojadura irreprimível de disparates e leviandades. Na sua ignorância, ou na sua esperteza saloia, no sectarismo hermético que não lhe permitia uma réstea de luz ou de razão - não era fonte donde brotasse a água cristalina e pura da verdade humilde, mas um chafariz de água salobra, inquinada de escorrências fétidas.
Dizia Swift que para sustentar uma mentira é preciso forjar pelos menos vinte. Nunca Mário Soares iludiu essa exigência: quando não multiplica a mentira, inventa dislates sem conta...
Ler à distância afirmações por si produzidas, quer quando da sua viagem-relâmpago, quer quando do regresso do seu exílio «valorizador» («eu próprio sou hoje outro homem»), é sentirmo-nos perplexos, sem saber que mais admirar: se a sua ignorância, se a sua bonomia. Se este homem não desempenhasse o alto cargo que desempenha, não valia a pena gastar dez réis de tempo com ele. Atirávamo-lo para o caixote do lixo da história política deste País, como a um Cunhal, e outros tantos cáca-ralas que, em carne limpa, não valem dois vinténs...
Não será este o caso. O líder socialista, no transcurso da sua chegada a Portugal, a 28 de Abril, até à primeira crise do processo revolucionário, em Julho de 1974, somou erros sobre erros, concorrendo largamente, pela sua fatuidade, para o descalabro da descolonização, para a destruição das estruturas económicas do País, para uma prática política confusionista, na sombra do Partido Comunista, o seu grande complexo - que acabaria por conduzir à desgraça que se abateria inclemente sobre a Pátria.
(...) Lusaka: A Traição
É como ministro dos Estrangeiros que vai a Lusaka apunhalar o Programa do MFA no respeitante ao problema do Ultramar e dar satisfação a compromissos firmados, há muito, com os seus comparsas do estrangeiro, decidindo nas costas do Povo Português sobre a questão mais transcendente da vida nacional.
Tem consigo a rabulice do advogado citadino, mas falta-lhe o quid que define os grandes homens de Estado: sagacidade, poder de previsão, inteligência ponderada. As suas mais espectaculares intervenções públicas - retratam-no como um político sem dimensão e sem craveira, confinado nos estreitos e apertados limites de uma capacidade mais do que duvidosa. A demagogia é a sua grande arma, a sua força. Utilizou-a quanto pode em seu favor e do seu partido, e dela vai fazendo o mau uso que, umas vezes em nome da democracia e, noutras, em nome do socialismo sem liberdade, se lhe consente.
Quanto se desprende deste homem, em termos de acção política consequente, é toda uma situação de vazio, de desconsolo e de desconforto. Estamo-nos nas tintas com as suas «habilidades» forenses. Sentimo-nos é cada vez mais alarmados por nos darmos conta de que estamos a ser «dirigidos» por homens deste coturno. Terão aprendido muito nos seus exílios, a cinquenta contos por mês, ou lá o que fosse. Vida grande não se faz com pouco dinheiro. São homens que o exílio «valorizou» imenso, que muito aprenderam e deram nas vistas nessas universidades famosas da Europa e da América. Certo: os cérebros eram deles, nós uma casta de burricegos; seriam eles que defendiam e davam o nome a Portugal, o melhor mesmo da nossa massa cinzenta...
Álvaro Cunhal e Samora Machel |
(...) Do elogio dos exilados às borracheiras de Soares...
Ao contrário do que seria de esperar, nesta viagem da história pátria, em vez de remediados descemos à pobreza extrema; em vez de fortalecidos estrategicamente, debilitámo-nos, amputando-nos a nós próprios na geografia das fronteiras seculares; em vez de glorificarmos através da Revolução os símbolos da Pátria, apoucámo-nos, rebaixando-nos na escala dos valores humanos; em vez de mais riqueza, empobrecemo-nos sem remédio - e de tudo quanto nos foi demagogicamente prometido somente nos deixaram, até ver, liberdade, liberdade para destruir, para criar ódios, forjar vinganças, cavar abismos sociais...
