Escrito por D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Mas já é tempo de falar de LEONARDO COIMBRA, que em 1935, no livro A Rússia de hoje e o homem de Sempre, reconheceu e proclamou, em linguagem fulgurante (com a iluminação cristã, clareou o pensamento até aqui obscuro e contraditório de LEONARDO COIMBRA), a tese fundamental que neste capítulo desenvolvemos.
Toda a primeira parte deste livro fortemente agitado pelo vendaval do espírito estuda o problema do Homem, que só encontra explicação e realização na revelação cristã. Há aqui páginas que lembram o melhor de BERGSON: imagens brilhantes e profundeza de intuição filosófica.
Passa em revista (e são todos os valores, por assim dizer, da nossa cultura) os três humanismos: - o humanismo idealista, de Platão, que «deixa o homem suspenso dum Ideal, aberto o seu coração em clamoroso vazio de amor»: - o humanismo cristão, que «apreende aquele vazio e leva a estas praias o ósculo aliciante dum oceano de amor»; - e o humanismo antropolátrico, que «seca todas as ternuras do Universo, some todas as vidas, e oferece uma vontade, dissolvida em desejos, à vontade cúpida do homem, o imenso deserto dum Universo inanimado e sem sentido».
O humanismo cristão é o único que resolve o problema do homem.
LEONARDO COIMBRA começa por citar as palavras do Prólogo do Evangelho de S. João Evangelista: «No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus... Todas as coisas foram feitas por Ele. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós... E todos nós participamos da sua plenitude». Com a Incarnação, «o Ideal [abstracto, de Platão] é agora uma pessoa viva e presente, do tempo e da eternidade - o abraço da terra e do céu, do finito e do infinito, da transitividade e do Ser, do histórico e do eterno; o Absoluto não é a ideia das ideias, o bem dos bens, a verdade das verdades [dos filósofos]; mas o Deus abscôndito em presença humana, salvando os homens e, por estes, a própria matéria; o Deus eterno do povo fiel, fiel a despeito de traições e quedas, o absoluto, em eterno, do tempo que discorre; o inacessível, o ignoto e insondável, o Criador que envia o seu verbo aos homens, e o Verbo se fez carne»...
Cristo representa, pois: «o homem e a graça, o homem e a natureza capazes de harmonia, readquirida inocência e acordo;... o Ideal não é uma meta inacessível, nem o caminho de um esforço insuficiente; mas uma Pessoa, um coração, um amor, a própria Caridade criadora e redentora; o ângulo da avidez humana abre-se em toda a extensão e altura e profundidade da sua fome de ser, dando alimento a essa fome, água a toda a sede, vida em crescimento sem fim a uma avidez aquietada e sempre crescendo na alegria de se banhar, de posse, em presença viva e real verdade, no infinito mar do Ser, que é o mar infinito do conhecimento e do amor; o lugar do homem é de um certo modo - o modo humilde - o centro da criação».
O Programa humano a realizar define-se assim: «depois de Cristo, o homem e o seu esforço, a semente do mérito germinando em glória e eternidade no seio da terra, no âmago do sensível e do múltiplo, transfigurando as almas e os mundos até à beatitude de uma contemplação eficiente, até à harmonia das novas terras e dos novos céus».
E assim, no humanismo cristão temos «tudo explicado e valorizado»; no humanismo antropolátrico, «nada explicado e tudo desvalorizado, o ser participado querendo ser origem e vendo de repente esse tudo sumir-se no nada dos mundos e dos seres» (in A Igreja e o Pensamento Contemporâneo, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1944, pp. 499-502).
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