Escrito por Leonardo Coimbra
«Não
se deteve Leonardo Coimbra a meditar na fórmula evangélica: Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Estas três expressões bíblicas significam três rumos, e não três termos que
limitem as virtudes teologais. O mistério da encarnação é solidário do mistério
da redenção.
No
livro intitulado Jesus, o nosso
pensador, utilizando a equivalência evangélica de Cristo com o Verbo, escreveu
comovidamente: “Cristo é a Verdade, a Beleza e a Bondade”. Tal cristologia
encerra, assim, a evolução de todos os valores, e portanto opõe-se ao progresso
da filosofia. A imagem da crucificação representa, para Leonardo Coimbra,
adequada relação entre o tempo e a eternidade.
A dificuldade da doutrina cristã não consiste no enunciado de cada mistério que é proposto à fé. Separadamente, nenhum dos mistérios repugna à razão, logo que de algum modo se admita a distinção entre o que é natural e o que sobrenatural. A dificuldade consiste em conciliar os mistérios de molde a apresentar à cultura actual uma satisfatória sistematização da teologia.»
Álvaro Ribeiro («A Arte de Filosofar»).
«Muita
gente ignora que a palavra meiga se
formou por evolução popular da palavra mágica.
Como se explica em etimologia, o g
intervocálico caiu e o c sonorizou-se
em g. Deu-se ao mesmo tempo uma leve
alteração do ditongo. Tudo por este teor: magicam-maica-maiga-meiga.
Meiga é a mulher, que é como quem diz
mágica. É ela quem seduz o homem que escolheu entre outros homens, mas finge
que foi ela a seduzida, jogando admiravelmente com a nossa vaidade. Nós, quando
apaixonados, julgamos sê-lo por deliberação própria; não nos apercebemos que
fomos enfeitiçados. A mulher tem naturalmente o segredo das ciências ocultas. É
mestra na arte de conhecer as naturezas e as intenções pela fisionomia.
Se a fisionomia é, como ensina Álvaro
Ribeiro e ensina Ibn’Arabî, a mais alta das ciências, temos de reconhecer que a
mulher é, enquanto ser espiritual, de longe superior ao homem.
Basta observar o grau de profundidade do olhar num e noutro sexo. O homem tem uns olhos sem mistério, a superficialidade mental está neles bem manifesta. Tem qualquer coisa de opaco. Os olhos das mulheres, cuja visão lateral tem mais amplitude, vêem num relance o que se passa à sua volta, mas há neles um brilho nocturno semelhante ao das estrelas. Exprimem a misteriosidade da alma, como as estrelas a profundidade de onde emergem.»
António Telmo («Congeminações de um Neopitagórico»).
«A mulher despreza o homem medíocre, o homem que não se distingue, o homem incapaz de heroísmo. Dir-se-ia que anseia pelo superhomem. É imensa a literatura que narra os episódios dramáticos da luta por este modo de liberdade, e também imensa a literatura demonstrativa de que nem sempre a mulher ficou vencida. A imaginação feminina, de atracção e repulsão, de motivos e quietivos, é como que a magia da carne. Mais natural do que o homem, a mulher situa o seu afecto na carne da sua carne, dá prioridade afectiva às relações de consanguinidade, ignorando talvez as relações espirituais com o amor.»
Álvaro Ribeiro («Escola Formal»).
Penetrar o Mistério, que sublime Alegria!
Mas sedes prudentes.
O Mistério é feminino, tratai-o como
Mulher.
Um fino tacto, uma comovida e enleada
delicadeza e muito enternecimento vos são precisos.
O Mistério não permite violências. Se
tentais violentá-lo, morre da violência.
Quando, colegial, numa verde cidade
provinciana, saía aos domingos a passeio e acontecia atravessar as ruas da
cidade, era um rumor de asas, que, dentro em mim, se abriam ao olhar os
afastados vultos femininos, recortando a luz das janelas. Eram primaveras de
ignorados mundos a lançarem sobre mim misteriosos perfumes, tépidos segredos,
orgias inocentes, bacanais castíssimas; e o corpo, em jeitos de alma, evocava
castelos à beira-rio, jardins sobre terraços ao crepúsculo, ânforas de água
carregando pajens, brancos jasmins esparsos, todo um mundo de brandura, enlevo,
afago, devoções, renovados encantos de novas harmonias.
A Mulher era o Mistério.
Mistério próximo e todavia inabordável se nos falta a firmeza, se, dos nossos sentidos e jeitos, é ausente a humildade atenciosa.
Brutalizai uma Mulher e sereis um Moisés Satã, invertendo o milagre de Horeb.
A água volve-se rocha; a lira, que a todos os ventos ressoava, dizendo ocultas e nunca ouvidas faltas, vai imediatamente calar-se. Nada mais será que um efeito do vosso mal, uma caricatura da vossa violência.
O Universo é na vossa frente; virginal e
sedutor, tenta-vos. Conquistai-o: mas que fique sempre virgem. Só assim vos
continuará a seduzir.
O Mistério é uma Mulher...
(In Leonardo Coimbra, A Alegria, a Dor e a Graça, Livraria Tavares Martins/Porto, 1956, pp. 48-49).
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