Esqueceram-se os «dirigentes» desta nova época histórica que esse supremo bem que é a liberdade não enche barrigas. Como diria Ramalho, nas Farpas, «porque a liberdade, por mais bela que ela seja, é na existência uma circunstância; a ordem é a condição essencial - intrínseca - da vida, a garantia do trabalho e a segurança do pão».
Os quatro anos e meio de exílio de Mário Soares, bem exprimidos, não deram mais do que a porcaria que está aí bem à vista de todos os portugueses. A sua estultícia de que iria escrever história e fazer a felicidade de um Povo terá sido fatal, não só para este homem como para todos os que, iludidos na sua pequenez pigmaliónica, parvamente se autoconvenceram de que seriam capazes de governar minimamente este País, em termos de eficiência e de dignidade. Ilusões que têm o seu preço. Ilusões que se pagam caro. Ilusões que se matam a si próprias.
Com muito acerto diria Jules Lamaître: «A tolice triunfante faz quezílias à gente, mas por muito que nos arrelie, que se lhe há-de fazer? Porque os tolos nunca saberão que são tolos senão no outro mundo, quando já não serve para nada»...
(...) Anarquia do Estado - O Poder na rua...
Referimos já que ainda o Povo Português se não apercebera completamente do ocorrido a 25 de Abril e logo no dia seguinte se faziam distribuir pelos militantes do CDE panfletos incendiados a clamar vinganças, a convidar ao atropelo e à violência revolucionária, apontando que «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»...
Quando se fizer a história miúda do 25 de Abril da traição, hão-de surgir à superfície os responsáveis, os que consentiram, com a sua pusilanimidade, na destruição do País. A demagogia delirante dos chefes socialistas e comunistas, orquestrada ao nível dos orgãos de comunicação social - levaram rapidamente a uma rotação de 180 graus do corpo social da Nação. As contestações de rua, os plenários nos locais de trabalho, os saneamentos selvagens nas empresas e nos próprios organismos públicos, a desarticulação nos orgãos administrativos do poder local, o retraimento das forças de segurança pública, a quebra da autoridade e do respeito da lei - teriam fatalmente que gerar o caos, a desordem institucional, as reivindicações irrealistas, a agressividade dos trabalhadores, numa palavra: o pandemónio da desorganização total. Teimava-se chamar a isto uma revolução. Mas revolução de quê? Revolução da vergonha, dos ódios, das vinganças, das ambições desmedidas de certos homens pela inversão completa dos valores supremos. Apoucam-se os símbolos da Pátria na pessoa dos seus heróis, dos seus santos, dos seus grandes poetas e escritores, dos seus homens de arte, dos seus estadistas eméritos, que a História projecta no tempo, na dimensão que só o tempo dá!
Qualquer cáca-rala vindo de exílios equívocos, entre políticos e homens de letras e de ciência, de cambolhada com desertores, refractários, salteadores de bancos - os «grandes cérebros" de que falava Mário Soares -, arrogava-se falar de alto sobre complexos problemas da vida nacional, com tamanho desgarro e atrevimento, que as pessoas de bem quedavam-se perplexas e aturdidas. Foi a essa ralé, a essa escória entornada do esgoto de uma Europa em crise, que se fez presente do País que éramos em Abril de 1974!
(...) Carta de um Português a Galvão de Melo...
Menos de um mês depois do 25 de Abril, a 22 de Maio, recebia o general Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional, uma carta escrita por um só português e que, conforme foi referido aos écrans da televisão, onde foi lida pelo general, poderia ter sido escrita por todos os portugueses autênticos. Vivia-se já então uma situação de desordem e de anarquia, de desencadear de ódios e de ambições reprimidas por anos de frustração, de inveja, de recalcamento. Estávamos a viver já o 25 de Abril da traição, da insídia, do golpe baixo, do saneamento, do tira-te daqui tu, para me pôr cá eu. Faziam-se apelos ao baixo instinto das multidões, adulando-as, apontando-lhes metas utópicas, impossíveis. Esse trabalho teve o seu tenebroso início logo em 26 de Abril, menos de 24 horas depois do pronunciamento militar. De facto, num panfleto, de pequeno formato, profusamente distribuído, o CDE dava o grito de ordem: «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»... Com efeito, antes de 22 de Maio o poder estava mesmo na rua, e assim se manteve por muitos tempos e bons, como alimento dos mais vorazes revolucionários da nossa praça.
Vamos, no entanto, reproduzir o texto integral da alocução ao Povo Português que o general Galvão de Melo proferiria frente às câmaras da RTP, por elucidativa do processo, que bem cedo começaria a degradar-se:
«Com data de 22 de Maio, recebi uma carta que, embora dirigida à Junta de Salvação Nacional, vinha ao meu cuidado. Escrita por um português, poderia ter sido escrita por todos os portugueses autênticos. Vale a pena torná-la conhecida. Por isso qui estou. Ora escutai»:
À Junta de Salvação Nacional -
Isto tudo será a liberdade?
A resposta a isto tudo começam a dar os jornais estrangeiros e bem insuspeitos que já troçam e nos apontam como a "democracia carnavalesca".
Em consciência, portanto, não podia deixar de me dirigir à Junta de Salvação Nacional e manifestar as minhas enormes apreensões pelo clima de anarquia que se vive e respira a todos os níveis e que está em total desacordo com a liberdade responsável que o Movimento das Forças Armadas veio trazer aos portugueses da Metrópole e do Ultramar.
Por último, pergunto: Poderá o País aguentar a crise económica que dia a dia se vai desenhando diante de todos, com a paralisação da indústria e do comércio, com o aumento de desemprego, consequência da falência inevitável de pequenas e médias empresas que soçobram perante as exigências demagógicas de oportunistas que se dizem representar o trabalhador honesto, o qual, na sua boa fé, assim se deixa enganar por gente sem escrúpulos? Que Deus guarde Portugal!».
(...) Spínola em dificuldade para salvar a Revolução...
Ao tentar a recomposição de um novo gabinete ministerial, o presidente Spínola experimenta no entanto dificuldades inusitadas, com que não contaria, enquanto por outro lado suporta pressões fortes que o impediam de consumar a nomeação de um Primeiro-Ministro de sua escolha e confiança, como viria a suceder com o tenente-coronel Mário Firmino Miguel. Contra a sua vontade, é praticamente levado a aceitar para idêntico cargo o então obscuro oficial de engenharia, tenente-coronel Vasco Gonçalves, apenas conhecido num meio militar muito restrito como de uma linha pró-comunista. Em circunstâncias quase idênticas, prisioneiro da mesma teia de que não consegue já desembaraçar-se, Spínola cede manifestamente ao chamado sector «progressista» do MFA e subscreve a nomeação para governador militar de Lisboa e adjunto do comando do COPCON (força militar recém-formada e que se achava na dependência directa do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, general Costa Gomes), o então major de infantaria, Otelo Saraiva de Carvalho, que não navegava nas mesmas águas do presidente, bem pelo contrário.
(...) é conferida posse ao presidente da Junta Governativa de Angola, Almirante Rosa Coutinho. Em curtíssima cerimónia, o presidente da República lembra ao empossado as responsabilidades do «orgão agora criado em hora particularmente difícil da vida desse território, conturbada nos últimos dias por convulsões cujas origens se encontram detectadas»... Nessa mesma cerimónia, e no seu discurso, Spínola dá a entender de que algo vai passar-se relativamente à sorte dos territórios portugueses de Além-mar, quando diz: «Aliás, o País vai tomar muito brevemente conhecimento, em toda a a sua extensão, dos novos horizontes que se lhe abrem». A finalizar a sua curta alocução, o general lembrava ao empossado que a «população de Angola carece de ser devidamente esclarecida, pois presentemente vive-se ali um ambiente de dúvida, de incerteza, de inquietação, e de legítimos e justificados anseios. Cabe, portanto, a Vossa Excelência Senhor Almirante levar uma palavra de confiança ao povo de Angola, esclarecendo-o acerca das perspectivas dum futuro próspero em ambiente de paz e de convivência humana no quadro do desenvolvimento de um processo de descolonização que estamos vivamente empenhados em levar a bom termo».
(...) «27 de Julho»: entrega do Ultramar aos inimigos de Portugal
Efectivamente, três dias depois, em solene comunicação ao País, amplamente divulgada, o presidente Spínola, a 27 de Julho, fazia perante milhões de portugueses, emocionados e estupefactos, o seu «hara-kiri» político. Cedendo definitivamente a pressões internas e externas, acabava de proceder por esse modo brutal à entrega pura e simples do Ultramar aos inimigos da pátria portuguesa, com grave atropelo ao estabelecido no Programa do MFA e no decreto-lei n.º 202/74. Satisfazia-se, desse modo, a aspiração máxima de socialistas e comunistas, de Soares e de Cunhal: deixar, por qualquer preço, os territórios, com vidas e haveres de milhões de negros e de brancos portugueses, à voracidade de interesses neo-colonialistas estranhos a Portugal, com todas as suas dolorosas consequências. Seria o começo da descolonização exemplar...
A Lei constitucional n.º 7/74, decretada pelo Conselho de Estado, promulgada na véspera, havia criado o quadro de legitimidade constitucional à perpetração deste crime de lesa-Pátria. Removida essa última barreira, era reiterado assim o reconhecimento do direito dos povos dos territórios ultramarinos portugueses à autodeterminação, incluindo o reconhecimento do seu direito à independência.
(...) Quem fez «Trair»?
(...) Igualmente é de espantar que, em Dezembro de 1974, Almeida Santos, na ONU, apresentasse um calendário completo para as independências de Moçambique, Angola e Guiné. Não menos espantosa a revelação feita pelo ministro português de que Portugal havia já contribuído, ou dispenderia, até final do ano, 230 milhões de dólares (seis e meio milhões de contos) com a assistência financeira, não reembolsável, para apressar o processo de descolonização...
Quem faria, pois, «correr» estes homens?!
(...) Perda do Ultramar por abandono - Crime sem perdão!
Uma certa falta de preparação política tornou António de Spínola presa fácil dos que, por ambição e sem escrúpulos, o rodearam e lisonjearam, servindo-se, apenas para os seus tenebrosos desígnios, do seu prestígio e da sua farda honrada de militar e de patriota. No que se refere às teses relativas ao Ultramar e que já haviam levado o anterior regime a sustentar, no interesse do País, uma luta de guerrilha imposta de fora para dentro dos nossos territórios africanos, era de uma transparência cristalina que tudo se passaria como passou logo que franqueados esses territórios ao apetite e às cobiças que há muito se exerciam sobre eles. A política de defesa promovida nesses territórios, impondo uma guerra de mato desgastante e incómoda, não resultava de um mero capricho de dirigentes teimosos, obstinados ou pouco esclarecidos. A resistência, de armas na mão, constituía, na circunstância, um dever nacional indeclinável. Jogava-se nessa guerra, que nunca quisemos e não merecíamos, o destino de Portugal. Todos os portugueses, combatentes e não combatentes, estavam conscientes que esse esforço visava acima de tudo defender, contra os golpes traiçoeiros do terrorismo, as populações, na sua vida, no seu trabalho, na sua fazenda. A defesa, de armas empunhadas, visava essencialmente preservar a unidade moral e política da Nação.
Ora, perder o Ultramar, nas condições desastrosas que se verificaram, abandonando as populações à sua sorte, permitindo autênticos genocídios - é mais do que um crime: uma traição sem nome.
Que haja serenidade possível, perante o que foi o horror da descolonização na Guiné, Moçambique, Angola e até em Timor, permitir que se intitule «conselheiro» de uma revolução um Vítor Crespo qualquer que publicamente afirme ter sido essa mesma descolonização uma tarefa tão grandiosa como a dos descobrimentos marítimos dos portugueses de quinhentos - equivale à demissão completa da qualidade de português! (in 25 de Abril: A Revolução da Vergonha, Literal, 1977, pp. 17-19; 33-34; 54; 56-59; 62-65; 71-75; 78-83; 88-91; 95 e 102).
Notas:
(1) Referia-se ao Programa de Política Económica e Social, conhecido pelo nome de «Plano Melo Antunes» e que apesar do seu elevado custo, estadia de técnicos no Hotel do Mar, em Sesimbra, composição, impressão e distribuição, etc., foi deitado para o caixote do lixo...
(2) A obsessão de Cunhal com «os grandes agrários» é uma mania como outra qualquer, e demonstrativa do elevado grau de desconhecimento e ignorância da situação portuguesa e de quanto o PC se serve de música de ouvido para melhor endrominar os pobres de Cristo que ainda o vão escutando. Não admira que Álvaro Cunhal e seus acólitos cometam tantas e tão frequentes gafes, especialmente o seu chefe de fila que viveu entre prisões e exílio cerca de 30 anos afastado dos problemas reais do País. Num quadro de distribuição relativo às explorações agrícolas com cultura arvense, por classes de extensão, cadastro levantado por volta dos anos 70, verificava-se a seguinte situação no respeitante ao Alto e Baixo Alentejo:
Portanto, de um total de 43.587 explorações agrícolas, considerados «grandes agrários» apenas 315, com uma média de exploração por hectare da ordem dos 2.300... além de que para alcançar as actuais relações entre homem activo por Ha. de terra arável e por número de cabeças de gado dos países desenvolvidos - ter-se-ia que reduzir pelo menos a nossa força de trabalho agrícola para um terço ou para um quarto do número actual, o que, a manter-se a taxa de momento, empolada pela pseudo-reforma agrária, levaria nada menos do que duas gerações, tempo que se entende incompatível com a existência mínima do progresso social e económico desejável.
(3) (...) a actuação irrealista dos partidos socialista e comunista, por uma série de violências praticadas nos mecanismos da economia do País, logo após o 25 de Abril, conduziriam a uma situação próxima da bancarrota; esse irrealismo teve a sua origem na ignorância por um lado e num grosseiro erro de avaliação por outro da situação real e concreta do todo nacional nos anos 70. Possibilidade de paralisia ou deterioração económica existe de há dois anos para cá - não existia de modo nenhum ao tempo do anterior regime, apesar dos encargos com a guerra colonial. Éramos um País económica e financeiramente arrumado, empenhado num bem programado plano de desenvolvimento que em breve daria os seus frutos, colocando-nos ao nível dos melhores índices europeus. Falar como falava Soares, por todo o lado, de dificuldades económicas e de necessidades de auxílios, era a capa de que desonestamente se servia para justificar uma posição de luta ideológica - que, ao fim e ao cabo, desgraçaria o País, destruindo-o.
(4) A doce ilusão de que a luta que nos era movida em África não se dirigia contra o Povo Português, mas contra o fascismo e o colonialismo, apresentava-se nas tertúlias internacionais como um isco... Morderam-no os opositores activos que no estrangeiro, exilados, desertores ou refractários, conspiravam sem descanso contra a sua Pátria. Oferecida de mão beijada a Independência - logo surgiu a manifestar-se contra o branco português o mais feroz racismo negro, como sucedera sempre, em todos os outros territórios africanos libertados. Não pode ter sido pior o comportamento dos responsáveis negros. Porquê, agora?!...
(5) Da Europa Ocidental, com certeza que sim: mas superior ao da Grécia, Jugoslávia e de todos os países socialistas do leste europeu, e a par da Itália e Espanha. É evidente que não chegara o esforço feito de recuperação de um País destroçado em 1926, para atingir o nível de vida da França, Alemanha, Grã-Bretanha, Suíça e Países Nórdicos. Só por milagre. Mas pelo que se está vendo, o Dr. Mário Soares depressa nos levará lá. A que ponto chega a ignorância e o sectarismo!
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(6) Esta tecla seria obsessivamente tocada pelo líder do PS. Para falar com tamanho despudor de uma catastrófica situação económica em Portugal atinge as raias da demência. Tal facto, demonstraria, poria a nu, quanto Mário Soares desconhecia a situação económica e financeira do seu País, especialmente quanto a este último aspecto em que desfrutava de uma situação ímpar em todo o Mundo, a tal ponto que tem sustentado e amparado as loucuras e sandices revolucionárias de todos os Soares e Cunhais à beira mar plantados...
(7) Ridículo e irrisório o mercadejar por toda a parte um auxílio financeiro, quando Portugal dispunha por então de reservas em ouro e divisas que faziam a inveja de muitos países ricos. Pedir, pois, auxílio financeiro a que título? Para forçar a nota de que éramos um País arruinado ao tempo do anterior regime? Mas isso era tão estúpido, senhores!
Continua
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